I - Considerações sobre a contratação direta.
A contratação direta, sob a modalidade de dispensa ou inexigibilidade de licitação, impõe a observância de diversos requisitos de ordem formal, em razão da rigidez imposta à Administração pelo legislador.
A regra é a licitação, como modo de privilegiar o princípio da isonomia e meio de permitir que a Administração obtenha a melhor proposta. Apesar disso, em algumas ocasiões, não há como ocorrer o procedimento licitatório, visto que a própria realidade fática ou a lei impõe que seja realizada a contratação sem licitação.
Assim, a contratação direta afigura-se como excepcionalidade e, nessa condição, deve atender às exigências legais para sua autorização.
A respeito do tema, leciona o ilustre Professor Marçal Justen Filho (Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 8ª edição, Editora Dialética, 2001, p. 298), in verbis:
“(...) a Administração tem que justificar não apenas a presença dos pressupostos processuais da ausência de licitação. Deve indicar, ademais, o fundamento da escolha de um determinado contratante e de uma específica proposta.
A Lei quer evitar a fraudulenta invocação de dispositivos legais autorizadores de contratação direta. Deverá ser comprovada e documentada a presença dos requisitos legais que autorizam a contratação direta. Estão excluídas, basicamente, as contratações de pequeno valor nas quais a publicidade é postergada pelos mesmos fundamentos que conduziram à dispensa de Licitação. Como regra, toda contratação direta deverá ser antecedida de um procedimento no qual estejam documentadas as ocorrências relevantes. Atinge-se essa conclusão pela necessidade de documentação dos atos administrativos e pela natureza não discricionária de todas as hipóteses de contratação direta.
O mesmo autor acrescenta ainda que:
“(…) deverão ser adotadas as formalidades previstas no art. 26, que envolvem, basicamente, a documentação acerca do preenchimento dos requisitos legais que autorizaram a contratação. Deverá instaurar-se procedimento administrativo, ao qual serão juntados os documentos referentes ao cumprimento de todas as etapas e formalidades acima indicadas, inclusive no tocante ao preço adotado.”
Em igual sentido, posiciona-se o eminente Procurador-Geral do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União – TCU, Prof. Lucas Rocha Furtado , in verbis: “… lembramos que a Lei de Licitações exige que o administrador sempre justifique a contratação sem licitação. Essa obrigação de motivar qualquer contratação direta está prevista no art. 26 …”.
II - Previsão legal e requisitos para contratação de serviços artísticos por inexigibilidade
À vista de tais esclarecimentos, impõe-se que a contratação de serviços artísticos, por meio de inexigibilidade de licitação, tem amparo no art. 25, inciso III, da Lei nº 8.666/93:
Art. 25. É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial:
(...)
III - para contratação de profissional de qualquer setor artístico, diretamente ou através de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública.
Conforme o dispositivo supratranscrito, o pressuposto para que o profissional do setor artístico seja contratado através da inexigibilidade licitatória é a inviabilidade de se realizar uma escolha minimamente objetiva do serviço almejado, bem como pelo fato de ser pouco provável que um artista, consagrado pela opinião pública, submeta-se a um certame para sua contratação.
Nesse sentido, a contratação com base no art. 25, III, da Lei das Licitações está atrelada à incidência dos seguintes requisitos: a) que o objeto da contratação seja o serviço de um artista profissional; b) que a contratação seja firmada diretamente com o artista ou mediante empresário exclusivo; c) que o artista seja consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública.
Quanto ao primeiro requisito, cabe registrar que a contratação de artista amador deve ser submetida às regras de licitação. A interpretação sistêmica do dispositivo demonstra que, somente, o profissional, com reconhecida e comprovada qualidade no ofício, possui o diferencial que afasta a possibilidade de competição. Renomados doutrinadores, a exemplo do Prof. Jorge Ulysses Jacoby Fernandes, sob a luz dos artigos 1º, 4º e 6º da Lei nº 6.533/78, defendem que a inscrição do contratado e de seus agentes na Delegacia Regional do Trabalho é condição “indispensável à regularidade da contratação.” (Contratação Direta Sem Licitação, 5ª Edição, Ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2001, pag. 615).
Com relação à expressão “diretamente ou através de empresário exclusivo”, percebe-se que a inviabilidade de concorrência está atrelada à comprovação de uma dessas situações, uma vez que havendo possibilidade de contratação do artista por intermédio de mais de uma empresa que detenha poderes de representá-lo, viável se torna a disputa e, por isso, necessária se faz a licitação. Sob outra ótica, a referida exigência visa, também, prevenir a existência de intermediários na contratação, o que poderia elevar, indevidamente, e em prejuízo do erário, o custo do serviço artístico a ser contratado.
No tocante ao último requisito, “desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública”, deve restar consignado o reconhecimento em face da sociedade e da mídia que goza o artista escolhido. Tal exigência se destina a evitar contratações arbitrárias, na qual o gestor tenha intenção de impor preferências pessoais na contratação de pessoas destituída de qualquer virtude ou qualidade.
Segundo Joel de Menezes Niebhur (Dispensa e Inexigibilidade de Licitação Pública, 2ª edição, Editora Fórum, 2008, p. 328/329):
Note-se que não é necessária a consagração pela crítica e pelo público: um ou outro já é suficiente. Aliás o gosto popular para as artes não é tão apurado quanto o de crítica especializada, pelo que usual que artistas altamente reputados sejam desconhecidos do público. Na mesma linha, só que em sentido inverso, há artistas ovacionados pelo publico e alvejados por impropérios por parte da crítica.
Importa sublinhar que a consagração não é critério para escolher o artista a ser contratado, porém pré-requisito. Todos os consagrados podem ser contratados, o que não leva a dizer que o mais consagrado é quem deve ser o contratado.
III - Dos demais requisitos do art. 26 da Lei nº 8.666/93
Os processos de contratação direta, de modo geral, precisam obedecer ainda às exigências constantes no artigo 26, parágrafo único, da Lei 8.666/93. Com efeito, é esta a redação da norma:
“Art. 26. As dispensas previstas nos §§ 2o e 4o do art. 17 e no inciso III e seguintes do art. 24, as situações de inexigibilidade referidas no art. 25, necessariamente justificadas, e o retardamento previsto no final do parágrafo único do art. 8o desta Lei deverão ser comunicados, dentro de 3 (três) dias, à autoridade superior, para ratificação e publicação na imprensa oficial, no prazo de 5 (cinco) dias, como condição para a eficácia dos atos.
Parágrafo único. O processo de dispensa, de inexigibilidade ou de retardamento, previsto neste artigo, será instruído, no que couber, com os seguintes elementos:
I - caracterização da situação emergencial ou calamitosa que justifique a dispensa, quando for o caso;
II - razão da escolha do fornecedor ou executante;
III - justificativa do preço;
IV - documento de aprovação dos projetos de pesquisa aos quais os bens serão alocados”.
Como se observa, para a contratação de serviços artísticos, por meio de inexigibilidade de licitação, cabe ao administrador, especificamente e naquilo em que aplicável, demonstrar: a) a razão da escolha do fornecedor (inciso II) e b) a justificativa do preço (inciso III).
No tocante à escolha do fornecedor, a motivação deve se sustentar, basicamente, na demonstração da consagração do artista pela crítica especializada ou pela opinião pública, associando sua eleição a critérios não arbitrários, condizentes com a realização do interesse público primário.
Nesse ponto, é válido transcrever o ensinamento do Prof. Marçal Justen Filho, in verbis:
“(....) há casos em que a necessidade estatal relaciona-se com o desempenho artístico propriamente dito. Não se tratará de selecionar o melhor para atribuir-lhe um destaque, mas de obter os préstimos de um artista para atender certa necessidade pública. Nesses casos, torna-se inviável a seleção através de licitação, eis que não haverá critério objetivo de julgamento. Será impossível identificar um ângulo único e determinado para diferenciar as diferentes performances artísticas. Daí a caracterização da inviabilidade de competição. Se a contratação pode fazer-se sem licitação, é evidente que isso não significa autorizar escolhas desarrazoadas ou incompatíveis com o interesse a ser satisfeito. O limite de liberdade da Administração é determinado pelas peculiaridades do interesse que se busca satisfazer. Assim, não se admite que uma festa popular envolva a contratação direta de um cantor lírico, pois as preferências artísticas dos frequentadores não serão satisfeitas através de uma ópera. A recíproca é verdadeira. ( in Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos,12ª edição, Dialética, 2008, pág. 360.)
Em relação à justificativa do preço, ressalta-se que a inviabilidade de competição, por si só, não autoriza a ausência de pesquisa dos preços dos “cachês” cobrados no mercado pelo artista a ser contratado. A esse respeito, preconiza a orientação normativa da AGU:
- Assuntos: AGU e INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO. Orientação Normativa/ AGU nº 17, de 01.04.2009 (DOU de 07.04.2009, S. 1, p. 14) - “É obrigatória a justificativa de preço na inexigibilidade de licitação, que deverá ser realizada mediante a comparação da proposta apresentada com preços praticados pela futura contratada junto a outros órgãos públicos ou pessoas privadas”.
A justificativa de preço, então, se faz a partir da constatação pela autoridade administrativa de que o preço a ser pago pelos serviços artísticos pretendidos é compatível com o valor do cachê cobrado pelo profissional perante outros entes da Administração ou para a iniciativa privada.
Nessa linha, é também o entendimento do Tribunal de Contas da União:
“Quando contratar a realização de cursos, palestras, apresentações, shows, espetáculos ou eventos similares, demonstre, a título de justificativa de preços, que o fornecedor cobra igual ou similar preço de outros com quem contrata para evento de mesmo porte, ou apresente as devidas justificativas, de forma a atender ao inc. III do parágrafo único do art. 26 da Lei 8.666/1993.” (TCU, Acórdão 819/2005 - Plenário)
Assim, o atendimento à exigência do art. 26, parágrafo único, inciso III da Lei nº 8.666/93 deve ser demonstrado com base em contratações anteriores firmadas pelo artista, em evento similar ao que se pretende contratar.
IV - CONCLUSÃO
Extrai-se, portanto, que, desde que cumpridos os requisitos exigidos no art. 25, inciso III e no art. 26, parágrafo único, incisos II e III, ambos da Lei nº 8.666/93, viável é a contratação de serviços artísticos pela Administração Pública, mediante procedimento de inexigibilidade de licitação.
V – REFERÊNCIAS BIBILOGRÁFICAS
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 8ª edição, Editora Dialética, 2001, p. 298.
_______. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 12ª edição, Editora Dialética, 2008, pág. 360.
FURTADO, Rocha Lucas. Curso de Direito Administrativo, 2ª Edição, Editora Fórum, 2010, pag. 455.
FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Contratação Direta Sem Licitação, 5ª Edição, Ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2001, pag. 615.
NIEBHUR, Joel de Menezes. Dispensa e Inexigibilidade de Licitação Pública, 2ª edição, Editora Fórum, 2008, p. 328/329.
Procurador Federal. Procurador-Chefe da Procuradoria Federal junto à Universidade Federal do Tocantins.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FONSECA, Marcelo Morais. Aspectos Jurídicos sobre a contratação de serviços artísticos, mediante o procedimento de inexigibilidade de licitação Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 dez 2013, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/37689/aspectos-juridicos-sobre-a-contratacao-de-servicos-artisticos-mediante-o-procedimento-de-inexigibilidade-de-licitacao. Acesso em: 23 dez 2024.
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