Aborda-se no presente artigo a tese da inexistência de relação jurídico-tributária em relação à incidência do imposto de renda da pessoa física - IRPF - sobre o adicional do terço de férias.
O tributo em questão tem suas normas-matrizes no artigo 153, inciso III, e artigo 146, inciso III, alínea “a”, da Constituição da República de 1988, que assim dispõem:
Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: [...]
III - renda e proventos de qualquer natureza;
Art. 146. Cabe à lei complementar: [...]
III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:
a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;
Pois bem, norma geral em matéria tributária, o artigo 43 do Código Tributário Nacional (CTN)[1] estabelece que o imposto de renda terá como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica de renda ou de proventos de qualquer natureza, sendo que conceitua “renda” como “o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos” e “proventos de qualquer natureza” como “os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior”.
Como se sabe, o Supremo Tribunal Federal já se manifestou no sentido de que "somente as parcelas incorporáveis ao salário do servidor sofrem a incidência da contribuição previdenciária". (STF, Segunda Turma, AI nº 603537/DF, rel. Min. Eros Grau, decisão de 27/02/2007, DJ de 30/03/2007, p. 92, decisão unânime).
Ainda sobre esse tema, confira-se o seguinte julgado daquela Corte Suprema:
TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. INCIDÊNCIA SOBRE TERÇO CONSTITUCIONAL DE FÉRIAS. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO IMPROVIDO.
I - A orientação do Tribunal é no sentido de que as contribuições previdenciárias não podem incidir em parcelas indenizatórias ou que não incorporem a remuneração do servidor.
II - Agravo regimental improvido. (STF, Primeira Turma, AgR no AI n.º 712880/MG rel. Min. Ricardo Lewandowski, decisão de 26/05/2009, DJe-113 de 18/06/2009, publicado em 19/06/2009)
Com efeito, para o Pretório Excelso, não há de se cogitar em incidência de contribuição previdenciária sobre o terço constitucional de férias devido à sua natureza indenizatória.
No mesmo sentido, reconhecendo o mesmo caráter indenizatório do terço constitucional de férias, já se manifestaram também o Superior Tribunal de Justiça e a Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais, conforme exemplificam os seguintes julgados:
TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. SERVIDORES PÚBLICOS. BASE DE CÁLCULO. INCIDÊNCIA SOBRE A TOTALIDADE DA REMUNERAÇÃO. LEI 9.783/1999. ACRÉSCIMO DE 1/3 SOBRE A REMUNERAÇÃO DE FÉRIAS. NÃO-INCIDÊNCIA. NOVO ENTENDIMENTO DO STJ.
1. Consoante entendimento do STJ, a Contribuição Previdenciária dos servidores públicos incide sobre a totalidade da sua remuneração.
2. A Lei 9.783/1999, para fins de incidência da referida Contribuição, define a "totalidade da remuneração" como "vencimento do cargo efetivo, acrescido de vantagens pecuniárias permanentes estabelecidas em lei, os adicionais de caráter individual, ou quaisquer vantagens, (...) excluídas: I - as diárias para viagens, desde que não excedam a cinqüenta por cento da remuneração mensal; II - a ajuda de custo em razão de mudança de sede; III - a indenização de transporte; IV - o salário família". Precedente: REsp 731.132/PE.
3. Critério semelhante foi adotado pelo art. 4º da Lei 10.887/2004, segundo o qual "A contribuição social do servidor público ativo de qualquer dos Poderes da União, incluídas suas autarquias e fundações, para a manutenção do respectivo regime próprio de previdência social, será de 11% (onze por cento), incidente sobre a totalidade da base de contribuição", assim entendido, nos termos do § 1º, "(...) o vencimento do cargo efetivo, acrescido das vantagens pecuniárias permanentes estabelecidas em lei, os adicionais de caráter individual ou quaisquer outras vantagens, excluídas: I - as diárias para viagens; II - a ajuda de custo em razão de mudança de sede; III - a indenização de transporte; IV - o salário-família; V - o auxílio-alimentação; VI - o auxílio-creche; VII - as parcelas remuneratórias pagas em decorrência de local de trabalho; VIII - a parcela percebida em decorrência do exercício de cargo em comissão ou de função de confiança; e IX - o abono de permanência de que tratam o §º 19 do art. 40 da Constituição Federal, o § 5º do art. 2º e o § 1º do art. 3º da Emenda Constitucional no 41, de 19 de dezembro de 2003." Precedente: REsp 809.370/SC, Relator Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, Dje 23/9/2009.
4. A Primeira Seção, revendo posicionamento anterior, firmou entendimento pela não-incidência da Contribuição Previdênciária sobre o terço constitucional de férias, dada a natureza indenizatória dessa verba.
5. Não incide Contribuição Previdenciária sobre verbas auferidas em virtude do exercício de cargo em comissão ou função de confiança, recebidas sob o regime da Lei 9.783/1999.
6. Contudo, a tese em torno da não-incidência da Contribuição Previdenciária, com base no fato de serem os autores detentores de cargo em comissão, não foi objeto de pronunciamento pelo acórdão regional. Nesse ponto, portanto, não se verificou o devido prequestionamento.
7. Agravo Regimental parcialmente provido.
(AGA 200901517663, HERMAN BENJAMIN, STJ - SEGUNDA TURMA, 22/02/2010)
PROCESSUAL. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA PRÓPRIA DO SERVIDOR PÚBLICO (PSS). ADICIONAL DE FÉRIAS OU TERÇO CONSTITUCIONAL DE FÉRIAS. JUROS DE MORA. AUSÊNCIA DE INTERESSE. NÃO CONHECIMENTO.
1. Não tendo o acórdão recorrido nada decidido acerca de juros de mora, não há legítimo interesse na solução de divergência inexistente.
2. Considerando que o adicional de férias, ou terço constitucional de férias, tem natureza indenizatória, conforme precedentes do Supremo Tribunal Federal, e cuidando-se de vantagem não extensível aos inativos, afigura-se ilegítima a incidência de contribuição previdenciária própria do servidor público (PSS) sobre esta verba.
3. Incidente parcialmente conhecido e não provido. (TNU - PEDILEF 200783005371345 - INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA - Relatora JUÍZA FEDERAL JACQUELINE MICHELS BILHALVA – DJ de 09/03/2009)
Inobstante nos julgados acima colacionados se tenha reconhecido que não incidiriam contribuições previdenciárias sobre o dito adicional, espécie de tributo diversa do imposto de renda, a razão determinante da não-incidência de umas e do outro é a mesma: a natureza jurídica dos valores pagos a título de terço de férias.
Note-se que não há como se considerar que as verbas decorrentes do terço constitucional de férias sejam de natureza indenizatória para os fins de (não) incidência de contribuição previdenciária, e ao mesmo tempo ter natureza remuneratória para fins de incidência de imposto de renda.
O Tribunal Regional Federal da 5ª Região já apreciou o tema, decidindo da seguinte forma:
TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA PATRONAL. ADICIONAL DE 1/3 (UM TERÇO) DE FÉRIAS. CARÁTER INDENIZATÓRIO. HORAS EXTRAS. NATUREZA SALARIAL.
1 - O adicional de 1/3 (um terço) de férias gozadas não deve sofrer incidência de imposto de renda, tendo em vista sua natureza indenizatória e também por não integrar o salário do empregado. (STF. AI-AgR 727958. DJ, 27/02/09). [...]
3 - Apelação do particular, apelação da Fazenda Nacional e remessa oficial improvidas. (TRF5 – Processo 00007113220124058302 - APELREEX - Apelação / Reexame Necessário – 25104 – Relator Desembargador Federal Sérgio Murilo Wanderley Queiroga – DJ de 29/11/2012)
TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA PATRONAL. ADICIONAL DE 1/3 (UM TERÇO). VERBAS QUE NÃO INTEGRAM O SALÁRIO DO EMPREGADO. CARÁTER INDENIZATÓRIO. NÃO INCIDÊNCIA. PRESCRIÇÃO. DECENAL EM RELAÇÃO ÀS PARCELAS RECOLHIDAS ANTES DO ADVENTO DA LEI COMPLEMENTAR 118/2005. QUINQENAL EM RELAÇÃO AOS RECOLHIMENTOS EFETUADOS A PARTIR DA SUA VIGÊNCIA.
1 - O adicional de 1/3 (um terço) de férias gozadas não deve sofrer incidência de imposto de renda, tendo em vista sua natureza indenizatória e também por não integrar o salário do empregado. (STF. AI-AgR 727958. DJ, 27/02/09).
2 - Às parcelas recolhidas, indevidamente, antes do advento da Lei Complementar 118/2005, aplica-se a regra da prescrição decenal, enquanto que aos valores recolhidos a partir da entrada em vigor da referida norma, valerá a prescrição quinquenal.
3 - Apelação e remessa oficial improvidas. (TRF5 - Processo 200983000198897 - APELREEX - Apelação / Reexame Necessário – 11991 – Desembargador Relator Paulo Gadelha – DJ de 02/12/2010)
Existem também inúmeros precedentes oriundos de Turma Recursais Federais:
TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA SOBRE TERÇO DE FÉRIAS. VERBA SOBRE A QUAL O STJ E A TNUJEF´S SE PRONUNCIARAM NO SENTIDO DE SER DE CARÁTER INDENIZATÓRIO. ACRÉSCIMO PATRIMONIAL. NÃO OCORRÊNCIA. HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA DO TRIBUTO NÃO VERIFICADA. IMPROVIMENTO DO RECURSO.
1. Havendo o Egrégio STJ e a TNUJEF´s firmado a tese, ao apreciar a incidência de contribuição previdenciária sobre terço de férias, de que dita verba tem natureza indenizatória e, sendo assente o entendimento no âmbito do STJ e do STF de que rendas percebidas a título de indenização não se sujeitam a imposto de renda, há de ser mantida a sentença perseguida, porquanto decidira conforme raciocínio supra.
2. A acepção “acréscimos patrimoniais” a que se reporta o inc. II, do art. 43, do CTN, ali aposta com o propósito de alargar a delimitação prevista no inc. I da hipótese de incidência do tributo a que se refere seu caput, não pode ser tomada de forma literal e indiscriminada, sob pena de sujeitar aos impostos quaisquer espécies de rendas, sem exceção, porquanto a ideia de percepção de renda é indissociável da de acréscimo patrimonial, máxime se consideradas estritamente os conceitos contábeis relativas a patrimônio e a letra fria da Lei.
3. Recurso conhecido e improvido. (TR/SE - Processo nº 0502098-10.2012.4.05.8501 – Data da inclusão: 18/10/2012)
INCIDÊNCIA DE IMPOSTO DE RENDA SOBRE TERÇO CONSTITUCIONAL DE FÉRIAS. VERBA DE NATUREZA INDENIZATÓRIA. RECURSO DA UNIÃO IMPROVIDO.
I. Trata-se de recurso contra a sentença que considerou o terço constitucional de férias tem natureza indenizatória, motivo pelo qual não deve incidir o Imposto de Renda.
II. Mantenho a sentença por seus próprios fundamentos.
III. Recurso improvido. (TR/SE - Processo nº 0503717-72.2012.4.05.8501 – Data da inclusão: 07/12/2012)
A última decisão de que se tem notícia sobre o tema, foi a proferida em 13 de junho de 2013, pela Juíza Federal Maria Cândida Carvalho Monteiro de Almeida, substituta da 17ª Vara Federal em Brasília, em ação judicial que teve como parte autora a AJUFE – Associação dos Juízes Federais do Brasil.
A juíza amparou sua decisão em julgamentos do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal. "Concluo que o adicional de férias tem natureza indenizatória, forte no entendimento da Primeira Seção do STJ e da Segunda Turma do STF, não havendo, pois, falar-se em acréscimo patrimonial apto a caracterizar o fato gerador do imposto de renda", registrou a aludida magistrada.
Assim, aguarda-se que seja mantida a coerência, prosperando (não apenas para os juízes federais) a tese no sentido da não incidência de imposto de renda sobre a remuneração relativa ao adicional de um terço de férias, ante sua natureza indenizatória já reconhecida pelos Tribunais Superiores[2].
[1] Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:
I - de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;
II - de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.
§ 1o A incidência do imposto independe da denominação da receita ou do rendimento, da localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem e da forma de percepção.
§ 2o Na hipótese de receita ou de rendimento oriundos do exterior, a lei estabelecerá as condições e o momento em que se dará sua disponibilidade, para fins de incidência do imposto referido neste artigo.
[2] O fato gerador do imposto de renda é a aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica decorrente de acréscimo patrimonial, nos termos do art. 43 do CTN. Não se enquadra nesse conceito, portanto, as verbas de caráter indenizatório destinadas ao custeio de despesas relacionadas à atividade parlamentar. (STJ. Primeira Turma. AgRg no REsp 1269269/PE. Rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA. Data Julgamento: 19/06/2012. Publicação: DJe 26/06/2012)
Procurador Federal - Procurador-Chefe da Procuradoria Seccional Federal em Mossoró - Conselheiro representante da Carreira de Procurador Federal junto ao Conselho Superior da Advocacia-Geral da União
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PEREIRA, Carlos André Studart. Da inconstitucionalidade da retenção de imposto de renda sobre o adicional do terço de férias Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 dez 2013, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/37532/da-inconstitucionalidade-da-retencao-de-imposto-de-renda-sobre-o-adicional-do-terco-de-ferias. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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