A concepção publicista de ação deu azo á ampliação do debate sobre a importância do conceito de jurisdição e os desdobramentos naturais dessa abordagem.
A jurisdição passou a receber um enfoque em que as partes e as relações destas entre si e com o Estado permitem dimensionar e relativizar seu aspecto seletivo na realização de direitos e o papel ativo do julgador nessa tarefa. Essa evolução nos conduz a algumas conclusões de interesse. Os interessados demandam o Estado julgador buscando soluções uteis para as controvérsias que experimentam, exigindo uma resposta concreta ao pleito instalado, ao mesmo tempo em que o juiz age a partir de um processo de seleção de questões a serem apreciadas, sendo, portanto, ator ativo da causa com controle real e efetivo do desenvolvimento da questão posta.
Naturalmente, as partes passaram a ser detentoras de uma maior participação na atividade jurisdicional, eis que passaram a poder acessar o serviço publico judicial independentemente de estarem ou não prevista em norma positiva a ação pretendida ou o pedido nela formulado. Consequentemente, o juiz não mais se inclinaria a julgar o pleito limitado por critérios jurídico-formais costumeiramente utilizados para colocar fim ao processo.
Deixou, desse modo, o juiz de ser mero proclamador da literalidade da lei, atuando agora como verdadeiro interprete do ordenamento político. O juiz deixa, portanto, de ser mero expectador do desenvolvimento processual e passa a exercer papel ativo da construção da decisão, realizando de modo ágil, prático e útil a vontade da constituição, priorizando, dessa forma sua forca normativa.
Nesse contexto, resta claro que, não obstante os conceitos de ação e jurisdição, e mesmo o de processo mantenham relação simbiótica, não podendo ser colocados em relação hierárquica uns em relação aos outros, certo e que a jurisdição passou a receber dos teóricos maior dedicação e pesquisa pelo novo contexto em que foi inserida.
Com efeito, na medida em que as partes passaram a protagonizar papel relevante na seara do processo e o julgador passou a exercer controle da atividade jurisdicional, a jurisdição antes pensada apenas como componente meramente estrutural do processo passou a ser concebida como centro de controle das demandas segundo a lógica da seletividade limitada e essencial e a realização de direitos.
Nesse estágio, o desenvolvimento da noção moderna de jurisdição acaba de alguma forma representando conclusão acerca dos próprios limites e aspectos do direito de ação, que, sem deixar de se considerar sua natural importância, perde, de certo modo sua centralidade, típica do pensamento civilista.
Ao contrário da concepção civilista, que se caracterizava pelo aspecto concreto da ação e a vinculação entre o direito processual e o material, na perspectiva publicista, a evidência da atividade jurisdicional representa, na verdade, a consagração da importância da dinâmica atual dos direitos fundamentais, na medida em que, com o advento do constitucionalismo moderno, a jurisdição identifica instrumento oportuno e capaz de fazer valer direitos subjetivos e prevenir violação de direitos ante iminente ameaças.
Notadamente, a amplitude de importância que assumiu a jurisdição como função do Estado trouxe a preocupação com a proeminência que passou a receber o Poder Judiciário em relação aos demais poderes públicos. Importante esclarecer que a relevância da jurisdição esta muito mais associada a concretização de direitos fundamentais e aos postulados que regem as relações intersubjetivas na sociedade que uma busca de ênfase de um particular poder estatal.
O conceito de ação na verdade acabou por perder a expressão de importância e centralidade que detinha no domínio do pensamento civilista exatamente em razão da proeminência adquirida pelo conceito de jurisdição, uma vez que, em momento pretérito a discussão sobre a ação não se enquadrava no ambiente dos direitos individuais, sendo na verdade, fim em si, incompatível com a face moderna do pensamento constitucional.
Com a nova vertente do processo, constituída a partir da noção de instrumentalidade, a jurisdição é vista como serviço público e a ação como poder de acesso a esse serviço.
Obviamente, o conceito de jurisdição experimenta hodiernamente maior notabilidade teórica sem que isso represente esvaziamento do desenvolvimento do conteúdo jurídico da ação, mesmo porque materializa o constitucional direito publico e subjetivo de acesso ao Poder Judiciário.
O fato é que o conceito de jurisdição acabou por superar a importância antes dada ao conceito de ação, até porque os desdobramentos teóricos da discussão sobre a jurisdição acarretam inevitavelmente conclusões a ação e suas características.
O estudioso do processo desenvolve suas atividades sempre esbarrando em diversas criações teóricas, classificações e definições. Naturalmente, muitas delas se revelam de extrema utilidade para o avanço da ciência e do campo de pesquisa. Outras, no entanto, são meramente retóricas, opções ou até mesmo representam resultado de vaidades de quem as formula.
E cediço que o processo representa instrumento por meio do qual o Estado pratica a jurisdição atuando com os órgãos e normas para efetivar preceitos constitucionais regentes de direitos fundamentais.
Quem se dedica ao estudo do processo, obviamente se deparou com a distinção controvertida entre processo e procedimento. Na história, inicialmente não fizera inicialmente diferença entre uma coisa e outra, algo desenvolvido adiante com a evolução das pesquisas sobre a temática.
Há, não de modo incomum, a tomada de um termo pelo outro, constantemente percebida por quem atua na seara jurídica, isso no ambiente da magistratura, da advocacia e ate mesmo no plano acadêmico.
Desenvolve-se, porém, a distinção consistente na ideia de que o processo, numa visão publicista do instituto, representa em sua dimensão interna, uma relação jurídica que envolve o Estado-juiz e as partes, instrumento que, como já se apontou, efetiva a atividade jurisdicional do Estado, realizando seu poder soberano.
Procedimento, por sua vez, seria então meio pelo qual o processo se exterioriza, segundo atos concatenados e sistematizados segundo ordem certa por lei, caracterizados por espécies disseminadas na doutrina e nas normas existentes. O procedimento se insere no contexto das formalidades dizendo em resumo respeito aos passos e fases relacionados a instauração, desenvolvimento e termino do processo. Vale considerar que existem processos distintos adotantes do mesmo procedimento e até mesmo mais de um procedimento para uma só relação processual.
Releva analisar o pensamento de Teresa Arruda Alvim Wambier para quem processo e procedimento se referem a aspectos diversos de um mesmo objeto e que podem ser visualizados a partir de uma mesma realidade fática, afirmando existirem matérias que são processuais como e o caso do direito de ação, da sentença, das partes das provas e de todas as normas que indiretamente influenciam no direito material.
Por outro lado, seriam procedimentos as normas incapazes de influenciar no direito material. Essa lógica, ao que tudo indica, fora acolhida pela Constituição Republicana, na medida em que distinguiu no regime de repartição de competências os campos de atuação dos entes federativos quanto a legislar sobre processo e procedimento.
Com efeito, atribuiu a União no art. 22, I a competência privativa para legislar sobre direito processual, deixando para a competência concorrente no art. 24, XI, entre a União e os Estados-membros a competência para legislar sobre procedimentos.
Se partirmos da premissa de que a norma não carrega expressões ou palavras inúteis, inevitavelmente somos obrigados a aceitar a necessidade da distinção e sua importância. Nessa linha, a doutrina pátria e também a jurisprudência de nossos tribunais.
O próprio Supremo Tribunal Federal não raras vezes foi instado a se pronunciar acerca da distinção, exatamente no contexto do regime constitucional de repartição de competências, tendo a oportunidade de esclarecer que matérias como deposito recursal prévio, interrogatório do réu por videoconferência, valor da causa e criação de recursos, são eminentemente processuais e não procedimentais, razão pela qual apenas podem ser disciplinadas por meio de leis federais, dadas as influencias relacionadas ao direito material subjacente a questão controvertida.
Dentro dessa atmosfera de analise, e correto afirmar a importância pratica na distinção entre processo e procedimento, máxime, quando põe em evidencia as questões referentes aos conflitos federativos e a leitura constitucional das relações controvertidas.
O fenômeno jurídico representado pelo processo, naturalmente com o fim social que colima alcançar, apenas pode ser realizado segundo atos ajustados e organizados por normas legais e, nesse aspecto, o procedimento seria ínsito a sua existência, de sorte que, se e possível estabelecer suas diferenças, e correto afirmar a relação de dependência entre ambos, não havendo sentido afirmar o isolamento dessas categorias do direito. Nesse contexto, não há como se falar em processo sem se tratar de procedimento e não se conhece de procedimento como um fim em si, pode-se afirmar que a distinção teórica carece de utilidade subsistindo apenas por questão de conveniência constitucional apenas a justificativa da diferença para fins de atividade legislativa sobre os institutos.
Com efeito, admitindo todo o respeito aos teóricos que se incumbiram de formular distinções e teorizar acerca dos conceitos de processo e procedimento, o fato que as diferenças conceituais apontadas são essencialmente retóricas e circunstanciais incorporando muito mais facetas da analise escolhida que propriamente carregadas de interesse cientifico e com diferenças praticas objetivas, validas para todo e qualquer Estado soberano. Isso porque, as distinções acerca dos conceitos no direito brasileiro no que dizem respeito a competência legislativa não necessariamente encontram similitude em outros ordenamentos jurídicos nacionais, razão pela qual trata-se de uma distinção casuística não revestida de objetividade ou cientificidade. Nessa lógica, oportuna e lógica a conclusão segundo a qual a distinção carece de utilidade atual.
A distinção ainda perde relevância na medida em que processo e procedimento são garantias constitucionais relacionadas à cláusula do devido processo legal em sua vertente material e, sob esse enfoque não podem ser diferenciadas no contexto em que se enquadram, eis que único e indissociável. Representam garantias de atividade judicial justa, rápida, efetiva e legal, verdadeiro corolário do postulado republicano e de profundo conteúdo democrático que materializa em última análise a dimensão da dignidade da pessoa humana.
Procurador Federal atuante perante Tribunais Superiores e Supremo Tribunal Federal. Professor universitário de Direito Constitucional e Processual Civil. Mestrando em Direito e Políticas Públicas. Pós graduado em Direito Público e em Metodologia do Ensino Superior. Graduado em Direito e em Matemática.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUSA, Andre Lopes de. A concepção publicista sobre o direito de ação Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 dez 2013, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/37811/a-concepcao-publicista-sobre-o-direito-de-acao. Acesso em: 23 dez 2024.
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