Resumo: As bases normativas que regularam a previdência complementar fechada, antes do advento dos marcos regulatórios das leis complementares n. 108 e 109 de 2001, tem importância capital para o conhecimento do regime em seus primórdios. A análise da evolução do Regime revela as mutações normativas ocorridas e apontam para eventuais tendências no futuro.
Palavras-chave: Previdência Complementar Fechada. Legislação. Bases históricas
Sumário: 1. INTRODUÇÃO; 2. DESENVOLVIMENTO; 2.1 Breves notas históricas acerca da previdência complementar 3. CONCLUSÃO.
INTRODUÇÃO
A importância de se perfazer uma pesquisa histórica acerca da evolução de um determinado sistema ou regime jurídico é inerente à tarefa do pesquisador das ciências jurídicas.
Desta feita, perfazendo uma verdadeira arqueologia jurídica pode-se perceber as mutações ao longo dos anos e as forças ou motivos determinante que levaram a tais mudanças de paradigmas.
Esta pe a proposta deste breve artigo doutrinário: fazer uma abordagem sínteses acerca dos primórdios do regime de previdência complementar fechado e os eventos normativos que se consolidaram ao longo das décadas que antecederam o marco regulatório inaugurado com a Emenda Constitucional n. 20, de 1998 e que culminou com a edição das duas leis complementares, 108 e 109 de 2001, que deram a organicidade necessária para o tratamento do tema na legislação nacional.
DESENVOLVIMENTO
2.1 Breves notas históricas acerca da previdência complementar
A previdência complementar, em que pese ser assunto novo para muitos no cotidiano do debate jurídico, possui histórico que remonta a meados do século XIX[1], com a instituição das caixas de assistência e dos montepios. Neste panorama histórico um dos fatos de relevo é a criação da Caixa Montepio dos Funcionários do Banco do Brasil, que se tornaria posteriormente a Previ, a maior entidade fechada de previdência complementar em montante de recursos garantidores[2].
Todavia, somente no final do século XX, especificamente no início dos anos 70 houve a intensificação do crescimento do regime de previdência complementar, desembocando tal movimento com o advento da primeira lei orgânica da previdência complementar, Lei nº 6.435, de 15 de julho de 1977.
A criação das maiores entidades de previdência complementar no cenário econômico brasileiro demonstra uma singularidade do regime pátrio. Ao contrário de outros países nos quais a previdência complementar surge dos anseios da classe operária do setor privado, no Brasil o regime complementar surge no meio estatal, como política pública voltada aos trabalhadores das empresas públicas, assim como mecanismo de fortalecimento do mercado de capitais tendo nas entidades fechadas um investidor institucional por excelência. Neste ponto, as lições esclarecedoras de Luiz Gushiken[3]:
“No Brasil, o surgimento do setor de Previdência Complementar nos anos 70 não ocorreu espontaneamente, fruto de uma necessidade de mercado. Pelo contrário, foi criado para se corrigir desajustes que os próprios governos haviam criado em relação aos trabalhadores de empresas públicas, os quais gozavam de estabilidade e, por um determinado período, de complementação de aposentadoria às custas dos cofres governamentais.
Com a retirada do direito à complementação de aposentadoria dos empregados das empresas públicas no início dos anos 70 e a manutenção da estabilidade no emprego como prática, a discrepância que se criou entre os dois grupos – a dos empregados com garantia da remuneração integral quando da aposentadoria e a dos empregados entregues apenas aos benefícios da previdência social – gerou, no segundo conjunto de trabalhadores, a tendência a não se aposentar, ainda que se estivesse com idade muito avançada, uma vez que a aposentadoria, em grande parte dos casos, traria significativa redução dos seus vencimentos.
Por outro lado, como já dito, o governo da época tinha grandes pretensões de fortalecer o mercado de capitais (Bolsa de Valores), que por sua vez, dependia da capacidade de poupança que somente grandes empresas poderiam viabilizar. A força patrimonial das estatais e a particular situação dos seus funcionários ofereceram as bases para a criação dos Fundos de Pensão e assim, atingir aquele objetivo.
Portanto, no Brasil, a Previdência Complementar surge com as seguintes características: a) nasce por interesse governamental e não dos trabalhadores, sob iniciativa da ditadura militar; b) nasce com o objetivo de fortalecer o mercado de capitais; c) é fortemente calcada nas empresas públicas; d) e modeladas em planos de tipo Benefício definido.
Também trazendo o testemunho doutrinário acerca do período embrionário da previdência complementar no País, Manoel Soares Póvoa[4] assim relata:
“A realidade que, em termos de veículos operacionais, existia quando da promulgação da Lei 6.435, era um quadro mutualista tradicional formado pelos montepios, um certo número de fundações instituídas por empresas estatais e um número indeterminado de esquemas previdenciários criados pelas empresas sem outra garantia que não fosse a sua expressão nos respectivos balanços, denominados “fundos contábeis”, expressão sem dúvida inconsistente, na medida em que tais fundos não passavam de meras provisões sem qualquer especificação material e, sem garantirem quaisquer direitos. Certamente que o legislador considerou as duas primeiras realidades, e atendendo a razões estritamente políticas, criou dois tipos de entidades – as fechadas e as abertas – e deu-lhes enquadramento institucional completamente distinto, de forma que a previdência privada ficou dividida em dois subdomínios – o subdomínio da previdência privada fechada e o subdomínio da previdência privada aberta. E a realidade privada previdenciária que atendendo à sua filosofia e aos seus fins era unívoca, foi artificialmente dividida (...).”
Como dito acima, a regulamentação da previdência complementar somente veio com o advento da Lei nº 6.435, de 1977, que trouxe sistematicidade à incipiente, por não dizer inexistente regulamentação específica[5] do setor. Deste modo, o diploma legal estabeleceu as bases do atual regime fechado de previdência complementar[6].
Se a previdência complementar existia efetivamente no mundo fático-jurídico, na seara constitucional não havia qualquer menção à tal atividade, vindo a ter a primeira citação, ainda que de cunho tão somente formalístico, com a Constituição federal de 1988, que assim disciplinou o tema:
Art. 21. Compete à União:
(...)
VIII - administrar as reservas cambiais do País e fiscalizar as operações de natureza financeira, especialmente as de crédito, câmbio e capitalização, bem como as de seguros e de previdência privada; (Destaque)
Art. 201. Os planos de previdência social, mediante contribuição, atenderão, nos termos da lei, a:
(...)
§ 8º - É vedado subvenção ou auxílio do Poder Público às entidades de previdência privada com fins lucrativos. (Destaque)
Conforme se verifica do texto constitucional original, as menções à previdência complementar são incipientes e não demonstram interesse do constituinte no detalhamento analítico constitucional da matéria jurídica em pauta. Tratando da escassez do texto original anterior à Emenda Constitucional nº 20 de 1998, assim dissertou o doutrinador Daniel Pulino[7]:
“O texto original da Constituição de 1988 referia-se textualmente à previdência privada, a rigor, em três dispositivos (arts. 21, inciso VIII, 192, inciso II, e 201, § 8º), e ainda assim o fazia quase apenas de passagem, de forma bastante discreta, se comparada ao texto ora em vigor, posterior, à primeira Reforma Previdenciária, realizada por meio da Emenda Constitucional n. 20, de 1988, que veio a alterar os dois últimos dos citados dispositivos.”
Portanto, somente com o advento da emenda Constitucional nº 20 de 1998, que deu nova redação ao art. 202 da Constituição Federal, bem como determinou a edição das duas leis complementares que regem o regime, a previdência complementar passou a ter a normatividade constitucional com preceitos e princípios definidos na Carta Magna.
CONCLUSÃO
O presente artigo teve como objetivo primordial, abordar, ainda que sucintamente as bases históricas que proporcionaram o desenvolvimento do regime de previdência complementar fechado.
Deste modo, olhando o passado pode se corrigir eventuais distorções, bem como ensejar mudanças paradigmáticas na constante busca da evolução do regime previdenciário em comento.
BIBLIOGRAFIA
BARRA, Juliano Sarmento. Fundos de Pensão Instituídos na Previdência Privada Brasileira. São Paulo: LTr, 2008.
CAZETTA, Luís Carlos. Previdência Privada – O regime jurídico das entidades fechadas. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2006.
GUSHIKEN, Luiz. Previdência Complementar e Regime Próprio – Complexidade e Desafios. São Paulo, Instituto Integrar, 2002.
PÓVOA, Manoel S. Soares. Previdência Privada – Filosofia, Fundamentos Técnicos, Conceituação Jurídica, FUNENSEG, 1985.
WEINTRAUB. Arthur Bragança de Vasconcellos. Previdência Privada – Doutrina e Jurisprudência. São Paulo: Ed. Quartier Latin, 2005.
[1] “Dentro do contexto da Previdência Complementar brasileira, pode-se definir como marco a criação do Montepio Geral de Economia dos servidores do estado (Mongeral), criado em 10.1.1835, iniciando o conceito de complementação de recursos quando da inatividade do trabalhador.” BARRA, Juliano Sarmento. Fundos de Pensão Instituídos na Previdência Privada Brasileira. São Paulo: LTr, 2008, p.97.
[2] Segundo dados da Superintendência Nacional de Previdência Complementar, a entidade fechada de previdência complementar dos funcionários do Banco do Brasil possui aproximadamente o montante de R$ 165.462.000.000,00 (cento e sessenta e cinco bilhões quatrocentos e sessenta e dois milhões de reais) correspondendo a cerca de 25% (vinte e cinco por cento) do total de ativos alocados na previdência complementar fechada. (Fonte: Ministério da Previdência Social)
[3] GUSHIKEN, Luiz. Previdência Complementar e Regime Próprio – Complexidade e Desafios. São Paulo, Instituto Integrar, 2002, p.105.
[4] PÓVOA, Manoel S. Soares. Previdência Privada – Filosofia, Fundamentos Técnicos, Conceituação Jurídica, FUNENSEG, 1985, p.145.
[5] “Até 1977 não houve uma sistematização legislativa, que organizasse essas entidades privadas de previdência, que acabavam se submetendo ao Código Civil ou a outras normas comerciais ou de seguro privado. Não havia necessidade de legislação específica, dada a inexistência de mercado, e por isto o legislador não teve motivos para se preocupar com a regulamentação de um sistema minimamente difundido, permanecendo a regulamentação geral a normatização de seguros privados.” Arthur Bragança de Vasconcellos. Previdência Privada – Doutrina e Jurisprudência. São Paulo: Ed. Quartier Latin, 2005. p. 67.
[6] “Até a edição da Lei nº 6.435, de 15 de julho de 1977, o direito brasileiro não dispunha de norma abrangente, de cunho sistemático, destinada a regular relações jurídicas correspondentes a planos de previdência complementar.
Antes dela, identificaram-se na legislação nacional apenas diplomas esparsos, voltados à regulação de regimes previdenciários embrionários, de alcance limitado, tanto no que diz respeito à extensão de benefícios quanto ao universo de participantes. É o caso das leis que disciplinaram os montepios e as caixas de previdência de determinadas categorias de trabalhadores.
Por essa circunstância, material e formalmente, coube à Lei nº 6.435, de 1977, estabelecer a estrutura e o regime jurídico daquilo que veio a configurar o primeiro estágio verdadeiramente abrangente do sistema de previdência complementar brasileiro, sistema que foi implementado, a partir da lei, por meio de atuação de entidades constituídas com o fim específico de operar planos de benefícios previdenciários.” CAZETTA, Luís Carlos. Previdência Privada – O regime jurídico das entidades fechadas. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2006, p.19.
[7] PULINO, Daniel. Previdência Complementar: natureza jurídico-constitucional e seu desenvolvimento pelas entidades fechadas. São Paulo: Conceito Editorial, 2011, p.98.
Procurador Federal, Coordenador-Geral de Estudos e Normas da Procuradoria Federal junto à PREVIC, Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade do Sul de Santa Catarina - UNISUL, Membro da Câmara de Recursos da Previdência Complementar - CRPC.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: HENRIQUE, Adriano Cardoso. Reminiscências Histórico-normativa da Previdência Complementar Fechada Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 dez 2013, 05:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/37833/reminiscencias-historico-normativa-da-previdencia-complementar-fechada. Acesso em: 23 dez 2024.
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