RESUMO: O presente texto trata da hipótese de perda superveniente do objeto de recurso contra decisão cautelar, proferida no âmbito de processo administrativo, em decorrência da eficácia de posterior decisão de mérito final no bojo desse mesmo processo.
PALAVRAS-CHAVE: Decisão cautelar. Recurso. Perda superveniente do objeto.
ABSTRACT: This paper deals with the supervening event of loss of the object of appeal against interlocutory decision rendered in administrative proceedings, due to the effectiveness of subsequent decision to end merit in the midst of that process.
KEYWORDS: Cautionary decision. Appeal. Supervening loss of the object.
SUMÁRIO: Introdução; 1 Perda superveniente do objeto de recurso em processo administrativo; 2 Conclusão; Referências.
INTRODUÇÃO
Situação bastante ocorrente nos processos administrativos é a perda da eficácia de decisão cautelar, proferida no bojo de processo administrativo, em razão da prolação de decisão final de mérito. E isso coloca a Administração Pública diante de uma dúvida de natureza processual administrativa: o recurso contra aquela decisão cautelar deve ser conhecido e ter seu mérito entendido como prejudicado, ou esse recurso não deve sequer ter seguimento, ou seja, não deve ser conhecido?
Essa questão será respondida ao longo deste breve artigo à luz das condições de admissibilidade do recursos.
1 PERDA SUPERVENIENTE DO OBJETO DE RECURSO EM PROCESSO ADMINISTRATIVO
Trata-se de questão de caráter processual que se resume à seguinte situação: impugnada uma decisão cautelar que, anteriormente à decisão final do processo, ou em decorrência desta, deixa de ter eficácia, o correspondente recurso deve ser conhecido e ter a análise de mérito prejudicada, ou, na verdade, não merecerá sequer seu conhecimento, como consequência da perda superveniente do objeto?
A matéria cinge-se, portanto, a uma das condições de admissibilidade dos recursos, qual seja, o interesse recursal. Para que esse se materialize, deverão coexistir, imprescindivelmente, utilidade e necessidade. Utilidade porque o provimento do recurso tem que, de alguma forma, trazer alguma situação vantajosa ao recorrente. Necessidade se o recurso for a única via possível para alcançar o objetivo almejado.
Nesse sentido, confiram-se os valiosos ensinamentos de Bernardo Pimentel Souza, verbis:
“O requisito de admissibilidade do interesse recursal está consubstanciado na exigência de que o recurso seja útil e necessário ao legitimado. O recurso é útil se, em tese, puder trazer alguma vantagem sob o ponto de vista prático ao legitimado. É necessário se for a única via processual hábil à obtenção, no mesmo processo, do benefício prático almejado pelo legitimado (...) Ausente a utilidade ou a necessidade, o recurso deve sofrer prejuízo negativo de admissibilidade, como bem revela o parágrafo único do artigo 577 do Código de Processo Penal, com aplicação analógica em prol do direito processual civil: ‘Não se admitirá, entretanto, recurso da parte que não tiver interesse na reforma ou modificação da decisão.’”[1] (Grifo nosso).
E também nessa mesma linha de entendimento, Fredie Didier Jr. e Leonardo José Carneiro da Cunha, verbis:
“O exame do interesse recursal segue a metodologia do exame do interesse de agir (condição da ação). Para que o recurso seja admissível, é preciso que haja utilidade – o recorrente deve esperar, em tese do julgamento do recurso, situação mais vantajosa, do ponto de vista prático, do que aquela em que o haja posto a decisão impugnada – e necessidade – que lhe seja preciso usar as vias recursais para alcançar este objetivo.”[2]
Situação muito comum em processos administrativos é, quando interposto recurso contra decisão concessória de medida cautelar, sobrevém decisão de mérito sem que aquele recurso tenha sido julgado.
Majoritariamente, a doutrina e a jurisprudência pátria entendem ser o caso de sempre haver a perda superveniente do objeto, restando prejudicada a análise do recurso contra a decisão cautelar.
Pois bem. As condições de admissibilidade dos recursos estão divididas, de acordo com a doutrina contemporânea, em requisitos intrínsecos, relacionados à existência do direito de recorrer, e extrínsecos, concernentes ao exercício daquele direito. No primeiro grupo estão o cabimento, a legitimidade recursal, o interesse recursal e a inexistência de fato extintivo ou impeditivo. Na segunda categoria estão a tempestividade, a regularidade formal e o preparo.[3]
Aqui, trataremos apenas do requisito interesse, por ser o que importa para o enfoque deste trabalho. Assim, convém saber se haverá utilidade, ao recorrente, no provimento do recurso que impugnou a decisão concessória de medida cautelar, se já tiver sido prolatada decisão de mérito no bojo do processo. Têm-se, agora, duas hipóteses: se a situação do recorrente puder, de alguma forma, ser favorecida, demonstrado estará o interesse recursal e, por isso, o recurso deverá ser devidamente analisado.
Se, por outro lado, a decisão do recurso, seja ela qual for, não trouxer qualquer proveito ao insurgente, prejudicada estará sua análise. Nesse sentido, vejamos tese doutrinária sobre o assunto, verbis:
“Em suma, a questão deve ser analisada sob a ótica do interesse recursal do agravante: se, a despeito da sentença superveniente, ainda lhe for útil, de algum modo, o julgamento do agravo – é dizer, se a sua posição no processo puder ser, de alguma forma, melhorada com aquele julgamento – não se pode ter por prejudicado aquele recurso; se, ao contrário, a partir da prolação da sentença, o provimento ou desprovimento do agravo não tiver o condão de influenciar em sua situação processual, outro caminho não restará senão o de tê-lo por prejudicado.”[4]
Ou seja, não faz sentido ser julgado o recurso, se qualquer vantagem terá o recorrente com o provimento, ou mesmo com o seu não provimento. Portanto, tem-se que o recurso não merecerá sequer ser conhecido, ante a ausência de um dos pressupostos recursais, o interesse. A inadmissibilidade decorrerá da inutilidade, pois a eventual vitória do recorrente ser-lhe-ia totalmente inútil.
Nesse ponto, é de bom alvitre ser lembrado que as condições de admissibilidade do recurso devem existir desde sua interposição até o momento do seu julgamento. Assim, o fato de o recurso ter cumprido todos os pressupostos de admissibilidade na data de sua propositura não implica, necessariamente, que se manterá nessa situação até o seu julgamento.
Desse modo, se surgir qualquer circunstância, material ou processual, que descaracterize, ainda que supervenientemente, o cumprimento dos requisitos de admissibilidade, a análise do mérito do recurso ficará prejudicada e, destarte, não deverá ser conhecido.
E, até mesmo em obediência ao princípio constitucional da eficiência, exigível da Administração Pública, não é plausível que o agente público desperdice tempo em analisar determinado recurso se ele puder, de pronto, negar-lhe seguimento, isto é, não conhecê-lo.
De acordo com o exposto, observe-se o entendimento de Fernão Borba Franco, verbis:
“A tutela de urgência se justifica pelo risco de ineficácia do provimento final, seja porque se tornará inútil, seja porque a demora ensejará a ocorrência de danos de difícil ou impossível reparação. Como tanto o valor segurança jurídica como o valor efetividade do processo são constitucionais, estão em pé de igualdade; algumas vezes, entretanto, a demora necessária para atingir a segurança jurídica, demora essa natural, é incompatível com a sobrevivência do direito, sendo necessária uma compatibilização entre esses valores, sem que nenhum deles se perca. Por isso, as tutelas de urgência são provisórias, devendo necessariamente ser substituídas, a final, por um provimento definitivo.”[5] (Grifo nosso).
Esse raciocínio, inclusive, está de acordo com a jurisprudência pátria. Embora se refira esta, em sua maioria, ao agravo de instrumento, o princípio é o mesmo. Confiram-se alguns arestos, verbis:
“PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA. RELATIVIZAÇÃO DOS EFEITOS DA COISA JULGADA. RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO CONTRA ACÓRDÃO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO. JULGAMENTO DA AÇÃO PRINCIPAL. SUPERVENIENTE PERDA DE OBJETO. FALTA DE INTERESSE RECURSAL.
1. O interesse em recorrer é instituto ontologicamente semelhante ao interesse de agir como condição da ação e é mensurado à luz do benefício prático que o recurso pode proporcionar ao recorrente. Amaral Santos, in "Primeiras Linhas de Direito Processual Civil", 4.ª ed., v. IV, n.º 697, verbis: "O que justifica o recurso é o prejuízo, ou gravame, que a parte sofreu com a sentença".
2. A prolação de sentença na ação originária revela a superveniente perda de objeto do recurso especial interposto contra acórdão proferido em sede de Agravo de instrumento, manejado em face de decisão de Juiz Singular que deferiu o pedido de tutela antecipada para obstar qualquer pagamento e/ou levantamento de quaisquer valores nos autos nº 00.00.60174-8, abrangendo todo e qualquer precatório, relativo ao principal e aos honorários advocatícios, suspendendo a execução que tramita nos autos referidos, até o julgamento final da ação civil pública, nos termos da decisão exarada à fls. 57/64.
(...)
4. Recurso especial a que se nega seguimento.”(Grifos nossos).
(STJ. RESP 200802484879, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJE de 30.6.2010).
“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. NÃO CONHECIMENTO. FALTA DE ASSINATURA. PROLAÇÃO DE SENTENÇA. PERDA DE OBJETO.
1. O agravo de instrumento interposto de decisão interlocutória que antecipou em parte os efeitos da tutela perde o objeto quando proferida a sentença de mérito.
2. Recurso especial não conhecido.” (Grifos nossos).
(STJ. RESP 200601660607, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, DJ de 4.10.2006, p. 213).
“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONTRA DECISÃO CONCESSIVA DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. REFORMA PELO TRIBUNAL DE SEGUNDO GRAU. SUPERVENIÊNCIA DE SENTENÇA DE MÉRITO, CONFIRMATIVA DO PROVIMENTO LIMINAR. PERDA DE OBJETO DO AGRAVO. PRECEDENTES.
(...)
2. É vasta a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça no sentido de que resta prejudicado, ante a perda de seu objeto, o agravo de instrumento interposto contra decisão que concedeu antecipação de tutela, em face da superveniência de sentença definitiva da ação principal, ratificadora do provimento liminar. Conseqüentemente, resta prejudicado igualmente o recurso especial. Precedentes.
3. Recurso especial prejudicado.” (Grifos nossos).
(STJ. RESP 200401003436, Rel. Min. José Delgado, Primeira Turma, DJ de 21.3.2005, p. 285).
“PROCESSUAL CIVIL. SENTENÇA PROFERIDA NOS AUTOS PRINCIPAIS. PERDA DE OBJETO DO AGRAVO DE INSTRUMENTO INTERPOSTO ANTERIORMENTE.
1. Findo o processo de conhecimento, o que tinha de ser objeto de exame, e que engloba a medida limiar pleiteada, cuja natureza pode ser conservatória ou preparatória do direito vindicado, é o provimento de mérito, que já foi proferido e só é impugnável por meio de apelação.
2. O Agravo de Instrumento, que tratava de medida incidental anterior, não subsiste à prolação de sentença, mesmo que ainda não transitada em julgado.
3. Agravo regimental improvido.” (Grifo nosso).
(TRF/1ª Região. AGA 200801000217458, Rel. Des. Federal Selene Maria de Almeida, Quinta Turma, e-DJF1 de 16.10.2009, p. 401).
“DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL CONTRA NEGATIVA DE SEGUIMENTO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO - PERDA DE OBJETO.
1. O agravo de instrumento cujo conhecimento é buscado neste agravo regimental diz respeito à liminar que suspendeu licitação, porém, nesta data esta Turma confirmou a sentença que anulou referido certame, o que esvazia o objeto do agravo.
2. Agravo não conhecido.” (Grifo nosso).
(TRF/1ª Região. AGA 199901001086411, Rel. Juiz Federal Cesar Augusto Bearsi (conv.), Quinta Turma, DJ de 9.11.2007, p. 111).
“PROCESSUAL CIVIL-AGRAVO DE INSTRUMENTO-PAGAMENTO QUE SE PRETENDE SUSTAR JÁ FORA EFETUADO- NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO
I- Em tendo sido concluído o Curso que se pretende impedir o seu ingresso com a interposição do presente agravo de instrumento, constata-se a sua perda de objeto.
II- Inteligência do artigo 267, VI do CPC.
III- Agravo prejudicado.” (Grifo nosso).
(TRF/2ª Região. AG 200002010609321, Rel. Des. Federal Tania Heine, Terceira Turma, DJU de 28.6.2001).
“PROCESSUAL CIVIL - AGRAVO REGIMENTAL - FALTA DE INTERESSE JURÍDICO.
- Conforme se depreende do Sistema Informatizado de Controle Processual deste Gabinete, foi proferida sentença no processo principal, havendo, inclusive, sido interposto o recurso de apelação.
- Com efeito, não há razão para se reconsiderar a decisão que negou efeito suspensivo ao agravo.
- Pelo não conhecimento do agravo de instrumento e, por consequência, do agravo regimental, por haver perecido o interesse jurídico no inconformismo.”
(TRF/2ª Região. AG 9602421754, Rel. Des. Federal Vera Lúcia Lima, Primeira Turma, DJU II de 11.11.1999).
O Código de Processo Civil também considera a prejudicialidade do recurso como hipótese ensejadora do seu não conhecimento, segundo dispõe o art. 557, verbis:
“Art. 557. O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior.”
Dessa forma, se o julgamento do recurso contra decisão cautelar não trouxer ao recorrente qualquer vantagem, em decorrência da prolação de decisão final do processo, o recurso não deverá ser conhecido, como consequência da perda superveniente do objeto.
3 CONCLUSÃO
Ante todo o exposto, pode-se concluir que o recurso contra decisão cautelar, proferida no âmbito de processo administrativo, não deverá ser conhecido, em razão da perda superveniente do objeto, se houver decisão final de mérito no bojo desse processo e que, em decorrência dessa última decisão, aquela primeira tiver perdido sua eficácia.
REFERÊNCIAS
DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 3. 7 ed., Salvador: JusPODIVM, 2009.
FRANCO, Fernão Borba. Processo Administrativo. São Paulo: Atlas, 2008.
SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos Recursos Cíveis e à Ação Rescisória. 4. ed. atual., São Paulo: Saraiva, 2007.
[1] SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos Recursos Cíveis e à Ação Rescisória. 4. ed. atual., São Paulo: Saraiva, 2007, p. 50.
[2] DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 3. 7 ed., Salvador: JusPODIVM, 2009, p. 51.
[3] Cf. Bernardo Pimentel Souza, op. cit., pp. 40-41. Segundo esse mesmo autor, há, ainda, a classificação da doutrina clássica, em que divide os requisitos de admissibilidade recursais em objetivos e subjetivos, assim dispostos: no primeiro grupo estariam a recorribilidade, a adequação, a tempestividade, o preparo, a motivação e a regularidade procedimental. Como condições subjetivas estariam a legitimidade e o interesse.
[4] DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 3. 7 ed., Salvador: JusPODIVM, 2009, p. 178.
[5] FRANCO, Fernão Borba. Processo Administrativo. São Paulo: Atlas, 2008, pp. 146-147.
Procurador Federal em Brasília/DF.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PINTO, Leandro de Carvalho. Perda superveniente de objeto de recurso em processo administrativo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 dez 2013, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/37710/perda-superveniente-de-objeto-de-recurso-em-processo-administrativo. Acesso em: 23 dez 2024.
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