SUMÁRIO. 1. Introdução. 2. Revisão de arbitramento tributário em processo judicial e honorários advocatícios sucumbenciais. 3. Conclusões. 4. Bibliografia.
Resumo: O presente trabalho tem por objetivo a análise de aspectos jurídicos referentes aos processos judiciais em que se discutem créditos tributários lançados com base em arbitramento da base de cálculo realizado pela Administração Tributária, com fundamento no art. 148 do Código Tributário Nacional, em especial, se o Judiciário deve determinar a revisão ou a anulação do crédito tributário, quando verifica que a base de cálculo arbitrada está superestimada e, nesse caso, se a Administração Tributária deve ser condenada em honorários advocatícios sucumbenciais.
Palavras-chave: crédito tributário – revisão de arbitramento – processo judicial – honorários advocatícios sucumbenciais.
1. Introdução
Nos tributos cuja constituição de crédito se dá por meio de lançamento por homologação[1], o contribuinte declara quanto deve a título daquele tributo, efetua o pagamento e, num momento posterior, cabe à Administração Tributária verificar se o contribuinte declarou o tributo, em conformidade com o fato gerador concretamente realizado, especialmente se a base de cálculo utilizada em sua declaração corresponde à base de cálculo do fato gerador realizado.
Assim, o lançamento apenas se considera realizado com a homologação expressa ou tácita da Administração Tributária[2], conforme previsão do art. 150 do Código Tributário Nacional:
Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa.
§ 1º O pagamento antecipado pelo obrigado nos termos deste artigo extingue o crédito, sob condição resolutória da ulterior homologação ao lançamento.
§ 2º Não influem sobre a obrigação tributária quaisquer atos anteriores à homologação, praticados pelo sujeito passivo ou por terceiro, visando à extinção total ou parcial do crédito.
§ 3º Os atos a que se refere o parágrafo anterior serão, porém, considerados na apuração do saldo porventura devido e, sendo o caso, na imposição de penalidade, ou sua graduação.
§ 4º Se a lei não fixar prazo a homologação, será ele de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação.
Dessa forma, a Administração Tributária, antes de proceder à homologação expressa ou tácita, deve fiscalizar se, de fato, a declaração e o pagamento realizados pelo contribuinte estão condizentes com o fato gerador concretamente realizado. Nesse sentido, o Código Tributário Nacional dedicou Capítulo próprio[3] para os atos de fiscalização tributária, conferindo diversos poderes à Administração Tributária, para que possa cumprir seu dever de fiscalizar.
Nesse sentido, vejam-se as lições de Hugo de Brito Machado:
O lançamento por homologação é aquele que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribui ao sujeito passivo o dever de fazer a apuração do valor devido e antecipar o respectivo pagamento – isto é, fazer o pagamento do valor apurado antes da manifestação da autoridade administrativa sobre o mesmo. Opera-se pelo ato da autoridade administrativa que, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo sujeito passivo da obrigação tributária, expressamente a homologa (CTN, art. 150). Ou pelo decurso do tempo estabelecido em lei sem que sobre a mesma se manifeste (CTN, art. 150, § 4º ). No primeiro caso se diz que há homologação expressa; e no segundo, homologação tácita.
Objeto da homologação não é o pagamento, como alguns tem afirmado. É a apuração do montante devido, de sorte que é possível a homologação mesmo que não tenha havido pagamento. É certo que a autoridade administrativa não está obrigada a homologar expressamente a apuração do valor do tributo devido e a homologação tácita somente acontece se tiver havido o pagamento antecipado. Esta é a compreensão que resulta da interpretação do § 1º, combinado com o § 4º do art. 150 do CTN). A homologação tácita, a que se refere o § 4º, consubstancia a condição de que estava o pagamento a depender para extinguir o crédito tributário. Entretanto, se o contribuinte praticou a atividade de apuração, prestou à autoridade administrativa as informações relativas aos valores a serem pagos (DCTF, GIA, etc.) e não efetuou o pagamento, pode a autoridade homologar a apuração de tais valores e intimar o contribuinte a fazer o pagamento, com a multa decorrente do inadimplemento do dever de pagar antecipadamente, sob pena de imediata inscrição do crédito tributário então constituído como Dívida Ativa. Ter-se-á, então, um lançamento por homologação sem antecipação do pagamento correspondente. O que caracteriza essa modalidade de lançamento é a exigência legal de pagamento antecipado. Não o efetivo pagamento antecipado.
(Machado, 2010, p.188)
A título de exemplo, vale destacar as normas do art. 195 e 197 do CTN, as quais preveem poderes conferidos à Administração Tributária, em matéria de fiscalização:
Art. 195. Para os efeitos da legislação tributária, não têm aplicação quaisquer disposições legais excludentes ou limitativas do direito de examinar mercadorias, livros, arquivos, documentos, papéis e efeitos comerciais ou fiscais, dos comerciantes industriais ou produtores, ou da obrigação destes de exibi-los.
Parágrafo único. Os livros obrigatórios de escrituração comercial e fiscal e os comprovantes dos lançamentos neles efetuados serão conservados até que ocorra a prescrição dos créditos tributários decorrentes das operações a que se refiram.
Art. 196. A autoridade administrativa que proceder ou presidir a quaisquer diligências de fiscalização lavrará os termos necessários para que se documente o início do procedimento, na forma da legislação aplicável, que fixará prazo máximo para a conclusão daquelas.
Parágrafo único. Os termos a que se refere este artigo serão lavrados, sempre que possível, em um dos livros fiscais exibidos; quando lavrados em separado deles se entregará, à pessoa sujeita à fiscalização, cópia autenticada pela autoridade a que se refere este artigo.
Art. 197. Mediante intimação escrita, são obrigados a prestar à autoridade administrativa todas as informações de que disponham com relação aos bens, negócios ou atividades de terceiros:
I - os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício;
II - os bancos, casas bancárias, Caixas Econômicas e demais instituições financeiras;
III - as empresas de administração de bens;
IV - os corretores, leiloeiros e despachantes oficiais;
V - os inventariantes;
VI - os síndicos, comissários e liquidatários;
VII - quaisquer outras entidades ou pessoas que a lei designe, em razão de seu cargo, ofício, função, ministério, atividade ou profissão.
Parágrafo único. A obrigação prevista neste artigo não abrange a prestação de informações quanto a fatos sobre os quais o informante esteja legalmente obrigado a observar segredo em razão de cargo, ofício, função, ministério, atividade ou profissão.
Cabe salientar, todavia, que, mesmo munida de todos os poderes previstos na legislação tributária é possível que o Fisco não consiga verificar se o fato gerador ocorreu na forma declarada pelo contribuinte, seja porque o contribuinte foi omisso no procedimento fiscalizatório ou porque as declarações ou esclarecimentos apresentados pelo contribuinte nesse procedimento não foram aptos a demonstrar que a declaração e o pagamento ocorreram de forma adequada.
Para essas situações, o art. 148 do Código Tributário Nacional estabeleceu que a Administração Tributária poderá realizar o arbitramento dos valores relativos ao fato gerador realizado[4], a fim de definir qual é o valor da obrigação tributária e, portanto, que deve constar do lançamento. O art. 148 do CTN apresenta o seguinte teor:
Art. 148. Quando o cálculo do tributo tenha por base, ou tome em consideração, o valor ou o preço de bens, direitos, serviços ou atos jurídicos, a autoridade lançadora, mediante processo regular, arbitrará aquele valor ou preço, sempre que sejam omissos ou não mereçam fé as declarações ou os esclarecimentos prestados, ou os documentos expedidos pelo sujeito passivo ou pelo terceiro legalmente obrigado, ressalvada, em caso de contestação, avaliação contraditória, administrativa ou judicial.
Cumpre registrar, entretanto, que a parte final do dispositivo prevê a possibilidade de o contribuinte, inconformado com o valor arbitrado pela Administração, contestá-lo na via judicial ou administrativa.
A contestação do arbitramento pelo contribuinte na via administrativa é realizada mediante apresentação de impugnação ao lançamento de ofício da diferença entre valor declarado e valor arbitrado. Desse modo, no curso do processo administrativo, o contribuinte terá oportunidade de comprovar que a sua declaração está condizente com o fato gerador.
Nas situações em que o contribuinte opta por apenas questionar o arbitramento na via judicial, esse tipo de controvérsia deve receber maior atenção, na medida em que a resolução da controvérsia pode implicar outros efeitos (honorários sucumbenciais, por exemplo) que extrapolam a análise da adequação da declaração do contribuinte ao fato gerador efetivamente realizado.
Este artigo busca apresentar aspectos jurídicos dessa possibilidade de o contribuinte, na via judicial, contestar o arbitramento apresentado pela Administração Tributária.
2. Revisão de arbitramento tributário em processo judicial e honorários advocatícios sucumbenciais
Conforme apresentado acima, a Administração Tributária deve valer-se da técnica do arbitramento nas situações em que o contribuinte não apresenta os documentos contábeis requisitados pela Administração Tributária ou naquelas em que não mereçam fé os documentos e declarações apresentados pelo contribuinte.
Assim, é possível que, num caso de tributo lançado por homologação, o contribuinte realize a declaração e o pagamento do tributo, a Administração Tributária requeira os documentos contábeis que demonstrem a base de cálculo do tributo e, mesmo notificado do requerimento de informações, o contribuinte não responda o requerimento.
Nesse caso, tendo em vista que a Fazenda requereu os documentos mas não os obteve, a única alternativa que sobraria para o Fisco seria realizar o arbitramento da base de cálculo do tributo, estimando o tributo devido pelo contribuinte e realizar o lançamento de ofício da diferença entre o valor considerado como devido pelo Fisco e o valor declarado pelo contribuinte.
Se nas situações em que o contribuinte se omitisse a responder o requerimento de informações, a Administração Tributária simplesmente concordasse com o lançamento realizado pelo contribuinte, evidentemente isso estimularia os contribuintes a não prestarem informações ao Fisco, deixando de comprovar a real base de cálculo do tributo, uma vez que a omissão do contribuinte não implicaria risco algum de piorar a situação do contribuinte.
Assim, conforme já apresentado acima, quando a Administração Tributária expede o requerimento de informações para que o contribuinte comprove a real base de cálculo do tributo por meio de determinados documentos, e o contribuinte não responde ao requerimento, cabe ao Fisco estimar a base de cálculo do tributo e efetuar o lançamento de ofício da diferença.
Nesse sentido, vale conferir as lições de Eduardo Sabbag nas quais se apresentam os principais aspectos jurídicos do arbitramento:
O art. 148 do CTN trata da hipótese de arbitramento – ou fiscalização indireta ou aferição indireta -, significando a adoção, por parte da autoridade lançadora, de sistemática determinante do tributo (ou de sua base de cálculo), que dependa da aferição do valor ou preço de bens, de serviços, de direitos ou de certos atos jurídicos. Observe o dispositivo legal (...)
De início, é importante salientar que a menção a “valor ou preço” permite que se tragam outros critérios arbitráveis, como renda, lucro, faturamento, receita bruta etc. O intuito da norma não é o de enclausurar taxativamente o arbitramento ao conceito de “valor ou preço”.
Tem-se entendido, de modo uníssono na doutrina, que o arbitramento não é uma quarta espécie de lançamento, mas um critério substitutivo ou uma técnica de tributação indiciária. Sua utilização, adequada a circunstâncias extremadas e excepcionais, será baseada em indícios tendentes à consecução do preciso valor da base de cálculo do gravame. (...)
Na verdade, o arbitramento é efetuado antes do lançamento, permitindo que a autoridade administrativa desconsidere os valores declarados pelo sujeito passivo, em razão da (I) inidoneidade ou da (II) omissão documentais, para, só então, valer-se do lançamento (de ofício) com suporte em bases presuntivas – e alternativas – na fixação do valor tributável.
No primeiro caso (I), desponta a apresentação de documentos que, destoantes da realidade fática, não merecem fé, exsurgindo sua imprestabilidade; no segundo (II), tem-se a total ausência ou insuficiência de elementos comprobatórios de operações deflagradoras do tributo.
Em razão da limítrofe situação, caracterizada pelo comportamento leviano do sujeito passivo omisso, reticente ou mendaz, com relação à informação de valor ou de preço de bens, fica o Fisco autorizado a adotar para o bem (serviço, direito ou ato) um valor de base de cálculo compatível com a prática do mercado ou com os indicadores hauridos de pesquisas e estatísticas, em total prestígio à verdade material.
É bom salientar que a sistemática existe para se chegar a valor arbitrado, e não a “valor arbitrário”. Este indica excesso, exagero; aquele, aferição, identificação. O primeiro avoca o bom senso; o segundo, afasta-o. O primeiro é ato extremado; o segundo, indevido.
De fato, o “arbitramento arbitrário” pauta-se em fatos fictícios, em base de cálculo irreal e, por fim, em tributo ilusório, afastando-se da contabilidade merecedora de análise. De outra banda, o arbitramento adequado é medida hábil a detectar a contabilidade calcada em ficção documental, composto de lançamentos dissimuladores das mutações financeiras do contribuinte, que, ipso facto, deve ser afastada pela técnica da aferição indireta.
Após a ciência ao interessado, resguardados estarão o contraditório e a ampla defesa, nas esferas administrativa e judicial, pois o arbitramento é mera forma de estabelecimento de uma presunção relativa, que sempre poderá ser objeto, por parte do sujeito passivo, de prova em contrário, limitadora da discricionariedade da autoridade fiscal.
Frise-se, ademais, que o legislador estendeu a garantia do contraditório também à ocasião posterior ao arbitramento, pois, se, eventualmente, a empresa, reconhecendo o equívoco, fornecer os elementos de investigação que venham a tornar possível a descoberta da verdade, a técnica perde seu objeto.
(Sabbag, 2012, p.784)
É possível, todavia, que o contribuinte, embora não tenha apresentado resposta ao requerimento de informações nem impugnado o lançamento na via administrativa, questione, na via judicial, os critérios utilizados no arbitramento, seja por meio de ação anulatória do lançamento ou de embargos à execução fiscal.
Esse tipo de discussão judicial de lançamento envolve pelos menos duas questões muito importantes que serão analisadas neste artigo: a) a decisão judicial na qual se considera que o arbitramento indicou valor muito superior ao da real base de cálculo do tributo deve determinar a anulação ou a revisão do lançamento e b) nesse caso, deve haver condenação em ônus sucumbenciais em desfavor do Fisco ou do contribuinte.
Ainda não há jurisprudência firmada sobre essas duas questões, mas alguns julgados proferidos merecem ser ressaltados, com o fim de estudar as soluções que vem sendo apresentadas pelo Poder Judiciário para situações desse tipo.
Nesse sentido, veja-se o seguinte precedente:
TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. ARBITRAMENTO. AUSÊNCIA DE CARÁTER PUNITIVO. BUSCA DA VERDADE MATERIAL. REGULARIZAÇÃO DA CONTABILIDADE E APRESENTAÇÃO DAS DECLARAÇÕES DE RENDIMENTOS NA FASE DE IMPUGNAÇÃO DO LANÇAMENTO. DESCONSIDERAÇÃO. NÃO EFETIVAÇÃO DO CONTRADITÓRIO. CTN, ART. 148. TRIBUTAÇÃO REFLEXA DO SÓCIO E PIS/DEDUÇÃO. ANULAÇÃO DO LANÇAMENTO. 1. O arbitramento não constitui uma modalidade de lançamento, mas uma técnica, um critério substitutivo que a legislação permite, excepcionalmente, quando o contribuinte não cumpre com seus deveres de manter a contabilidade em ordem e em dia e de apresentar as declarações obrigatórias por lei. Não tem o caráter punitivo que o fisco lhe conferiu, pois a empresa fiscalizada, ao promover a regularização da escrita contábil e apurar o montante tributável de acordo com as determinações do Regulamento do Imposto de Renda, reconheceu o equívoco e forneceu os elementos de investigação que tornariam possível a descoberta da verdade material, ainda na fase de impugnação do lançamento. 2. A norma do art. 148 do CTN tem o escopo de aproximar os valores arbitrados o máximo possível da verdadeira base de cálculo do tributo, na medida em que o direito ao contraditório limita a discricionariedade da autoridade fiscal. Firma-se uma presunção relativa quanto à tributação com base no arbitramento, porquanto o contribuinte sempre poderá fazer prova em contrário. A conduta do fisco, na hipótese em exame, desvirtuou o princípio da finalidade que norteia os atos administrativos, pois ignorou os elementos oferecidos pelo contribuinte, ao contestar o lançamento, não se efetivando o contraditório. 3. O art. 148 do CTN não encerra a possibilidade de prova em contrário no momento de formação do lançamento; o legislador estendeu a garantia do contraditório também à ocasião posterior ao arbitramento. Este é o espírito do dispositivo, quando estabelece: "ressalvada, em caso de contestação, avaliação contraditória, administrativa ou judicial". 4. Decorrendo a tributação reflexa da renda distribuída aos sócios e o PIS/Dedução do IR do arbitramento do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica, também devem ser anulados, eis que a matriz não tem legitimidade. 5. Não se admite a mera presunção de que o lucro arbitrado foi distribuído ao sócio, cumprindo ao fisco coligir outros elementos que identifiquem a efetiva percepção do rendimento.
(Tribunal Regional Federal da Quarta Região, Primeira Turma, Rel. Wellington Mendes de Almeida, Apelação Cível nº 200204010148276, Data da Decisão 29/06/2005, Data da Publicação 20/07/2005)
(grifos nossos)
Trata-se de Acórdão do Tribunal Regional Federal da Quarta Região que se refere a uma situação em que o contribuinte regularizou a documentação contábil na fase de impugnação do lançamento e o Fisco desconsiderou a regularização feita pelo contribuinte nessa fase. O Tribunal entendeu, nesse caso, que o lançamento deveria ser anulado e a União foi condenada a pagar honorários advocatícios de 10% sobre o valor total da exigência fiscal afastada.
Também é importante destacar o teor do seguinte julgado:
TRIBUTÁRIO. ANULAÇÃO DE DÉBITO FISCAL. AGRAVO RETIDO. NÃO CONHECIMENTO. ILEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO. INTERESSE DE AGIR. DECADÊNCIA. FUNDO DE UNIVERSALIZAÇÃO DOS SERVIÇOS DE COMUNICAÇÃO - FUST. ARBITRAMENTO. CRITÉRIO INIDÔNEO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
MANUTENÇÃO.
1. Em atenção ao disposto no artigo 523, § 1º, do CPC, não se conhece de agravo retido cuja apreciação não foi expressamente requerida no momento oportuno.
2. A União é parte ilegítima para figurar no pólo passivo da demanda, uma vez que compete à ANATEL a fiscalização e cobrança da contribuição, nos termos das Leis nos 9.472/97 e 9.998/00.
3. A eventual a ausência de provocação, no caso vertente, ficou suprida com a contestação da matéria de fundo, caracterizando-se a resistência à pretensão deduzida em juízo, o que confere interesse à parte autora e perfectibiliza a relação processual.
4. Os lançamentos de ofício quanto às diferenças complementares do tributo são relativos ao período de janeiro a dezembro de 2001, tendo a notificação ocorrido em 2006, ou seja, dentro do quinquênio legal. Assim, consabido que o exercício a que se refere o art. 173, inc. I, do CTN é o exercício financeiro, o qual começa dia 1º de janeiro e encerra-se no dia 31 de dezembro de cada ano, evidente a não ocorrência da decadência.
5. A norma do art. 148 do CTN tem o escopo de aproximar os valores arbitrados o máximo possível da verdadeira base de cálculo do tributo, na medida em que o direito ao contraditório limita a discricionariedade da autoridade fiscal.
6. Valendo-se a ANATEL de critério que não se mostrou idôneo sequer para uma aproximação grosseira da realidade econômica da matéria tributável, conforme recomenda a jurisprudência, impõe-se a anulação da apuração das diferenças.
7. A quantia de R$ 10.000,00 - em torno de 4,2% do valor da causa - se mostra razoável a título de verba honorária devida à União, que restou excluída do pólo passivo da demanda na sentença, nos termos de precedentes desta Turma.
(Tribunal Regional Federal da Quarta Região, Segunda Turma, Rel. Marcos Roberto Araujo Dos Santos, Apelação Cível nº 2007.71.10.002059-7, Data da Decisão 15/02/2011, Data da Publicação 23/02/2011)
Nesse caso, o contribuinte não respondeu o requerimento de informações expedido pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), relativo aos documentos contábeis para verificar a real base de cálculo da contribuição para o Fundo de Universalização das Telecomunicações, prevista no art. 6o, IV, da Lei no 9.998/2000, a Anatel realizou o arbitramento da base de cálculo com base no art. 148 do Código Tributário Nacional e, em seguida, efetuou o lançamento de ofício do tributo. O contribuinte não apresentou impugnação ao lançamento e apenas requereu a anulação do arbitramento na via judicial.
O Tribunal Regional Federal da Quarta Região, determinou a anulação do lançamento, por considerar que ele foi desproporcional e condenou a Anatel a pagar R$10.000,00 (dez mil reais), a título de honorários advocatícios sucumbenciais.
Apresentados esses dois precedentes, é possível analisar melhor a questão relativa à decisão judicial de anulação de lançamentos.
Em nenhum dos casos apresentados, o Poder Judiciário identificou um prejuízo à defesa do contribuinte, o que teria acontecido, por exemplo, se o Fisco tivesse notificado o contribuinte em endereço diverso do informado por ele à Fazenda.
A Jurisprudência adota o entendimento de que em processos administrativos, incluindo nesse universo os processos administrativos fiscais, a anulação de atos processuais depende da efetiva comprovação de prejuízo à defesa. Em outras palavras, não é qualquer irregularidade que terá como consequência a anulação do ato administrativo, mas apenas aquelas que prejudicam a defesa do administrado, cabendo ao administrado a efetiva prova desse prejuízo, o qual não se presume.
Nesse sentido, vejam-se as lições de Leandro Paulsen:
Reconhecimento da nulidade formal depende de prejuízo à defesa. Não há requisitos de forma que impliquem nulidade de modo automático e objetivo. A nulidade não decorre propriamente do descumprimento do requisito formal, mas dos seus efeitos comprometedores do direito de defesa, assegurado constitucionalmente ao contribuinte já por força do art. 5º, LV da Constituição Federal. Isso porque as formalidades se justificam como garantidoras da defesa do contribuinte; não são um fim, em si mesmas, mas um instrumento para assegurar o exercício da ampla defesa. Alegada eventual irregularidade, cabe, à autoridade administrativa ou judicial. Verificar, pois se tal implicou efetivo prejuízo à defesa do contribuinte. Daí falar-se do princípio da informalidade do processo administrativo.
(Paulsen. 2009, p.1.186) [5]
Com a mesma perspectiva, vale citar os seguintes precedentes judiciais:
ADMINISTRATIVO. TRIBUTÁRIO. INOBSERVÂNCIA DE PROCEDIMENTO PREVISTO NO DECRETO 70.235/72. AMPLA OPORTUNIDADE DE DEFESA CONFERIDA AO CONTRIBUINTE. INEXISTÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA, PREJUÍZO OU DANO. NÃO RECONHECIMENTO DE NULIDADE NO PROCESSO ADMINISTRATIVO. 1. Apesar da alegada falha procedimental atribuída ao Poder Público no processo administrativo, não há que se falar em cerceamento de defesa, tendo em vista a ampla oportunidade de defesa conferida ao contribuinte. 2. Não comprovado o prejuízo no exercício do direito de defesa, bem como inexistente qualquer dano ao contribuinte, não é possível reconhecer a alegada nulidade do procedimento fiscal. 3. Como é assente na jurisprudência, "somente a comprovação do cerceamento de defesa pela ausência de requisito formal da CDA causa-lhe a nulidade". (REsp nº 1.085.443/SP - Relatora Ministra Eliana Calmon - STJ - Segunda Turma - Unânime - DJE 18/02/2009.). 4. Apelação a que se nega provimento.
(Tribunal Regional Federal da Primeira Região, 7a Turma Suplementar, Rel. Juiz Federal Carlos Eduardo Castro Martins, AC 200039000051192, AC – Apelação Cível – 200039000051192, Data da decisão 14/05/2013, Publicação e-DJF1 de 21/06/2013, p. 1536)
APELAÇÃO CÍVEL - MANDADO DE SEGURANÇA - TRIBUTÁRIO - DECRETO 70.235/72 - VÍCIOS FORMAIS - INEXISTÊNCIA - CERCEAMENTO DE DEFESA - DESCABIMENTO - AUSÊNCIA DE PREJUÍZOS - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO. 1. Cuida-se de recurso interposto pela impetrante, SCHULUMBERGER SERVIÇOS DE PETRÓLEO LTDA, através do qual pretende a reforma da sentença que julgou improcedente a sua pretensão de declaração da nulidade da decisão proferida nos autos do processo administrativo nº 10768.037952/87-95, bem como que não haja a conversão em renda da União dos valores referentes aos depósitos realizados pela recorrente no âmbito administrativo. 2. Em análise aos autos, constato que a autoridade coatora realizou lançamento suplementar em face da impetrante, ao rever a declaração de rendimentos da empresa, com glosa de deduções declaradas pela empresa e consideradas indevidas pela legislação tributária. 3. Em suas informações, a autoridade impetrada, de certa forma, concorda parcialmente com a existência dos vícios formais apontados pela impetrante. 4. Quanto à necessidade de assinatura, ela é afastada, textualmente, pelo parágrafo único do art. 11 do Decreto nº 70.235/72 supramencionado. 5. Quanto às disposições legais infringidas, constato que tal requisito foi preenchido, uma vez que a impetrante foi notificada pela forma eletrônica de lançamento suplementar, com as respectivas disposições legais, os demonstrativos, espelhando os valores das glosas efetuadas e os saldos dos tributos apurados, conforme os documentos acostados aos autos. 6. Assim, o único vício formal que efetivamente restou foi a ausência de indicação do servidor autuante e o seu cargo. 7. Ocorre que tais vícios não são suficientes para anular todo o procedimento, uma vez que o longo trâmite do Processo Administrativo, que percorreu todas as suas instâncias, deu conta da encampação do ato pelas autoridades administrativas competentes e que expressamente decidiram pela manutenção do lançamento; o que, para mim, configura modalidade sanatória admissível neste caso. 8. A omissão apontada não comprometeu a defesa do contribuinte, que amplamente a exerceu nas esferas administrativas e judicial. Assim, à vista do disposto no art. 563 do CPP que consagra o Princípio “pás de nullité sans grief”, é descabida a nulidade do ato, quando dela não resulta qualquer prejuízo a quem tal declaração beneficiaria. 9. Apelação da impetrante desprovida.
(Tribunal Regional Federal da Segunda Região, Quarta Turma Especializada, Rel. Desembargador Federal Ricarlos Almagro Vitoriano Cunha, AMS 200202010238339 - APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA – 43794, Data da Decisão 08/11/2011, Publicação E-DJF2R de 17/11/2011, p. 136)
Nesse sentido, nas situações em que não há prejuízo à defesa, das quais são exemplo aquelas em que o Fisco notifica regularmente o contribuinte, não há que se falar em anulação do lançamento.
Os casos apresentados acima, nos quais a controvérsia se restringe a questões relativas à base de cálculo do tributo, o Poder Judiciário examina se a base de cálculo considerada pelo Fisco na exigência fiscal está ou não adequada à base de cálculo do tributo.
Isso não significa que o contribuinte necessariamente estará isento de pagar o tributo, mas sim que deve pagá-lo num valor menor do que o exigido pela Administração Tributária.
Desse modo, a decisão de anulação do lançamento acaba por atrasar desnecessariamente o processo administrativo de cobrança do tributo, uma vez que, anulado o lançamento pelo Poder Judiciário, o Fisco terá de efetuar novo lançamento, reiniciando um novo processo administrativo fiscal, com novas possibilidades de matérias a serem impugnadas e definições de novas controvérsias entre Fisco e contribuinte.
A título ilustrativo, vale apresentar um exemplo em que o Judiciário, após a realização de perícia, constata que o contribuinte devia R$10.000,00 (dez mil reais) em vez dos R$ 20.000,00 (vinte mil reais), atribuídos pelo Fisco, é possível notar que é mais razoável o Judiciário determinar a revisão do lançamento para o valor de R$10.000,00 (dez mil reais), do que determinar a anulação do lançamento, permitindo que o Fisco concretize novo lançamento.
Nesse exemplo, se o dispositivo da decisão judicial previsse apenas a anulação do lançamento, a rigor, seria possível que o Fisco efetuasse lançamento no valor de R$15.000,00 (quinze mil reais), por exemplo, e haveria nova controvérsia entre contribuinte e Administração Tributária que, provavelmente, seria desenvolvida no processo administrativo fiscal, mas só teria fim no âmbito do Poder Judiciário.
Ao considerar que o principal escopo da atividade jurisdicional é a paz social, nota-se que esse fim é alcançado em maior extensão, quando o Judiciário encerra a controvérsia entre Fisco e contribuinte, com o atributo da definitividade, do que na situação em que o Judiciário apenas determina que todo o desenrolar da controvérsia se repita em âmbito administrativo.
Nesse sentido, vejam-se as lições de Fredie Didier Jr. Acerca da definitividade, atributo próprio da atividade jurisdicional:
(g) A coisa julgada é situação jurídica que diz respeito exclusivamente às decisões jurisdicionais. Somente uma decisão judicial pode tornar-se indiscutível e imutável pela coisa julgada material. (...)
De fato, a característica que é exclusiva da jurisdição é a aptidão para a definitividade. Só os atos jurisidicionais podem adquirir essa definitividade, que recebe o nome de coisa julgada, situação jurídica que estabiliza as relações jurídicas de modo definitivo.
(Didier Jr., 2010, p.92)
Assim, determinar a revisão do crédito para um determinado valor, em vez de anular o lançamento preserva em maior extensão os atos praticados pelo contribuinte e pelo Fisco no curso do processo administrativo fiscal, seguindo o mesmo critério assimilado em diversos institutos do Direito Administrativo (convalidação) e do Direito Civil (conversão), que é preservação dos atos jurídicos realizados com alguma irregularidade na maior extensão possível.
Dessa forma, conclui-se nesse aspecto, que nos processos judiciais em que se discute a base de cálculo utilizada em determinada exigência fiscal e que não houve prejuízo à defesa do contribuinte, é mais adequado o Poder Judiciário determinar a revisão do valor do crédito tributário para um determinado valor, garantindo com maior celeridade, o fim da controvérsia entre Fisco e contribuinte.
Nessa perspectiva, vale citar caso em que o Tribunal Regional Federal da Quarta Região manteve o lançamento realizado pela Administração Tributária, em razão de o contribuinte não ter se desincumbido do ônus de provar a real base de cálculo, mas no texto da Ementa do julgado o Tribunal afirma que, se a base de cálculo utilizada no lançamento estivesse incorreta, seria o caso de revisão do lançamento. Veja-se, in verbis, o teor do precedente:
TRIBUTÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. CDA. REGULARIDADE FORMAL. LANÇAMENTO POR ARBITRAMENTO. AUSÊNCIA DE CARÁTER PUNITIVO. BUSCA DA VERDADE MATERIAL. INEXISTÊNCIA DE CONTRAPROVA A INFIRMAR O LANÇAMENTO. LEGITIMIDADE. TAXA SELIC. 1. Não há falar em nulidade formal da CDA (desobediência aos requisitos elencados nos artigos 202 do CTN e 2º, § 5º, da LEF), porquanto estão presentes no título o nome da devedora com o seu endereço, o fundamento legal do débito, a origem e o modo de constituição do crédito tributário, a quantia devida, bem como a forma de aplicação dos juros e da correção monetária e a data de inscrição em dívida ativa. 2. O pressuposto para que a autoridade fiscal se valha do arbitramento é a omissão do sujeito passivo ou a irregularidade das declarações, esclarecimentos ou documentos que devem ser utilizados para o cálculo do tributo. Se houver ausência de dados que possibilitem apurar a base de cálculo real do imposto de renda, o CTN outorga ao fisco a faculdade de realizar a aferição indireta, arbitrando o valor da renda tributável. O arbitramento não constitui uma modalidade de lançamento, mas uma técnica, um critério substitutivo que a legislação permite, excepcionalmente, quando o contribuinte não cumpre com seus deveres de manter a contabilidade em ordem e em dia e de apresentar as declarações obrigatórias por lei. Não tem, em atenção ao princípio da verdade material, qualquer caráter punitivo, apenas sendo justificado quando, em razão do não-exercício ou exercício deficiente do dever de colaboração do contribuinte, impossível a análise da prova direta da base de cálculo do tributo. 3. O art. 148 do CTN não encerra a possibilidade de prova em contrário apenas ao momento de formação do lançamento; o legislador estendeu a garantia do contraditório também à ocasião posterior ao arbitramento, seja na via administrativa, seja na judicial. Este é o espírito do dispositivo, quando estabelece: "ressalvada, em caso de contestação, avaliação contraditória, administrativa ou judicial". A norma do art. 148 do CTN tem o escopo de aproximar os valores arbitrados o máximo possível da verdadeira base de cálculo do tributo, na medida em que o direito ao contraditório limita a discricionariedade da autoridade fiscal. Firma-se uma presunção relativa quanto à tributação com base no arbitramento, porquanto o contribuinte sempre poderá fazer, como na hipótese o fez, prova em contrário, demonstrando a possibilidade de apuração da verdadeira base de cálculo do tributo. Sendo assim, acaso fique demonstrado que os valores tomados pelo arbitramento não se mostram adequados à realidade tributável, ainda que não haja irregularidade na modalidade de lançamento adotada pela fiscalização, impõe-se a revisão do montante apurado, mesmo na via judicial, a fim de adequá-lo à realidade. 4. Na hipótese, além de não ter entregue as Declarações de Ajuste do período autuado, o contribuinte permaneceu inerte durante todo o procedimento administrativo que culminou com a lavratura do auto de infração, embora intimado a apresentar os documentos pertinentes. Até mesmo o prazo para impugnação do lançamento na via administrativa transcorreu, sem que nada trouxesse o contribuinte que justificasse a revisão do lançamento. Sendo assim, não se pode reputar ilegítimo o lançamento, uma vez que outra alternativa não restava ao fisco que não a adoção da técnica do arbitramento. Outrossim, a título de contraprova aos valores tomados por base de cálculo do imposto de renda pela autuação, limitou-se a apresentar Declarações de Ajuste, entregues quando já ajuizada a execução fiscal, em que informa a existência de deduções legais não consideradas pelo auto de infração. Ora, por certo que meras declarações a respeito de eventuais deduções, desacompanhadas dos comprovantes e recibos a lhes dar suporte, não possuem força probante necessária a autorizar a revisão do lançamento. Assim, por não ter se desincumbido o autor do seu ônus de demonstrar a existência das alegadas despesas dedutíveis da base de cálculo do imposto de renda no período, não merece revisão o lançamento, lavrado com base nos rendimentos auferidos pelo contribuinte segundo as Declarações de Imposto de Renda Retido na Fonte apresentadas por fontes pagadoras em decorrência de vínculo empregatício. 5. Aplicabilidade da Taxa Selic, na forma do artigo 13 da Lei nº 9.065/95.
(Tribunal Regional Federal da Quarta Região, Primeira Turma, Rel. Joel Ilan Paciornik, Apelação Cível nº 200272090008446, Data da Decisão 18/11/2009, Data da Publicação 24/11/2009)
O outro aspecto importante das decisões judiciais proferidas nesses casos de ações judiciais relativas à base de cálculo empregada no cálculo do tributo é o da incidência dos ônus sucumbenciais.
Conforme apresentado acima, no processo nº 2007.71.10.002059-7, a Anatel foi condenada a pagar R$10.000,00 referentes a honorários advocatícios, e, no processo nº 2002.04.01.014827-6, a União foi condenada a pagar honorários advocatícios de 10% sobre o valor total da exigência fiscal afastada.
Nessas duas situações, o Tribunal entendeu que os lançamentos teriam sido nulos e, por conseguinte, o contribuinte teve êxito no processo judicial, devendo o Fisco ser condenado em honorários advocatícios.
Cabe salientar, todavia, que a condenação em honorários advocatícios numa demanda não se deve basear apenas na procedência e improcedência dos pedidos, mas também na análise acerca de qual parte contribuiu para dar causa a uma determinada demanda.
Um exemplo de fácil compreensão é o da perda superveniente de interesse processual do autor, em razão de ato praticado pelo réu após a citação. Alberto é credor de João e este se recusa a realizar o pagamento da dívida, inconformado Alberto ajuíza uma ação contra João e este, após a citação, resolve pagar a dívida e alega, na contestação, que realizou o pagamento e que a demanda carece de interesse processual. Após confirmação de Alberto de que o pagamento foi realizado, o Juízo profere sentença no sentido da extinção do processual sem resolução do mérito, uma vez ausente o interesse processual, conforme art. 267, VI, do Código de Processo Civil:
Art. 267. Extingue-se o processo, sem resolução de mérito: (Redação dada pela Lei nº 11.232, de 2005) (…)
Vl - quando não concorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual;
Nesse tipo de situação é nítido que seria injusto condenar Alberto ao pagamento de honorários advocatícios, haja vista que o processo judicial foi o único instrumento que ele podia utilizar para exigir a satisfação de sua pretensão contra João, sendo que este apenas efetuou o pagamento, porque considerou a possibilidade de sofrer os atos de constrição patrimonial que se inserem no âmbito de uma cobrança realizada na via judicial.
Para situações desse tipo, foi desenvolvido o princípio da causalidade, segundo o qual a condenação em honorários advocatícios não deve considerar apenas o julgamento pela procedência ou improcedência da demanda, mas sim a parte que deu causa à demanda, adotando comportamento que tornasse necessário o ajuizamento da ação judicial para a resolução da controvérsia.
Acerca do princípio da causalidade, vale conferir os seguintes precedentes:
TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO. CANCELAMENTO DA INSCRIÇÃO DA DÍVIDA ATIVA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CABIMENTO. INTELIGÊNCIA DO ART. 26 DA LEF. PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE. PRECEDENTES DESTA CORTE REGIONAL E DO COLENDO STJ. 1. Restando demonstrada como indevida a execução fiscal, a executada faz jus à verba honorária. Como é cediço, os ônus sucumbenciais estão subordinados ao princípio da causalidade, ou seja, devem ser suportados por quem deu causa à instauração do processo, notadamente se o executado teve de constituir patrono para se defender. 2. A jurisprudência predominante do eg. Superior Tribunal de Justiça e desta Corte já consolidou a diretriz no sentido de que não se aplica o disposto no art. 26 da Lei 6.830/1980 nas hipóteses em que o contribuinte tenha que constituir advogado para se defender de ações executivas do poder público, ainda que as mesmas venham a ser extintas, sem exame de mérito. 3. Vencida a Fazenda Pública, não está o magistrado adstrito aos percentuais estabelecidos no § 3º do art. 20, do CPC, devendo apreciar as circunstâncias previstas em tal parágrafo e no § 4º, do mesmo artigo, para fixar o valor da verba honorária. Destarte, esse valor deve atender aos princípios da razoabilidade e da equidade, bem como remunerar o trabalho desenvolvido pelo causídico, principalmente por ter efetivado a defesa do executado. Precedentes. 4. Apelação provida.
(Tribunal Regional Federal da Primeira Região, Sétima Turma, Rel. Juíza Federal (conv.) Gilda Sigmaringa Seixas, Apelação Cível 200933000159108, Data da decisão 08/02/2011, Data da Publicação 18/02/2011)
PROCESSUAL CIVIL. PROCESSO EXTINTO SEM EXAME DO MÉRITO. PERDA SUPERVENIENTE DO INTERESSE DE AGIR. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DEVIDOS. PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE. 1. Tratando-se de processo que foi extinto sem julgamento do mérito, em virtude de causa superveniente que esvaziou o objeto da demanda, impõe-se a aplicação do principio da causalidade, segundo o qual o ônus da sucumbência deverá recair sobre a parte que deu causa ao ajuizamento da ação. 2. Hipótese em que a reprovação da candidata na inspeção de saúde do concurso para Formação de Sargentos da Aeronáutica, por apresentar índice de massa corporal superior ao previsto no edital, obstando a sua participação no teste de capacidade física, ensejou a propositura da demanda, não havendo qualquer reproche na sentença que condenou a União a arcar com o pagamento dos honorários (R$ 300,00), com base no art. 20, parágrafo 4º do CPC. 3. Apelação improvida.
(Tribunal Regional Federal da Quinta Região, Segunda Turma, Rel. Desembargador Federal Francisco Wildo, Apelação Cível 200983000186421, Data da decisão 24/08/2010, Data da Publicação 02/09/2010)
Assim, considera-se como adequado analisar a questão dos ônus sucumbenciais em processos judiciais relativos a questionamentos ao arbitramento de base de cálculo de exações fiscais sob o prisma do princípio da causalidade.
Conforme apresentado acima, geralmente o arbitramento previsto no art. 148 do Código Tributário Nacional somente é realizado quando o contribuinte deixa de responder ao requerimento de informações expedido pela Administração Tributária, de modo que o arbitramento se fez necessário em razão da omissão do contribuinte, razão por que, embora o crédito tributário decorrente do lançamento pudesse ser revisto na via judicial, o contribuinte deveria sofrer a condenação em honorários advocatícios, em homenagem ao princípio da causalidade.
Por outro lado, se o Fisco realiza a expedição do requerimento de informações e da notificação de lançamento em endereço equivocado, pode-se dizer que o Fisco foi o responsável pela realização do arbitramento e, por conseguinte, pelo ajuizamento de execução fiscal com base em valor de crédito superior ao efetivamente devido pelo contribuinte, ou seja, aplicando-se o princípio da causalidade, nesse caso, o Poder Judiciário deveria determinar a revisão do crédito tributário para o valor real da incidência do tributo e condenar a Fazenda a pagar os ônus sucumbenciais, incluindo os honorários advocatícios.
De modo semelhante, nos casos em que o contribuinte se omite quanto à apresentação dos documentos solicitados pela Administração Tributária, mas os apresenta na fase de impugnação de lançamento, questionando o arbitramento da base de cálculo adotado no lançamento, cabe ao Fisco examinar os documentos apresentados pelo contribuinte e proferir decisão acerca da impugnação.
Nesse tipo de situação, a Administração Tributária teria acesso aos documentos contábeis que possibilitariam a real base de cálculo do tributo, ainda no curso do processo administrativo fiscal, de forma que se o ajuizamento da execução fiscal fosse realizado com valor superior ao efetivamente devido pelo contribuinte, esse descompasso deveria ser atribuído à conduta da Administração (e não do contribuinte), na medida em que a Fazenda teria condições de rever o crédito tributário antes do ajuizamento da execução fiscal.
Assim, nesse exemplo, eventual condenação em honorários advocatícios deveria recair sobre a Fazenda, pois, sob o prisma do princípio da causalidade, o Fisco teria sido o responsável pelo ajuizamento da demanda.
3. Conclusões
O arbitramento de base de cálculo do tributo, previsto no art. 148 do Código Tributário Nacional, tem aplicação nos casos em que o contribuinte deixa de apresentar documentos contábeis que sejam adequados para o Fisco conferir se o tributo foi recolhido corretamente pelo contribuinte.
Embora haja previsão expressa acerca da possibilidade de o arbitramento ser revisto na via judicial (art. 148 do Código Tributário Nacional), há aspectos que devem ser considerados para que a prestação jurisdicional esteja mais adequada ao objetivo de promover a paz social (escopo da atividade jurisdicional), resolvendo litígio entre contribuinte e Fisco com o atributo da definitividade.
Nesse sentido, sugere-se que, nas ações judiciais que questionam arbitramentos realizados pelo Fisco, o Poder Judiciário, ao apurar a real base de cálculo do tributo, determine que o crédito tributário seja revisto para o valor encontrado, em vez de anular o lançamento, exigindo que a apuração do crédito tributário se desenvolva em mais um processo administrativo, sob o risco de controvérsia semelhante perdurar e vir a ser invocada em futuro processo judicial.
Outro aspecto também apresentado neste trabalho foi a relevância do princípio da causalidade na condenação em ônus sucumbenciais, nas demandas judiciais que questionam arbitramentos, devendo ser condenada em honorários advocatícios a parte (contribuinte ou Fazenda) que tiver dado causa à execução fiscal em valor equivocado.
4. Bibliografia
BRASIL, Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Diário Oficial da União – Brasília, DF. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172.htm>. Acesso em 10 de dezembro de 2013.
______. Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Diário Oficial da União – Brasília, DF. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5869.htm>. Acesso em 10 de dezembro de 2013.
______.Tribunal Regional Federal da Quarta Região, Primeira Turma, Rel. Wellington Mendes de Almeida, Apelação Cível nº 200204010148276, Data da Decisão 29/06/2005, Data da Publicação 20/07/2005.
_______. Tribunal Regional Federal da Quarta Região, Segunda Turma, Rel. Marcos Roberto Araujo Dos Santos, Apelação Cível nº 2007.71.10.002059-7, Data da Decisão 15/02/2011, Data da Publicação 23/02/2011.
______. Tribunal Regional Federal da Primeira Região, 7a Turma Suplementar, Rel. Juiz Federal Carlos Eduardo Castro Martins, AC 200039000051192, AC – Apelação Cível – 200039000051192, Data da decisão 14/05/2013, Publicação e-DJF1 de 21/06/2013, p. 1536.
______. Tribunal Regional Federal da Segunda Região, Quarta Turma Especializada, Rel. Desembargador Federal Ricarlos Almagro Vitoriano Cunha, AMS 200202010238339 – Apelação em Mandado de Segurança – 43794, Data da Decisão 08/11/2011, Publicação E-DJF2R de 17/11/2011, p. 136.
_______. Tribunal Regional Federal da Quarta Região, Primeira Turma, Rel. Joel Ilan Paciornik, Apelação Cível nº 200272090008446, Data da Decisão 18/11/2009, Data da Publicação 24/11/2009.
_______. Tribunal Regional Federal da Primeira Região, Sétima Turma, Rel. Juíza Federal (conv.) Gilda Sigmaringa Seixas, Apelação Cível 200933000159108, Data da decisão 08/02/2011, Data da Publicação 18/02/2011.
_______. Tribunal Regional Federal da Quinta Região, Segunda Turma, Rel. Desembargador Federal Francisco Wildo, Apelação Cível 200983000186421, Data da decisão 24/08/2010, Data da Publicação 02/09/2010.
DIDIER JR. Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. Volume 1. 12a edição. Salvador, Juspodivm, 2010.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 31a edição, revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Malheiros, 2010.
PAULSEN, Leandro. Direito Tributário: Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. 11 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora; ESMAFE, 2009.
SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário. 4a edição. São Paulo: Saraiva, 2012.
[1] Embora a estimativa de base de cálculo de um tributo, por meio de arbitramento (tema abordado neste trabalho), não esteja legalmente restrita aos casos de tributos lançados por homologação, neste trabalho optou-se por fazer referência aos tributos lançados por homologação, porque hoje a principal aplicação do instituto do arbitramento ocorre nesse tipo de lançamento, uma vez que, nessa espécie de lançamento, num primeiro momento, cabe ao contribuinte verificar a base de cálculo, declarar e recolher o tributo, para, num segundo momento, a Administração Tributária verificar se o tributo foi declarado e recolhido no valor correto.
[2] É oportuno registrar que, caso a Administração Tributária constate que o contribuinte declarou valor inferior ao devido, o Fisco deve efetuar o lançamento da diferença entre valor devido e valor declarado, por meio de lançamento de ofício, na forma do art. 149, do Código Tributário Nacional.
[3] Capítulo I do Título IV do Código Tributário Nacional (Fiscalização).
[4] Por exemplo, é possível o arbitramento do preço de um serviço cuja venda corresponde a fato gerador do Imposto Sobre Serviços (ISS).
[5] PAULSEN, Leandro. Direito Tributário: Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. 11 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora; ESMAFE, 2009, p. 1.186.
Procurador Federal, pós-graduado em Direito Constitucional e Direito Tributário.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PEREIRA, Igor Guimarães. Revisão de arbitramento tributário em processo judicial e honorários advocatícios sucumbenciais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 dez 2013, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/37711/revisao-de-arbitramento-tributario-em-processo-judicial-e-honorarios-advocaticios-sucumbenciais. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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