1. INTRODUÇÃO
As comissões parlamentares de inquérito consistem no instituto constitucional que outorga ao Poder Legislativo a incumbência de investigar as infrações político-administrativas ocorridas no âmbito dos demais Poderes.
Trata-se de um instrumento de fiscalização pelo qual o Legislativo exerce sua função típica de controlar as atividades da Administração Pública, zelando para que haja probidade nos atos de sua autoria. Desse modo, a Constituição Federal incumbiu essa tarefa aos membros do Legislativo, no sentido de que são os representantes da vontade popular.
A atividade fiscalizadora e controladora exterioriza a representação política dos ideais dos cidadãos e tem o condão de possibilitar ao próprio povo a oportunidade de inspecionar a Administração Pública, punindo aqueles que incorreram em infrações político-administrativas.
A Carta Magna traz a previsão expressa do instituto no artigo 58, parágrafo 3º, cuja aplicação incide em todos os entes políticos, em razão do princípio da simetria com o centro, nos qual as normas aplicáveis ao âmbito federal também se aplicam aos estados-membros e aos municípios, com a finalidade de haver harmonia na utilização do instituto.
O preceito constitucional estabelece como regra obrigatória para a instauração de comissão de inquérito, que esta vise a apuração de fato determinado, que desperte o interesse público, com o requerimento de um terço dos membros da Casa Legislativa, e que o inquérito possua prazo certo para a conclusão, o que caracteriza a temporariedade da investigação parlamentar.
Nesse sentido, com a promulgação da Constituição Federal, o objetivo do legislador originário foi o de outorgar uma função fiscalizadora ao Poder Legislativo, de modo a provocar uma atuação presente, destinada a moralização do poder público, que visa a retificar a descrença da opinião popular naqueles que detém atribuições públicas.
2. DESENVOLVIMENTO
A Constituição Federal prevê no dispositivo do artigo 58, parágrafo 3º, a atribuição dos poderes de investigação dos parlamentares como próprias das autoridades judiciais.
Referida expressão veio regulamentar qual o sentido de atuação das comissões de inquérito, ou seja, qual seria sua independência perante as diligências tomadas na fase instrutória, tendo em vista que anteriormente à sua previsão constitucional, prevalecia o entendimento extraído da decisão proferida no Supremo Tribunal Federal no Habeas Corpus nº 32.678, de que as comissões não poderiam praticar atos de coerção, dentre eles o de obrigar testemunhas faltosas ao comparecimento.
Com o advento da Carta Constitucional de 1988, necessário se fez o esclarecimento de qual o verdadeiro sentido da expressão que atribui às comissões parlamentares os poderes próprios das autoridades judiciais.
Preliminarmente, cumpre destacar que autoridades judiciais, no dizer de Luiz Carlos dos Santos Gonçalves[1], são os juízes, desembargadores e ministros, incluídos os jurados do Tribunal do Júri, os auditores militares e os juízes classistas que ainda remanescem. Tais poderes não são uma equiparação absoluta aos poderes conferidos aos magistrados, visto que a intenção do legislador constitucional foi a de atribuir autonomia aos membros do Legislativo em sua função fiscalizadora, pois em sendo o contrário, para a prática dos atos instrutórios, necessário seria a colaboração do Judiciário a todo momento, o que frearia o ato de investigação parlamentar.
Consiste em uma autossuficiência das comissões de inquérito, ou seja, caracteriza uma independência funcional conferida constitucionalmente para que o Legislativo possua imperatividade e coercitividade em suas determinações, concedendo caráter obrigatório aos atos instrutórios, para a melhor condução do inquérito e esclarecimento do fato determinado a ser investigado. É uma autonomia atribuída à investigação parlamentar, que cria para a comissão o poder de exigir o cumprimento do que foi emanado, com o intuito de assegurar a efetiva prática de diligências, objetivando a instrução probatória.
Nesse sentido, Luís Roberto Barroso[2] esclarece:
“A ideia de poderes de investigação judicial vem associada à aptidão para produzir provas, tomando-se depoimentos, realizando-se perícia e mesmo requisitando-se documentos.”
Entretanto, os poderes conferidos às comissões de inquérito não constituem renúncia à competência própria do Judiciário. Trata-se de uma prerrogativa conferida às comissões de investigação parlamentar, para que estas exerçam o devido controle da probidade administrativa, mediante efetivos meios de realização de diligências. Portanto, não se está retirando das mãos do Poder Judiciário a qualificação para a aplicação da justiça, cujo procedimento se desenvolve de maneira imparcial, o que não ocorreria em sede do Poder Legislativo. Além do mais, o que foi transmitido às comissões parlamentares foi o poder de exigir, mas não o de executar, caso este em que deverá se socorrer do Poder Judiciário previamente à prática do ato.
Nesse sentido se manifestou Luís Roberto Barroso[3]:
“Seria insensato retirar bens e valores integrantes do elenco secular de direitos e garantias individuais do domínio de serena imparcialidade de juízes e tribunais, e arremetê-los para a fogueira das paixões politizadas da vida parlamentar.”
Em voto proferido quando do julgamento do HC nº 75.232-RJ, o Ministro Carlos Velloso[4] expressou entendimento no sentido de que os poderes de investigação próprios das autoridades judiciais faz com que as CPIs tenham os poderes legais estabelecidos no Código de Processo Penal e Código de Processo Civil, dos juízes, referentes a produção de provas em geral. Afirma ainda, que as Casas Legislativas tem poderes investigatórios e os meios instrumentais a torná-los efetivos, podendo requisitar documentos, buscar todos os meios de provas legalmente admitidos e determinar buscas e apreensões. Contudo, apenas no caso de haver resistência da parte é que se invocará colaboração do Judiciário para efetiva a medida.
Assim, os poderes conferidos à comissão de inquérito consistem na exigência do cumprimento daquilo que foi determinado, o que não significa que elas tem o poder de executar a medida se houver a negativa no cumprimento pela parte ao qual caberia, caso este que necessitará da atuação do Judiciário. Desse modo, a partir do momento que se atingir direitos e garantias individuais protegidos pela Constituição, indispensável se faz a autorização do Poder Judiciário para a prática do ato.
Quando do julgamento do mandado de segurança do Banco Marka S/A, o Ministro Marco Aurélio[5] manifestou seu entendimento da seguinte forma:
“Todo e qualquer ato de constrição, seja qual for o órgão incumbido da investigação, extravasa os poderes alusivos a esta última, exigindo, por isso mesmo, a análise e definição por órgão investido do ofício judiciante. A este cabe decidir, diante das peculiaridades do caso, a oportunidade, ou não, de implementá-lo, fixando-lhe os parâmetros.”
Portanto, o legislador constitucional atribuiu amplos poderes aos membros da comissão de inquérito para a instrução probatória quando da expressão poderes próprios das autoridades judiciais, apenas com a ressalva, em nosso entendimento, quanto aos direitos e garantias individuais previstos na Constituição, que importem medidas coercitivas, casos em que necessitará de determinação judicial para a sua efetividade, tendo em vista que tal expressão não engloba a autoexecutoriedade do ato pela própria comissão.
3. CONCLUSÃO
As comissões parlamentares de inquérito consistem em instituto constitucional conferido ao Poder Legislativo para que este exerça sua função fiscalizadora com o intuito de controlar as atividades da Administração Pública a fim de preservar a probidade que deve imperar em seu exercício. Tal função remonta ao verdadeiro sentido da democracia implantada pela Constituição-cidadã de 1988, no sentido de que os membros do Legislativo são escolhidos através do voto popular proferido nas eleições e, desse modo, representam a vontade do povo que os elegeu. Assim, essa atividade fiscalizadora e controladora atribuída ao Legislativo exterioriza a representação política dos ideais dos cidadãos, e tem o condão de possibilitar ao próprio povo a oportunidade de inspecionar a Administração Pública, punindo aqueles que incorrerem em infrações político-administrativas.
As comissões de inquérito estão previstas no artigo 58, parágrafo 3º, da Constituição Federal, e se referem ao âmbito da União Federal, porém, também se aplicam aos estados-membros e aos municípios, por força do que dispõe o princípio da simetria com o centro, que determina que as normas aplicáveis ao âmbito federal incidirão da mesma forma nos demais entes da federação, visto que objetiva a harmonia do instituto em toda a esfera federativa.
O Poder Judiciário possui papel importante na atuação das comissões de inquérito, visto que na realização de diligências que acarretem intervenção nos direitos e garantias individuais protegidos pela Carta Magna, será necessária a autorização do magistrado para a legalidade do ato, caso contrário, será facultado à parte prejudicada impetrar mandado de segurança ou habeas corpus, conforme o caso, invocando a tutela jurisdicional.
Assim, os poderes das comissões de inquérito não são equiparados de modo absoluto aos das autoridades judiciais, pois o Poder Judiciário existe para agir com imparcialidade na solução de litígios, o que não ocorre na esfera do Poder Legislativo, que muitas vezes deixa sobressair os interesses político-partidários em detrimento da apuração da verdade real.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARROSO, Luís Roberto. Comissões parlamentares de inquérito e suas competências políticas, direito e devido processo legal. Revista de direito renovar, Rio de Janeiro, n. 23, v. 15, p. 69-93, dez. 1999
GONÇALVES, Luiz Carlos dos Santos. Comissões parlamentares de inquérito: poderes de investigação. São Paulo: Juarez, 2001
RIANI, Frederico Augusto D’Arrila. Comissão parlamentar de inquérito: requisitos para criação, objetos e poderes. Revista do instituto de pesquisas e estudos: divisão jurídica, Bauru, v. 27, p. 335-365, mar. 1999.
[1] Comissões Parlamentares de Inquérito: poderes de investigação. São Paulo: Juarez, 2001, p. 59
[2] Comissões parlamentares de inquérito e suas competências políticas, direito e devido processo legal. Revista de direito renovar, Rio de Janeiro, n. 23, v. 15, 1999, p. 79
[3] Idem
[4] Riani, Frederico Augusto D’Arrila. Comissão parlamentar de inquérito: requisitos para criação, objetos e poderes. Revista do instituto de pesquisas e estudos: divisão jurídica, Bauru, v. 27, mar. 1999, p. 349
[5] Idem
Advogada da União em Brasília/DF. Formada em Direito na Instituição Toledo de Ensino - Faculdade de Direito de Bauru.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DELAZARI, Raissa Torres Moraes. Considerações gerais acerca do poder de investigação das Comissões Parlamentares de Inquérito Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 dez 2013, 05:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/37827/consideracoes-gerais-acerca-do-poder-de-investigacao-das-comissoes-parlamentares-de-inquerito. Acesso em: 23 dez 2024.
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