A legislação aplicável para fins de capacitação de servidores públicos federais é o Decreto nº 5.707/06, que “Institui a Política de Diretrizes para o Desenvolvimento de Pessoal da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional, e regulamenta dispositivos da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990”. A edição desse normativo se deu, dentre outros motivos, da necessidade da Administração Pública de investir em recursos humanos, formando profissionais capacitados e atualizados para o desempenho de suas funções.
Os arts. 1º e 3º do citado Decreto definiram tanto as finalidades da Política Nacional de Desenvolvimento de Pessoal, quanto às diretrizes da Política Nacional de Desenvolvimento de Pessoal, nos termos seguintes:
Art. 1º. Fica instituída a Política Nacional de Desenvolvimento de Pessoal, a ser implementada pelos órgãos e entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, com as seguintes finalidades:
I – melhoria da eficiência, eficácia e qualidade dos serviços públicos prestados ao cidadão;
II – desenvolvimento permanente do servidor público;
III – adequação das competências requeridas dos servidores aos objetivos das instituições, tendo como referência o plano plurianual;
IV – divulgação e gerenciamento das ações de capacitação; e
V – racionalização e efetividade dos gastos com capacitação.
Art. 3º. São diretrizes da Política Nacional de Desenvolvimento de Pessoal:
I – incentivar e apoiar o servidor público em suas iniciativas de capacitação voltadas para o desenvolvimento das competências institucionais e individuais;
II – assegurar o acesso dos servidores a eventos de capacitação interna ou externamente ao seu local de trabalho;
III – promover a capacitação gerencial do servidor e sua qualificação para o exercício de atividades de direção e assessoramento;
IV – incentivar e apoiar as iniciativas de capacitação promovidas pelas próprias instituições, mediante o aproveitamento de habilidades e conhecimentos de servidores de seu próprio quadro de pessoal;
(...);
XI – elaborar o plano anual de capacitação da instituição, compreendendo as definições dos temas e as metodologias de capacitação a serem implementadas;
(...);
XIII – priorizar, no caso de eventos externos de aprendizagem, os cursos ofertados pelas escolas de governo, favorecendo a articulação entre elas e visando à construção de sistema de escolas de governo da União, a ser coordenado pela Escola Nacional de Administração Pública – ENAP.
Dos dispositivos elencados facilmente se conclui que uma das finalidades da capacitação dos servidores é a “racionalização e efetividade dos gastos com capacitação” (art. 1º, V). Em outras palavras, para que se atinja a “eficiência, eficácia e qualidade de serviços públicos”, os recursos financeiros despendidos para alcançar tal mister devem ser “racionais e efetivos”, ficando a cargo do administrador público adotar o meio adequado para alcançar a capacitação dos servidores públicos, sem se olvidar de obedecer a legislação correlata.
Além disso, percebe-se que o art. 3º ao estabelecer as diretrizes da Política Nacional de Desenvolvimento de Pessoal vai ao encontro do que dispõe o art. 39, §2º, da Carta Magna[1].
Em linhas gerais, portanto, verifica-se o claro intuito governamental em apostar na qualificação de seus profissionais, de forma a conceder aos destinatários dos serviços públicos uma melhoria na prestação de serviços, atendendo ao princípio constitucional da eficiência e, por conseguinte, possibilitando atender às demandas por serviços de maneira mais vantajosa para a Administração.
A Constituição, no art. 37, inciso XXI, estabelece a obrigatoriedade de realização de processo licitatório sempre que a Administração Pública pretender contratar obras, serviços, realizar compras e alienações, ressalvados os casos especificados na legislação. Com efeito, a obrigatoriedade da licitação constitui regra, afigurando-se excepcional a contratação direta, que somente pode ser efetuada nas hipóteses estritamente previstas em Lei.
Tal dispositivo/imposição constitucional é reforçado pela Lei nº 8.666/93, que em seu art. 2º prescreve:
Art. 2º As obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações, concessões, permissões e locações da Administração Pública, quando contratadas com terceiros, serão necessariamente precedidas de licitação, ressalvadas as hipóteses previstas nesta Lei.
A mesma Lei, que regulamenta o inciso XXI do art. 37 da Constituição da República, prevê as hipóteses em que a Administração pode dispensar a realização de licitação, contratando diretamente. Repise-se: é preciso ter em vista que tais casos são excepcionais no sistema, pois a regra é a necessidade de realização do procedimento licitatório prévio a toda e qualquer contratação.
O art. 25 da Lei de Licitações prevê, em seu caput e 3 incisos, as situações que, devidamente justificadas pela Administração, possibilitam a contratação de obras, compras ou serviços com inexigibilidade de licitação.
Importa ainda diferenciar a dispensa de licitação, prevista no art. 24 da Lei nº 8.666/93, da inexigibilidade de licitação, prevista no art. 25 da mesma Lei. A princípio, ambas as hipóteses são de exceção à regra que obriga à licitação. Entretanto, há um critério objetivo para diferenciar as situações nas quais incidirá uma ou outra: a viabilidade de competição.
Na dispensa de licitação do art. 24, apesar de facultar a lei a contratação direta, a licitação é viável, pois há possibilidade de, deflagrado o certame, diversas empresas interessadas disputarem o contrato. Existe competição no mercado, ao menos em tese. Nos casos de inexigibilidade, ao contrário, é absolutamente inviável a competição, seja pela exclusividade do fornecedor, seja pela singularidade dos serviços técnicos, seja pela natureza artística e pela consagração pública do indivíduo a ser contratado. Os serviços ou bens só podem ser adquiridos por determinada empresa ou indivíduo, dadas as suas características singulares. Segundo ilação do mestre JOSÉ SANTOS DE CARVALHO FILHO[1]:
A dispensa de licitação caracteriza-se pela circunstância de que, em tese, poderia haver procedimento licitatório, mas que, pela particularidade do caso, decidiu o legislador não torna-lo obrigatório. Diversamente ocorre na inexigibilidade, como se verá adiante, porque aqui sequer é viável a realização do certame.
Há, porém, dois aspectos preliminares que merecem ser considerados. O primeiro diz respeito à excepcionalidade, no sentido de que as hipóteses previstas no art. 24 traduzem situações que fogem à regra geral, e só por essa razão se abriu a fenda no princípio da obrigatoriedade.
O outro diz respeito à taxatividade das hipóteses. Daí a justa advertência de que os casos enumerados pelo legislador são taxativos, não podendo, via de consequência, ser ampliados pelo administrador. Os casos legais, portanto, são os únicos cuja dispensa de licitação o legislador considerou mais conveniente ao interesse público.
(...);
Além dos casos de dispensa, o Estatuto contempla, ainda, os casos de inexigibilidade. Não custa repetir a diferença: na dispensa, a licitação é materialmente possível, mas em regra inconveniente: na inexigibilidade, é inviável a própria competição. Diz o art. 25 do Estatuto: É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição.
Dessa forma, a contratação direta, sob a modalidade de inexigibilidade ou dispensa de licitação, requer o atendimento de diversos requisitos, em razão da rigidez imposta à Administração para o dispêndio do dinheiro público.
Conforme será adiante expendido, para fins de capacitação, tanto o Tribunal de Contas da União como a Advocacia-Geral da União reconhecem que podem ocorrer quatro situações: a) cursos abertos de uso comum/padronizados; b) cursos fechados de uso comum/padronizados; c) cursos abertos inovadores (revelam tratamento diferenciado em relação ao convencional ou rotineiro no mercado); e d) cursos fechados inovadores.
Sobre a conceituação do que sejam cursos abertos ou fechados, a fundamentação da Orientação Normativa nº 18 da Advocacia-Geral da União é clara:
“Parece pertinente, ainda, distinguir os denominados cursos abertos dos fechados. Os cursos abertos são aqueles que permitem a participação de quaisquer interessados, sendo fixados e programados pelo seu realizador. São, portanto, acessíveis a qualquer pessoa interessada na sua proposta. Os cursos fechados são voltados para grupos certos e determinados de indivíduos, elaborados de acordo com metodologia e horários previamente fixadas pelo contratante. De conseguinte, não são acessíveis a qualquer interessado, mas apenas àquelas integrantes do quadro de quem os contrata.”
A matéria atinente à participação de servidor em cursos externos, sejam abertos ou fechados já foi analisada pelo Tribunal de Contas da União (Acórdão nº 439/1998), que entendeu:
“22. Existem, portanto, limitações à aplicabilidade do art. 25 da Lei nº 8.666/93 ao treinamento de servidores. Os cursos mais básicos e convencionais não devem ser contratados com inexigibilidade de licitação, pois, no caso, a diferença entre os serviços prestados por um ou outro licitante tende a ser mínima, sem prejuízo do objetivo do treinamento.
(...)
24. Aliás, a natureza singular do serviço é uma das exigências constantes da Lei para a caracterização da inexigibilidade de licitação. Jorge Ulisses Jacoby Femandes detalha com clareza o inciso 11 do art. 25 da Lei de Licitações: "A inviabilidade da competição ocorrerá na forma desse inciso se ficar demonstrado o atendimento dos requisitos, que devem ser examinados, na seguinte ordem: a) referentes ao, objeto do contrato: que se trate de serviço técnico; a que o serviço esteja elencado no art. 13 da Lei nº 8.666/93; que o serviço apresente determinada singularidade; que o serviço não seja de publicidade ou divulgação; b) referentes ao contratado: que o profissional detenha a habilitação pertinente; que o profissional ou empresa possua especialização na realização do objeto pretendido; que a especialização seja notória; que a notória especialização esteja relacionada com a singularidade pretendida peta Administração.' ('in' Contratação Direta sem Licitação, Brasília Jurídica, 1ª ed., 1995, pág. 306).
(...);
27. Quanto à singularidade do objeto, esta existirá desde que se trate de treinamento diferenciado em relação ao convencional ou rotineiro do mercado. É singular, por exemplo, um curso de Qualidade Total perfeitamente adaptado em relação às diretrizes do programa de qualidade implantado no órgão contratante. Por outro lado, não há singularidade num curso sobre a mesma disciplina baseado apenas nas teorias existentes e em programas usualmente praticados.
(...);
45. Retomando à proposta de decisão em estudo, consideramos desnecessário firmar entendimento quanto à inexigibilidade de licitação para inscrição de servidores em cursos abertos a terceiros.
46. Os cursos abertos para os quais não cabe licitação são aqueles inusitados, quer por não haver previsão de sua repetição, quer pela indiscutível notoriedade do instrutor, ou ainda aqueles oferecidos por uma única empresa. Em todos os casos o texto da Lei é suficientemente claro: há inviabilidade de competição.
47. Para os cursos regularmente oferecidos por mais de uma empresa, não há que se falar em inexigibilidade, pois não há singularidade no objeto e, portanto, a competição é perfeitamente possível. O que pode ocorrer é o desinteresse dos prestadores do serviço em participarem de certame licitatório, o que caracterizaria a hipótese de dispensa de licitação prevista no inciso V do, art. 24 (licitação vazia).” (grifei).
Nesse sentido, e corroborando a orientação exarada por aquela Corte Administrativa, foi editada, pela Advocacia Geral da União, Orientação Normativa nº 18, de 1º de abril de 2009, segundo a qual:
“Contrata-se por inexigibilidade de licitação, com fundamento no art.25, inc. II, da Lei nº 8.666, de 1993, conferencistas para ministrar cursos para treinamento e aperfeiçoamento de pessoal, ou a inscrição em cursos abertos, desde que caracterizada a singularidade do objeto e verificado tratar-se de notório especialista.” (grifei).
Assim, analisando o teor da decisão acima exposta do Tribunal de Contas da União com a Orientação Normativa nº 18 da Advocacia-Geral da União, percebe-se uma clara distinção entre cursos abertos e fechados e, também, entre cursos de uso comum/padronizados e inusitados.
De tal análise, percebe-se que: a) para cursos abertos ao público, desde que não-comuns/padronizados, haverá inexigibilidade de licitação, desde que caracterizadas a singularidade e notória especialização; b) para cursos abertos ao público padronizados e comuns haverá necessidade de licitação.
Cabe transcrever parte da fundamentação da Orientação Normativa nº 18/2009 da Advocacia-Geral da União:
“Assim, somente se enquadra na inexigibilidade fundada no art. 25, inc. II, combinado com o art. 13, inc. VI, da Lei no 8.666, de 1993, a contratação de cursos abertos, sendo que os cursos fechados devem ser objeto de licitação.
Sobre os cursos de treinamento aberto ou fechado, Jorge Ulisses Jacoby Fernandes assevera que:
É também inexigível a licitação para a matrícula de servidor em curso oferecido por instituição privada de treinamento, porque esses eventos são realizados em períodos determinados, mostrando-se inviável a competição. Contudo, para a realização de seminários fechados, promovido por qualquer dessas mesmas instituições, é, em princípio, exigível a licitação, porque o interesse e conveniência de treinamento podem ser determinados pela Administração, ao contrário do caso anterior, em que a oportunidade é ditada pelas instituições.
Por fim, de se registrar que por ocasião da Decisão 439/1998-Plenário, apesar de a Unidade Técnica ter entendido que não seria para todo e qualquer curso que se aplicaria a exceção do art. 25, inc. II, estando excluída para a hipótese de curso mais convencional, básico, considerando que neste caso a diferença entre os serviços prestados por um ou outro licitante tende a ser mínima, sem prejuízo do objetivo do treinamento, prevaleceu a idéia de que, naquela oportunidade (1998), o estágio da discussão da matéria não permitia esta distinção.
De qualquer forma, passados dez anos daquela orientação, considerando que a inexigibilidade é exceção à regra geral do princípio licitatório, oportuno que a Advocacia-Geral da União firme seu posicionamento no sentido de que sejam licitados tais cursos padronizados/comuns ou, existindo em algum caso concreto determinado traço distintivo, seja devidamente justificado pela Administração.”
Considerando o que foi exposto, é de se ressaltar que, no caso de capacitação de servidores, para a contratação direta via inexigibilidade de licitação é necessário o preenchimento de alguns requisitos básicos, previstos no art. 25, II, da Lei nº 8.666/93:
Art. 25. É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial:
(...);
II - para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 desta Lei, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação;
No referido rol do art. 13, entre os serviços cuja licitação é inexigível está o treinamento e aperfeiçoamento de pessoal:
Art. 13. Para os fins desta Lei, consideram-se serviços técnicos profissionais especializados os trabalhos relativos a:
(...);
VI - treinamento e aperfeiçoamento de pessoal;
Sobre o tema veja-se o que dispõem as Súmulas 39 e 252 do Tribunal de Contas da União, respectivamente:
“A dispensa de licitação para a contratação de serviços com profissionais ou firmas de notória especialização, de acordo com alínea d do art. 126, §2º, do Decreto Lei nº 200, de 25/02/67, só tem lugar quando se trate de serviço inédito ou incomum, capaz de exigir, na seleção do executor de confiança, um grau de subjetividade, insuscetível de ser medido pelos critérios objetivos de qualificação inerentes ao processo de licitação.”
“A inviabilidade de competição para a contratação de serviços técnicos, a que alude o inciso II do art. 25 da Lei n.º 8.666/1993, decorre da presença simultânea de três requisitos: serviço técnico especializado, entre os mencionados no art. 13 da referida lei, natureza singular do serviço e notória especialização do contratado.”
Assim, tendo em vista a necessária motivação dos atos administrativos, para fins de inexigibilidade de licitação com base no art. 25, II, da Lei nº 8.666/93, quando a Administração deseja contratar, via inexigibilidade, algum curso para capacitação de seus servidores, precisa deixar comprovado a natureza singular dos serviços e a notória especialização do contratado.
Segundo o doutrinador CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELO[2], serviços singulares são aqueles que:
Serviços singulares são os que se revestem de análogas características. De modo geral, são singulares todas as produções intelectuais, realizadas isolada ou conjuntamente – por equipe –, sempre que o trabalho a ser produzido se defina pela marca pessoal (ou coletiva), expressada em características científicas, técnicas ou artísticas importantes para o preenchimento da necessidade administrativa a ser suprida. Neste quadro cabem os mais variados serviços: uma monografia escrita por experiente jurista; uma intervenção cirúrgica realizada por qualificado cirurgião; uma pesquisa sociológica empreendida por uma equipe de planejamento urbano; um ciclo de conferências efetuado por professores; uma exibição de orquestra sinfônica; uma perícia sobre o estado de coisas ou das causas que o geraram.
Todos estes serviços se singularizam por um estilo ou por uma orientação pessoal. Note-se que a singularidade mencionada não significa que outros não possam realizar o mesmo serviço. Isto é, são singulares, embora não sejam necessariamente únicos.
26. Evidentemente, o que entra em causa, para o tema da licitação é a singularidade relevante, ou seja: cumpre que os fatores singularizadores de um dado serviço apresentem realce para a satisfação da necessidade administrativa. Em suma: que as diferenças advindas da singularidade de cada qual repercutam de maneira a autorizar a presunção de que o serviço de um é mais indicado do que o serviço do outro.
(...);
35. De seu turno, o §1º do art. 25 apresenta um conceito de notória especialização. Diz ele “Considera-se de notória especialização o profissional ou empresa cujo conceito no campo de sua especialidade, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiências, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica, ou de outros requisitos relacionados com suas atividades, permita inferir que seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto contratado.
36. Em face do inciso II do art. 25 (contratação de profissional de notória especialização), pode-se propor a seguinte indagação: basta que o serviço esteja arrolado entre os previstos no art. 13 e que o profissional ou empresa sejam notoriamente especializados para que se configure a inexigibilidade da licitação, ou é necessário algo mais, isto é, que nele sobreleve a importância de sua natureza singular?
Parece-nos certo que, para compor-se a inexigibilidade concernente aos serviços arrolados no art. 13, cumpre tratar-se de serviço cuja singularidade seja relevante para a Administração (e que o contratado possua notória especialização). Se assim não fosse, inexistiria razão para a lei haver mencionado “de natureza singular”, logo após a referência feita aos serviços arrolados no art. 13.
Se o serviço pretendido for banal, corriqueiro, singelo, e, por isto, irrelevante que seja prestado por “A” ou por “B”, não haveria razão alguma para postergar-se o instituto da licitação. Pois é claro que a singularidade só terá ressonância para o tema na medida em que seja necessária, isto é, em que por força dela caiba esperar melhor satisfação do interesse administrativo a ser provido.
Veja-se: o patrocínio de uma causa em juízo está arrolado entre os serviços técnico-especializados previstos no art. 13. Entretanto, para mover simples execuções fiscais a Administração não terá necessidade alguma de contratar – e diretamente – um profissional de notória especialização. Seria um absurdo se o fizesse. Assim também, haverá perícias, avaliações ou projetos de tal modo singelos e às vezes até mesmo padronizados que, ou não haveria espaço para ingresso de componente pessoal do autor, ou manifestar-se-ia em aspectos irrelevantes e por isto incapazes com o resultado do serviço.
37. Em suma: a singularidade é relevante e um serviço deve ser havido como singular quando nele tem que interferir, como requisito de satisfatório atendimento da necessidade administrativa, um componente criativo de seu autor, envolvendo o estilo, o traço, a engenhosidade, a especial habilidade, a contribuição intelectual, artística, ou a argúcia de quem o executa, atributos, estes, que são precisamente os que a Administração reputa convenientes e necessita para a satisfação do interesse público em causa.
Embora outros, talvez até muitos, pudessem desempenhar mesma atividade científica, técnica ou artística, cada qual o faria à sua moda, de acordo com os próprios critérios, sensibilidade, juízos, interpretações e conclusões, parciais ou finais, e tais fatores individualizados repercutirão necessariamente quanto a maior ou menor satisfação do interesse público. Bem por isto não é indiferente que sejam prestados pelo sujeito “A” ou pelos sujeitos “B” ou “C”, ainda que todos estes fossem pessoas de excelente reputação.
38. É natural, pois, que, em situações deste gênero, a eleição de eventual contratado – a ser obrigatoriamente escolhido entre os sujeitos de reconhecida competência na matéria – recaia em profissional ou empresa cujos desempenhos despertem no contratante a convicção de que, para o caso, serão presumivelmente mais indicados do que os de outros, despertando-lhe a confiança de que produzirá a atividade mais adequada para o caso.
Há, pois, nisto, também um componente subjetivo ineliminável por parte de quem contrata.
Dessa maneira, a não indicação pela Administração daquilo que torna o curso escolhido diferente dos demais existentes no mercado, no que ele é incomum, ou seja, que diferença faz para o órgão contratar esse curso em vez de qualquer outro sobre o assunto, inviabiliza a contratação direta e remete o gestor ao processo de licitação.
A fim de não restar dúvidas, o Tribunal de Contas da União sumulou sobre o assunto e publicou no Diário Oficial da União em 03.06.2011:
Súmula nº 264/2011“A inexigibilidade de licitação para a contratação de serviços técnicos com pessoas físicas ou jurídicas de notória especialização somente é cabível quando se tratar de serviço de natureza singular, capaz de exigir, na seleção do executor de confiança, grau de subjetividade insuscetível de ser medido pelos critérios objetivos de qualificação inerentes ao processo de licitação, nos termos do art. 25, inciso II, da Lei nº 8.666/1993” (TC-012.209/2009-3, Acórdão nº 1.437/2011-Plenário).
Destarte, para fins de capacitação, é necessária a comprovação da singularidade e notória especialização, estando a escolha adstrita à discricionariedade da Administração. A singularidade do objeto está na pertinência entre as características especiais do curso fornecido e sua aplicação aos objetivos institucionais do órgão. É esse link que torna determinado curso singular para a Administração Pública.
Já a notória especialização resta configurada nos termos da definição constante do § 1º do art. 25 da Lei nº. 8.666/93:
“§ 1º Considera-se de notória especialização o profissional ou empresa cujo conceito no campo de sua especialidade, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiências, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica, ou de outros requisitos relacionados com suas atividades, permita inferir que o seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato.
Sobre o assunto, cabe transcrição de Jacoby Fernandes[3]:
“2. Definição do instrutor
Para escolher quem deve ministrar o treinamento, o profissional de recursos humanos deve considerar que, perante a Lei de Licitações:
- toda restrição à competitividade deve ser motivada;
- compete a quem se submete à Lei nº 8.666/93, demonstrar a legalidade e a regularidade dos atos que praticar.
Com base no projeto, ou como visto, no termo de referência, o profissional de recursos humanos iniciará a pesquisa, que pode inclusive considerar sugestões de nomes dos órgãos requisitantes.
2.1. Notório especialista ou não
Sendo o objeto singular, pode ocorrer de o profissional necessário à execução do objeto ser notório especialista ou não.
A própria Lei de Licitações, no § 1º, do art. 25, estabelece os requisitos de quem deve ser considerado como notório especialista, conforme abaixo:
- desempenho anterior, pouco importando se foi realizado para a Administração Pública ou privada;
- estudos, publicados ou não, que tenham chegado ao conhecimento da comunidade da área da atividade;
- experiências, em andamento, ou já concluídas com determinado grau de êxito, capaz de constituírem uma referência no meio científico;
- publicações, próprias do autor ou incluídas em outros meios de divulgação técnica,
revistas especializadas, disquete, CD-ROM, internet, periódicos oficiais ou não;
- organização, termo que se emprega como designativo da forma de constituição da
entidade e seu funcionamento, mas que, considerada individualmente, não caracteriza a inviabilidade de competição;
- aparelhamento, significando a posse do equipamento e instrumental necessário ao
desempenho da função que, pelo tipo, qualidade ou quantidade, coloque o profissional
entre os mais destacados do ramo de atividade;
- equipe técnica, conjunto de profissionais vinculados à empresa que se pretende notória especialista, ou mesmo ao profissional, pessoa física, firma individual. Pode a notoriedade ser aferida pelo nível de conhecimento e reputação dos profissionais ou esse fator constituir um dos elementos da aferição de um conjunto de fatores. Uma empresa recém constituída poderia, em tese, ser contratada com inexigibilidade de licitação, por possuir em seu quadro permanente profissionais de notória especialização, porque, nesse caso, as qualidades dos agentes agregam-se à instituição a qual servem, ensejando uma aferição direta do profissional que a empresa oferece. Só há restrição à contratação de profissional por interposta pessoa no inciso III desse mesmo artigo. Deve ser lembrado que o § 3º, do art. 13, da Lei de Licitações atual, estabeleceu, de forma imperativa, uma restrição a atos praticados, visando elidir o certame licitatório ou a habilitação exigida, fixando que:
Art. 13 [...]
§ 3º A empresa de prestação de serviços técnicos especializados que apresente relação de integrantes de seu corpo técnico em procedimento licitatório ou como elemento de justificação de dispensa ou inexigibilidade de licitação, ficará obrigada a garantir que os referidos integrantes realizem pessoal e diretamente os serviços objeto do contrato.
Atendendo o profissional ou a instituição, os atributos da notória especialização, a despesa será enquadrada no art. 25, inc. II, da Lei nº 8.666/93.
Não sendo notório, mas sendo o único capaz de satisfazer plenamente o objeto, o enquadramento jurídico deve fazer-se com fundamento no art. 25, caput, da Lei nº 8.666/93.
A rigor, há mesmo uma margem estreita que permite um certo subjetivismo na escolha do ministrante. A lei admite que, existindo mais de um, o gestor de recursos humanos poderá inferir qual é o “essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto”.
Em resumo, a inexigibilidade para fins de capacitação sujeita-se aos seguintes pré-requisitos: 1) deve o curso ser inusitado (revelam tratamento diferenciado em relação ao convencional ou rotineiro no mercado); 2) deve ser indiscutível a notoriedade do instrutor ou deve o curso ser oferecido por uma única empresa; e 3) deve o curso guardar pertinência específica com as atividades desenvolvidas pelo servidor interessado, sendo demonstrada a relevância de sua participação conforme o cronograma oferecido.
Cumpridos os requisitos acima, é perfeitamente viável a contratação, via inexigibilidade, de determinada empresa para fins de capacitação de servidores.
Referências Bibliográficas:
MELO, Celso Antônio Bandeira de Melo. Curso de Direito Administrativo. 27ª ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2010.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 23ª ed. Rio de Janeiro, Editora Lumen Juris, 2010.
FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Publicação de artigos científicos. Jacoby.pro.br. Disponível em: <http://jacoby.pro.br/novo/uploads/recursos_humanos/bp/contrata_o_de_treinamento/servi_o_essencial_ao_desenvolvimento_da_gest_o_p_blica/artigo_do_professor_jacoby.pdf>. Acesso em: 25 nov. 2013.
Notas:
[1] CF/88. Art. 39, §2º. A União, os Estados e o Distrito Federal manterão escolas de governo para a formação e o aperfeiçoamento dos servidores públicos, constituindo-se a participação nos cursos um dos requisitos para a promoção na carreira, facultada, com isso, a celebração de convênios ou contratos entre os entes federados.
[1] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 23ª ed. Rio de Janeiro, Editora Lumen Juris, 2010, pp. 270 e 291.
[2]MELO, Celso Antônio Bandeira de Melo. Curso de Direito Administrativo. 27ª ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2010, pp. 550/551.
[3] FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Publicação de artigos científicos. Jacoby.pro.br. Disponível em: <http://jacoby.pro.br/novo/uploads/recursos_humanos/bp/contrata_o_de_treinamento/servi_o_essencial_ao_desenvolvimento_da_gest_o_p_blica/artigo_do_professor_jacoby.pdf>. Acesso em: 25 nov. 2013.
Procuradora Federal. Chefe da Divisão de Precatórios e Dívida Ativa do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Especialista em Direito Público pela Universidade de Brasília.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MARTINS, Patricia Cristina Lessa Franco. Contratação de cursos de treinamento de servidores da Administração Pública Federal: possibilidade via inexigibilidade de licitação Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 dez 2013, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/37534/contratacao-de-cursos-de-treinamento-de-servidores-da-administracao-publica-federal-possibilidade-via-inexigibilidade-de-licitacao. Acesso em: 23 dez 2024.
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