RESUMO: O objetivo do presente artigo é expor os dispositivos legais que disciplinaram a redistribuição patrimonial dos bens do extinto Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS), nos termos do art. 14 da Lei 6.439/77, e as dificuldades obtidas pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) nos procedimentos unilateralmente adotados pela autarquia na tentativa de identificar a natureza da utilização existente à época no imóvel - prestação de serviço médico ou mero uso administrativo -, e, por consequência, se a sua propriedade integrará o seu patrimônio ou será transferida à União.
PALAVRAS-CHAVE: Instituição do SINPAS. Lei 6.439/77. Redistribuição patrimonial. Legítimo proprietário. Definição sobre a efetiva utilização dos bens à prestação de assistência médica ou para fins administrativos. Parecer AGU/MS-11/2005.
A discussão acerca da redistribuição patrimonial dos bens do extinto Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS) foi objeto do Parecer AGU/MS-11/2005[1], de 21 de outubro de 2005, aprovado pelo Advogado-Geral da União e pelo Excelentíssimo Senhor Presidente da República, cuja natureza vinculante se estende a toda Administração Pública Federal, nos termos dos artigos 40 e 41 da Lei Complementar 73/93[2].
Naquela ocasião, entendeu-se que os bens do INPS, do FUNRURAL e do IPASE que, no momento da edição da Lei 6.439/77, que instituiu o Sistema Nacional de Previdência Social (SINPAS), não eram destinados à prestação de assistência médica, não integraram o patrimônio do INAMPS, mas do IAPAS, razão pela qual, quando da sua fusão com o INPS para a criação do INSS, passaram ao conjunto de bens dessa nova autarquia previdenciária a partir da Lei 8.029/90:
[...]
Art. 17. É o Poder Executivo autorizado a instituir o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, como autarquia federal, mediante fusão do Instituto de Administração da Previdência e Assistência Social - IAPAS, com o Instituto Nacional de Previdência Social - INPS, observado o disposto nos §§ 2° e 4° do art. 2° desta lei. (Renumerado do art 14 pela Lei nº 8.154, de 1990)
Parágrafo único. O Instituto Nacional do Seguro Social - INSS terá até sete superintendências regionais, com localização definida em decreto, de acordo com a atual divisão do território nacional em macrorregiões econômicas, adotada pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, para fins estatísticos, as quais serão dirigidas por Superintendentes nomeados pelo Presidente da República.
Nesse sentido, bastava a verificação se os bens em questão estavam ou não diretamente designados à prestação de assistência médica à época da vigência da Lei 6.439/77, conclusão esta que resolveria definitivamente se os bens do extinto INAMPS integrarão o patrimônio da União ou o do INSS.
Convém transcrever o artigo 14 da Lei 6.439/77:
[...]
Art. 14 – Em decorrência do disposto nesta Lei, o patrimônio de cada uma das entidades do SINPAS será constituído:
I – o do INPS por seus bens não transferidos a outra entidade do SINPAS e pelos bens que o IPASE e o FUNRURAL atualmente utilizam na concessão de benefícios e outras prestações em dinheiro e na prestação de assistência complementar e de reeducação e readaptação profissional;
II – o do INAMPS pelos bens que o INPS, o FUNRAL, a LBA e o IPASE atualmente utilizam na prestação de assistência médica;
III - o da LBA por seus bens não transferidos a outras entidades do SINPAS e pelos bens que o INPS, o FUNRURAL e o IPASE atualmente utilizam na prestação de assistência social;
IV – o da FUNABEM por seus atuais bens;
V – o da DATAPREV por seus atuais bens;
VI – o do IAPAS pelos bens atualmente utilizados nos serviços de arrecadação e fiscalização e na administração patrimonial e financeira do INPS, do FUNRURAL e do IPASE, bem como por aqueles que não forem atribuídos a nenhuma das demais entidades do SINPAS por força da distribuição de competências prevista nesta Lei.
§1º - Integrarão, também, o patrimônio das entidades do SINPAS quaisquer outros bens que venham a adquirir para uso próprio ou que lhes sejam transferidos com essa finalidade.
§2º - A transferência de bens móveis e direitos de uma para outra entidade do SINPAS se fará por ato do Ministro da Previdência e Assistência Social.
§3º - O Ministro da Previdência e Assistência Social disciplinará a utilização comum do patrimônio das entidades do SINPAS tendo em vista a economia de gastos e a integração de serviços.
§4º - Os bens doados às entidades de previdência e assistência social continuarão sujeitos aos encargos porventura impostos pelos respectivos doadores, cabendo às entidades a que forem redistribuídos dar cumprimento a esses encargos.
Percebe-se que o legislador ordinário, ao utilizar-se da expressão “patrimônio”, quis abarcar tanto os bens móveis quantos os bens imóveis, tendo em vista a necessidade de estipular um critério objetivo para qualificar a utilização do acervo patrimonial que iria integrar as várias entidades integrantes do SINPAS. Deve-se para isso, contudo, estabelecer um encadeamento entre o artigo 14 e o artigo 15 da Lei 6.439/77, de sorte a conservar a sua unidade e coerência.
Assim, ao instituir o SINPAS, autorizou-se expressamente, por meio da Lei 6.439/1977, quanto à gestão imobiliária, uma adequação na distribuição patrimonial das respectivas entidades integrantes do SINPAS de acordo com a natureza da destinação a que se prestava à época no imóvel - prestação de serviço médico ou mero uso administrativo -, cuja relação discriminada seria formalizada pelo então Ministério da Previdência e Assistência Social, conforme dispõe o §1º do artigo 15 da citada Lei:
[...]
Art. 15 – Fica o Poder Executivo autorizado a promover a transferência, de uma para outra entidade do SINPAS, de bens imóveis e de direitos a eles relativos.
§1º Para o cumprimento das formalidades legais junto ao registro de imóveis, o MPAS relacionará, descreverá e caracterizará os imóveis redistribuídos entre as entidades do SINPAS.
§2º O registro relativo a bens imóveis será efetuado a requerimento da entidade interessada, valendo como instrumento os atos do MPAS a que se refere o parágrafo anterior.
[...]
Desse modo, a partir dessa classificação, deveria cada entidade ter solicitado a averbação da transferência no respectivo registro imobiliário, consoante disciplina o §2º do artigo 15 da Lei 6.439/1977, silenciando-se a lei quanto ao prazo para o exercício dessa faculdade. Tal transferência, aliás, deve obedecer ao regime de aquisição dos direitos reais na forma do artigo 1.227, do Código Civil.
Porém, não se tem notícia de que a União, por meio da Secretaria de Patrimônio da União (SPU), tenha adotado diligências no sentido de inventariar cada um dos bens que estavam afetados à prestação de assistência médica ou ao uso administrativo, à época da vigência da Lei 6.439/77.
Sobre essa investigação casuística e detalhada, a Corte de Contas da União, por meio de auditoria no INSS (Acórdão 1495/2004 – Plenário[3]), com o objetivo de obter informações sobre a gestão de seus ativos imobiliários, deliberou da seguinte forma:
[...]
9.2.3. caso não tenha realizado, adote providências com vistas a implementar a proposta apresentada na Nota Técnica PFE/INSS/CGMADM/DPIM nº 10/2004, a fim de agilizar o cumprimento ao item 9.3.1 do Acórdão 681/2003 – Plenário, mantendo este Tribunal informado nas próximas contas da autarquia;
[...]
A partir disso, alguns procedimentos foram instaurados unilateralmente pelo INSS no intuito de identificar os imóveis que por equívoco, no momento da inventariança ocorrida à época, foram transferidos ao seu patrimônio, embora atualmente estejam sendo utilizados de alguma maneira por hospitais ou postos de assistência à saúde estadual ou municipal[4].
A propósito disso a Portaria MPS 589/2004 foi editada e foi objeto inclusive de citação pelo Ministro Relator Ubiratan Aguiar, nos autos do Processo 004.168/2004-3 - item 12 do Acórdão 1495/2004 -, extraindo-se a seguinte finalidade: “tratar de questões afetas ao patrimônio imobiliário da autarquia, em especial: elaborar diagnóstico dos problemas relativos a esse patrimônio; apresentar propostas para implementação de uma política administrativa de gestão para esse patrimônio; propor alterações na legislação em vigor de forma a dar maior eficácia à administração dos imóveis do INSS; e supervisionar as ações a serem implementadas.”.
Naquela oportunidade, o Plenário do TCU determinou ao INSS que:
[...]
9.2.1. matenha este Tribunal informado, a cada 90 dias, sobre o andamento e os resultados das atividades do Grupo de Trabalho instituído pela Portaria MPS nº 589, de 02/06/2004, encaminhando também os relatórios que forem produzidos pelo referido grupo;
[...]
9.2.3. caso não tenha realizado, adote providências com vistas a implementar a proposta apresentada na Nota Técnica PFE/INSS/CGMADM/DPIM nº 10/2004, a fim de agilizar o cumprimento ao item 9.3.1 do Acórdão 681/2003 – Plenário, mantendo este Tribunal informado nas próximas contas da autarquia;
[...]
9.5. dar ciência do presente Acórdão, bem como do Relatório e Voto que o fundamentam à Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização do Congresso Nacional, ao Ministério da Previdência Social, ao Instituto Nacional do Seguro Social, aos senhores Paulo Roberto Garcia e Wilson de Castro Junior, Coordenador-Titular e Coordenador-Substituto, respectivamente, do Grupo de Trabalho instituído pela Portaria MPS nº 589, de 02.06.2004, e com vistas a subsidiar a elaboração do parecer prévio sobre as Contas do Governo do exercício de 2004, à Secretaria de Macroavaliação Governamental.
[...]
Decidiu-se, portanto, que caberia ao Instituto Previdenciário comunicar sobre o desfecho dos procedimentos adotados pelo Grupo de Trabalho instituído pela Portaria MPS 589, de 02/06/2004, remetendo-se as respectivas conclusões à Corte de Contas da União.
Dessa forma, vê-se que essa situação ainda permanece irresoluta em muitas localidades, cuja solução merece ser dirimida no âmbito interno dos órgãos e entidades envolvidos, quais sejam, INSS, Ministério da Saúde (MS) e Secretaria do Patrimônio da União (SPU), e não somente por um dos interessados, haja vista necessidade de aferir-se conjuntamente a exata destinação empregada aos imóveis à época da edição da Lei 6.439/1977, especialmente pelo fato de o legítimo proprietário ter de decidir posteriormente sobre a conveniência de transferi-lo ao responsável direto pela manutenção dos serviços de saúde disponíveis à população, nos termos do art. 2º da Lei 8.689/1993:
[...]
Art. 2º Os bens imóveis e o acervo físico, documental e material integrantes do patrimônio do Inamps serão inventariados e: (Vide Lei nº 8.993, de 1995)
I - incorporados ao patrimônio da União, mediante termos lavrados na forma do inciso VI do art. 13 do Decreto-Lei nº 147, de 3 de fevereiro de 1967, com a redação dada pelo art. 10 da Lei nº 5.421, de 25 de abril de 1968, ficando o acervo documental sob a guarda e responsabilidade do Ministério da Saúde;
II - doados ou cedidos a municípios, estados e Distrito Federal, quando se tratar de hospitais e postos de assistência à saúde e, na conveniência de ambas as partes, cedidos, quando se tratar de imóveis de uso administrativo, os quais permanecerão como patrimônio do INSS, sendo obrigatória a publicação do ato correspondente que especifique o destinatário e o uso do bem.
[...]
Somente a partir da criação de grupo de trabalho interministerial, portanto, com a abertura de procedimentos individualizados para cada imóvel, no sentido de colher provas materiais e/ou testemunhais a respeito da efetiva destinação dada ao imóvel à época da edição da Lei 6.439/1977, é que se acredita na solução definitiva para o impasse da redistribuição patrimonial dos bens do extinto INAMPS e a constatação de que é o legítimo proprietário.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei 6.439, de 1º de setembro de 1977. Institui o sistema Nacional de Previdência e Assistência Social e dá outras providências. Portal da Legislação. Leis Ordinárias. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6439.htm. Acesso em: 18.11.2013.
BRASIL. Lei 8.029, de 12 de abril de 1990. Dispõe sobre a extinção e dissolução de entidades da administração Pública Federal, e dá outras providências. . Portal da Legislação. Leis Ordinárias. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8029compilada.htm. Acesso em: 18.11.2013.
BRASIL. Lei 8.689, de 27 de julho de 1993. Dispõe sobre a extinção do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (Inamps) e dá outras providências. Portal da Legislação. Leis Ordinárias. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8689.htm. Acesso em: 18.11.2013.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 14. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2003.
FURTADO, Lucas Rocha. Curso de direito administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2007.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 1996.
[1] Disponível em: http://www.agu.gov.br/sistemas/site/PaginasInternas/NormasInternas/AtoDetalhado.aspx?idAto=8444. Acesso em 18.11.2013.
[2] Art. 40. Os pareceres do Advogado-Geral da União são por este submetidos à aprovação do Presidente da República.
§ 1º O parecer aprovado e publicado juntamente com o despacho presidencial vincula a Administração Federal, cujos órgãos e entidades ficam obrigados a lhe dar fiel cumprimento.
§ 2º O parecer aprovado, mas não publicado, obriga apenas as repartições interessadas, a partir do momento em que dele tenham ciência.
Art. 41. Consideram-se, igualmente, pareceres do Advogado-Geral da União, para os efeitos do artigo anterior, aqueles que, emitidos pela Consultoria-Geral da União, sejam por ele aprovados e submetidos ao Presidente da República.
[3] TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Acórdão 1495/2004. Rel. Ministro Ubiratan Aguiar. Plenário, julgado em 29.09.2004. DOU de 08.10.2004.
[4] Portaria Interministerial n.º 02/1991, Portaria Interministerial n.º 15-A, de 29/05/96, Portaria Interministerial n.º 6.086/99, Portaria MPS/GM n.º 622/2003, Portaria MPS n.º 589/2004
Procurador Federal. Mestre em Direito Internacional pela Universidade Católica de Brasília. Chefe de Licitações, Contratos Administrativos e Matéria de Pessoal da Procuradoria Federal junto à Agência Nacional de Transportes Aquaviários em Brasília/DF. Ex-Chefe da Seção de Consultoria e Assessoramento da Procuradoria Federal Especializada junto ao INSS em São Luís/MA. Ex-Chefe da Divisão de Patrimônio Imobiliário da Procuradoria Federal Especializada junto ao INSS em Brasília/DF.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: TARCíSIO GUEDES BASíLIO, . A redistribuição dos imóveis do extinto Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social (SINPAS) e a dificuldade atual de definir a natureza da destinação existente à época da edição da Lei 6.439/77 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 dez 2013, 06:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/37473/a-redistribuicao-dos-imoveis-do-extinto-sistema-nacional-de-previdencia-e-assistencia-social-sinpas-e-a-dificuldade-atual-de-definir-a-natureza-da-destinacao-existente-a-epoca-da-edicao-da-lei-6-439-77. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Maurício Sousa da Silva
Por: Maurício Sousa da Silva
Por: Maurício Sousa da Silva
Por: DESIREE EVANGELISTA DA SILVA
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