1. Introdução
Há muito se discute a respeito da imprescritibilidade das ações de ressarcimento decorrentes da prática de ato ilícito, prevista no art. 37, §5º, da Constituição da República de 1988.
O Supremo Tribunal Federal parecia ter consolidado seu entendimento a partir da decisão proferida nos autos do mandado de segurança nº 26.210/DF – posicionamento esse que vinha sendo acolhido pelo Tribunal de Contas da União, pelo Superior Tribunal de Justiça e outros Tribunais –, mas aquele decisum não tratou de todas as nuances relativas ao tema. Afora isso, a própria existência dessa imprescritibilidade é alvo de constantes debates no seio doutrinário e no âmbito jurisprudencial.
Até mesmo por conta dessas variáveis, a discussão do assunto voltou a ser submetida à Corte Suprema que, nos autos nº Recurso Extraordinário nº 669.069, reconheceu, em 03/08/2013 (acórdão publicado no DJ de 26/08/2013), a repercussão geral da matéria, com o que a composição atual do STF deverá enfrentar novamente o tema, de modo a trazer a correta interpretação daquele dispositivo constitucional.
O presente trabalho visa trazer alguns importantes pontos referentes a essa questão, não possuindo qualquer pretensão de esgotar o tema, mas apenas fomentar a discussão e, de alguma maneira, contribuir para que seja conferida a adequada interpretação daquela norma constitucional.
2. Desenvolvimento
O instituto da prescrição guarda estrita referência com a garantia constitucional da segurança jurídica, relacionando-se diretamente à necessária estabilização das relações sociais. De fato, não se pode admitir que a regra seja o titular de um direito violado poder perseguir, ao seu mero alvedrio e a qualquer tempo, sua pretensão de ver aquela lesão ressarcida na esfera patrimonial. Ao contrário, a regra é a extinção da pretensão daquele que teve seu direito violado, o que se dá pelo reconhecimento da prescrição, admitindo-se, excepcionalmente, a imprescritibilidade.
Assim prevê o art. 189, do Código Civil:
Art. 189. Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206.
É lição comezinha do Direito que, tratando-se de exceção, a imprescritibilidade deve ser interpretada de maneira restritiva.
O art. 37, §5º, da Constituição da República preceitua que:
§5º - A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.
A doutrina tem conferido três linhas interpretativas a tal dispositivo, a saber: i) a imprescritibilidade mencionada nesse dispositivo abarca qualquer tipo de ação de ressarcimento ao erário; ii) a imprescritibilidade alcança apenas as ações por danos ao erário decorrentes de ilícito penal ou de improbidade administrativa; iii) o dispositivo não contém norma apta a consagrar imprescritibilidade alguma.
Celso Antônio Bandeira de Mello[1] reviu seu posicionamento para entender que, não obstante a redação do art. 37, § 5º, da Constituição da República de 1988, a ação de ressarcimento ao erário não é imprescritível – acolhendo a terceira linha interpretativa citada acima –, como se extrai do trecho a seguir transcrito:
“Até a 26ª edição deste Curso admitimos que, por força do §5º do art. 37, de acordo com o qual os prazos de prescrição para ilícitos causados ao erário serão estabelecidos por lei, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento, estas últimas seriam imprescritíveis. É certo que aderíamos a tal entendimento com evidente desconforto, por ser óbvio o desacerto de tal solução normativa. (...) Já não aderimos a tal desabrida intelecção.
(...)
Não é crível que a Constituição possa abonar resultados tão radicalmente adversos aos princípios que adota no que concerne ao direito de defesa. Destarte, se a isto se agrega que quando quis estabelecer a imprescritibilidade a Constituição o fez expressamente como no art. 5º, incs. LII e LXIV (crimes de racismo e ação armada contra a ordem constitucional) – e sempre em matéria penal que, bem por isto, não se eterniza, pois não ultrapassa uma vida – ainda mais se robustece a tese adversa à imprescritibilidade. Eis, pois, que reformamos nosso anterior entendimento na matéria.”
A tese da prescritibilidade homenageia o princípio da segurança jurídica, eis que coloca, para a Fazenda Pública, um limite temporal à sua pretensão de ressarcimento do erário em decorrência da prática de ilícito pelo indivíduo, servidor público ou não. Com o decurso do lapso prescricional, a situação se considera constituída, não mais dispondo o Estado de meios jurídicos para exigir do infrator a recomposição dos cofres públicos.
Em sentido diverso, embora reconheça que a prescrição é a regra no ordenamento jurídico pátrio, José Afonso da Silva[2] admite a opção do legislador constituinte pela não-incidência da prescrição na hipótese de ressarcimento ao erário decorrente de ato ilícito – acolhendo a primeira linha interpretativa exposta supra –, como se vê a seguir:
“A prescritibilidade, como forma de perda da exigibilidade de direito, pela inércia de seu titular, é um princípio geral de direito. Não será, pois, de estranhar que ocorram prescrições administrativas sob vários aspectos, quer quanto às pretensões de interessados em face da Administração, quer quanto às desta em face de administrados. Assim é especialmente em relação aos ilícitos administrativos. Se a Administração não toma providência à sua apuração e à responsabilização do agente, a sua inércia gera perda do seu ius persequendi. É o princípio que consta do art. 37, §5º (...). Vê-se, porém, que há uma ressalva ao princípio. Nem tudo prescreverá. Apenas a apuração e punição do ilícito, não, porém, o direito da Administração ao ressarcimento, à indenização, do prejuízo causado ao erário. É uma ressalva constitucional e, pois, inafastável, mas, por certo, destoante dos princípios jurídicos, que não socorrem quem fica inerte (dormientibus non sucurrit ius). Deu-se assim à Administração inerte o prêmio da imprescritibilidade na hipótese considerada.”
Assim, vê-se que a tese da imprescritibilidade homenageia o princípio da supremacia e da indisponibilidade do interesse público, porquanto proporciona a possibilidade de se buscar, a qualquer tempo, a recomposição dos cofres públicos que, em verdade, abrigam não o patrimônio estatal em si considerado, mas o patrimônio de toda a coletividade, é dizer, a coisa pública.
O entendimento jurisprudencial vigente atualmente é no sentido de que a ação de ressarcimento é imprescritível, tal como exposto pela primeira linha interpretativa. Nesse aspecto, confira-se o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal de Contas da União, in verbis:
EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. BOLSISTA DO CNPq. DESCUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO DE RETORNAR AO PAÍS APÓS TÉRMINO DA CONCESSÃO DE BOLSA PARA ESTUDO NO EXTERIOR. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. INOCORRÊNCIA DE PRESCRIÇÃO. DENEGAÇÃO DA SEGURANÇA. I - O beneficiário de bolsa de estudos no exterior patrocinada pelo Poder Público, não pode alegar desconhecimento de obrigação constante no contrato por ele subscrito e nas normas do órgão provedor. II - Precedente: MS 24.519, Rel. Min. Eros Grau. III - Incidência, na espécie, do disposto no art. 37, § 5º, da Constituição Federal, no tocante à alegada prescrição. IV - Segurança denegada. (STF. Pleno. MS 26.210/DF. Rel. Min. Ricardo Lewandowski. Publicado no DJ de 10/10/2008).
CONSTITUCIONAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO. CONTRATO. SERVIÇOS DE MÃO-DE-OBRA SEM LICITAÇÃO. RESSARCIMENTO DE DANOS AO ERÁRIO. ART. 37, § 5º, DA CF. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. 1. As ações que visam ao ressarcimento do erário são imprescritíveis (artigo 37, parágrafo 5º, in fine, da CF). Precedentes. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. (STF. 1ª Turma. AI 712.435 AgR. Rel. Min. Rosa Weber. Publicado no DJ de 12/04/2012).
ADMINISTRATIVO - RECURSO ESPECIAL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - LICITAÇÃO - CONTRATAÇÃO SEM CERTAME LICITATÓRIO - PRESCRIÇÃO - AFASTAMENTO -MATÉRIA CONSTITUCIONAL - NÃO-APLICABILIDADE - AÇÃO CIVIL PÚBLICA RESSARCITÓRIA - IMPRESCRITIBILIDADE - RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. PRIMEIRA PRELIMINAR RECURSAL - ART.535, CPC. O acórdão foi sintético; no entanto, é perfeitamente possível dele extrair a tese jurídica fundamental: a prescritibilidade da pretensão deduzida em ação civil pública de ressarcimento de danos.
2. SEGUNDA PRELIMINAR RECURSAL - IMPOSSIBILIDADE DE CONHECIMENTO DA ESPÉCIE - MATÉRIA CONSTITUCIONAL. O acórdão tratou da questão sob fundamento exclusivamente infraconstitucional. Conhecimento possível. Preliminar rejeitada.
3. TERCEIRA PRELIMINAR RECURSAL - AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO E DISSÍDIO NÃO-DEMONSTRADO. É possível a abstração da tese jurídica, o que permite a compreensão da demanda. Prequestionamento existente. A divergência foi comprovada por meio de documentos eletrônicos, extraídos do sítio eletrônico do STJ, o que atende aos requisitos regimentais dispostos nesta Corte.
4. MÉRITO. IMPRESCRITIBILIDADE DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA RESSARCITÓRIA. "A ação de ressarcimento de danos ao erário não se submete a qualquer prazo prescricional, sendo, portanto, imprescritível. (REsp 705.715/SP, Rel. Min. Francisco Falcão, Primeira Turma, julgado em 2.10.2007, DJe 14.5.2008). Precedente do Pretório Excelso. Recurso especial provido. (STJ. 2ª Turma. REsp 1.056.256/SP. Rel. Min. Humberto Martins. Publicado no DJ de 04/02/2009).
INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. INTERPRETAÇÃO DA PARTE FINAL DO § 5º DO ART. 37 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. IMPRESCRITIBILIDADE DAS AÇÕES DE RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. CONSONÂNCIA COM POSICIONAMENTO RECENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. REMESSA DE CÓPIA DO ACÓRDÃO À COMISSÃO DE JURISPRUDÊNCIA DO TCU (TCU. Plenário. AC 2709-50/08-P. Rel. Min. Benjamin Zymler. Publicado no DJ de 01/12/2008).
O Tribunal de Contas da União, no próprio AC 2709-50/08-P, deixou assente que o art. 37, da Constituição da República, conduz ao entendimento de que as ações de ressarcimento movidas pelo Estado contra os agentes causadores de danos ao erário são imprescritíveis, ressalvando a possibilidade de dispensa de instauração de tomada de contas especial prevista no art. 5º, §4º, da IN TCU nº 56/2007.
Há quem entenda que a ilicitude referida no art. 37, §5º, da CR/88, deve guardar relação com a prática de ato de improbidade administrativa ou ilícito penal, entendimento consagrado pela segunda linha interpretativa citada acima.
Nos autos do mandado de segurança nº 26.210/DF, cuja ementa encontra-se transcrita supra, o Ministro Cezar Peluso entendeu, a título de ressalva, que somente o ressarcimento decorrente da prática de ilícito penal é que seria imprescritível, como se vê a seguir:
“Esta norma [art. 37, §5º, CR/88] estabelece claramente uma exceção – eu diria, exceção marcante – em relação a princípio jurídico universal: o princípio de limitação do prazo de exercício de todas as pretensões, porque é este requisito de segurança jurídica. Há larga discussão em doutrina sobre as ações declaratórias, para saber se seriam ou não imprescritíveis, mas a regra geral, como princípio universal, formulado em benefício da paz social e da segurança jurídica, é que todas as pretensões estão sujeitas à prescrição, e alguns direitos, sujeitos à decadência. Então, em se tratando de exceção a uma regra de tão amplo alcance, teria de ser interpretada, já desse ponto de vista, estritamente.
Em segundo lugar, o que me parece claro dessa regra – com o devido respeito – é que se trata de uma exceção à previsão de prescrição para ilícitos, ou seja, há aqui segunda exceção, normativa, uma exceção de segundo grau, que é de abrir ressalva à prescritibilidade em relação aos ilícitos praticados por qualquer agente, que, seja servidor ou não, cause prejuízo ao Erário.
Isso significa, no meu entender, que em primeiro lugar, a hipótese excepcional não é de qualquer ilícito, sobretudo não é de ilícito civil. Aliás, o próprio Tribunal de Contas da União, ao prestar informações, invoca acertada doutrina que, provavelmente citada nos seus acórdãos, diz o seguinte:
‘A Constituição Federal colocou fora do campo de normatização da Lei o prazo prescricional da ação de ressarcimento referente a prejuízos causados ao erário, só podendo a lei estabelecer o prazo prescricional para os ilícitos, como tal podendo-se entender os crimes.’
Noutras palavras, as ações relativas a crimes são prescritíveis, não, porém, as respectivas ações de ressarcimento. Respectivas do quê? Dos crimes, isto é, as ações tendentes a reparar os prejuízos oriundos da prática de crime danoso ao Erário. Este o sentido lógico do adjetivo ‘respectivos’. Não se trata, portanto, de qualquer ação de ressarcimento, senão apenas das ações de ressarcimento de danos oriundos de ilícitos de caráter criminal. Aí se entende, então, o caráter excepcional da regra da imprescritibilidade. Por quê? Porque é caso do ilícito mais grave na ordem jurídica. E a Constituição, por razões soberanas, entendeu que, nesse caso, cuidando-se de delitos, no sentido criminal da palavra, as respectivas ações de ressarcimento não prescrevem, conquanto prescrevam as demais ações nascidas do ilícito penal.”
Embora o Ministro Cezar Peluso tenha entendido que o conceito de ilicitude, para fins de atração da imprescritibilidade, relaciona-se àqueles atos com natureza criminal, o Supremo Tribunal Federal, naquele mesmo MS 26.210/DF, cuja ementa encontra-se transcrita acima, entendeu pela imprescritibilidade do ressarcimento atinente ao montante gasto pelo Conselho Nacional de Pesquisas – CNPq na concessão de bolsa ao impetrante, que se comprometera a retornar ao Brasil tão logo concluído o doutorado, mas assim não o fez. Em outras palavras, o impetrante do mandamus, que obteve bolsa integral do Conselho Nacional de Pesquisas – CNPq, se comprometeu, ao assinar o requerimento (natureza contratual) para a concessão da bolsa, a retornar ao Brasil após a conclusão do curso de pós-graduação, o que não se efetivou, razão pela qual contra ele havia a cobrança daqueles valores que lhe foram disponibilizados para a realização do doutorado.
No referido mandado de segurança, o argumento da boa-fé, utilizado na praxe forense muitas vezes de forma até leviana, foi rechaçado pelo Ministro Eros Grau, que obtemperou que a boa-fé não se presta a justificar o enriquecimento sem causa de quem quer que seja.
Assim, o atual entendimento do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal de Contas da União é no sentido de que qualquer ilícito enseja o reconhecimento da imprescritibilidade da ação de ressarcimento, à luz do art. 37, §5º, da CR/88, conforme ementas transcritas acima.
A multiplicidade de situações que ensejam o ressarcimento ao erário em decorrência de um ilícito demonstra que o STF não abordou a questão de forma satisfatória. Mais do que permitir o ressarcimento aos cofres públicos em uma demanda específica, a sociedade clama por uma definição da amplitude do art. 37, §5º, da CR/88, é dizer, se o ilícito ao qual se refere aquele dispositivo constitucional alcança somente o ilícito penal ou abarca também o ilícito administrativo e o civil.
O entendimento firmado no MS 26.210/DF tem servido para que a Fazenda Pública ajuíze um sem-número de ações objetivando o ressarcimento dos cofres públicos em razão da prática de algum ilícito, seja ele administrativo, civil ou penal, mesmo depois de decorridos mais de cinco anos da prática do ato.
Dada a especificidade da situação já analisada pela Suprema Corte – que não se mostrou suficiente para a pacificação de relações sociais outras de similar natureza –, a questão voltou a ser submetida à análise do Supremo Tribunal Federal que, nos autos do Recurso Extraordinário nº 669.069, reconheceu a repercussão geral da matéria, conforme ementa a seguir:
EMENTA: ADMINISTRATIVO. PRETENSÃO DE RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. PRESCRIÇÃO. INTERPRETAÇÃO DA RESSALVA FINAL PREVISTA NO ARTIGO 37, § 5º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.
Apresenta repercussão geral o recurso extraordinário no qual se discute o alcance da imprescritibilidade da pretensão de ressarcimento ao erário prevista no artigo 37, § 5º, da Constituição Federal. (STF. Plenário. Repercussão geral no RE 669.069. Rel. Min. Teori Zavascki. Publicado no DJ de 26/08/2013).
O caso sob análise do STF trata de pedido de ressarcimento de danos materiais formulado pela União em razão de acidente de trânsito envolvendo veículo de uma sociedade empresária e aquele ente público.
A União sustenta a aplicabilidade do art. 37, §5º, da CR/88, às lesões ao patrimônio público, cometidas por particulares, no tocante à imprescritibilidade das respectivas ações de ressarcimento, sob pena de torná-los imunes à responsabilização pelos ilícitos praticados em detrimento do Estado, diferentemente dos agentes públicos, que sempre seriam responsabilizados, em afronta ao princípio da isonomia.
O tema objeto de reflexão demonstra que, para a verificação da imprescritibilidade da ação de ressarcimento, deve-se, necessariamente, perquirir se houve a prática de ato ilícito pelo agente, servidor público ou não.
A constatação da ilicitude deve dar-se a partir da análise do caso concreto, sendo inviável esgotar as situações aptas, em tese, a configurar a ilicitude para fins de reconhecimento da imprescritibilidade da ação de ressarcimento.
Contudo, é mister que a doutrina e a jurisprudência, sobretudo o Supremo Tribunal Federal, tragam as balizas para que se possa verificar se determinado fato enquadra-se como ilícito ou não para fins de reconhecimento da imprescritibilidade daquela ação de ressarcimento.
Há de se entender que não é qualquer ilícito – penal, civil ou administrativo – que é suficiente para justificar uma imprescritibilidade da ação de ressarcimento. Acolher entendimento em sentido diverso divergiria das lições primárias em Direito que reconhece a prescrição como exceção e, por isto, deve ser interpretada restritivamente.
Em outras palavras, permitir o reconhecimento indiscriminado da ilicitude – penal, civil e administrativa – para garantir a imprescritibilidade do ressarcimento ao erário seria banalizar a aplicação do art. 37, §5º, da CR/88, além de tornar quase todos os créditos da Fazenda Pública imprescritíveis, afinal, se a Administração só pode fazer o que está previsto em lei e exige o cumprimento da legislação pelos administrados, todas as ações destes que importem violação ao texto legal – seja ofensa às normas penais, civis ou administrativas – levariam ao inexorável reconhecimento da imprescritibilidade das ações de ressarcimento.
Nesse sentido, diante da necessidade de se extrair do art. 37, §5º, da CR/88, um único comando normativo que se afigure claro, isonômico e isento de incertezas a todos os seus destinatários, é mister que o STF coloque em pauta o quanto antes o julgamento do Recurso Extraordinário nº 669.069, de modo a trazer os exatos contornos àquele dispositivo constitucional.
Enquanto isso não ocorre, mesmo diante do atual entendimento do Supremo Tribunal Federal a respeito do tema, é de se recomendar, em razão dos argumentos jurídicos expostos acima, que a administração pública, diante da multiplicidade de casos que se encontram sob a categorização da ilicitude civil ou administrativa, verifique a melhor estratégia, é dizer, se ajuíza ou não ações de ressarcimento nas quais defenda a imprescritibilidade do ressarcimento ao erário, sobretudo em razão dos efeitos da sucumbência, pois, uma tentativa de ressarcimento aos cofres públicos de créditos prescritos – embora a administração, se adotar o entendimento até então firmado no STF, possa considerar como créditos imprescritíveis – pode ensejar maior prejuízo ao erário se, ao final da ação, reconhecer-se que a pretensão de ressarcimento foi fulminada pelo lapso temporal extintivo.
3. Conclusão
Vê-se que a correta definição da abrangência do termo imprescritibilidade previsto no art. 37, §5º, da Constituição da República, é de grande importância na atualidade, sobretudo se se considerar que se trata do ressarcimento aos cofres públicos em decorrência da prática de atos ilícitos, o que tem sido alvo de relevante atuação da Fazenda Pública – por intermédio dos seus órgãos de representação judicial –, dos órgãos de controle interno e externo, e do próprio Poder Judiciário, na recomposição do patrimônio lesado.
Conforme demonstrado acima, há significativa divergência doutrinária sobre a questão, com substanciosos argumentos jurídicos para a adoção de um ou outro entendimento.
O cenário explicitado acima e a multiplicidade de situações fáticas que ensejam o ressarcimento ao erário demonstram o quão relevante é o tema, sendo louvável que a Corte Suprema insira o quanto antes o Recurso Extraordinário nº 669.069 em pauta, de modo a trazer os necessários contornos e a correta interpretação daquele dispositivo constitucional, com o que a Fazenda Pública poderá ajuizar suas demandas para ressarcimento dos cofres públicos já observando a correta noção do termo imprescritibilidade inserto no art. 37, §5º, da Constituição da República.
4. Referências bibliográficas
- BULOS, Uadi Lamêgo. Constituição Federal Anotada. 4ª edição. Ed. Saraiva, 2002.
- CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 25a Edição. Editora Atlas, 2012.
- DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 25. ed. São Paulo: Atlas, 2012.
- MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 27ª edição. São Paulo: Malheiros, 2010, pág. 1064.
- SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 23ª edição. São Paulo: Malheiros, pág. 654.
[1] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 27ª edição. São Paulo: Malheiros, 2010, pág. 1064.
[2] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 23ª edição. São Paulo: Malheiros, pág. 654.
Procurador Federal .
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RODRIGUES, Cristiano Alves. A imprescritibilidade das ações de ressarcimento decorrentes da prática de ato ilícito à luz do artigo 37, §5º, da Constituição da República, e a rediscussão do tema no Supremo Tribunal Federal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 dez 2013, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/37628/a-imprescritibilidade-das-acoes-de-ressarcimento-decorrentes-da-pratica-de-ato-ilicito-a-luz-do-artigo-37-5o-da-constituicao-da-republica-e-a-rediscussao-do-tema-no-supremo-tribunal-federal. Acesso em: 23 dez 2024.
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