Resumo: Na República Federativa do Brasil, a proteção jurídica concedida aos seres humanos que participam de pesquisas científicas patrocinadas por laboratórios farmacêuticos tem fundamento constitucional, por meio do postulado inderrogável da dignidade da pessoa humana, sendo ratificada pela Declaração Internacional de Helsinque. Sendo o ser humano um fim em si mesmo, nunca um meio para alcançar um fim, qualquer conduta, do particular ou do poder público, que possa mitigar o postulado supra mencionado deve ser declarada como antijurídica, sujeitando o infrator às responsabilidades normativas cabíveis.
Palavras-chave: Pesquisa Envolvendo Seres Humanos. Laboratórios Farmacêuticos. Dignidade da Pessoa Humana. Responsabilidade Jurídica.
Abstract: In the Federative Republic of Brazil, the legal protection afforded to human subjects of scientific research sponsored by pharmaceutical companies have constitutional basis, through the assumption of inalienable human dignity, being ratified by the International Declaration of Helsinki. Being a human being an end in itself, never a means to an end, any conduct of private or public power, which can mitigate the above mentioned assumption should be declared as ilegal, subjecting the violator to applicable regulatory responsibilities.
Keywords: Research involving humans. Pharmaceutical Laboratories. Dignity of the Human Person. Legal Liability.
INTRODUÇÃO
Por este artigo pretende-se demonstrar a responsabilidade jurídica dos laboratórios farmacêuticos fabricantes de medicamentos que realizam estudos médicos com pacientes portadores de determinadas doenças e, encerrados os testes, abandonam esses pacientes, os quais se vêm obrigados a lançar mão de ação judicial em face da União e outros entes políticos, pleiteando a continuidade do fornecimento do medicamento, o que fez gerar, perante o Poder Judiciário brasileiro, a condenação dos entes políticos em ações judiciais promovidas por esses pacientes (muitas vezes instruídos pelo próprio laboratório), pleiteando o fornecimento do medicamento sonegado pelo patrocinador da pesquisa.
Nesse sentido, será abordada a responsabilidade jurídica de laboratório farmacêutico em proceder à dispensação de medicamento e cuidados médicos necessários em favor dos pacientes que se submeteram à pesquisa clínica, após cessada a pesquisa científica com seres humanos.
Atualmente, tramitam, na justiça federal, várias ações judiciais em que há a condenação dos entes políticos no sentido de fornecer, a esses pacientes pesquisados, a medicação negada pelo patrocinador do experimento.
DESENVOLVIMENTO
DA RESPONSABILIDADE ÉTICO-JURÍDICA DO LABORATÓRIO FAMACÊUTICO.
DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS.
O Brasil é uma República Federativa fundamentada num valor ético-jurídico de grande envergadura constitucional: a dignidade da pessoa humana.
Prescrevem os art. 1° e art. 5° da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
III - a dignidade da pessoa humana;
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;
XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais;
Nesse sentido, optou o Constituinte Originário que o Estado Nacional brasileiro fosse fundamentado na dignidade da pessoa humana.
A partir dessa premissa proibi-se o tratamento desumano e degradante, punindo, por meio da lei, qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais.
A conduta do laboratório farmacêutico consistente em abandonar os sujeitos de pesquisa após os mesmos se submeterem a testes clínicos com as drogas fornecidas pelo próprio laboratório merece censura constitucional, uma vez que usa o ser humano como mero objeto, servindo-se da própria vida humana como meio para alcançar vantagens econômicas.
Ao agir dessa forma o laboratório expõe o sujeito de pesquisa a tratamento desumano e degradante, violando os direitos fundamentais do pesquisado, devendo arcar com as responsabilidades jurídicas decorrente de tal ilícito constitucional.
DO VÍNCULO JURÍDICO.
Pela legislação nacional, para que haja pesquisas científicas envolvendo seres humanos, é necessário o preenchimento de alguns requisitos dispostos na Resolução n° 196 de 10 de outubro de 1996 do Conselho Nacional de Saúde – CNS.
Nesse diapasão, a referida norma adota as seguintes definições em face daqueles que irão participar do experimento:
II.10 - Sujeito da pesquisa - é o(a) participante pesquisado (a), individual ou coletivamente, de caráter voluntário, vedada qualquer forma de remuneração.
II.3 - Protocolo de Pesquisa - Documento contemplando a descrição da pesquisa em seus aspectos fundamentais, informações relativas ao sujeito da pesquisa, à qualificação dos pesquisadores e à todas as instâncias responsáveis.
II.4 - Pesquisador responsável - pessoa responsável pela coordenação e realização da pesquisa e pela integridade e bem-estar dos sujeitos da pesquisa.
II.5 - Instituição de pesquisa - organização, pública ou privada, legitimamente constituída e habilitada na qual são realizadas investigações científicas.
II.6 - Promotor - indivíduo ou instituição, responsável pela promoção da pesquisa.
II.7 - Patrocinador - pessoa física ou jurídica que apoia financeiramente a pesquisa.
II.11 - Consentimento livre e esclarecido - anuência do sujeito da pesquisa e/ou de seu representante legal, livre de vícios (simulação, fraude ou erro), dependência, subordinação ou intimidação, após explicação completa e pormenorizada sobre a natureza da pesquisa, seus objetivos, métodos, benefícios previstos, potenciais riscos e o incômodo que esta possa acarretar, formulada em um termo de consentimento, autorizando sua participação voluntária na pesquisa.
Destarte, percebe-se que para a consecução do teste clínico, há a necessidade de duas figuras jurídicas essenciais sem as quais jamais haveria o aperfeiçoamento do negócio jurídico: o patrocinador da pesquisa, aquele possibilita que a mesma se realize, financiando-a, sendo parte interessada economicamente no resultado do experimento; o sujeito de pesquisa, aquele que se submete ao experimento na esperança de melhoras em seu estado clínico, sendo esse negócio jurídico formalizado pelo Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Trata-se, na verdade, dos requisitos de validade do negócio jurídico previstos no art. 104 do Código Civil de 10 de janeiro de 2002.
Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:
I - agente capaz;
II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável;
III - forma prescrita ou não defesa em lei.
Os agentes capazes são o sujeito pesquisado, ou quem o represente, e o patrocinador da pesquisa; o objeto lícito, possível e determinado é o que se pretende por meio do próprio experimento científico, desde que obedeça à regulamentação específica prescrita pela Resolução n° 196/1996 do CNS.
Nesse sentido, a relação jurídica negocial perfaz-se da seguinte forma: de um lado o pesquisado, ou quem o represente; do outro, o patrocinador da pesquisa, sendo as referidas partes ligadas por vinculo jurídico que tem por conseqüência lógica a imputação de direitos e responsabilidades.
Todos os outros profissionais envolvidos na pesquisa ostentam status jurídico secundário, mas também importante, posto que desenvolvem suas atribuições tendo sempre por fundamento a garantia da integridade física e mental do sujeito da pesquisa, tarefa que é imputada, sobretudo, ao pesquisador responsável.
O art.104 do Código Civil, ao dispor sobre a validade do negócio jurídico, estabelece dentre os seus requisitos a existência de objeto lícito. Entende-se que o objeto do contrato é lícito quando não contraria a ordem pública, a moral e os bons costumes.
Decerto que a conduta do patrocinador da pesquisa – o laboratório farmacêutico -, consistente em, ao final do teste clínico, negar ao sujeito da pesquisa o acesso ao tratamento clínico integral, aí incluído as drogas usadas no experimento, é caracterizada como ato ilícito, nos termos do art. 187 do Código Civil, uma vez que excede manifestamente os limites impostos pelo fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes, quando do exercício do direito de realizar a pesquisa com seres humanos:
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
Assim, todo contrato ou cláusula contratual cujo conteúdo revele a utilização do ser humano como mero objeto, contraria a ordem pública, a moral e os bons costumes e, portanto, encontra-se eivado do vício da nulidade. Trata-se de nulidade absoluta, possuindo natureza de matéria de ordem pública, a qual pode e deve ser declarada de ofício pelo Juiz ou Ministério Público:
Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando:
II - for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto;
Art. 168. As nulidades dos artigos antecedentes podem ser alegadas por qualquer interessado, ou pelo Ministério Público, quando lhe couber intervir.
Parágrafo único. As nulidades devem ser pronunciadas pelo juiz, quando conhecer do negócio jurídico ou dos seus efeitos e as encontrar provadas, não lhe sendo permitido supri-las, ainda que a requerimento das partes.
Importante ressaltar que, modernamente, os direitos fundamentais são invocados não só na relação Estado x particular (eficácia vertical dos direitos fundamentais), mas também na relação particular x particular (eficácia horizontal dos direitos fundamentais). Assim, os direitos fundamentais estão direcionados também à proteção dos particulares face aos poderes privados.
Portanto, ainda que assim se possa argumentar, jamais se poderá falar que a conduta dos laboratórios é lícita pelo simples fato do paciente ter assinado o termo de consentimento que dispunha sobre a responsabilidade do laboratório em custear os medicamentos somente até o término da experimentação científica, pois se trata de um consentimento viciado, estando a autonomia da vontade, nesse caso, limitada por princípios éticos e pelos direitos fundamentais, não se podendo legitimar condutas que violem frontalmente o núcleo fundamental do nosso ordenamento jurídico, qual seja a dignidade da pessoa humana.
DA DECLARAÇÃO DE HELSINQUE, DE OUTUBRO DE 2000.
DA RESOLUÇÃO N° 196 DE 10 DE OUTUBRO DE 1996 DO CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE – CNS.
Ao se falar em experiências científicas em seres humanos, a primeira pergunta que se faz é a seguinte: a pessoa humana pode ser objeto de experimentações científicas?
Entende-se que a experimentação científica em seres humanos somente são possíveis:
Pressupondo o consentimento livre e informado, com finalidade terapêutica e caráter gratuito, além de não produzir qualquer potencialidade de prejuízo à pessoa, respeitando os princípios da beneficência e não-maleficência, proclamados como diretrizes da Bioética.[1]
No plano internacional e nacional há normas específicas que regulam a pesquisa científica com seres humanos, sendo elas, respectivamente, a Declaração de Helsinque, elaborada pela Associação Médica Mundial, na sua última versão aprovada em outubro de 2000 e a Resolução n° 196 de 10 de outubro de 1996 do Conselho Nacional de Saúde, que versa sobre Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisa Envolvendo Seres Humanos.
A Declaração de Helsinque foi elaborada pela Associação Médica Mundial como uma declaração de princípios éticos para fornecer orientações aos médicos e outros participantes em pesquisas clínicas envolvendo seres humanos.
Essa Declaração, do ponto de vista da ética médica, obriga todos os profissionais de saúde e laboratórios que lidam com o sujeito da pesquisa a respeitar a dignidade, a integridade física e mental do pesquisado, bem como assegurar-lhe, ao final do teste clínico, o acesso aos melhores métodos profiláticos, diagnósticos e terapêuticos comprovados, inclusive aqueles identificados pelo estudo.
Os itens 8, 9, 21 e 30 da referida Declaração corrobora o que dito acima:
8. A pesquisa clínica é limitada por padrões éticos que promovem o respeito a todos os seres humanos e protege sua saúde e seus direitos. Algumas populações de pesquisa são vulneráveis ou necessitam de proteção especial. As necessidades particulares dos desassistidos econômica e clinicamente devem ser reconhecidas. É necessária atenção especial também para os que não podem dar ou recusar o consentimento por eles mesmos, para os que podem estar sujeitos a fornecer o consentimento sob coação, para os que não se beneficiarão pessoalmente da pesquisa e àqueles para os quais a pesquisa é associada com precaução.
9. Os pesquisadores devem estar conscientes das exigências éticas, legais e regulatórias sobre a pesquisa em seres humanos em seus próprios países bem como exigências internacionais cabíveis. Nenhuma exigência ética, legal e regulatória local deve poder reduzir ou eliminar quaisquer das proteções dos seres humanos publicadas nesta Declaração.
21. O direito do paciente de resguardar sua integridade deve sempre ser respeitado. Toda precaução deve ser tomada para respeitar a privacidade de sujeito, a confidencialidade das informações e para minimizar o impacto do estudo na integridade física e mental, bem como na personalidade de paciente.
30. Na conclusão do estudo, todo paciente nele incluído deve ter o acesso assegurado aos melhores métodos profiláticos, diagnóstico e terapêuticos comprovados, identificados pelo estudo.
Por sua vez, a Resolução n° 196 de 10 de outubro de 1996 assim dispõe:
Esta Resolução incorpora, sob a ótica do indivíduo e das coletividades, os quatro referenciais básicos da bioética: autonomia, não maleficência, beneficência e justiça, entre outros, e visa assegurar os direitos e deveres que dizem respeito à comunidade científica, aos sujeitos da pesquisa e ao Estado.
De acordo com a norma nacional em comento, as pesquisas científicas envolvendo seres humanos devem atender às exigências éticas e científicas fundamentais, prescrevendo que:
III.1 - A eticidade da pesquisa implica em:
a) consentimento livre e esclarecido dos indivíduos-alvo e a proteção a grupos vulneráveis e aos legalmente incapazes (autonomia). Neste sentido, a pesquisa envolvendo seres humanos deverá sempre tratá-los em sua dignidade, respeitá-los em sua autonomia e defendê-los em sua vulnerabilidade;
b) ponderação entre riscos e benefícios, tanto atuais como potenciais, individuais ou coletivos (beneficência), comprometendo-se com o máximo de benefícios e o mínimo de danos e riscos;
c) garantia de que danos previsíveis serão evitados (não maleficência);
d) relevância social da pesquisa com vantagens significativas para os sujeitos da pesquisa e minimização do ônus para os sujeitos vulneráveis, o que garante a igual consideração dos interesses envolvidos, não perdendo o sentido de sua destinação sócio-humanitária (justiça e eqüidade).
Antes de desenvolver o conteúdo dos princípios constantes nessa Resolução, falar-se-á do princípio da não utilização do ser humano como meio.
O princípio da não utilização do ser humano como meio implica dizer que todo e qualquer ordenamento jurídico que possui a dignidade da pessoa humana como seu núcleo essencial, não pode admitir que o ser humano seja tratado como um meio para atingir determinado fim, seja ele qual for. Dessa forma, o ser humano tem que ser valorizado como um fim em si mesmo.
Doutrinariamente, se diz que a dignidade da pessoa humana possui um duplo sentido, positivo e negativo.
O sentido positivo significa a adoção de medidas que confiram ao ser humano um mínimo existencial, não se podendo conceber uma existência digna ao ser humano sem que ele possua um mínimo de condições materiais, capaz de prover-lhe a subsistência.
O sentido negativo da dignidade da pessoa humana, por sua vez, traduz-se na impossibilidade de utilização do homem como um meio para atingir determinado fim. O ser humano não pode ser reduzido à condição de mero objeto do Estado ou de terceiros, fato que se verifica quando o laboratório nega, ao final de pesquisa científica, o acesso aos tratamentos médicos e à droga usada no experimento aos sujeitos de pesquisa.
O Princípio da autonomia revela a capacidade que a pessoa humana possui em decidir buscar o que julga melhor para si. O respeito à autonomia significa a própria preservação dos direitos fundamentais do homem e do pluralismo.
A relação entre o profissional de saúde e o paciente se baseia na autonomia e no consentimento deste para realização dos procedimentos médicos, devendo o profissional de saúde fornecer ao paciente toda e qualquer informação necessária à compreensão do seu problema de saúde e dos tratamentos existentes para tanto, possibilitando que este tenha a capacidade de tomar uma decisão.
O Princípio da não maleficência prescreve que o profissional de saúde não pode, intencionalmente, causar mal e/ou danos a seu paciente.
O referido princípio possui grande importância porque, no exercício da medicina, não raras vezes, o risco de causar danos é indissociável de um procedimento que está moralmente indicado. Desta forma, quanto mais elevado for o risco de causar dano, mais fundamentado deve ser a utilização do procedimento.
O Princípio da beneficência é o imperativo de utilização de todos os conhecimentos e procedimentos médicos profissionais em benefício do paciente.
Possui um alcance maior que o Princípio da Não Maleficência, (não causar danos intencionalmente) e exige que ele atue positivamente para o bem estar físico, mental e emocional dos pacientes, de forma a prevenir e eliminar o dano.
Revela-se, ainda, necessário que o profissional de saúde avalie a utilidade de seus atos, sopesando benefícios versus riscos e/ou custos, não só para o paciente, como para a sociedade em geral.
Princípio da justiça significa considerar, de forma igualitária, o direito de todos os homens à saúde, independentemente de qualquer fator de discriminação, prescrevendo tratamento igualitário entre as pessoas.
Em consonância com a Declaração de Helsinque (item 30), prescreve a Resolução n° 196/1996 que:
III.3 - A pesquisa em qualquer área do conhecimento, envolvendo seres humanos deverá observar as seguintes exigências:
m) garantir que as pesquisas em comunidades, sempre que possível, traduzir-se-ão em benefícios cujos efeitos continuem a se fazer sentir após sua conclusão. O projeto deve analisar as necessidades de cada um dos membros da comunidade e analisar as diferenças presentes entre eles, explicitando como será assegurado o respeito às mesmas;
p) assegurar aos sujeitos da pesquisa os benefícios resultantes do projeto, seja em termos de retorno social, acesso aos procedimentos, produtos ou agentes da pesquisa;
As disposições contidas no item III.3, alínea “p”, da Resolução n° 196/1996 do CNS, cumulada com o item 30 da Declaração de Helsinque, não deixam dúvidas do dever ético-jurídico do patrocinador da pesquisa em garantir, aos sujeitos de pesquisa, o acesso aos procedimentos e produtos utilizados no experimento científico, incluído aí qualquer sorte de medicamentos utilizados no experimento.
Verifica-se, pois, que a conduta dos laboratórios em oferecer cuidados médicos aos pacientes apenas no período da experiência cientifica viola os mais comezinhos princípios da Bioética, pois revela uma conduta que não traz benefícios ao paciente (Princípio da Beneficência).
Ademais, o fornecimento de medicamentos por determinado período, sem o seu acompanhamento contínuo, não traz real benefício ao paciente, muito pelo contrário, frustra sua expectativa de melhora, transgredindo, ainda, o princípio da não maleficência, causando um abalo não só físico, mas psíquico irreparável ao paciente.
Conclui-se que o comportamento do laboratório traduz em utilização dos pacientes como mero meio para alcançar fitos lucrativos, não os encarando como seres humanos, que possuem integridade física, psíquica e intelectual, que quando violada abala o próprio Estado Democrático de Direito que elegeu como um dos seus fundamentos a dignidade da pessoa humana (art.1º da CF). Os pacientes, in casu, são tratados não como sujeitos da pesquisa, mas como objeto desta.
Em atenção aos princípios acima expostos, revela-se patente a necessidade dos laboratórios (patrocinadores da pesquisa) em custear o fornecimento de medicamentos àqueles que participaram de experimentação cientifica, mesmo após o término da mesma.
Ademais, a responsabilidade jurídica do laboratório vai além do simples custeio da integralidade do tratamento médico ao sujeito pesquisado, isso porque os entes políticos assumiram, por força de decisão judicial, os deveres que deveriam ser imputados inicialmente ao patrocinador da pesquisa – o laboratório.
Nesse sentido, faz-se necessária a adoção das medidas processuais cabíveis visando o ressarcimento de todo o dinheiro público federal despendido para o cumprimento de decisão judicial que deveria ter sido cumprida inicialmente pelo laboratório.
Saliente-se que a imputação de tal responsabilidade não é estranha aos Tribunais brasileiros.
DA JURISPRUDÊNCIA.
DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
A título de ilustração do raciocínio aqui exposto, veja-se trecho da decisão proferida pelo MM. Juiz Marcos Antônio Garapa de Carvalho nos autos da ação ordinária nº 2008.33.04.000711-0, da Subseção Judiciária de Feira de Santana/BA:
Conquanto seja plenamente compreensível e aceitável a busca dos autores e de sua mãe pelo tratamento da enfermidade que os acomete, não se pode obrigar o Estado brasileiro a arcar com todos os custos de todo e qualquer tipo de terapia, mesmo aquelas ainda em fase de experimentação, cujos resultados ainda não foram plenamente avaliados. Determinar ao SUS que suporte todos os tipos de tratamento, sem uma pauta mínima de procedimentos já testados, aprovados e cujos resultados tenham sido considerados satisfatórios por quem detém capacidade técnica para tanto, será transformar o Estado em financiador universal de novas drogas e terapêuticas, com prejuízos sensíveis aos serviços básicos de atendimento à saúde, em razão da escassez de recursos financeiros. Na hipótese deste processo, nesta quadra do procedimento, o que resta evidenciado nos autos é que os autores participaram do teste da droga pleiteada em juízo, durante largo espaço de tempo, quando, por conveniência do laboratório patrocinador do experimento tinham custeadas todas as despesas (fl.57). E, uma vez encerradas as experimentações, vieram os autores em busca da continuidade da aplicação da mesma substancia, desta feita através do SUS, pois, ao que parece, o laboratório deixou de lhes fornecer a droga. Por certo que a conduta do laboratório não me parece das mais éticas, pois ele parece se utilizar de pessoas como se objetos fossem, descartando-as ao final das experiências, quando, na realidade, deles se exigiria a continuidade do fornecimento da substância àqueles que dela fizeram uso com sucesso, como meio mesmo de compensar o auxilio prestado por tais pessoas durante à experimentação.(negrito nosso)
Nesse sentido também é o posicionamento do Ministro Gilmar Mendes exposto na Suspensão de Tutela Antecipada n° 244, de 18.09.2009, consoante se depreende do seguinte trecho:
Os tratamentos experimentais (sem comprovação científica de sua eficácia) são realizados por laboratórios ou centros médicos de ponta, consubstanciando-se em pesquisas clínicas. A participação nesses tratamentos rege-se pelas normas que regulam a pesquisa médica e, portanto, o Estado não pode ser condenado a fornecê-los. (...) No entanto, é preciso que o laboratório que realiza a pesquisa continue a fornecer o tratamento aos pacientes que participaram do estudo clínico, mesmo após o seu término.
CONCLUSÃO
Portanto, considerando a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, o arcobouço jurídico legal, as normas internacionais e nacionais que regulamentam as pesquisas científicas envolvendo seres humanos no Brasil e no Mundo, bem como a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, conclui-se que, na seara das pesquisas científicas envolvendo seres humanos, a responsabilidade jurídica do patrocinador da pesquisa – o laboratório farmacêutico, no sentido de custear todo tratamento médico necessário, aí incluído qualquer sorte de medicamento, em favor dos sujeitos de pesquisa, após concluído o experimento científico, é indelegável e intransferível, devendo o laboratório responsabilizar-se, de imediato, pelo custeio de todos os pacientes que comprovem ter sido sujeito de pesquisa.
[1]Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, Direito Civil, Teoria Geral, 6º Edição, pg.136, Ed. Lumen Juris.
Advogado da União.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PESSOA, Higor Rezende. Considerações sobre a responsabilidade jurídica de laboratórios farmacêuticos em pesquisas clínicas envolvendo seres humanos no Brasil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 dez 2013, 06:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/37744/consideracoes-sobre-a-responsabilidade-juridica-de-laboratorios-farmaceuticos-em-pesquisas-clinicas-envolvendo-seres-humanos-no-brasil. Acesso em: 23 dez 2024.
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