1-INTRODUÇÃO
Para que seja aplicada a tutela jurisdição constitucional penal ao caso concreto, o magistrado necessita de elementos que evidenciem o fato controverso. E o meio utilizado seriam as provas colhidas ao longo do processo criminal.
Vale salientar que o Direito não é estático, mas dinâmico, pois acompanha as necessidades do momento, as mudanças dos conceitos nos mais diversos ramos da sociedade. O sistema probatório, como não poderia deixar de ser, deve acompanhar a evolução das ciências jurídicas e a maioria das inovações que acontecem no âmbito processual basicamente giram em torno das provas. Constata-se dessa forma a importância do tema analisado, principalmente após a utilização da psicografia como fundamento para decisões judiciais.
2-DO SISTEMA PROBATÓRIO CRIMINAL BRASILEIRO
A prova é sem dúvida um dos elementos mais complexos e importantes da persecução processual, pois por meio das evidências procura-se reconstruir de maneira mais semelhante possível o fato que circunda a lide para melhor fundamentar o processo e a jurisdição.
Ao longo da evolução histórica foram elaboradas várias formas de provas como tortura, juramento, opinião pública e provações físicas, contudo no século XIV teve início a utilização de provas documentais, testemunhais, exames periciais e interrogatórios, mas ainda de maneira bastante rústica. Já no século XVI o sistema probatório começou a evoluir para um sistema mais racional e positivista com base na ampla defesa e o devido processo legal, onde tivera o seu auge nos meados do século XVIII.
O atual código de Processo Penal brasileiro conduz a um processo mais humanitário, com fulcro na dignidade da pessoa humana, pois prima pela ampla defesa e o contraditório, o devido processo legal, a atuação do Ministério Público em diversas etapas do procedimento, vários tipos de ações penais, proibição de provas desumanas, ilegais e a busca da verdade real como um dos elementos mais latentes.
Na verdade substancial, também denominada de real, o juiz busca trazer a baila processual os elementos necessários para a elucidação do fato. Por meio de raciocínio lógico e coerente, analisa o conjunto probatório com o dever de fundamentar a decisão prolatada.
Neste sentido expressa o professor Fernando Capez, sobre o sistema adotado como regra pela legislação processual penal pátria (2007, p.314):
O juiz tem a liberdade para formar a sua convicção, não estando preso a qualquer critério legal de prefixação de valores probatórios. No entanto, essa liberdade não é absoluta, sendo necessária a devida fundamentação. O juiz, portanto, decide livremente de acordo com a sua consciência, devendo, contudo, explicitar motivadamente as razões de sua opção e obedecer a certos balizamentos legais, ainda que flexíveis.
Como no Processo Penal brasileiro, não existe hierarquia probatória e o rol de provas é meramente exemplificativo, o magistrado formará a sua convicção pela livre apreciação de cada uma delas, e evidente torna-se possível a admissibilidade das mensagens psicografadas como prova documental, desde que haja harmonia com o conjunto de elementos probatórios existente nos autos.
Desta forma, o artigo 155 do citado código dispõe:
O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão em elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas provas cautelares, não repetitivas e antecipadas.
Na sentença o juiz deverá, portanto, motivar a razão de sua aplicação jurisdicional, senão, vejamos o artigo 381, III do caderno processual:
A sentença conterá:
[...]
III - a indicação dos motivos de fato e de direito em que se fundar a decisão."
[...]
No que tange ao Tribunal do Júri vigora o sistema da certeza moral, no qual, os jurados possuem o poder ilimitado para decidir, sem se vincular a qualquer critério. Este sistema também não impede a utilização da psicografia no Tribunal do Júri, já que os jurados terão o arbítrio para analisar todas as provas produzidas por ambas as partes litigantes, com base na soberania de veredicto.
Assim expõe o artigo 473 § 3° do código de Processo Penal:
As partes e os jurados poderão requerer acareações, recolhimento de pessoas e coisas e esclarecimentos dos peritos, bem como a leitura de peças que se refiram, exclusivamente, às provas colhidas por carta precatória e às provas cautelares, antecipadas ou não repetíveis.
"A situação, portanto, não é causal, nem tampouco casuística, mas denota uma intenção definida e expressa do constituinte de tornar soberana, portanto, a última instância de julgamento, o Tribunal do Júri no Brasil." (NUCCI, 1999, p.85 – grifo do autor)
Reza explicitamente o artigo 232 do Código de Processo Penal brasileiro sobre a liberdade na produção das provas documentais:
Consideram – se documentos quaisquer escritos, instrumentos ou papéis, públicos ou particulares.
A própria legislação processual penal abre margem para o uso de quaisquer tipos de evidências que tenham a possibilidade de elucidar e comprovar a verdade real dos fatos controvertidos, desde, é lógico, que não afrontem as regras basilares do nosso Estado Democrático de Direito.
Ao descrever "quaisquer escritos", pode-se incluir sem dúvida a prova psicografada, já que se trata de um documento escrito. Todavia, é preciso salientar que o escrito deve vir acompanhado de uma perícia grafotécnica, que compare a grafia do falecido e a do documento psicografado, para ser inserido juntamente com as demais provas colhidas.
Nesta seara fundamenta o artigo 174 do Estatuto Processual Penal brasileiro:
No exame para o reconhecimento de escritos, por comparação de letra, observar-se-á o seguinte:
[...]
II- para a comparação, poderão servir quaisquer documentos que a dita pessoa reconhecer ou já tiverem sido judicialmente reconhecidos como de punho, ou sobre cuja autenticidade não houver dúvida;
III- a autoridade, quando necessário, requisitará, para exame, os documentos que existirem em arquivos ou estabelecimentos públicos, ou nestes realizará a diligência, se daí não puderem ser retirados.
A Grafoscopia e a Psicografia são duas formas de expressões que necessitam sempre estarem juntas.
Apesar da Psicografia não está explícita no rol de evidências penais do Código, poderá ser utilizada, já que não atenta contra qualquer preceito ético-jurídico.
"Sendo assim, podemos afirmar que a tendência, hoje, é no sentido de se abolir a taxatividade, tendo-se, contudo, o cuidado de se vedar qualquer meio probatório que atente contra a moralidade ou violente o respeito à dignidade humana." (TOURINHO FILHO, 1999, p.225).
No mesmo entendimento expõe Cintra et al(2006, p.372):
A experiência indica, todavia, que não é aconselhável a total liberdade na admissibilidade dos meios de prova, ora porque não se fundam em bases científicas suficientemente sólidas para justificar o seu acolhimento em juízo (como o chamado soro da verdade), ora porque dariam perigoso ensejo a manipulações ou fraudes (é ocaso da prova exclusivamente testemunhal para demonstrar a existência de contrato de certo valor para cima – CPC, art.401); ora porque ofenderiam a própria dignidade de quem lhes ficasse sujeito, representando constrangimento pessoal inadmissível (é o caso da tortura, da narcoanálise, do detector de mentiras, dos estupefacientes etc.)
Não há, portanto, no ordenamento jurídico processual atual, qualquer texto normativo ou princípio que limite o uso prático de documento produzido pela psicografia como prova penal.
3-A CONSTITUCIONALIDADE DA PSICOGRAFIA COMO MEIO DE PROVA
A Constituição Federal veda terminantemente provas obtidas por meios ilícitos, assim preconiza o seu artigo 5º, LVI: "São inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos". A prova denominada ilegal é o gênero, no qual se subdivide em; prova ilegítima, quando ferem as prerrogativas de ordem processual; e provas ilícitas, que nasceram em desconformidade com a lei material. Portanto, todas as provas que tiveram suporte na infrigência de uma norma material ou formal, bem como as derivadas destas serão consideradas inadmissíveis dentro da órbita processual, sob pena de nulidade.
A norma segundo a qual todos são iguais perante a lei traduz-se como a igualdade entre os sujeitos e a proteção para o regular andamento do processo. É inconcebível acreditar que o documento psicografado seja uma prova ilegal, pois em nenhum momento fere normas de cunho processual ou material.
Na legislação formal a enumeração dos meios de provas é meramente exemplificativa e também não faz alusão a qualquer hierarquia de provas, basta apenas que a evidência psicografada seja juntada nos momentos oportunos segundo as regras da própria lei processual; e no que se refere à legislação substancial o uso do documento psicografado não é causa de crime ou de contravenção, pois as partes são livres para desfrutar de quaisquer meios probatórios de ordem legal e moralmente permitidos e o litigante que usufrui da psicografia com fundamento científico não tem o animus delict, mas apenas a intenção de comprovar as suas alegações.
Com relação aos princípios do contraditório, ampla defesa, da igualdade e o devido processo legal, as partes envolvidas na lide terão o ônus, ao longo da demanda, de impugnar e recorrer das decisões que versem sobre o valor da prova psicografada, concedendo a ambos os litigantes o conhecimento prévio e amplo do conjunto probatório para o devido desfecho do processo. O que será levado em conta é se o documento psicografado, desde que devidamente comprovada a sua autenticidade com uma perícia técnica, possui uma harmonia com as demais provas do processo criminal. Em caso positivo, o referido meio de prova será considerado plenamente hábil para elucidar o fato litigioso e servir de motivação para o julgamento do juiz.
4-APLICAÇAÇÕES PRÁTICAS DA PSICOGRAFIA NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO
Muitos casos emblemáticos demonstram a importância do tema analisado. O caso pioneiro a utilizar a evidência psicografada no processo-crime foi um delito de homicídio no Estado Goiás, na cidade de Goiânia, no qual um jovem chamado Henrique Emmanuel Gregoris faleceu em fevereiro de 1976, tendo como acusado o empresário João Batista. O médium Chico Xavier psicografou uma carta do falecido no qual isentava de total responsabilidade o acusado pela morte do jovem, como isso o juiz acatou o documento como prova hábil e ao sentenciar absolveu sumariamente o indiciado.
Em 1979 o juiz Orimar de Bastos absolveu o acusado José Divino com base em uma carta psicografada onde o isentava de dolo ou culpa. Esta decisão foi confirmada pelo Tribunal goiano.
Outro caso interessante diz respeito a ex - miss Campo Grande, Gleide Dutra de Deus, quando em primeiro de março de 1980 faleceu devido a um ferimento de tiro na garganta. O acusado pela morte foi o seu marido João Francisco Marcondes F. de Deus, este alegava que fora um acidente. Foram utilizadas duas cartas psicografas nas quais inocentavam o indiciado, este foi absolvido pelo tribunal do júri, mas houve recurso par o Tribunal competente e que foi reformado, no segundo julgamento fora acusado de homicídio culposo, porém o delito já se encontrara prescrito.
Em 1982, um crime foi perpetrado na cidade de Mandaguari, em que um soldado da polícia militar fora acusado pelo homicídio de um deputado federal. No processo foi juntada aos autos uma mensagem psicografada por Chico Xavier, o documento inocentava o acusado, contudo, o Tribunal do Júri o condenou.
No Estado do Rio Grande do Sul, Iara Marques Barcelos foi processada por ter sido constatado que fora mandante do homicídio do tabelião Ercy da Silva no ano de 2003. Foi nos autos utilizada uma carta psicografada por Jorge José Santa Maria em que no seu conteúdo eximia a acusada do homicídio do ex - amante. O Tribunal do Júri absolveu Iara com base no documento psicografado.
Os casos acima relatados são apenas alguns exemplos do cotidiano forense que usaram a transcrição psicografada como meio de prova hábil, legítima e lícita. Portanto, evidentemente Constitucional.
5-CONSIDERAÇÕES FINAIS
A necessidade de utilizar o documento psicografado dentro das Ciências Jurídicas, no que se refere às provas, constatou-se evidente e possível a partir do surgimento de inúmeros acontecimentos práticos.
Demonstrou-se de maneira plausível a possibilidade do emprego deste tipo de evidência nas relações jurídicas atuais, a partir das seguintes conclusões: é fundamentada em critérios técnicos – científicos sólidos, sem priorizar os valores de crenças ou religiões. É uma prova inominada que possui amparo em outras ciências de grandes prestígios. Necessita está em consonância com o conjunto probatório já existente e de maneira homogênea, pois não há hierarquia entre as evidências penais. É uma forma legítima, por não infringir nenhum aspecto de ordem processual; lícita, por não ser obtido por meio de crime ou contravenção; hábil por ser possível comprovar a existência ou não de autoria e da materialidade criminosa, bem como serve para fundamentar a sentença do órgão judicante.
Observou-se, por fim, que em instante algum a aplicação da psicografia como prova penal afronta os preceitos basilares constitucionais e legais do ordenamento jurídico brasileiro. O uso de tal prova poderá ser tanto perante o juiz togado, quanto em relação aos jurados do Tribunal do Júri.
6-REFERÊNCIAS
BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2006.
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Processual Penal. São Paulo: Saraiva, 2007.
CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Malheiros. 2006.
GOMES, Luiz Flávio (organizador)– Código Penal – Código de Processo Penal – Legislação Penal e Processual Penal - Constituição Federal. São Paulo: RT. 2009.
NUCCI, Guilherme de Sousa. Júri: Princípios Constitucionais. São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999.
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal, vol. 3. São Paulo: Saraiva, 1999.
Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais, Universidad del Museo Social Argentino (UMSA), Buenos Aires - Argentina; Professor de Direito Penal e Direito Processual Penal, Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Paraíba - Brasil
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOARES, Jardel de Freitas. Desafio Jurídico: a psicografia como prova na solução de crimes Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 dez 2013, 06:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/37550/desafio-juridico-a-psicografia-como-prova-na-solucao-de-crimes. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Nathalia Sousa França
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