O art. 24, inc. IV, da Lei n.º 8.666/93 dispensa a licitação em caso de emergência, que caracterize urgência para o atendimento de uma situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens públicos ou particulares, sendo essa dispensa restrita aos bens e serviços necessários à solução dessa situação emergencial, observados os demais requisitos legais:
“Art. 24. É dispensável a licitação:
IV - nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, e somente para os bens necessários ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa e para as parcelas de obras e serviços que possam ser concluídas no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias consecutivos e ininterruptos, contados da ocorrência da emergência ou calamidade, vedada a prorrogação dos respectivos contratos;” (original sem grifos)
Cabe inicialmente registrar que a possibilidade de dispensa da licitacacao, nos casos de contratação direta emergencial, não transforma a contratação em informal, apenas lhe imprende características próprias que devem ser respeitadas, sob pena de violação dos princípios fundamentais da Administração Publica.
Marçal Justen Filho, em Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 7º edição, São Paulo, Ed. Dialética, 2000, p. 238 e seguintes, dispõe que a contratação direta por emergência apresenta dois requisitos: a demonstração concreta e efetiva da potencialidade do dano e a demonstração que a contratação é a via adequada e efetiva para eliminar o risco.
O referido doutrinador, à p. 241, ensina: “A contratação direta deverá objetivar apenas a eliminação do risco de prejuízo, não podendo a execução do contrato superar cento e oitenta dias (vedada a prorrogação).”
Nesse ponto, cabe observar o posicionamento de Joel de Menezes Nieburh, in Dispensa e Inexigibilidade de Licitação Pública, São Paulo, dialética, 2003, pg. 275, sobre o conceito de emergência:
“Para fins de dispensa, o vocábulo emergência quer significar necessidade de contratação que não pode aguardar os trâmites ordinários de licitação pública, sob pena de perecimento de interesse público, consubstanciado pelo desatendimento de alguma demanda social ou pela solução de continuidade de atividade administrativa. Com o escopo de evitar tais gravames, autoriza-se a contratação direta, com dispensa de licitação pública.” (grifo nosso)
Interpretando-se referido texto, ocorre uma situação de emergência quando a contratação não pode aguardar o trâmite ordinário da licitação pública. Nesse caso, para se evitar o prejuízo para o interesse público, autoriza-se a dispensa de licitação pública.
Mais adiante, o mesmo autor[1] leciona sobre a caracterização da urgência:
“A priori, a situação de urgência não deve ser provocada pela incúria da Administração Pública, que tem o dever de planejar e prever todas as suas demandas. É obrigatório que ela controle seus estoques, procedendo à licitação pública antes que os produtos visados corram o risco de faltar. No entanto, se o interesse público demanda realizar a contratação direta, sem que se possa aguardar a conclusão da licitação, é forçoso reconhece ra licitude da dispensa, mesmo que a desídia de agente administrativo tenha dado causa à demanda. Não é razoável desautorizar a dispensa e, com isso, prejudicar o interesse público, que, sem o objeto a ser contratado, acabaria desatendido. Tanto mais, para evitar tais situações, é imperativo que sobre os ombros do agente administrativo relapso recaia forte reprimenda, para o efeito de desencorajar comportamentos similares, desde que respeitados os princípios informadores do processo administrativo, entre os quais o do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, previstos nos incisos LIV e LV do artigo 5º da Constituição Federal.” (original sem destaques)
Como se observa, se não for possível aguardar a conclusão da licitação e a contratação direta melhor atenda ao interesse público, dispensa de licitação é lícita, mesmo que decorrente da desídia se servidor, pois o interesse público não pode ficar prejudicado com o desatendimento do objeto a ser contratado.
Por outro lado, em caso de eventual desídia de agente público, este deve sofrer as sanções legais, respeitando-se o contraditório e a ampla defesa. Essa providência tem dois efeitos, reprimir o agente relapso e inibir condutas semelhantes perante os demais servidores.
Merece destaque a decisão do TCU em sede de consulta de que não se poderia contratar emergencialmente quando houvesse desídia ou falta de planejamento, senão vejamos:
DC-0347-22/94-P
[[Consulta. Dispensa de licitação. Requisitos para caracterização dos casos de emergência ou de calamidade pública. A situação adversa, dada como de emergência ou de calamidade pública, não se pode ter originado, total ou parcialmente, da falta de planejamento, da desídia administrativa ou da má gestão dos recursos disponíveis. Deve existir urgência concreta e efetiva do atendimento a situação decorrente do estado emergencial ou calamitoso. O risco, além de concreto e efetivamente provável, se mostre iminente e especialmente gravoso, exigindo a imediata efetivação, por meio de contratação com terceiro. Resposta]]
[DECISÃO]
8.2 responder ao ilustre Consulente, quanto à caracterização dos casos de emergência ou de calamidade pública, em tese:
a) que, além da adoção das formalidades previstas no art. 26 e seu parágrafo único da Lei nº 8.666/93, são pressupostos da aplicação do caso de dispensa preconizado no art. 24, inciso IV, da mesma Lei:
a.1) que a situação adversa, dada como de emergência ou de calamidade pública, não se tenha originado, total ou parcialmente, da falta de planejamento, da desídia administrativa ou da má gestão dos recursos disponíveis, ou seja, que ela não possa, em alguma medida, ser atribuída à culpa ou dolo do agente público que tinha o dever de agir para prevenir a ocorrência de tal situação;
a.2) que exista urgência concreta e efetiva do atendimento a situação decorrente do estado emergencial ou calamitoso, visando afastar risco de danos a bens ou à saúde ou à vida de pessoas;
a.3) que o risco, além de concreto e efetivamente provável, se mostre iminente e especialmente gravoso;
a.4) que a imediata efetivação, por meio de contratação com terceiro, de determinadas obras, serviços ou compras, segundo as especificações e quantitativos tecnicamente apurados, seja o meio adequado, efetivo e eficiente de afastar o risco iminente detectado;
b) que, tratando-se de caso efetivamente enquadrável no art. 24, da Lei nº 8.666/93:
b.1) nada obsta, em princípio, sejam englobados, numa mesma aquisição, os quantitativos de material entendidos adequados para melhor atender à situação calamitosa ou emergencial de que se cuida;
b.2) tal procedimento, contudo, não deve ser adotado, se verificado não ser o que melhor aproveita as peculiaridades do mercado, tendo em vista o princípio da economicidade (arts. 15, IV, e 25, § 2º, da Lei nº 8.666/93);
b.3) se o material se destinar à aplicação em contrato vigente de obra ou serviço, cujo valor inclua o relativo a material que devesse ser adquirido pelo contratado, devem ser adotadas as seguintes cautelas:
b.3.1) consignar em termo aditivo a alteração acordada;b.3.2) cuidar para que, no cálculo do valor acumulado do contrato, para fins de observância ao limite de acréscimo fixado no art. 55, § 1º, do revogado DL nº 2.300/86 ou no art. 65, §§ 1º e 2º, da Lei nº 8.666/93, seja incluído também o preço do material que antes integrava o valor do contrato e que passou a ser adquirido pela própria Administração";
Ocorre que é não razoável a ausência de serviços essenciais, por colidir-se ao princípio da continuidade dos serviços públicos. Além do mais, a entidade, que possui personalidade distinta do seu servidor, não pode ser prejudicada por eventual desídia deste, mas sim o agente relapso. Vejamos o posicionamento do TCU tomado em sede de consulta
Nesse mesmo sentido, Maria Sylvia Di Pietro[2] assinala:
“Por outras palavras, a inércia do servidor, culposa ou dolosa, não pode vir em prejuízo de interesse público maior a ser tutelado pela Administração. Isto, no entanto, não afasta a responsabilidade do servidor. Se ele, por desídia ou má-fé, deixou de tomar as medidas necessárias à realização do procedimento da licitação no momento em que deveria fazê-lo, estará sujeito à punição na esfera administrativa, mediante o procedimento disciplinar adequado...”
A Advocacia-Geral da União editou a Orientação Normativa n. 11/2009, com o seguinte enunciado:
“A CONTRATAÇÃO DIRETA COM FUNDAMENTO NO INC. IV DO ART. 24 DA LEI Nº 8.666, DE 1993, EXIGE QUE, CONCOMITANTEMENTE, SEJA APURADO SE A SITUAÇÃO EMERGENCIAL FOI GERADA POR FALTA DE PLANEJAMENTO, DESÍDIA OU MÁ GESTÃO, HIPÓTESE QUE, QUEM LHE DEU CAUSA SERÁ RESPONSABILIZADO NA FORMA DA LEI.”
Desta forma, a situação de dispensa de licitação eventualmente existente deve ser justificada obrigatoriamente, devendo o processo instruído com: a caracterização da situação de dispensa, razão da escolha do fornecedor ou executante e justificativa do preço, conforme prevê o artigo 26 da Lei 8.666/93.
Art. 26. As dispensas previstas nos §§ 2o e 4o do art. 17 e no inciso III e seguintes do art. 24, as situações de inexigibilidade referidas no art. 25, necessariamente justificadas, e o retardamento previsto no final do parágrafo único do art. 8o desta Lei deverão ser comunicados, dentro de 3 (três) dias, à autoridade superior, para ratificação e publicação na imprensa oficial, no prazo de 5 (cinco) dias, como condição para a eficácia dos atos.
Parágrafo único. O processo de dispensa, de inexigibilidade ou de retardamento, previsto neste artigo, será instruído, no que couber, com os seguintes elementos:
I - caracterização da situação emergencial ou calamitosa que justifique a dispensa, quando for o caso;
II - razão da escolha do fornecedor ou executante;
III - justificativa do preço.
IV - documento de aprovação dos projetos de pesquisa aos quais os bens serão alocados.
A caracterização da situação fática, deve demonstrar porque a contratação direta por dispensa se tornou a é mais benéfica ao interesse público, caracterizando urgência de atendimento de situação, a qual possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança das pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens públicos ou particulares.
A razão de escolha de fornecedor também merece enfrentamento, de forma que a justificativa fique clara nos autos
Quanto a justificativa do preço, entende-se que devem ser consultado três fornecedores distintos (quantum determinado pelo TCU) e deve abranger não apenas consultas a empresas privadas, mas também a Atas de Registro de Preços e contratos vigentes com o Poder Público, de forma a resguardar que os preços ofertados estão compatíveis com o valor de mercado.
Nesse sentido a Corte de Contas tem se posicionado:
AC-3656-16/12-2 Câmara
14. Consoante sólida jurisprudência construída nesta Corte de Contas, a exemplo do que dispõem os Acórdãos 347/1994, 627/1999, 667/2005, 2.387/2007 e 727/2009, todos do Plenário, além das formalidades previstas no art. 26 da Lei de Licitações, são requisitos necessários à caracterização dos casos de emergência ou de calamidade pública que:
14.1. a situação de emergência não tenha se originado, total ou parcialmente, da falta de planejamento, da desídia administrativa ou da má gestão dos recursos disponíveis, ou seja, que ela não possa, em alguma medida, ser atribuída à culpa ou dolo do agente público que tinha o dever de agir para prevenir a ocorrência de tal situação;
14.2. exista urgência concreta e efetiva no atendimento à situação decorrente do estado emergencial ou calamitoso, visando afastar os riscos de danos a bens, à saúde ou à vida de pessoas;
14.3. o risco, além de concreto e provável, se mostre iminente e especialmente gravoso; e
14.4. a imediata efetivação, por meio de contratação com terceiro, de determinadas obras, serviços ou compras, segundo as especificações e quantitativos tecnicamente apurados, seja o meio adequado, efetivo e eficiente para afastar o risco iminente detectado.
15. De fato, a contratação direta feita com base no art. 24, inciso IV, da Lei nº 8.666, de 1993, deve conter a caracterização da situação emergencial, com os elementos indicados acima, bem como deve ser instruída com as justificativas da escolha do fornecedor (capacidade técnica, regularidade fiscal e qualificação econômico-financeira) e do preço (compatível com o praticado no mercado), conforme estabelecem os incisos I a III do parágrafo único do art. 26 da mesma lei.
DC-0627-41/99-P
[[Consulta. Dispensa de licitação. É dispensável a licitação nos casos de calamidade pública, desde que sejam observadas as disposições legais, em especial as contidas no art. 24, inciso IV, e 26 da Lei 8.666/93, e a Decisão nº 347/94-TCU-Plenário. O processo de dispensa deverá conter: caracterização da situação calamitosa que justifique a dispensa; justificativa fundamentada da escolha do fornecedor ou executante; e justificativa do preço. Resposta ao consulente]]
[DECISÃO]
8.1. conhecer da presente consulta, formulada pela Comissão de Educação, Cultura e Desporto da Câmara dos Deputados, uma vez que atende aos requisitos de admissibilidade estabelecidos no art. 216 do Regimento Interno, para responder ao consulente que é dispensável a licitação nos casos de calamidade pública, desde que sejam observadas as disposições da Lei nº 8.666/93, em especial as contidas no art. 24, inciso IV, e 26, bem como os pressupostos estabelecidos, em caráter normativo, na Decisão nº 347/94-TCU-Plenário (Sessão de 01/06/94, DOU de 21/06/94, pág. 9029), e, ainda, adotadas as seguintes medidas para instrução do processo de dispensa:
8.1.1. caracterização da situação calamitosa que justifique a dispensa, quando for o caso (art. 26, parágrafo único, inciso I, da Lei nº 8.666/93), mediante a observância dos procedimentos estabelecidos no Decreto nº 895, de 16/08/93, regulamentado pela Resolução nº 3, de 02/07/99, do Conselho Nacional de Defesa Civil - CONDEC (DOU de 21/07/99, Seção 1, págs. 4/32), que aprovou o "Manual para a Decretação de Situação de Emergência ou de Estado de Calamidade Pública";
8.1.2. justificativa fundamentada da escolha do fornecedor ou executante (art. 26, parágrafo único, inciso II, da Lei nº 8.666/93), sempre que possível com base em elementos que demonstrem que esse:
a) possui capacidade técnica compatível com a complexidade e o porte do objeto a ser contratado e atende aos requisitos relacionados à habilitação jurídica e à qualificação econômico-financeira;
b) encontra-se em situação de regularidade com a Seguridade Social, consoante os termos da Decisão nº 705/94-TCU-Plenário (in Ata nº 54/94, publicada no DOU de 06/12/94);
8.1.3. justificativa do preço (art. 26, parágrafo único, inciso III, da Lei nº 8.666/93), mediante a verificação da conformidade de orçamento do fornecedor ou executante, juntado ao processo de dispensa de licitação, com os preços correntes no mercado ou fixados por órgão oficial competente ou, ainda, com os constantes do sistema de registro de preços, devendo, também, no caso específico de compras, ser dada a publicidade de que trata o art. 16 da Lei nº 8.666/93, bem como, em se tratando dos órgãos e unidades integrantes do Sistema de Serviços Gerais - SISG, ser atendido o procedimento estabelecido na Instrução Normativa SEAP nº 04, de 08/04/99;
Por fim, a autoridade superior deve ratificar e publicar na imprensa oficial toda dispensa de licitação, no prazo de 05 (cinco) dias, como condição de eficácia dos atos, por força do art. 26, caput e parágrafo único da Lei n.º 8.666/93.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por fim, a contratação direta por situação emergencial é uma hipótese legal que deve ser utilizada com cautela, devidamente justificada, atendendo aos requisitos legais, doutrinários e jurisprudenciais que envolvem o tema, em especial as decisões adotadas pela Corte de Contas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella.et al. Temas Polêmicos sobre Licitações e Contratos. 5ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2006.
NIEBUHR, Joel de Menezes. Dispensa e Inexigibilidade de Licitação Pública – 3ª ed. Belo Horizonte: Fórum, 2003.
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 7ª ed. São Paulo: Dialética, 2000.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Geisa Cadilhe de. A contratação emergencial e suas peculiaridades Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 dez 2013, 06:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/37810/a-contratacao-emergencial-e-suas-peculiaridades. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Francisco de Salles Almeida Mafra Filho
Por: BRUNO SERAFIM DE SOUZA
Por: Fábio Gouveia Carneiro
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
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