Sumário: 1. INTRODUÇÃO. 2. DA CORRETA INTERPRETAÇÃO A SER CONFERIDA AO ART. 4º DO DECRETO Nº 4.004/2001: A ENGANOSA CONJUNÇÃO “OU”. 3. CONCLUSÃO.
1. INTRODUÇÃO
Na data de 08 de novembro de 2001, foi editado pelo Exmo. Sr. Presidente da República o Decreto nº 4.004, com o escopo principal de regulamentar, no âmbito da Administração Pública Federal, a concessão de ajuda de custo e de transporte aos servidores públicos civis da União, das autarquias e fundações públicas federais removidos para outra localidade por interesse da Administração (a chamada remoção ex officio).
Nessas situações, o aludido ato normativo conferiu à Administração, dentre outras, a obrigação de custear o transporte do mobiliário e bagagem do servidor (e seus dependentes) até o local de destino, nos moldes e nos limites estabelecidos pelo art. 4º do decreto, cuja redação é a seguinte:
“Art. 4º - No transporte de mobiliário e bagagem referidos no art. 1º, será observado o limite máximo de doze metros cúbicos ou 4.500 Kg por passagem inteira, até duas passagens, acrescido de três metros cúbicos ou novecentos quilogramas por passagem adicional, até três passagens.” (grifo nosso)
O presente trabalho visa a esclarecer o correto alcance a ser conferido à conjunção “ou” contida no dispositivo acima transcrito, uma vez que sua interpretação vem causando sérios embaraços aos órgãos administrativos encarregados de sua aplicação.
2. DA CORRETA INTERPRETAÇÃO A SER CONFERIDA AO ART. 4º DO DECRETO Nº 4.004/2001: A ENGANOSA CONJUNÇÃO “OU”.
Tema prático suscetível de causar dúvidas no gestor público encarregado de contratar e autorizar pagamentos referentes aos custeio do transporte de mobiliário e bagagem do servidor público removido por interesse da Administração diz respeito à adequada interpretação do art. 4º do Decreto nº 4.004/2001.
Como anteriormente assinalado, o Decreto nº 4.004/2001 veio a lume com o objetivo de regulamentar, no plano infralegal, a regra insculpida no art. 53 e seu §1º da Lei nº 8.112/90 (Estatuto dos Servidores Públicos Civis da União), que versa sobre a concessão de ajuda de custo e de transporte aos servidores removidos para outra localidade por interesse da Administração.
O art. 1º do referido decreto traz o elenco dos direitos a que faz jus o servidor removido ex officio pela Administração:
“Art. 1o Ao servidor público civil regido pela Lei no 8.112, de 11 de dezembro de 1990, que, no interesse da administração, for mandado servir em nova sede, com mudança de domicílio em caráter permanente, conceder-se-á:
I - ajuda de custo, para atender às despesas de viagem, mudança e instalação;
II - transporte, preferencialmente por via aérea, inclusive para seus dependentes;
III - transporte de mobiliário e bagagem, inclusive de seus dependentes.
§ 1o O disposto neste artigo aplica-se, igualmente, ao servidor nomeado para os cargos de Ministro de Estado, de titular de órgãos essenciais da Presidência da República, de Natureza Especial e do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores (DAS), quando implicar exercício em nova sede.
§ 2o Caberá ao órgão em que tiver exercício o servidor nomeado para os cargos de que trata o parágrafo anterior efetuar o pagamento das indenizações referidas neste artigo.
§ 3o Não será concedida ajuda de custo ao servidor que se afastar do cargo ou reassumi-lo em virtude de mandato eletivo.”
Detalhando o inciso III acima transcrito, que trata do custeio do transporte de mobiliário e bagagem do servidor (e dependentes) até o local de destino, o art. 4º dispõe o seguinte:
“Art. 4º - No transporte de mobiliário e bagagem referidos no art. 1º, será observado o limite máximo de doze metros cúbicos ou 4.500 Kg por passagem inteira, até duas passagens, acrescido de três metros cúbicos ou novecentos quilogramas por passagem adicional, até três passagens.
Parágrafo único. Compreende-se como mobiliário e bagagem os objetos que constituem os móveis residenciais e bens pessoais do servidor e de seus dependentes.” (grifamos)
Após a leitura da regra acima transcrita, nota-se que o dispositivo adota dois critérios a fim de limitar a bagagem do servidor: peso e volume. Temos que o uso da conjunção “ou” não deve levar o intérprete a erro, fazendo-o crer que se estaria diante de opção deferida ao administrador, que estaria obrigado a observar apenas um dos dois critérios (peso ou volume) ali descritos. Parece-nos que tal interpretação seria açodada, pois, se assim fosse, chegaríamos à absurda conclusão de que, uma vez observado o limite referente ao peso, a bagagem do servidor poderia ocupar qualquer espaço físico, sem qualquer limite. Ou, da mesma forma, se observado o limite de volume, o mobiliário poderia ter qualquer peso, também sem qualquer limite.
Tal conclusão seria totalmente descabida, sendo certo que um princípio básico da hermenêutica reza que não se pode adotar uma interpretação que leve ao absurdo.
Deste modo, pensamos que a única interpretação a que se pode chegar, recorrendo-se ao princípio da razoabilidade que deve nortear qualquer operador do direito, é a que limita a bagagem tanto pelo volume, quanto pelo peso, de forma simultânea. Assim, não poderá o mobiliário ocupar mais que 12 metros cúbicos, nem pesar mais que 4.500 Kg. Ou, para o caso das passagens adicionais, não poderá superar três metros cúbicos, nem 900 Kg.
Repetimos que a utilização da conjunção alternativa “ou” não pode iludir o aplicador da norma, de modo a entender-se que se estaria diante de uma opção entre respeitar o limite de peso ou, se assim se julgasse conveniente, respeitar-se o limite de volume. Tal entendimento poderia levar-nos a uma situação insustentável.
Com efeito, se a norma menciona tanto o peso, quanto o volume, não é com o intuito de facultar ao administrador a escolha por um destes parâmetros, mas justamente (e principalmente!!!) para limitar a bagagem a ser transportada tanto pelo peso, quanto pelo volume, de forma a evitar situações irrazoáveis. É esta a verdadeira conclusão a que se chega quando se analisa a finalidade do dispositivo. O que se pretendeu foi evitar situações absurdas e desproporcionais a que se poderia chegar com a observância de apenas um daqueles parâmetros de medida. Aliás, é de se notar o seguinte: se não se tivesse pretendido estabelecer uma limitação pelos dois critérios, a norma não precisaria ter feito menção a ambos, pois ter-se-ia contentado em dizer que o limite é de tantos quilos, tout court, sem fazer qualquer menção ao volume. Ou, então, ter-se-ia contentado em dizer que o limite é de tantos metros cúbicos, sem precisar fazer qualquer referência ao peso. No entanto, não é isto o que ocorre. O ato presidencial menciona ambos os critérios a serem observados, não sendo lícito à Administração ignorar nenhum deles, sob pena de dar margem a excessos não amparados pelo Direito.
Neste ponto, cabe reproduzir a advertência feita pelo Prof. Carlos Maximiliano, já nos idos da década de 1920, referente aos métodos de interpretação da lei:
“O Processo Lógico propriamente dito consiste em procurar descobrir o sentido e o alcance de expressões do Direito sem o auxílio de nenhum elemento exterior, com aplicar ao dispositivo em apreço um conjunto de regras tradicionais e precisas, tomadas de empréstimo à Lógica geral. Pretende do simples estudo das normas em si, ou em conjunto, por meio do raciocínio dedutivo, obter a interpretação correta.
O Processo Lógico tem mais valor do que o simplesmente verbal. Já se encontrava em textos positivos antigos e em livros de civilistas, brasileiros ou reinícolas, este conselho sábio: ‘“deve-se evitar a supersticiosa observância da lei que, olhando só a letra dela, destrói a sua intenção.’”
Por outras palavras o Direito romano chegara a conclusão idêntica: declarara – ‘“age em fraude da lei aquele que, ressalvadas as palavras da mesma, desatende ao seu espírito’” – Contra legem facit, qui id facit quod lex prohibet: in fraudem vero, qui, salvis verbis legis, sententiam ejus circumvenit. O Apóstolo São Paulo lançara na segunda Epístola aos Coríntios a frase que se tornou clássica entre os jurisconsultos: “”a letra mata; o espírito vivifica”” – Littera occidit; spiritus vivificat.” (Hermenêutica e Aplicação do Direito, pág. 100/101, 19º edição, 2001)
Ademais, não nos devemos surpreender com a fato de o emprego da conjunção “ou” não significar necessariamente uma alternativa propriamente dita. A este respeito, ocorre-nos a redação contida no caput do artigo 286 do Código de Processo Civil, que contém a mesma peculiaridade:
“Art. 286. O pedido deve ser certo ou determinado. É lícito, porém, formular pedido genérico.” (grifamos)
Em que pese à redação do artigo de lei fazer uso da conjunção alternativa, a doutrina é unânime ao afirmar que tal emprego não se traduz em opção deferida ao autor da demanda, pois ambos os atributos devem estar presentes no pedido. Vejamos o que nos diz Prof. José Joaquim Calmon de Passos:
“Diz o artigo que o pedido deve ser certo ou determinado. Temos que ele deve ser certo e determinado. Não se cuida de uma alternativa, mas de uma copulativa, pois ambas as qualidades lhe são imprescindíveis.” (Comentários ao Código de Processo Civil, Volume III, pág. 171, 8ª edição, 2001)
No mesmo sentido, Alexandre Freitas Câmara:
“O art. 286 do CPC fala em pedido certo ou determinado. É pacífica, porém, a doutrina, em afirmar a impropriedade da redação, optando por interpretar a norma como o fizemos: o pedido deve ser certo e determinado.” (Lições de Direito Processual Civil, Volume I, pg. 275, 2ª edição, 1999)
Observe-se que não nos cabe aferir se o limite fixado pelo Sr. Presidente da República é suficiente ou insuficiente para abranger, de maneira adequada, todos os bens (mobiliário e bagagem) pertencentes a uma família média. A Administração Pública está adstrita à observância do princípio da legalidade, não sendo dado ao administrador adentrar o mérito das determinações emanadas de seu superior hierárquico, que agiu de acordo com os poderes que lhe são conferidos pelos incisos II, IV e VI do artigo 84 da Constituição da República.
3. CONCLUSÃO
Face ao exposto, afastada a interpretação meramente literal da regra contida no art. 4º do Decreto nº 4.004/2001, cumpre aos órgãos administrativos responsáveis pela sua aplicação zelar para que não se despendam, às custas da Administração, valores acima do autorizado pela legislação no custeio do transporte de mobiliário e bagagem do servidor público removido ex officio.
REFERÊNCIAS
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil (vol. I), 2ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 1999
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito, 19º edição. Rio de Janeiro: Forense, 2001
PASSOS, José Joaquim Calmon de. Comentários ao Código de Processo Civil (vol. III), 8ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2001
Procurador Federal. Coordenador da Coordenação para Assuntos de Consultoria da Procuradoria Federal na Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. Graduado em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MOSQUEIRA, Bruno Alves. Ajuda de transporte de mobiliário e bagagem aos servidores removidos por interesse da Administração: a correta interpretação do art. 4º do decreto nº 4.004/2001 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 dez 2013, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/37762/ajuda-de-transporte-de-mobiliario-e-bagagem-aos-servidores-removidos-por-interesse-da-administracao-a-correta-interpretacao-do-art-4o-do-decreto-no-4-004-2001. Acesso em: 23 dez 2024.
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