INTRODUÇÃO
A busca de melhores formas de convivência em sociedade e a paz social são questões que sempre permeiam a cabeça do legislador, sendo as leis um reflexo desse pensamento, pois não se pode cogitar em um Estado Democrático de Direitos sem que as leis reflitam os anseios sociais.
A COISA JULGADA EM AÇÕES COLETIVAS
“Embora não haja consenso sobre a noção de interesse público, essa expressão tem sido predominantemente utilizada para alcançar o interesse de proveito social ou geral, ou seja, o interesse da coletividade, considerada em seu todo.[1]”
Nesse cenário é que surgem as ações coletivas como meio de tutela dos interesses públicos primários, tendo no código de defesa do consumidor e na lei de ação civil pública suas legislações de maior expressão em termos conceituais.
Nas lições de Hugo Nigro Mazzilli, em sua obra A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo( 2009, p. 49): “o interesse público primário (bem geral) pode ser identificado com o interesse social, o interesse da sociedade ou da coletividade, e até mesmo com alguns dos mais autênticos interesses difusos (o exemplo, por excelência, do meio ambiente em geral)”.
O código de defesa do consumidor, Lei nº 8.078/90, conceitua em seu art.81, § único, os interesse difusos, coletivos e individuais homogêneos da seguinte maneira:
Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.
Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:
I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;
II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;
III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.[2]
A divisão nas diversas categorias não foi aleatória, pois cada uma tem reflexo diferente na coisa julgada que produz.
A coisa julgada não é efeito da sentença; não decorre do conteúdo da decisão; não significa eficácia objetiva ou subjetiva da sentença: é apenas a imutabilidade dos efeitos da sentença, adquirida com o trânsito em julgado[3].
Ocorre o trânsito em julgado de uma sentença quando dela não cabem mais recursos, operando-se a coisa julgada formal.
A grande problemática da extensão da coisa julgada nas ações coletivas teve que ser enfrentada para se instituir a defesa coletiva em juízo, pois para a teoria clássica a coisa julgada ficava limita às partes do processo, o que deixaria sem utilidade prática as ações coletivas.
Sobre esse ponto a doutrina teceu severas críticas à teoria clássica:
“Se a coisa julgada no processo coletivo ficasse classicamente limitada apenas às partes formais do processo onde foi proferida, então qualquer colegitimado, que não tivesse participado do processo coletivo, poderia propor novamente a mesma ação, discutindo os mesmos fatos e fazendo o mesmo pedido...[...] de que adiantaria formar-se um título executivo que não iria sequer beneficiar os lesados individuais, que não foram partes no processo?”[4]
A solução encontrada veio com a Lei de Ação Civil Pública, Lei nº 7.347/1985, que se inspirando no modelo trazido pela Lei de Ação Popular, trouxe em seu art.16 o comando de que a sentença proferida em ação civil pública faria coisa julgada erga omnes, exceto em caso de improcedência por falta de provas, caso em que outra ação poderia ser movida, sob idêntico fundamento, desde que instruída com provas novas:
Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova. (Redação dada pela Lei nº 9.494, de 10.9.1997)[5]
Muito embora a redação original do citado artigo 16 tenha sido alterada pela Lei nº 9.494/97, confundindo limites da coisa julgada com competência territorial, entende-se que sua essência foi mantida, pois permaneceu o condicionamento da coisa julgada ao resultado do processo e às provas produzidas, tratando-se de coisa julgada secundum eventum litis, que protege as pretensões individuais no caso de improcedência da ação coletiva.
Há extensão dos limites subjetivos da autoridade da coisa julgada coletiva, sempre para beneficiar vítimas ou interessados, não sendo por outro motivo que o art. 83 do CDC permite todos os tipos de ações para a tutela dos direitos nele previstos.
Ao reverso, a coisa julgada secundum eventum probationis é a que ocorre nos casos de improcedência da ação, quando devemos verificar o fundamento e a qualidade da prova produzida, uma vez que o autor da ação não é titular exclusivo do direito material, sendo possível um controle que envolve a negligência e a má-fé, autorizando o ajuizamento de nova ação coletiva por qualquer colegitimado, inclusive pelo autor da primeira demanda, desde que existam provas novas.
Outrossim, importante frisar-se que “o CDC disciplina adequadamente a coisa julgada na tutela coletiva (art.103)- e seus princípios aplicam-se não só à defesa coletiva do consumidor, como também à defesa de quaisquer interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos, tenham ou não origem nas relações de consumo [...]. Naturalmente, em face dessa conjugação de normas, restou ineficaz a alteração que o art. 2º da Lei n. 9.494/97 procedeu no art. 16 da LACP.”[6]
Como se percebe, o CDC tem aplicação subsidiária para qualquer ação civil pública ou coletiva, pois disciplinou de forma mais coerente e integrada a coisa julgada nas ações coletivas, fazendo-o de acordo com a natureza do interesse objetivado. Veja a dicção do art.103:
Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará coisa julgada:
I - erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento valendo-se de nova prova, na hipótese do inciso I do parágrafo único do art. 81;
II - ultra partes, mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo improcedência por insuficiência de provas, nos termos do inciso anterior, quando se tratar da hipótese prevista no inciso II do parágrafo único do art. 81;
III - erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores, na hipótese do inciso III do parágrafo único do art. 81.
A doutrina costuma resumir toda a celeuma da extensão dos efeitos da sentença proferida no processo coletivo da seguinte maneira:
“Enfim, no processo coletivo, semelhantemente ao que ocorre no tocante à extensão das liminares, também para saber a quem a sentença de procedência beneficiará , é necessário levar em conta não a competência territorial do juiz que a proferiu, e sim a natureza do pedido e a extensão do que foi acolhido.” [7]
Por fim, não se poderia deixar de pontuar sobre a coisa julgada coletiva e as ações individuais, pois o art. 104 do CDC estabelece que a ação coletiva não induz litispendência ou coisa julgada em relação a ações individuais:
Art. 104. As ações coletivas, previstas nos incisos I e II e do parágrafo único do art. 81, não induzem litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada erga omnes ou ultra partes a que aludem os incisos II e III do artigo anterior não beneficiarão os autores das ações individuais, se não for requerida sua suspensão no prazo de trinta dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva.[8]
CONCLUSÃO
Como se demonstrou no presente trabalho, os efeitos erga omnes e ultra partes da coisa julgada nas ações coletivas é algo extremamente salutar, principalmente à luz dos princípios da celeridade e da economia processual, uma vez que pode beneficiar diversas pessoas de uma só vez, evitando-se uma infinidade de processos, não se podendo vislumbrar um Estado proativo e garantidor de direitos fundamentais sem instrumentos como este.
BIBLIOGRAFIA
MAZZILLI, Hugo Nigro. A Defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses.-22 ed. rev., amp. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm. Texto extraído em 01/12/2013.
Liebman, Eficácia e autoridade da sentença, Forense, 1981.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7347orig.htm. Texto extraído em 04/12/2013.
REsp n. 651.037-PR, 3ª T. STJ, v.u., j.05-08-04, rel. Min. Nancy Andrighi, Informativo STJ, 216.
[1] MAZZILLI, Hugo Nigro. A Defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses.-22 ed. rev., amp. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009, p.47.
[2] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm. Texto extraído em 01/12/2013.
[3] Liebman, Eficácia e autoridade da sentença, Forense, 1981.
[4] MAZZILLI, Hugo Nigro. A Defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses.-22 ed. rev., amp. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009, p.560.
[5] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7347orig.htm. Texto extraído em 04/12/2013.
[6][6] REsp n. 651.037-PR, 3ª T. STJ, v.u., j.05-08-04, rel. Min. Nancy Andrighi, Informativo STJ, 216.
[7] MAZZILLI, Hugo Nigro. A Defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses.-22 ed. rev., amp. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009, p.564.
[8] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm. Texto extraído em 05/12/2013.
Procuradora Federal. Graduada na Faculdade de Direito do Largo São Francisco da Universidade de São Paulo - USP. Graduanda em História pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Sociais da USP. Especialista em Direito Processual Civil pela Escola Superior da Procuradoria Geral do Estado e Escola Superior da Advocacia Geral da União.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PORTELA, Virginia Silva Borges. Coisa julgada em ações coletivas: o Código de Defesa do Consumidor e a Lei de Ação Civil Pública Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 dez 2013, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/37544/coisa-julgada-em-acoes-coletivas-o-codigo-de-defesa-do-consumidor-e-a-lei-de-acao-civil-publica. Acesso em: 23 dez 2024.
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