I – CONSIDERAÇÃO INICIAL
Pretende-se, no presente estudo, demonstrar a disciplina da alteração unilateral dos contratos administrativos, considerando as orientações jurisprudenciais do Tribunal de Contas da União, especialmente, quanto aos requisitos essenciais que autorizam o uso de tal prerrogativa pela Administração Publica.
II – DA ALTERAÇÃO UNILATERAL DO CONTRATO – ART. 65, I, DA LEI Nº 8.666/93.
Em alguns casos, durante a execução contratual, surge para a Administração a necessidade de proceder a alterações no objeto, por razões técnicas e para melhor atendimento ao interesse público, em face de inadequações verificadas no decorrer da execução do contrato ou decorrentes de fatos imprevisíveis, que logicamente não constaram do projeto original.
Tais alterações são autorizadas nos termos do art. 65, inc. I, alíneas “a” e “b”, da Lei nº 8.666/93, que dispõe:
Art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos:
I - unilateralmente pela Administração:
a) quando houver modificação do projeto ou das especificações, para melhor adequação técnica aos seus objetivos;
b) quando necessária a modificação do valor contratual em decorrência de acréscimo ou diminuição quantitativa de seu objeto, nos limites permitidos por esta Lei
(...) § 1o O contratado fica obrigado a aceitar, nas mesmas condições contratuais, os acréscimos ou supressões que se fizerem nas obras, serviços ou compras, até 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial atualizado do contrato, e, no caso particular de reforma de edifício ou de equipamento, até o limite de 50% (cinqüenta por cento) para os seus acréscimos.”
A prerrogativa que confere à Administração o poder de alterar os contratos unilateralmente e no seu exclusivo critério está regulamentada pelo art. 58, da Lei nº 8.666/93, que dispõe:
“Art. 58 O regime jurídico dos contratos administrativos instituído por esta Lei confere à Administração, em relação a eles, a prerrogativa de:
I - modificá-los, unilateralmente, para melhor adequação às finalidades de interesse público, respeitados os direitos do contratado; (...)” (Grifamos.)
Assim, desde que a Administração defina que há interesse público nas alterações a serem implementadas, tais modificações contratuais poderão se dar de forma unilateral.
Ao comentar sobre o disposto no inciso I, do artigo 65 da Lei 8.666/93, assim se pronuncia o eminente professor Marçal Justen Filho, verbis:
“A melhor adequação técnica supõe a descoberta ou a revelação de circunstâncias desconhecidas acerca da execução da prestação ou a constatação de que a solução técnica anteriormente adotada não era a mais adequada. (....).
A hipótese da al. “a” compreende as situações em que se constata supervenientemente a inadequação da concepção original, a partir da qual se promovera a contratação. Tal pode verificar-se em vista de eventos supervenientes. Assim por exemplo, considere-se a hipótese de descoberta científica, que evidencia a necessidade de inovações para ampliar ou assegurar a utilidade inicialmente cogitada pela Administração.
Também se admite a incidência do dispositivo para respaldar modificações derivadas de situações preexistentes, mas desconhecidas por parte dos interessados. O grande exemplo é das ‘sujeições imprevistas’, expressão clássica do Direito francês e que indica eventos da natureza ou fora do controle dos seres humanos, existentes por ocasião da contratação mas cuja revelação se verifica apenas por ocasião da execução da prestação. O grande exemplo é o da falha geológica de terreno, que impede a implantação da obra tal como inicialmente prevista.
(Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 12ª edição. Dialética, 2008, pág. 713.)
Na jurisprudência do Tribunal de Contas da União, colhe-se o seguinte julgado:
“8. Entendo que é praticamente impossível deixar de ocorrer adequações, adaptações e correções quando da realização do projeto executivo e mesmo na execução das obras. Mas estas devem se manter em limites razoáveis, gerando as consequências naturais de um projeto que tem por objetivo apenas traçar as linhas gerais do empreendimento. (....). Quase sempre, as alterações qualitativas são necessárias e imprescindíveis à realização do objeto e, conseqüentemente, à realização do interesse público primário, pois que este se confunde com aquele. As alterações qualitativas podem derivar tanto de modificações de projeto ou de especificação do objeto quanto da necessidade de acréscimo ou supressão de obras, serviços ou materiais, decorrentes de situações de fato vislumbradas após a contratação. Conquanto não se modifique o objeto contratual, em natureza ou dimensão, é de ressaltar que a implementação de alterações qualitativas requer, em regra, mudanças no valor original do contrato”. (Acórdão nº 2.352/2006, Plenário, Rel. Ministro Marcos Vinicios Vilaça)
Assim, a doutrina e a jurisprudência da Corte de Contas têm interpretado a previsão legal no sentido de preservar o princípio da licitação, preconizando que as alterações contratuais somente devem ter lugar em casos de detecção superveniente da respectiva necessidade pela Administração, desde que não impliquem em mudanças substanciais a ponto de alterar qualitativa ou quantitativamente, de modo a descaracterizá-lo, além de ressalvar a responsabilidade por eventual desídia na fase de planejamento.
Demais disso, a alteração contratual deve vir instruída com o projeto básico da alteração, planilhas de custos unitários e planilhas de composição de custos unitários. É nesse sentido a jurisprudência do TCU, verbis:
“Em aditivos de serviços em contrato, efetue estudo prévio dos preços unitários ofertados de modo a certificar a compatibilidade destes com os praticados no mercado local, bem como com os constantes das tabelas mais recentes do Órgão, devendo, ao final, tomar-se por base aquele preço que se mostrar mais vantajoso para a Administração”. (Acórdão 250/2005 - Plenário)
“Elabore projeto básico previamente a realização de aditamentos contratuais, em especial, quando implicar acréscimos quantitativos do objeto, nos termos do art. 7º, § 2º, I, da Lei nº 8.666/1993 c/c art. 65, I, b, do mesmo diploma legal”. (Acórdão 740/2004 - Plenário)
A doutrina, ainda, divide tais alterações contratuais em qualitativas, para se referir àquela prevista na alínea “a” do artigo 65, I, e quantitativas para se referir àquela prevista na alínea “b” do artigo 65, I. Não obstante, independente do tipo de alteração contratual, o acréscimo do valor do contrato não poderá ultrapassar 25% do valor contratual originário (salvo nos caso de reforma de prédio ou equipamentos), regra estabelecida no § 1º do artigo citado anteriormente.
“[...]13. Os limites de que tratam os §§ 1º e 2º do art. 65 da Lei 8.666/93 aplicam-se tanto para as hipóteses da alínea "a", quanto da alínea "b" do inciso I do mesmo dispositivo legal. Ademais, se os aditivos são inválidos porque não houve alteração nas condições econômicas envolvidas na execução dos serviços e a inclusão de serviços extras foi ilegal, desimportante que tenha sido obedecido ou não o limite de 25%.[...]” (STJ, REsp 1021851/SP, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 12/08/2008, DJe 28/11/2008).
Consigna-se que, nos casos de contratos de obras ou serviços de engenharia, qualquer acréscimo de valor pretendido deve respeitar as disposições contidas no art. 102, da Lei nº 12.708/12 (Lei de Diretrizes Orçamentárias 2013). Atenção especial deve ser dada ao §6º, III, do dispositivo, no sentido de que as alterações decorrentes de falha ou omissão no projeto básico não ultrapassem 10% (dez por cento) do valor total do contrato, considerando-se esse percentual para a limitação constante no art. 65, I, §1º da Lei das Licitações.
Atente-se:
Art. 102. O custo global das obras e dos serviços de engenharia contratados e executados com recursos dos orçamentos da União será obtido a partir de composições de custos unitários, previstas no projeto, menores ou iguais à mediana de seus correspondentes no Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices da Construção Civil - SINAPI, mantido e divulgado, na internet, pela Caixa Econômica Federal e pelo IBGE, e, no caso de obras e serviços rodoviários, à tabela do Sistema de Custos de Obras Rodoviárias - SICRO, excetuados os itens caracterizados como montagem industrial ou que não possam ser considerados como de construção civil.
(...)
§ 6º. No caso de adoção do regime de empreitada por preço global, previsto no art. 6º, inciso VIII, alínea “a”, da Lei no 8.666, de 1993, devem ser observadas as seguintes disposições:
(...)
III - mantidos os critérios estabelecidos no caput, deverá constar do edital e do contrato cláusula expressa de concordância do contratado com a adequação do projeto básico, sendo que as alterações contratuais sob alegação de falhas ou omissões em qualquer das peças, orçamentos, plantas, especificações, memoriais e estudos técnicos preliminares do projeto não poderão ultrapassar, no seu conjunto, 10% (dez por cento) do valor total do contrato, computando-se esse percentual para verificação do limite do § 1º do art. 65 da Lei no 8.666, de 1993;
Ainda, de acordo com a LDO, quatro são os dados que em regra devem constar de processos de aditamentos contratuais: 1) constatação de que o desconto originário concedido pela contratada foi mantido, considerando-se o valor global do contrato após a soma dos valores a serem acrescidos em decorrência da alteração contratual; 2) declaração do autor das planilhas orçamentárias quanto à compatibilidade dos quantitativos referidos na planilha com os quantitativos do projeto de engenharia; 3) declaração do autor das planilhas quanto à compatibilidade dos custos constantes da planilha de aditivo com os custos do SINAPI; 4) anotação de responsabilidade técnica do orçamentista.
Ademais, na jurisprudência do Tribunal de Contas da União, colhe-se que as supressões e acréscimos previstos no art. 65, I, §1ª, da Lei 8.666/83 devem ser considerados de forma isolada no valor original do contrato e sem possibilidade de compensações, conforme:
“Acórdão
VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Embargos de Declaração opostos contra os Acórdãos nºs 749/2010 - Plenário e 100/2011 - Plenário, versando sobre a forma de aplicação do limite de 25% para alterações contratuais, previsto no art. 65, § 1º, da Lei 8.666/1993,
ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão do Plenário, ante as razões expostas pelo Relator, em:
9.1. com fundamento nos arts. 32, inciso II, e 34 da Lei 8.443/1992, c/c o art. 287 do Regimento Interno deste Tribunal, conhecer dos presentes embargos de declaração para, no mérito, dar-lhes provimento parcial, dando à determinação contida no subitem 9.2 do Acórdão nº 749/2010 – Plenário, a seguinte redação;
“9.2. determinar ao Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes que, para efeito de observância dos limites de alterações contratuais previstos no art. 65 da Lei nº 8.666/1993, passe a considerar as reduções ou supressões de quantitativos de forma isolada, ou seja, o conjunto de reduções e o conjunto de acréscimos devem ser sempre calculados sobre o valor original do contrato, aplicando-se a cada um desses conjuntos, individualmente e sem nenhum tipo de compensação entre eles, os limites de alteração estabelecidos no dispositivo legal”;
9.2. dar ciência desta deliberação, acompanhada do relatório e do voto que a fundamenta, à entidade embargante.
10. Ata nº 8/2011 – Plenário.
11. Data da Sessão: 16/3/2011 – Ordinária.
12. Código eletrônico para localização na página do TCU na Internet: AC-0591-08/11-P.(...)” (Grifamos)
Portanto, o conjunto de reduções e o conjunto de acréscimos devem ser sempre calculados sobre o valor original do contrato, aplicando-se a cada um desses conjuntos, individualmente e sem nenhum tipo de compensação entre eles, os limites de alteração estabelecidos no referido dispositivo legal.
Arrematando, válido transcrever o entendimento da Primeira Câmara do TCU, por meio do Acórdão n.º 278/2010, TC-030.476/2008-7, rel. Min. Walton Alencar Rodrigues, 26.01.2010, que, didaticamente, enumera os requisitos essenciais que viabilizam a regular alteração unilateral do contrato:
Aditamento para incorporação de novos serviços ao contrato. Representação formulada ao TCU apontou possível irregularidade na execução do Contrato n.º 10/2007, celebrado entre o Ministério do Esporte e o consórcio Gabisom-Eletromídia, tendo por objeto a prestação de serviços de comunicação privada para os Jogos Panamericanos de 2007. Segundo o representante, haveria incompatibilidade entre os serviços integrantes da avença - sonorização, vídeo, CATV e cabeamento - e os do termo aditivo - intercomunicação e gerenciamento de radiocomunicação -, o que desautorizaria o aditamento. Após registrar que se encontrava inserida no objeto do contrato a "operação" dos equipamentos de áudio e vídeo - microfones, caixas acústicas, amplificadores, mixers, suportes, pedestais, vídeo boards, câmeras de circuito fechado de televisão -, e constatar ainda ser imprescindível, para a boa prestação dos serviços, que as equipes técnicas dispusessem de equipamentos de intercomunicação para, no decorrer dos eventos, ajustar o posicionamento de câmeras, microfones e caixas de som, alterar as áreas de captura de imagens, comutar câmeras e microfones captadores de imagens e sons, concluiu o relator que os serviços de intercomunicação e radiocomunicação poderiam ser incorporados ao contrato, por serem complementares aos originalmente pactuados. Frisou também a inexistência de sobrepreço no aditivo celebrado, e ainda que o valor aditado - 13% do inicial - seria inferior ao limite fixado no art. 65, § 1º, da Lei n.º 8.666/93. Por fim, elencou três motivos para se concluir pela regularidade do aditamento: "pertinência entre os serviços originalmente contratados e os aditados; observância do limite quantitativo de acréscimo; e inexistência de sobrepreço nos serviços acrescidos". Com base nesse entendimento, a Primeira Câmara considerou a representação improcedente. Acórdão n.º 278/2010, TC-030.476/2008-7, rel. Min. Walton Alencar Rodrigues, 26.01.2010.
III - CONCLUSÃO
Diante do contexto exposto, com fulcro nas orientações jurisprudenciais do Tribunal de Contas da União, conclui-se que a alteração unilateral do contrato administrativo:
a) é prerrogativa da Administração Pública, desde que devidamente motivada com base em razões consonantes com o interesse público;
b) somente deve ter lugar em casos de detecção superveniente da necessidade pela Administração e desde que não implique em mudanças substanciais no objeto, que venham a descaracterizá-lo;
c) seja qualitativa ou quantitativa, deve respeitar o limite percentual máximo de 25% do valor original do contrato, ressalvados os casos de reforma de prédio e equipamentos, cujo percentual é de 50%. Os acréscimos e supressões devem ser sempre calculados sobre o valor original do contrato, aplicando-se a cada um desses conjuntos, individualmente e sem nenhum tipo de compensação entre eles, o citado percentual definido em lei;
d) deve ser instruída com o projeto básico da alteração, planilhas de custos unitários e planilhas de composição de custos unitários, a fim de evitar a existência de sobrepreço nos serviços acrescidos;
e) nos casos de obras e serviços de engenharia, deve observar o disposto no art. 102 da Lei de Diretrizes Orçamentárias 2103, especialmente, o teor do §6º, III, do dispositivo, no sentido de que as alterações decorrentes de falha ou omissão no projeto básico não ultrapassem 10% (dez por cento) do valor total do contrato.
IV – REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
FILHO, Marçal Justen. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 12ª edição. Editora Dialética, 2008, pág. 713
Procurador Federal. Procurador-Chefe da Procuradoria Federal junto à Universidade Federal do Tocantins.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FONSECA, Marcelo Morais. Da alteração unilateral do contrato administrativo: disciplina a luz da jurisprudência do Tribunal de Contas da União Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 dez 2013, 06:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/37702/da-alteracao-unilateral-do-contrato-administrativo-disciplina-a-luz-da-jurisprudencia-do-tribunal-de-contas-da-uniao. Acesso em: 23 dez 2024.
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