Introdução
Após modificação legislativa implementada pela Lei nº. 10.202/01 no art. 10 da Lei nº. 9.874/99, houve a inclusão do inciso “v” que instituiu a penalidade de revogação da autorização dos os agentes econômicos autorizados pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), quando condenados por infração à ordem econômica (Lei nº. 8.884/94) pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica – Cade ou por decisão judicial.
Na prática, esta é uma penalidade que ainda não foi aplicada, mas que possui diversas controvérsias jurídicas. Esta revogação é aplicada pelo Cade ou pela ANP? O Cade precisa se manifestar expressamente sobre a revogação? A revogação é precedida de processo administrativo? A revogação é automática? Há muitas dúvidas quanto aos efeitos da decisão do Cade.
Apesar de decisão judicial também ser hipótese de revogação de autorização, abordarei apenas a revogação por decisão do Cade quando houver condenação por infração à ordem econômica.
Autorização expedida pela ANP e fiscalização
Compete à ANP conceder e autorizar as atividades que constituem o monopólio da União nos termos dos incisos I a IV do art. 177[1] da CRFB, assim como as atividades que não integram o monopólio da União e que estão relacionadas à venda e revenda de combustíveis de petróleo, álcool, carburantes e outros combustíveis derivados de matérias-primas renováveis[2], nos termos do art. 8º, incisos IV, V e XV da Lei nº. 9.478/97, abaixo transcrito:
Art. 8o A ANP terá como finalidade promover a regulação, a contratação e a fiscalização das atividades econômicas integrantes da indústria do petróleo, do gás natural e dos biocombustíveis, cabendo-lhe: (Redação dada pela Lei nº 11.097, de 2005)
IV - elaborar os editais e promover as licitações para a concessão de exploração, desenvolvimento e produção, celebrando os contratos delas decorrentes e fiscalizando a sua execução;
V - autorizar a prática das atividades de refinação, liquefação, regaseificação, carregamento, processamento, tratamento, transporte, estocagem e acondicionamento; (Redação dada pela Lei nº 11.909, de 2009)
...
XVI - regular e autorizar as atividades relacionadas à produção, à importação, à exportação, à armazenagem, à estocagem, ao transporte, à transferência, à distribuição, à revenda e à comercialização de biocombustíveis, assim como avaliação de conformidade e certificação de sua qualidade, fiscalizando-as diretamente ou mediante convênios com outros órgãos da União, Estados, Distrito Federal ou Municípios; (Redação dada pela Lei nº 12490, de 2011)
No exercício do poder/dever de regular e fiscalizar as atividades econômicas integrantes da indústria do petróleo, do gás natural e dos biocombustíveis, compete à ANP aplicar as sanções administrativas e pecuniárias previstas em lei, regulamento ou contrato, com fulcro no art. 8º, inciso VII, da Lei nº. 9.478/97:
VII - fiscalizar diretamente e de forma concorrente nos termos da Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990, ou mediante convênios com órgãos dos Estados e do Distrito Federal as atividades integrantes da indústria do petróleo, do gás natural e dos biocombustíveis, bem como aplicar as sanções administrativas e pecuniárias previstas em lei, regulamento ou contrato; (Redação dada pela Lei nº 11.909, de 2009)
O art. 10 da Lei nº.º 9.478/97 determinou que a ANP comunicasse ao Cade os casos que possam configurar indícios de infração da ordem econômica, in verbis:
Art. 10. Quando, no exercício de suas atribuições, a ANP tomar conhecimento de fato que possa configurar indício de infração da ordem econômica, deverá comunicá-lo imediatamente ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica – Cade e à Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça, para que estes adotem as providências cabíveis, no âmbito da legislação pertinente.(Redação dada pela Lei nº 10.202, de 20.2.2001)
Parágrafo único. Independentemente da comunicação prevista no caput deste artigo, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica – Cade notificará a ANP do teor da decisão que aplicar sanção por infração da ordem econômica cometida por empresas ou pessoas físicas no exercício de atividades relacionadas com o abastecimento nacional de combustíveis, no prazo máximo de vinte e quatro horas após a publicação do respectivo acórdão, para que esta adote as providências legais de sua alçada. (Parágrafo único inclúido pela Lei nº 10.202, de 20.2.2001)
No uso da competência de regular e fiscalizar este mercado, não foi atribuído à ANP o poder de sancionar os agentes regulados quando houver infração à ordem econômica, mas ao Cade, nos termos do art. 9º, incisos II, III e IV da Lei nº.º 12.529/11, in verbis:
Art. 9o Compete ao Plenário do Tribunal, dentre outras atribuições previstas nesta Lei:
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II - decidir sobre a existência de infração à ordem econômica e aplicar as penalidades previstas em lei;
III - decidir os processos administrativos para imposição de sanções administrativas por infrações à ordem econômica instaurados pela Superintendência-Geral;
IV - ordenar providências que conduzam à cessação de infração à ordem econômica, dentro do prazo que determinar;
...
Revogação da autorização – art. 10, inciso V, da Lei nº. 9.847/99
A modificação implementada pela Lei nº. 10.202/01 no art. 10 da Lei nº. 9.847/99, institui a penalidade de revogação da autorização de agentes econômicos regulados pela ANP, quando condenados por infração à ordem econômica pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica – Cade, in verbis:
Art. 10. A penalidade de revogação de autorização para o exercício de atividade será aplicada quando a pessoa jurídica autorizada:
V – praticar, no exercício de atividade relacionada ao abastecimento nacional de combustíveis, infração da ordem econômica, reconhecida pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica – Cade ou por decisão judicial. (Incisio inclúido pela Lei nº 10.202, de 20.2.2001)
Observância ao Contraditório e à Ampla Defesa - CADE – art. 10, §2º, da Lei nº. 9.847/99
Diferente dos demais incisos do art. 10 da Lei nº. 9.847/99, a revogação da autorização com fulcro no Inciso V, não permite o estabelecimento de contraditório e ampla defesa pela ANP, pois o legislador expressamente consignou no art. 10, §2º, da Lei nº. 9.847/99, que a revogação vai ser ato praticado automaticamente após notificada, seja pelo CADE, seja pela Justiça, in verbis:
§ 2o Na hipótese do inciso V deste artigo, a revogação da autorização dar-se-á automaticamente na data de recebimento da notificação expedida pela autoridade competente. (Parágrafo inclúido pela Lei nº 10.202, de 20.2.2001)
Tal distinção poderia levar ao entendimento perfunctório de flagrante violação ao direito fundamental ao contraditório e à ampla defesa e consequente inconstitucionalidade da norma estatuída no art. 10, §2º da Lei nº. 9.847/99. Contudo, este raciocínio torna-se equivocado na medida em que se verifica que a ANP apenas executa parcela da sanção decorrente de decisão proferida por outro agente público competente para julgar as infrações à ordem econômica, que é o Cade, nos termos da Lei nº. 12.529/12, sempre após observância do contraditório e da ampla defesa.
Neste procedimento, quem oportuniza o contraditório e a ampla defesa é o Cade, cabendo à ANP apenas a execução de parcela da punição por se tratar do agente competente para conceder e revogar autorizações para a revenda de combustíveis nos termos da Lei nº. 9.478/99.
Não pode a ANP instaurar processo administrativo e oportunizar o contraditório e a ampla defesa sobre decisão proferida pelo Cade e analisar a existência ou não de infração à ordem econômica para aplicar a revogação ou não da autorização nos termos do art. 10, inciso V, da Lei nº. 9.847/99, sob pena de invasão de competência exclusiva do Cade nos termo da Lei nº. 12.529/12. Contudo, isso não afasta o poder/dever de a ANP notificar os agentes econômicos a se manifestarem previamente antes da aplicação desta penalidade, mesmo que não possa reavaliar o mérito da decisão.
Por isso o §2º, do art. 10 da Lei nº. 9.847/99 determinou que aplicação desta penalidade seria automática, ou seja, sem instauração de processo administrativo para oportunização de contraditório e ampla defesa na ANP. A condenação por infração à ordem econômica após proferida pela autoridade competente, caberá à ANP apenas executá-la na parcela que lhe compete. O legislador também tomou o cuidado de não outorgar ao Cade o poder de revogar diretamente a autorização expedida pela ANP, por se tratar de competência exclusiva da ANP, nos termos da Lei nº. 9.478/99, por observar na via oblíqua que poderia macular a norma de ilegalidade.
Caso o agente regulado queira se insurgir contra a decisão de revogação da autorização para o exercício da atividade de revenda de combustíveis, deve combater judicialmente a decisão do Cade, pois a ANP está vinculada a estas decisões. Conforme já expressamente consignado, a ANP é mero agente executor de parcela da penalidade, ou seja, executor da revogação da autorização, ficando o agente impedido de exercer a atividade pelo prazo de 05 anos, nos termos do estatuído no art. 10, §1, da Lei nº. 9.847/99, in verbis:
§ 1o Aplicada a pena prevista neste artigo, os responsáveis pela pessoa jurídica ficarão impedidos, por cinco anos, de exercer atividade constante desta Lei. (Parágrafo único renumerado para § 1º com nova redação pela Lei nº 10.202, de 20.2.2001)
Muitas vezes as decisões do CADE não se limitam a agentes econômicos regulados pela ANP, condenando também associações, sindicatos, grupos econômicos e pessoas ligadas a estes agentes econômicos.
Desta forma, a ANP por meio da Coordenação da Defesa da Concorrência (CDC) deve empenhar esforços para, em conjunto com a Superintendência do Abastecimento (SAB) identificar cada um dos agentes econômicos condenados por infração à ordem econômica pelo Cade, incluindo os participantes dos grupos econômicos penalizados. Apesar de ser automática a aplicação da sanção, em alguns casos poderá ser útil/necessária a prévia notificação do agente antes da imediata revogação.
Irretroatividade da penalidade de revogação
A penalidade de revogação de autorização, conforme estatuído no art. 10, inciso V, da Lei nº.º 9.847/99, só foi incluída neste instrumento normativo pelo art. 2º da Lei nº.º 10.202, de 20 de fevereiro de 2001.
Desta forma, somente os atos de infração à ordem econômica praticados pelo agente regulado após 20/02/2001 é que poderão ser sancionados com a revogação da autorização, em observância ao princípio da irretroatividade da pena[3].
Desta forma, a decisão colegiada do Cade precisa deixar clara quais atos de execução/consumação da infração à ordem econômica foram praticados pelos agentes econômicos regulados pela ANP após 20/02/2001, ou expressamente fazer previsão da sanção acessória em seu dispositivo, pois a ANP apenas executa a parcela da sanção que é aplicada pelo Cade.
Se a decisão do Cade não definir de forma clara quem são os agentes econômicos punidos, quem teria a competência para nominar os agentes econômicos regulados pela ANP que integram grupos econômicos? O Cade ou a ANP?
Se for o Cade, caberá à ANP solicitar ao órgão do sistema brasileiro da defesa da concorrência (SBDC) que determine quais são os agentes econômicos punidos para a aplicação da penalidade de revogação, mantendo-se a auto-executoriedade da sanção pela ANP. Se for a ANP, esta agência reguladora tem o dever de abrir processo administrativo para analisar quem eram os integrantes do grupo econômico à época do ato infracional, sob pena de nominá-los sem oportunizar o contraditório e a ampla defesa.
Utilizando-me da interpretação teleológica da norma insculpida no §2º do art. 10 da Lei nº.º 9.847/99 incluído pelo art. 2º da Lei nº.º 10.202/2001, parece-me que pela utilização da palavra “automaticamente”, cabe ao CADE indicar à ANP os agentes integrantes do Grupo Econômico punido para fins de aplicação da penalidade estatuída no art. 10, inciso V, da Lei nº.º 9.847/99, sob pena de a ANP definir os limites subjetivos da penalidade, sem qualquer competência para tanto.
Assim, caberá à ANP sempre solicitar ao Cade que especifique quem são as agentes infratores para a adequada aplicação da penalidade de revogação.
CONCLUSÃO
Desta forma, conclui-se que compete à ANP aplicar a revogação com base em comunicação feita pelo Cade, não sendo necessário que o Cade se manifeste expressamente sobre esta sanção. Assim, apesar de a aplicação desta sanção não ser precedida de processo administrativo formal, é recomendável a notificação ao agente econômico para que informe se há alguma causa impeditiva para a aplicação da penalidade, não sendo competência da ANP reanalisar o mérito da decisão administrativa, nem determinar os limites subjetivos da penalidade imposta pelo Cade para a aplicação da revogação.
[1] Art. 177. Constituem monopólio da União:
I - a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos; (Vide Emenda Constitucional nº 9, de 1995)
II - a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro;
III - a importação e exportação dos produtos e derivados básicos resultantes das atividades previstas nos incisos anteriores;
IV - o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados básicos de petróleo produzidos no País, bem assim o transporte, por meio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados e gás natural de qualquer origem;
[2] Art. 238. A lei ordenará a venda e revenda de combustíveis de petróleo, álcool carburante e outros combustíveis derivados de matérias-primas renováveis, respeitados os princípios desta Constituição.
[3] MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 25ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 21ª ed.São Paulo: Atlas, 2007.
OSÓRIO, Fabio Medina. Direito Administrativo Sancionador. 2ªed.São Paulo: RT, 2006.
MELLO, Rafael Munhoz. Princípios Constitucionais de Direito Administrativo Sancionador - As sanções administrativas à luz da Constituição Federal de 1988. São Paulo: Malheiros, 2003.
VITTA, Heraldo Garcia. A Sanção no Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2003
Bacharel em Direito pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Pós Graduado em Direito Público pela Associação dos Magistrados do Distrito Federal (AMAGIS-DF). Exerce o cargo de Procurador Federal da Advocacia-Geral da União desde 2004, e desde 2010 atua como Procurador-Geral na Procuradoria Federal junto à Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MACEDO, Tiago do Monte. Penalidade de revogação da autorização expedida pela ANP por condenação de infração à ordem econômica pelo Cade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 dez 2013, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/37720/penalidade-de-revogacao-da-autorizacao-expedida-pela-anp-por-condenacao-de-infracao-a-ordem-economica-pelo-cade. Acesso em: 23 dez 2024.
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