PALAVRAS CHAVES: Ilícito Civil, Administrativo e Penal. Sentença Penal Absolutória e Condenatória.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS:
As ações ou omissões dos servidores públicos que se consubstanciem em ilícitos podem gerar efeitos na esfera civil, penal e administrativa.
1 INDEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS
A responsabilidade civil é a condenação do servidor a ressarcir à Administração Pública os danos que tenha causado por ação ou omissão dolosa ou culposa (CARVALHO FILHO, 2006, p. 612). A responsabilidade penal “é a que decorre de conduta que a lei penal tipifica como infração penal” (CARVALHO FILHO, 2006, p. 613). Por fim, a responsabilidade administrativa (MEIRELES, 2002, p. 467):
“é a que resulta da violação de normas internas da Administração pelo servidor sujeito ao estatuto e disposições complementares estabelecidas em lei, decreto ou qualquer outro provimento regulamentar da função pública”.
Justen Filho esclarece que, mais que a simples punição, é a responsabilização pelos “efeitos jurídicos-administrativos de seus atos na atividade administrativa (2013, p. 1044):
A responsabilidade administrativa consiste no dever de o agente estatal responder pelos efeitos jurídico-administrativos dos atos praticados no desempenho de atividade administrativa estatal, inclusive suportando a sanção administrativa cominada em lei pela prática de ato ilícito.
Nos termos do artigo 121 da Lei nº 8.112, o servidor pode responde civil, penal e administrativamente pelo exercício irregular de suas atribuições. Carvalho Filho (2006, p. 611) esclarece que:
A responsabilidade se origina de uma conduta ilícita ou da ocorrência de determinada situação fática prevista em lei e se caracteriza pela natureza do campo jurídico em que se consuma. Desse modo, a responsabilidade pode ser civil, penal e administrativa. Cada responsabilidade é, em princípio, independente da outra. (...) Sucede que, em algumas ocasiões, o fato que gera certo tipo de responsabilidade é simultaneamente gerador de outro tipo; se isso ocorrer, as responsabilidades serão conjugadas. Essa é a razão por que a mesma situação fática é idônea a criar, concomitantemente, as responsabilidades civil, penal e administrativa.
Meirelles (2002, p. 467) salienta, em sua obra, que as responsabilidades, embora possam ser cumulativas, são independentes:
A punição administrativa ou disciplinar não depende de processo civil ou criminal a que se sujeite também o servidor pela mesma falta, nem obriga a Administração a aguardar o desfecho dos demais processos, nem mesmo em face da presunção de não culpabilidade... o ilícito administrativo independe do criminal. A absolvição criminal só afastará o ato punitivo se ficar provada, na ação penal, a inexistência do fato ou que o acusado não foi seu autor.
Nesse sentido, há destacar que a independência de instâncias é entendimento pacífico do STF:
EMENTA Agravo regimental no agravo de instrumento. Policial militar. Independência das esferas penal e administrativa. Processo administrativo disciplinar. Expulsão. Princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. Ofensa reflexa. Reexame de provas. Impossibilidade. Precedentes. 1. O acórdão recorrido está em consonância com a jurisprudência desta Corte no sentido da independência entre as esferas penal e administrativa. 2. Para divergir do entendimento do Tribunal de origem, no sentido da regularidade do procedimento administrativo disciplinar que determinou a expulsão do ora agravante dos quadros da Polícia Militar, seria imprescindível a interpretação da legislação infraconstitucional pertinente e o reexame das provas dos autos, o que é inviável em recurso extraordinário. Incidência da Súmula nº 279 desta Corte. 3. Agravo regimental não provido. (AI 681487 AgR, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 20/11/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-022 DIVULG 31-01-2013 PUBLIC 01-02-2013)
EMENTA: Mandado de segurança. - É tranqüila a jurisprudência desta Corte no sentido da independência das instâncias administrativa, civil e penal, independência essa que não fere a presunção de inocência, nem os artigos 126 da Lei 8.112/90 e 20 da Lei 8.429/92. Precedentes do S.T.F.. - Inexistência do alegado cerceamento de defesa. - Improcedência da alegação de que a sanção imposta ao impetrante se deu pelo descumprimento de deveres que não são definidos por qualquer norma legal ou infralegal. Mandado de segurança indeferido. (MS 22899 AgR, Relator(a): Min. MOREIRA ALVES, Tribunal Pleno, julgado em 02/04/2003, DJ 16-05-2003 PP-00092 EMENT VOL-02110-02 PP-00279)
EMENTA: PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PATRULHEIRO RODOVIÁRIO FEDERAL. DEMISSÃO. Impossibilidade de apreciar-se, em mandado de segurança, alegação de falsidade da prova testemunhal e de cerceamento de defesa, não comprovada de plano. Não configura nulidade, à falta de previsão legal nesse sentido, a não-conclusão do processo administrativo no prazo do art. 152 da Lei nº 8.112/90. Circunstância que, de resto, não prejudicou o impetrante, processado sem o afastamento previsto no art. 147 do mesmo diploma legal. Prazo que foi estabelecido em prol da Administração, com o fim de afastar o inconveniente do retorno do servidor afastado, antes de apurada a sua responsabilidade funcional (art. 147, parágrafo único). A circunstância de encontrar-se o impetrante no gozo de licença para tratamento de saúde e em vias de aposentar-se por invalidez não constituía óbice à demissão, como não constituiria a própria aposentadoria que, para tanto, estaria sujeita à cassação, na forma do art. 234 da Lei nº 8.112/90. Independência das instâncias administrativa e penal, consagrada no art. 125 do diploma legal sob enfoque, inocorrendo condicionamentos recíprocos, salvo na hipótese de manifestação definitiva, na primeira, pela inexistência material do fato ou pela negativa da autoria, o que não ocorre no caso examinado. Ausência das apontadas ilegalidades. Mandado de segurança indeferido. (MS 22656, Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO, Tribunal Pleno, julgado em 30/06/1997, DJ 05-09-1997 PP-41874 EMENT VOL-01881-01 PP-00074)
Entretanto, há salientar que, embora independentes as esferas, as decisões penais geram efeitos nas esferas civil e administrativa. Como relata Bottini, a jurisprudência e a lei têm conferido maior importância entre as decisões nas diferentes esferas. Cita-se (BOTTINI, 2013, p.2):
Em primeiro lugar, a própria legislação e a jurisprudência têm conferido efeitos cada vez mais relevantes a atos praticados no âmbito administrativo, em especial em relação ao processo penal. Apenas para fins ilustrativos, podemos citar a conhecida Súmula 24 do STF, que faz depender a “materialidade típica do crime fiscal da constituição administrativa do crédito tributário”, e a Lei 12.259/11, que determina a extinção da punibilidade dos crimes de cartel quando cumprido do acordo de leniência, firmado no âmbito do Cade.
Mas, mesmo que a lei não estabeleça relação direta entre as instâncias administrativa e penal, os princípios consagrados neste último impõem uma ligação importante entre elas, em especial nos casos em que o comportamento seja considerado lícito na seara administrativa.
Carvalho Filho (2006, p. 615) propõe a análise dos efeitos da sentença penal mediante a separação entre os crimes funcionais e não funcionais. Sobre os crimes funcionais, refere que (CARVALHO FILHO, 2006, p. 615), se a sentença penal for condenatória, “a Administração não tem outra alternativa senão a de considerar a conduta como ilícito também administrativo”. Se a sentença for absolutória (CARVALHO FILHO, 2006, p. 616):
a) se a decisão absolutória afirma inexistência do fato atribuído ao servidor (art. 386, I, do CPP) ou o exclui expressamente da condição de autor do fato, haverá repercussão no âmbito da Administração: significa que esta não poderá punir o servidor pelo fato decidido na esfera criminal. A instância penal, no caso, obriga a instância administrativa. Se a punição já tiver sido aplicada, deverá ser anulada em virtude do que foi decidido pelo juiz criminal;
b) se a decisão absolutória, ao contrário, absolver o servidor por insuficiência de provas quanto à autoria ou porque a prova não foi suficiente para a condenação (art. 386, IV, do CPP), não influirá na decisão administrativa se, além da conduta penal imputada, houver a configuração de ilícito administrativo naquilo que a doutrina denomina de conduta residual.
Em relação aos crimes não funcionais, a sentença condenatória somente gerará efeitos em caso de perda da liberdade, consoante o disposto no artigo 229 da Lei nº 8.112 e 92, I, b, do CP. A sentença absolutória não gera efeitos na esfera administrativa.
Por fim, há destacar que a absolvição na esfera administrativa não impede a apuração no âmbito criminal.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Embora independentes as instâncias, as sentenças penais em crimes funcionais podem gerar efeitos na esfera administrativa (CARVALHO FILHO, 2006, p. 615):
a) [se a sentença penal for condenatória] “a Administração não tem outra alternativa senão a de considerar a conduta como ilícito também administrativo”.
b) [se a sentença absolutória afirma] inexistência do fato atribuído ao servidor (art. 386, I, do CPP) ou o exclui expressamente da condição de autor do fato, haverá repercussão no âmbito da Administração: significa que esta não poderá punir o servidor pelo fato decidido na esfera criminal. A instância penal, no caso, obriga a instância administrativa. Se a punição já tiver sido aplicada, deverá ser anulada em virtude do que foi decidido pelo juiz criminal;
c) se a decisão absolutória, ao contrário, absolver o servidor por insuficiência de provas quanto à autoria ou porque a prova não foi suficiente para a condenação (art. 386, IV, do CPP), não influirá na decisão administrativa se, além da conduta penal imputada, houver a configuração de ilícito administrativo naquilo que a doutrina denomina de conduta residual.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Independência das esferas administrativa e penal é mito http://www.conjur.com.br/2013-mai-21/direito-defesa-independencia-ambitos-administrativo-penal-mito. Acesso em 03 dez. 2013.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 15.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. 1008p.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 14.ed. São Paulo: Atlas, 2002. 727p.
MEIRELLES, Hely. Direito Administrativo Brasileiro. 27ed. São Paulo: Malheiros, 2002. 790p.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 22ed. São Paulo, Malheiros, 2007. 1053p.
Procuradora Federal, Coordenadora de Gerenciamento e Prevenção de Litígios e Coordenadora-Geral Substituta da Matéria de Benefícios da Procuradoria Federal Especializada junto ao INSS, Direção Central em Brasília/DF. Professora Tutora Professora Tutora do Curso Aspectos Práticos e Relevantes do Direito Previdenciário da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Conselho Nacional de Justiça (ENFAM/CNJ). Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais - Direito - pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FONSECA, Gabriela Koetz da. Independência de instância: ilícito civil, penal e administrativo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 dez 2013, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/37540/independencia-de-instancia-ilicito-civil-penal-e-administrativo. Acesso em: 23 dez 2024.
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