Sumário: 1. INTRODUÇÃO. 2. CONCEITOS. 3. UMA EXCEÇÃO À REGRA DA ANUALIDADE EM TEMA DE REPACTUAÇÃO DE PREÇOS DOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS. 4. CONCLUSÃO.
1. INTRODUÇÃO
Ao prever a possibilidade de repactuação de preços nos contratos administrativos que tenham por objeto a execução de serviços de natureza contínua, o art. 5º do Decreto nº 2.271, de 07 de julho de 2007, fixou a regra da anualidade ao estabelecer que a repactuação desses contratos apenas poderia ser implementada se observado o interregno mínimo de um ano, em sintonia, aliás, com as leis de criação e consolidação do Plano Real (Leis nº 9.069/94 e 10.192/2001), que estabeleceram o princípio da anualidade como regra geral de reajuste contratual no direito brasileiro.
Apenas para maior clareza, segue o supramencionado dispositivo do Decreto nº 2.271/97:
“Art. 5º Os contratos de que trata este Decreto, que tenham por objeto a prestação de serviços executados de forma contínua, poderão, desde que previsto no edital, admitir repactuação visando a adequação aos novos preços de mercado, observados o interregno mínimo de um ano e a demonstração analítica da variação dos componentes dos custos do contrato, devidamente justificada.
Parágrafo Único. Efetuada a repactuação, o órgão ou entidade divulgará, imediatamente, por intermédio do Sistema Integrado de Administração de Serviços Gerais - SIASG, os novos valores e a variação ocorrida”
Por sua vez, a Instrução Normativa SLTI/MPOG nº 02, de 30 de abril de 2008, explicitou a aplicação da regra da anualidade na repactuação de preços das contratações de serviços continuados, estabelecendo que o prazo de um ano será contado da data do orçamento a que a proposta se referir (no caso da primeira repactuação) ou da data da última repactuação (quando se tratar da segunda repactuação em diante).
Portanto, a anualidade está inscrita como regra (aparentemente absoluta!), tanto em termos legais, quanto nas disposições infralegais que regulamentam a matéria. Mas, como a realidade da vida nem sempre se amolda ao quadro fático abstratamente delineado pelo legislador, vislumbramos pelo menos uma situação em que a regra da anualidade poderá deixar de ser aplicada concretamente: a hipótese em que a Convenção Coletiva de Trabalho (CCT) de determinada categoria profissional fixa uma nova data-base para a categoria em prazo inferior a doze meses contados da data-base anteriormente estabelecida.
2. CONCEITOS
Antes, porém, de enfrentarmos o tema propriamente dito, convém delimitar, diferenciando-os, os conceitos de repactuação e de reequilíbrio econômico-financeiro nos contratos administrativos.
O reequilíbrio econômico-financeiro representa o restabelecimento do sinalagma contratual originariamente pactuado entre as partes, quando este tenha sido alterado por evento que caracterize álea extraordinária. Justamente por decorrer de eventos imprevisíveis ou, quando menos, de eventos previsíveis cujas consequências não podem ser calculadas de antemão, o reequilíbrio econômico-financeiro poder ser implementado em qualquer momento da relação contratual, não estando condicionado a requisitos temporais. Para que se viabilize, basta que ocorram as hipóteses eleitas pela legislação como aptas à sua concretização, não sendo exigível, para sua efetivação, que tenha sido previsto no instrumento contratual, uma vez que sua possibilidade deriva diretamente da lei. Em nosso direito administrativo, sua base legal encontra-se essencialmente radicada no art. 65, inciso II, alínea “d” e seu § 5º, da Lei nº 8.666/93, verbis:
“Art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos:
(...)
II - por acordo das partes:
(…)
d) para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de consequências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual.
(...)
§ 5o Quaisquer tributos ou encargos legais criados, alterados ou extintos, bem como a superveniência de disposições legais, quando ocorridas após a data da apresentação da proposta, de comprovada repercussão nos preços contratados, implicarão a revisão destes para mais ou para menos, conforme o caso.”
A repactuação, por sua vez, é espécie do gênero “reajuste” e tem aplicação nos contratos administrativos que versem sobre a prestação de serviços continuados com dedicação exclusiva de mão-de-obra, possuindo como objetivo precípuo a adequação dos valores contratuais à nova realidade do mercado, por meio do repasse, ao contrato administrativo, da efetiva variação de custos do contratado (que deverá ser demonstrada através das competentes planilhas de custos e formação de preços). Assim, constituindo uma espécie de reajuste contratual, a repactuação – diferentemente do reequilíbrio econômico-financeiro - está submetida ao limite temporal de um ano, sendo certo, outrossim, que sua implementação deve estar expressamente prevista no edital e no contrato.
3. UMA EXCEÇÃO À REGRA DA ANUALIDADE EM TEMA DE REPACTUAÇÃO DE PREÇOS DOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS
A Instrução Normativa SLTI/MPOG nº 02/2008, ao regulamentar a repactuação de preços dos contratos administrativos, assim dispõe em seu art. 37:
“Art. 37. A repactuação de preços, como espécie de reajuste contratual, deverá ser utilizada nas contratações de serviços continuados com dedicação exclusiva de mão de obra, desde que seja observado o interregno mínimo de um ano das datas dos orçamentos aos quais a proposta se referir, conforme estabelece o art. 5º do Decreto nº 2.271, de 1997. (Nova redação pela INSTRUÇÃO NORMATIVA MP Nº 3, DE 15/11/2009)
§ 1º A repactuação para fazer face à elevação dos custos da contratação, respeitada a anualidade disposta no caput, e que vier a ocorrer durante a vigência do contrato, é direito do contratado, e não poderá alterar o equilíbrio econômico e financeiro dos contratos, conforme estabelece o art. 37, inciso XXI da Constituição da República Federativa do Brasil, sendo assegurado ao prestador receber pagamento mantidas as condições efetivas da proposta. (Incluído pela INSTRUÇÃO NORMATIVA MP Nº 3, DE 15/11/2009)
§ 2º A repactuação poderá ser dividida em tantas parcelas quanto forem necessárias em respeito ao princípio da anualidade do reajuste dos preços da contratação, podendo ser realizada em momentos distintos para discutir a variação de custos que tenham sua anualidade resultante em datas diferenciadas, tais como os custos decorrentes da mão de obra e os custos decorrentes dos insumos necessários à execução do serviço. (Incluído pela INSTRUÇÃO NORMATIVA MP Nº 3, DE 15/11/2009)
§ 3º Quando a contratação envolver mais de uma categoria profissional, com datas-base diferenciadas, a repactuação deverá ser dividida em tantas quanto forem os acordos, dissídios ou convenções coletivas das categorias envolvidas na contratação. (Incluído pela INSTRUÇÃO NORMATIVA MP Nº 3, DE 15/11/2009)
§ 4º A repactuação para reajuste do contrato em razão de novo acordo, dissídio ou convenção coletiva deve repassar integralmente o aumento de custos da mão de obra decorrente desses instrumentos. (Incluído pela INSTRUÇÃO NORMATIVA MP Nº 3, DE 15/11/2009)”
Nota-se que, muito embora a IN/SLTI/MPOG nº 02/2008 admita a implementação da repactuação em datas distintas (já que poderá ser dividida para fazer frente, de um lado, à variação dos custos da mão-de-obra e, de outro, àqueles oriundos da variação dos insumos), o ato normativo mantém aparentemente intacta a regra da anualidade, uma vez que o prazo de um ano deverá ser observado dentro de cada uma dessas categorias: um ano para a repactuação oriunda da variação de custos da mão-de-obra e um ano para a repactuação derivada da variação de custo dos insumos. É a leitura óbvia que se faz tanto da letra, quanto do espírito da norma.
Mas imaginemos a seguinte situação hipotética (aliás, nem tão hipotética assim, posto que a tivemos que enfrentar em nossa experiência profissional): a Convenção Coletiva de Trabalho (CCT) de determinada categoria profissional, em determinado ano, fixa uma nova data-base para o reajuste salarial daquela categoria, sendo que essa data-base é fixada quando ainda não decorrido o prazo de um ano contado desde o último reajuste salarial. A título de exemplo, suponhamos que determinada categoria profissional tradicionalmente teve sua data-base fixada em 1º de abril de cada ano e que, durante a vigência do contrato administrativo, os sindicatos interessados se entendam, ao elaborarem a nova Convenção Coletiva de Trabalho, no sentido de fixar essa data-base em 1º de março.
Essa situação faz surgir a indagação acerca do correto termo inicial a ser considerado para a produção dos efeitos financeiros da repactuação que a empresa contratada certamente virá a pleitear perante a Administração. Com efeito, estamos aqui diante de hipótese em que a Convenção Coletiva de Trabalho estabeleceu a majoração do piso salarial de determinada categoria profissional em interregno inferior ao estabelecido no art. 37 da IN/MPOG/SLTI nº 02/2008 (isto é, em período inferior a um ano). Tendo presente tal realidade, ainda no exemplo dado, poderia ser deferida a repactuação de preços pleiteada pela contratada, emprestando-lhe efeitos a contar do mês de março de 2011, ainda que não transcorrido o prazo de um ano desde a data de início dos efeitos da CCT anterior? Ou será que a Administração estaria impedida de conceder qualquer aumento antes do mês de abril (já que não observada a regra da anualidade estabelecida IN/MPOG/SLTI nº 02/2008), arcando a contratada com o prejuízo decorrente da majoração do salário normativo no mês de março?
Quid iuris?
Primeiramente, temos que qualquer análise que se faça sobre o tema deve considerar, em primeiríssimo plano, a regra-princípio plasmada no art. 37, inciso XXI, da Constituição da República, que estabelece como direito fundamental daquele que contrata com a Administração Pública o de ver mantido o equilíbrio da equação econômico-financeira do contrato.
Eis o teor do referido dispositivo constitucional:
“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
(...)
XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.” (grifo nosso)
Assim, parece-nos que deverá ficar descartada a segunda hipótese acima aventada, uma vez que, quedando definido, por intermédio da competente Convenção Coletiva de Trabalho, o novo salário normativo da categoria profissional, o mesmo incorpora-se ipso facto ao contrato celebrado entre o particular e a Administração, já que, possuindo a CCT caráter normativo (vide art. 611 da CLT), não é dado à empresa contratada furtar-se ao cumprimento do que acordado entre os sindicatos das categorias envolvidas (vide também os arts. 619 e 622 da CLT). Realmente, se fosse vedado à contratada repassar tais custos ao contrato, restariam definitivamente rompidas as condições inicialmente pactuadas entre as partes, em afrontosa violação ao mandamento constitucional aqui mencionado.
Assentada tal premissa, entendemos que o próprio texto da IN/MPOG/SLTI nº 02/2008 alberga a situação aqui analisada, contemplando hipótese de exceção à regra da anualidade estampado no caput do art. 37 e autorizando a concessão da repactuação nesses casos.
Vejamos o que dispõe o inciso III do art. 41, verbis:
“Art. 41. Os novos valores contratuais decorrentes das repactuações terão suas vigências iniciadas observando-se o seguinte:
I - a partir da ocorrência do fato gerador que deu causa à repactuação; (alterado pela Instrução Normativa nº 3, de 15 de outubro de 2009)
II - em data futura, desde que acordada entre as partes, sem prejuízo da contagem de periodicidade para concessão das próximas repactuações futuras; ou
III - em data anterior à ocorrência do fato gerador, exclusivamente quando a repactuação envolver revisão do custo de mão-de-obra em que o próprio fato gerador, na forma de acordo, convenção ou sentença normativa, contemplar data de vigência retroativa, podendo esta ser considerada para efeito de compensação do pagamento devido, assim como para a contagem da anualidade em repactuações futuras; (alterado pela Instrução Normativa nº 3, de 15 de outubro de 2009)” (grifei)
Por isso, temos que será possível ao administrador público, na hipótese aqui versada, deferir o requerimento formulado pela contratada quando, com base em Convenção Coletiva de Trabalho à qual esteja vinculada, vier a pleitear repactuação dos valores contratuais baseada em revisão do custo da mão-de-obra, ainda que seus efeitos financeiros devam, excepcionalmente, operar com inobservância do interregno mínimo de um ano. Parece ser esta, salvo melhor juízo, a inteligência a ser dada ao inciso III do art. 41 da IN/MPOG/SLTI nº 02/2008.
4. CONCLUSÃO
Isto posto, a partir da análise da hipótese aqui aventada, verifica-se que a regra da anualidade aplicável às repactuações dos contratos administrativos que envolvam a prestação de serviços contínuos com dedicação exclusiva de mão-de-obra não é absoluta, visto que ela (a regra da anualidade) não pode afrontar o princípio do equilíbrio econômico dos contratos administrativos, consagrado pela Constituição da República como direito fundamental do contratado.
REFERÊNCIAS
ALEXANDRINO, Marcelo e PAULO, Vicente. Direito Administrativo, 12ª edição. Rio de Janeiro: Impetus, 2006
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, 18ª edição. São Paulo: Atlas, 2005
MORAIS, Dalton Santos. Temas de Licitações e contratos administrativos. São Paulo: Editora NDJ, 2005
Procurador Federal. Coordenador da Coordenação para Assuntos de Consultoria da Procuradoria Federal na Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. Graduado em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MOSQUEIRA, Bruno Alves. Repactuação de preços nos contratos administrativos: uma exceção à regra da anualidade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 dez 2013, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/37554/repactuacao-de-precos-nos-contratos-administrativos-uma-excecao-a-regra-da-anualidade. Acesso em: 23 dez 2024.
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