INTRODUÇÃO.
Tem sido muito comum o ajuizamento de ações judiciais, por conta de acidentes ocorridos em rodovia federal, em razão da existência de animal trafegando na rodovia.
Assim, é importante que sejam traçadas algumas considerações a respeito desse relevante tema.
DA RESPONSABILIDADE SUBJETIVA.
Diga-se, de logo, que tais casos não comportam julgamento segundo a teoria da Responsabilidade Objetiva do Estado, a qual, como é cediço, independe de culpa. Isso porque não está sendo imputada ao Estado a prática de uma conduta ou de uma ação, mas sim uma omissão, qual seja, o descumprimento da obrigação de manter conservada e em condições de trafegabilidade a rodovia.
Ora, tal teoria não pode ser indiscriminadamente aplicada, reservando-se a sua aplicabilidade tão somente ao comportamento comissivo do Estado, ao argumento de que só uma atuação positiva pode gerar, causar ou produzir um efeito.
No caso de dano por comportamento omissivo, a responsabilidade do Estado será subjetiva, porquanto supõe dolo ou culpa em suas modalidades de negligência, imperícia ou imprudência, atribuída ao serviço estatal genericamente.
Quando o dano foi possível em decorrência de uma omissão do Estado (o serviço não funcionou, funcionou tardia ou ineficientemente) é de aplicar-se a teoria da responsabilidade subjetiva. Com efeito, se o Estado não agiu, não pode, logicamente, ser ele o autor do dano. E se não foi o autor, só cabe responsabilizá-lo caso esteja obrigado a impedir o dano. Isto é: só faz sentido responsabilizá-lo se descumpriu dever legal que lhe impunha obstar ao evento lesivo.
É necessário, ainda, um mínimo de razoabilidade na averiguação da conduta exigível do Estado, na medida em que este não pode ser considerado o "Garantidor-mor" de tudo e de todos.
Apesar de toda a opulência e suntuosidade do Estado, esse não possui condições de lidar, não sendo razoável, portanto, exigir-se a responsabilização civil do Estado. Porém, é aceitável exigir-se dele, um esforço razoável para evitar determinados infortúnios, seja pela sucessividade da sua ocorrência, seja pela potencialidade do seu perigo.
Nesse sentido, destaca-se a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello[1]:
Quando o dano foi possível em decorrência de uma omissão do Estado (o serviço não funcionou, funcionou tardia ou ineficientemente) é de aplicar-se a teoria da responsabilidade subjetiva. Com efeito, se o Estado não agiu, não pode, logicamente, ser ele o autor do dano. E se não foi o autor, só cabe responsabilizá-lo caso esteja obrigado a impedir o dano. Isto é: só faz sentido responsabilizá-lo se descumpriu dever legal que lhe impunha obstar ao evento lesivo.
[...] Logo, a responsabilidade estatal por ato omissivo é sempre responsabilidade por comportamento ilícito. E sendo responsabilidade por comportamento ilícito, é necessariamente responsabilidade subjetiva, pois não há conduta ilícita do Estado (embora do particular possa haver) que não seja proveniente de negligência, imprudência ou imperícia (culpa) ou, então, deliberado propósito de violar a norma que o constituía em dada obrigação (dolo). [...]
Não bastará, então, para configurar-se responsabilidade estatal, a simples relação entre ausência do serviço (omissão estatal) e o dano sofrido. Com efeito, inexistindo obrigação legal de impedir um certo evento danoso (obrigação, de resto, só cogitável quando haja possibilidade de impedi-lo mediante atuação diligente), seria um verdadeiro absurdo imputar ao Estado responsabilidade por um dano que não causou, pois isto equivaleria a extraí-la do nada; significaria pretender instaurá-la prescindindo de qualquer fundamento racional ou jurídico. Cumpre que haja algo mais: a culpa por negligência, imprudência ou imperícia do serviço, ensejadoras do dano, ou então o dolo, intenção de omitir-se, quando era obrigatório para o Estado atuar e fazê-lo segundo um certo padrão de eficiência capaz de obstar o evento lesivo. Em uma palavra: é necessário que o Estado haja incorrido em ilicitude, por não ter acorrido para impedir o dano ou por ter sido insuficiente neste mister, em razão de comportamento inferior ao padrão legal exigível.
Logo, torna-se indubitável que a responsabilidade que se pode, em tese, imputar ao Estado só poderia se tratar de responsabilidade subjetiva, pois lastreia-se em eventual falha ou omissão do Poder Público na prestação de seus serviços e, em assim sendo, para configurá-la necessário se faz provar, além do liame causal, a culpa da Administração no advento do evento danoso.
DO CASO FORTUITO OU FORÇA MAIOR.
É óbvio que se mostra fática e economicamente impossível colocar um agente público fiscalizando cada metro das rodovias federais, a fim de impedir que um animal atravessasse a via, causando acidentes de trânsito.
Trata-se aqui, na verdade, de um caso fortuito ou de força maior, apta a afastar a existência de nexo de causalidade entre a omissão do Estado e o acidente.
Ora, a existência de um animal na pista, não era previsível ou evitável por qualquer um dos condutores dos veículos e menos ainda pelo DNIT, de modo que não se pode dizer que haveria culpa (negligência, imprudência ou imperícia) dos réus. Deve-se reconhecer, portanto, que a presença repentina de um animal na rodovia trata-se de um caso fortuito, imprevisível e na prática absolutamente inevitável. (TRF4 - Processo AC 200670000179752 - AC - APELAÇÃO CÍVEL - Relatora MARIA LÚCIA LUZ LEIRIA – DJ de 01/04/2009)
De fato, não se pode atribuir responsabilidade ao Estado por todas as eventualidades relativas a aparições de animais, seguidas de acidente, nas estradas cujo encargo atinente à manutenção, à fiscalização e à conservação lhe pertence, sob pena de transformar o Poder Público em uma espécie de seguradora universal.
Segue adiante um precedente do egrégio TRF da 5ª Região que deixa claro que, em casos como o presente, há de se reconhecida a ocorrência de caso fortuito:
ADMINISTRATIVO. ACIDENTE EM RODOVIA FEDERAL CAUSADO POR CACHORRO. DANOS MORAIS E ESTÉTICOS. LEGITIMIDADE PASSIVA DO DNIT. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. CASO FORTUITO. EXCLUDENTE DA RESPONSABILIDADE. [...] 4. No mérito, tem-se que a responsabilidade civil do Estado é objetiva, por determinação do art. 37, parágrafo 6º, da Carta Magna, de modo que basta a existência de uma ação ou omissão, de um prejuízo e do nexo de causalidade entre esses dois elementos, impondo-se o dever de reparar. Essa responsabilidade não se configura e, portanto, não há obrigação indenizatória, quando o dano deriva de culpa exclusiva da vítima ou decorre de caso fortuito ou força maior, sem qualquer possibilidade de previsão e prevenção estatal. 5. No caso em apreço, o acidente que teria causado danos na autora se deu em virtude de um cachorro que teria saído de um matagal em direção à rodovia, fato danoso que o Estado, a despeito de suas atribuições legais, não tinha como evitar ou impedir. Configurou-se, por conseguinte, caso fortuito, que é excludente da responsabilidade civil do Estado. Não há, portanto, nexo de causalidade entre o suposto dano e o dever do Estado. 6. Apelação parcialmente provida, para reconhecer a legitimidade da parte ré e, no mérito, julgar improcedente a demanda. (TRF5 - AC 200984010018894 - AC - Apelação Cível – 504963 - Desembargador Federal Francisco Cavalcanti - DJE - Data: 24/02/2012)
O serviço não tem que ser perfeito. A perfeição é cousa apenas divina, não podendo ser exigida do Estado, nem tampouco sua ausência (da perfeição) servir de fundamento para responsabilizá-lo.
Não há como o Estado, nesses casos, ser onipresente (também algo divino). Isso não existe. É impossível. O serviço tem que ser bom, razoável, dentro do nível da expectativa comum da sociedade e não do nível de aspirações.
Assim, não basta um animal atravessar a pista para fazer surgir o direito à indenização. Além disso, para haver responsabilização, o Estado teria que agir com negligência.
DA LEGITIMIDADE DA UNIÃO PARA RESPONDER POR ACIDENTES OCORRIDOS EM RODOVIA FEDERAL.
De logo, registre-se que, em regra, o DNIT - Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes - não pode ser colocado no polo passivo de demandas, uma vez que referida autarquia federal é encarregada tão somente de promover a conservação, manutenção e sinalização do Sistema Viário Federal.
Conforme entendimento jurisprudencial consolidado, a União responde objetivamente pelos danos sofridos por condutor de veículo que veio a colidir com animal em rodovia federal, tendo em vista que lhe cumpre promover a fiscalização, bem como a apreensão de animal que se encontra no leito trafegável da rodovia. (TRF1 - EIAC 2004.01.00.025605-4/MG, Rel. Desembargador Federal Daniel Paes Ribeiro, Terceira Seção, e-DJF1 p.10 de 10/11/2008)
É que compete, exclusivamente, à Polícia Rodoviária Federal (PRF), órgão integrante da Administração Direta da União, a obrigação de remover animais da estrada, para evitar acidentes em rodovias federais.
Ressalte-se, que a PRF, antes da Constituição da República de 1988, integrava, uma das áreas do extinto DNER, a da Diretoria de Trânsito, sendo em verdade uma Divisão (Divisão de Polícia Rodoviária Federal), conforme Portaria Ministerial. Após a promulgação da atual Carta Magna, a PRF foi integrada ao Ministério da Justiça.
Mesmo com essa mudança, a PRF continua sendo responsável pelo tráfego das rodovias federais, com atribuições de fazer respeitar a legislação de trânsito, a segurança das pessoas, e bens que circulam pelas vias, e imprimir esforços para atender e prevenir acidentes de trânsito e salvamento de vítimas.
O poder de polícia e consequente responsabilidade pela segurança e preservação da ordem e incolumidade das pessoas, do Patrimônio da União e de terceiros nas rodovias federais, é afetada a PRF, conforme prescreve o Código de Trânsito Brasileiro (Lei nº 9.503⁄97), em seu artigo 20, inciso II e III:
Art. 20. Compete à Polícia Rodoviária Federal, no âmbito das rodovias e estradas federais: [...]
II - realizar o patrulhamento ostensivo, executando operações relacionadas com a segurança pública, com o objetivo de preservar a ordem, incolumidade das pessoas, o patrimônio da União e o de terceiros;
III - aplicar e arrecadar as multas impostas por infrações de trânsito, as medidas administrativas decorrentes e os valores provenientes de estada e remoção de veículos, objetos, animais e escolta de veículos de cargas superdimensionadas ou perigosas;
A expressão patrulhar, acima anunciada, significa guarnecer ou vigiar com patrulhas, rondar, percorrer sistematicamente, com o objetivo e propósito de fazer respeitar a legislação, a segurança das pessoas que venham a transitar por aquelas vias, resguardando a ordem pública, cabendo-lhes a prevenção de acidentes, salvamento de vítimas e até mesmo a realização de perícias e levantamento de locais e pontos críticos.
É assim que entendia a jurisprudência pátria, retratada aqui no julgado a seguir transcrito:
RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA. PRESSUPOSTOS. ACIDENTE DE TRÂNSITO. SUPOSTA FALHA DO SERVIÇO NA SINALIZAÇÃO. SEGURADORA. NEXO CAUSAL. ROMPIMENTO. ANIMAL NA PISTA. CASO FORTUITO. FATO IMPREVISÍVEL. RESSARCIMENTO. IMPOSSIBILIDADE. 1.- A responsabilidade civil da Administração por omissão é subjetiva, impondo-se a comprovação da culpa, do dano e do respectivo nexo de causalidade com a omissão apontada. 2.- Seja na hipótese de responsabilização por ação, seja por omissão, podem incidir eventos externos à pretendida relação causal que se mostrariam verdadeiras causas, quebrando o nexo de causalidade. Assim, por exemplo, se ocorre fato necessário, irresistível e inevitável - caso fortuito ou força maior - capaz de produzir o resultado por si só, não se pode afirmar que a ação ou omissão estatal foi o vetor do dano. 3.- A existência de um animal na pista, não era previsível ou evitável por qualquer um dos condutores dos veículos e menos ainda pelo DNIT, de modo que não se pode dizer que haveria culpa (negligência, imprudência ou imperícia) dos réus. Deve-se reconhecer, portanto, que a presença repentina de um animal na rodovia trata-se de um caso fortuito, imprevisível e na prática absolutamente inevitável. (TRF4 - Processo AC 200670000179752 - AC - APELAÇÃO CÍVEL - Relatora MARIA LÚCIA LUZ LEIRIA – DJ de 01/04/2009)
Assim, não se deveria falar em responsabilização do DNIT em casos envolvendo animal na pista. No entanto, infelizmente, o atual panorama jurisprudencial vem reconhecendo a responsabilidade solidária entre a União e a referida autarquia federal.
Observe-se o seguinte julgado:
CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. LEGITIMIDADE PASSIVA. DNIT. UNIÃO. ANIMAL EM RODOVIA FEDERAL. ACIDENTE. LESÃO GRAVE. OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR. DANOS MATERIAIS, MORAIS E ESTÉTICOS. 1. A sentença de primeiro grau julgou procedente o pedido exordial, para "condenar os demandados, solidariamente, a pagar à parte autora a quantia de R$ 1.692,00 (um mil, seiscentos e noventa e dois reais), a título de danos materiais; R$ 30.000,00 (trinta mil reais), a título de indenização por danos morais; e R$ 15.000,00 (quinze mil reais), para reparação por danos estéticos, por entender presente a omissão administrativa, haja vista que o acidente de veículo que lhe resultou lesão grave teria sido causado por acesso de animais à estrada. 2. A legitimidade do DNIT e da UNIÃO decorre da ausência de um programa de fiscalização e remoção de animais em rodovia federal, portanto, por ser solidária a responsabilidade, os referidos entes devem ser mantidos no polo passivo. 3. No presente caso, analisando o acervo probatório contido nos autos (boletim de acidente de trânsito, laudo de exame de lesão corporal, fotos ilustrativas, prova testemunhal, colhida em audiência), o acidente ocorreu no dia 30.12.2009, às 00:05h, em uma rodovia federal - BR 304, Km 278,9, numa reta, quando o veículo colidiu com um animal, portanto resta configurado o dever de indenizar. 4. Danos materiais mantidos, pois ficaram devidamente comprovadas as despesas com cadeira de rodas, muletas e cadeira para banho, necessárias para recuperação e locomoção do autor, após o sinistro, no valor de R$ 1.692,00 (um mil, seiscentos e noventa e dois reais). 5. Ficou comprovada a ocorrência de diversas sequelas provocadas no autor, a exemplo da limitação física permanente, mediante o encurtamento de sua pena esquerda, das dificuldades para deambular, bem como da impossibilidade de retorno a sua atividade habitual, em minas subterrâneas, razão pela qual entendo razoável os valores fixados na sentença de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), a título de danos morais, e de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), a título de danos estéticos. Precedente do TRF da 5ª Região (APELREEX 25095; Desembargador Federal Luiz Alberto Gurgel de Faria; Julgamento em 22.11.2012; Publicação em 05.12.2012). 6. Apelações e remessa oficial improvidas. (APELREEX 00030145020114058400, Desembargador Federal Fernando Braga, TRF5 - Segunda Turma, DJE - Data: 05/09/2013 - Página: 277)
Com a devida vênia, esse entendimento não é o mais correto, pois, além de ir de encontro ao artigo 20, incisos II e III, da Lei nº 9.503⁄97, gera embaraços processuais, tendo em vista que permite a inclusão de dois entes públicos federais no polo passivo da demanda, um “defendido” pela Procuradoria-Geral da União e outro pela Procuradoria-Geral Federal.
DAS CONCLUSÕES.
Assim, pode-se afirmar que, em casos de acidentes provocados pela presença de animais em rodovias federais, para haver a responsabilização da União (ou mesmo do DNIT), deve restar comprovada grave negligência, não bastando a mera demonstração que havia animal circulando na pista.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 17ª ed., 2004, Ed. Malheiros, p. 895/896.
Procurador Federal - Procurador-Chefe da Procuradoria Seccional Federal em Mossoró - Conselheiro representante da Carreira de Procurador Federal junto ao Conselho Superior da Advocacia-Geral da União
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PEREIRA, Carlos André Studart. Da responsabilidade do Estado por presença de animais em rodovias federais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 dez 2013, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/37542/da-responsabilidade-do-estado-por-presenca-de-animais-em-rodovias-federais. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Francisco de Salles Almeida Mafra Filho
Por: BRUNO SERAFIM DE SOUZA
Por: Fábio Gouveia Carneiro
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
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