Introdução
A Lei n.º 12.276/2010 introduziu no Brasil um regime diferenciado de contratação dos serviços de exploração e produção de petróleo, gás, natural e de outros hidrocarbonetos fluidos de que trata o art. 177, inciso I, da Constituição Federal (CRFB), autorizando a União a ceder onerosamente à Petróleo Brasileiro S.A. (PETROBRAS) por meio de dispensada de licitação, áreas não concedidas localizadas no pré-sal.
Foi controversa a legitimidade da ANP na participação do processo de cessão, na medida em que a lei não outorgou qualquer poder para a ANP contratar sob este regime, mas apenas o de obter o laudo técnico de avaliação das áreas que subsidiará a União nas negociações com a Petrobras sobre os valores e volumes[1], além de regular e fiscalizar a atividade de exploração e produção, aplicando-se no que couber a Lei nº. 9.478/97[2].
Legitimidade da ANP
A Lei n.º 9.478/99 atribuiu à ANP o dever de promover a regulação, a contratação e a fiscalização das atividades econômicas integrantes da indústria do petróleo, do gás natural e dos biocombustíveis, na qualidade de administradora de todos os direitos de exploração e produção de petróleo e gás natural em território nacional, nos termos do art. 8º, caput, e art. 21 da supramencionada lei, in verbis:
Art. 8o A ANP terá como finalidade promover a regulação, a contratação e a fiscalização das atividades econômicas integrantes da indústria do petróleo, do gás natural e dos biocombustíveis, cabendo-lhe: (Redação dada pela Lei nº 11.097, de 2005)
Art. 21. Todos os direitos de exploração e produção de petróleo e gás natural em território nacional, nele compreendidos a parte terrestre, o mar territorial, a plataforma continental e a zona econômica exclusiva, pertencem à União, cabendo sua administração à ANP.
Até então, no marco regulatório instituído pela Lei n.º 9.478/97, a concessão[3] era o único regime de outorga de direitos de atividades de exploração, desenvolvimento e produção de petróleo e de gás natural a terceiros. Contudo, todos os direitos de exploração e produção de petróleo e gás natural em território nacional estavam sob administração da ANP, sem prejuízo de qualquer outro regime jurídico que pudesse ser instituído após o marco regulatório.
Com a sanção da Lei n.º 12.226/10, houve a instituição do regime jurídico da cessão onerosa que outorgou à Petrobrás o direito de exercer atividades de exploração, desenvolvimento e produção de petróleo e de gás natural em áreas ainda não concedidas e localizadas no pré-sal. Contudo, verifica-se que o poder de firmar o contrato de cessão onerosa foi avocado pela União, representada pelos Ministros de Minas e Energia e o Ministro da Fazenda, detentora do monopólio das atividades, diferente do modelo de concessão em que a ANP detinha esta atribuição.
Pelo princípio da especialidade normatizado no art. 2º, § 2º[4], da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, a competência da União em firmar o contrato de cessão onerosa não revogou todas as demais competências outorgadas à ANP pela Lei n.º 9.478/97, ou seja, de promover a regulação e a fiscalização de todas as atividades econômicas integrantes da indústria do petróleo, do gás natural e dos biocombustíveis, na qualidade de administradora de todos os direitos de exploração e produção de petróleo e gás natural em território nacional decorrentes do contrato de cessão onerosa.
Para que não houvesse dúvida sobre a manutenção da competência de regular e fiscalizar as atividades de exploração e produção de petróleo e gás natural decorrentes da cessão onerosa, o art. 7º da Lei n.º 12.226/10 expressamente reafirmou tal competência. Desta forma, a competência da ANP na relação contratual que se forma entre União e Petrobrás decorre de expressa previsão legal.
Nestes termos, a competência da ANP no contrato de cessão onerosa é limitada, pois não firmará o contrato de outorga de direitos de exploração e produção, cabendo a ela apenas a regulação e a fiscalização das atividades nos termos fixados contratualmente no instrumento a ser aprovado pelo CNPE com fulcro no art. 2º, parágrafo único, da Lei n°. 12.276/10.
Pela leitura do contrato de cessão onerosa firmado, apesar de a ANP não ser a signatária da cessão, coube a esta Agência Reguladora o dever de executar todos os atos de regulação do contrato, muito próximo da gestão que a ANP faz dos contratos de concessão por ela firmados, sendo lhe atribuído o dever de analisar os pleitos formulados pela cessinária, receber e analisar os dados relativos ao Programa Exploratório Obrigatório (PEO) bem como o seu Relatório Final de Exploração, dentre muitas outras atividades.
Em tese, por ter sido atribuída à ANP o dever de fiscalizar e regular as atividades decorrentes do contrato de cessão onerosa, não seria necessária a participação da ANP na assinatura do contrato. Contudo, como já frisado, a gestão das normas reguladoras do contrato também foram atribuídas à ANP (regulação do contrato), motivo pelo qual se tornou necessária a chancela da ANP no contrato.
Diferente do modelo de concessão no qual se atribuiu à ANP a competência de estabelecer as cláusulas do contrato de concessão (art. 8º, inciso IV, da Lei n.º 9.478/97[5]), na cessão onerosa estatuída nos termos da Lei n.º 12.276/10, instituiu-se um regime jurídico no qual não se outorgou à ANP o dever de elaborar a minuta de contrato, mas apenas de fiscalizá-lo, cuidando pela fiel execução de suas disposições.
Nestes termos, foi outorgada à ANP apenas o dever de executar a administração do contrato na qualidade de órgão fiscalizador/regulador, não sendo sua competência aprovar ou desaprovar as cláusulas da minuta encaminhada. Também não coube à ANP a discricionariedade técnica de assinar ou não assinar o contrato de cessão onerosa, mas apenas de conhecer e dar fiel execução a suas disposições, tendo sido reservado este mister à União, mediante prévia análise do CNPE, conforme consignado no art. 2º, parágrafo único, da Lei n.º 12.276/10.
Nesta linha de entendimento, coube à ANP o dever de cumprir as competências/atribuições que lhe estão sendo outorgadas na gestão do contrato de cessão onerosa, mas que não teve a atribuição de elaborar nem firmar.
Por este motivos, no âmbito do processo de contratação pelo regime de cessão onerosa, não coube à ANP manifestar-se sobre o mérito das decisões adotadas no contrato, além da competência de obter o laudo técnico de avaliação das áreas que subsidiará a União nas negociações com a Petrobras sobre os valores e volumes[6].
Nestes termos, em cumprimento ao dever de dar fiel execução ao contrato, bem como de regular e fiscalizar as atividades dele decorrentes, a Diretoria Colegiada autorizou, por meio de resolução de direitoria, o Diretor-Geral da ANP a assinar o contrato na qualidade de presentante desta Agência Reguladora, nos termos do art. 9º, inciso IV, do Decreto n.º 2.455/98, in verbis:
Art. 9o Além das atribuições comuns aos Diretores, são atribuições exclusivas do Diretor-Geral:
IV - firmar, em nome da ANP, contratos, convênios, acordos, ajustes e outros instrumentos legais conforme decisão da Diretoria;
Função da Cessão Onerosa - Lei n.º 12.276/10
Preliminarmente, cabe explicitar as razões que levaram o Poder Executivo a propor ao Presidente da República o projeto de lei, pelo que trancrevo alguns trechos da exposição de motivos contida no E.M.I. nº 00039 - MME/MF/MDIC/MP/CCIVIL, de 31 de agosto de 2009, in verbis:
2. A presente proposta justifica-se pelo interesse da União, enquanto sócia controladora da PETROBRAS, em fortalecer a Empresa com vistas a dotá-la com os recursos decorrentes de áreas que se caracterizam pelo baixo risco exploratório e representam considerável potencial de rentabilidade.
3. As áreas e os volumes de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos, limitados a cinco bilhões de barris equivalentes de petróleo, relacionados à cessão onerosa do exercício da atividade de pesquisa e lavra, deverão ser definidos no respectivo instrumento de contrato, a ser firmado em até doze meses, contados da data de publicação da lei autorizativa.
4. Adicionalmente, há que se destacar que, ao viabilizar a mencionada cessão onerosa, a União cria as condições para a exploração do Pré-Sal, otimizando a participação da sociedade brasileira nas receitas decorrentes das riquezas representadas por esta importante e singular descoberta.
5. É indiscutível que a imediata exploração dessas áreas pela PETROBRAS é vantajosa para a União, posto que permite à sociedade, em última instância, antecipar o usufruto dos benefícios representados pelo Pré-Sal. Além do mais, dado que a União não possui, ela própria, a estrutura necessária para as atividades exploratórias desse potencial petrolífero, ao ceder o exercício dessas atividades à PETROBRAS, em contrapartida a uma compensação adequada, a União também contribui para o crescimento e fortalecimento de uma empresa nacional, da qual é acionista controladora.
6. O contrato de cessão do exercício das atividades de pesquisa e lavra de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos será quantificado, a partir de laudos técnicos preliminares que refletirão determinado volume de petróleo e de gás natural, bem como determinado preço do petróleo. O caráter preliminar desses laudos requer a inserção de cláusula determinando que, tão logo existam dados finais acerca da referida avaliação, seja realizada revisão das condições inicialmente pactuadas, como forma de garantir que a União receberá efetivamente o valor econômico representativo da cessão onerosa.
7. Para honrar a contrapartida da cessão efetuada pela União é conferida à PETROBRAS, além de outras formas de pagamento, a possibilidade de efetuar o respectivo adimplemento com títulos públicos da Dívida Mobiliária Federal, precificados a valor de mercado e cujas condições serão fixadas em ato do Ministro de Estado da Fazenda.
Pelo contexto da exposição de motivos é preciso destacar que a razão primeira para a instituição da cessão onerosa de 5 bilhões de barris equivalentes de petróleo foi o de aumetar o capital da Petrobrás de forma a possibilitar que esta empresa de economia mista tivesse os recursos financeiros suficientes para explorar petróleo e gás na área do Pré-sal, sobretudo sob o regime de partilha da produção[7] na qual está prevista sua participação compulsória na qualidade de operadora única. Desta forma, a União, sócia controladora, injetaria a parcela relativa às suas ações na operação de capitalização que estava sendo planejada, sem a necessidade de reduzir o superavit primário com este dispêndio.
De outro lado, foi instituído por meio da Lei n. 12.31/10 o regime de exploração e produção de petróleo e gás por meio de partilha da produção, formulado como o mais adequado para a exploração e produção de petróleo e gás no polígono denominado de Pré-sal em razão dos grandes volumes que representam um menor risco em relação às áreas ordinariamente licitadas pelo regime de concessão. Nestes termos, trancrevo abaixo alguns trechos da exposição de motivos contida no E.M.I. nº 00038 - MME/MF/MDIC/MP/CCIVIL:
2. O anúncio da descoberta de grandes quantidades de petróleo e gás em nova província petrolífera, denominada Pré-Sal, na Bacia de Santos, no ano de 2007, levou o Conselho Nacional de Política Energética - CNPE a emitir a Resolução no 6, de 8 novembro de 2007, que, então, determinou a exclusão da 9a Rodada de Licitações da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis - ANP de quarenta e um blocos situados nas Bacias do Espírito Santo, de Campos e de Santos.
3. Tal exclusão decorreu do fato de os blocos estarem dentro da nova província, apresentando grande potencial para novas descobertas, o que levou o Governo a avaliar a necessidade de mudanças, no atual marco legal, destinadas a contemplar este novo paradigma na exploração e produção de petróleo e gás natural, de modo a aumentar o controle e a participação da União nos futuros empreendimentos e, ao mesmo tempo, respeitar os contratos de concessão vigentes.
4. Portanto, considerando o novo contexto, mostrou-se evidente que o atual marco regulatório firmado pela Lei no 9.478, de 6 de agosto de 1997 – Lei do Petróleo – não é suficiente para permitir, em vários sentidos, o adequado aproveitamento das reservas descobertas na nova província petrolífera do Pré-Sal. O marco regulatório vigente, que dispõe sobre a política energética nacional, as atividades relativas ao monopólio do petróleo e institui o Conselho Nacional de Política Energética e a Agência Nacional do Petróleo, foi fundamentado nas premissas que levaram à promulgação da Emenda Constitucional no 9, de 1995. Assim, disciplinou-se a possibilidade de a União contratar as atividades de pesquisa e lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos, existentes no território nacional, por meio de concessão, a serem desenvolvidas por empresas constituídas sob as leis brasileiras e com sede e administração no País.
5 O referido marco legal foi concebido de modo a contemplar as condições vigentes àquela época, quando o País tinha produção relativamente pequena, o barril de petróleo era cotado em torno de dezenove dólares e o risco exploratório era considerado elevado.
6 Ocorre que a legislação atualmente vigente não prevê outras possibilidades de contratação das atividades de pesquisa e lavra de hidrocarbonetos de forma diversa do modelo de concessão. De acordo com este modelo, o concessionário exerce, por sua conta e risco, as atividades de exploração e produção de petróleo e gás natural, adquirindo, após a extração, a propriedade de todos os hidrocarbonetos produzidos. Em compensação, paga ao poder concedente bônus de assinatura, royalties e participações especiais, cujos valores, nos dois últimos casos, dependem, em regra, do volume de produção do petróleo e do gás natural extraídos.
7. Esse modelo, em que cabe ao concessionário a totalidade do risco e dos rendimentos obtidos com a exploração, mostra-se incompatível com a natureza da área do Pré-Sal. De fato, os dados geológicos atuais indicam a ocorrência de reservatórios do tipo carbonato microbial abaixo de uma extensa camada de sal que vão do litoral do Espírito Santo até o litoral de Santa Catarina. A área estimada é de 149 mil km², com aproximadamente 800 km de extensão e, em algumas áreas, 200 km de largura, sob lâmina d'água de 800 a 3000 metros de profundidade e soterramento de 3 a 4 mil metros. Testes indicaram a existência de grandes volumes de óleo leve de alto valor comercial (30 graus API), com grande quantidade de gás natural associado. Trata-se de áreas nas quais são estimados riscos exploratórios extremamente baixos e grandes rentabilidades, o que determina a necessidade de marco regulatório coerente com a preservação do interesse nacional, mediante maior participação nos resultados e maior controle da riqueza potencial pela União e em benefício da sociedade.
8. A confirmação das reservas potenciais relativas às descobertas no Pré-Sal pode colocar o País entre os maiores produtores do mundo. Trata-se de nova fronteira de produção de petróleo e gás natural cuja descoberta resulta de esforços de longos anos da ANP e da Petróleo Brasileiro S. A. - PETROBRAS. Cabe ressaltar que, em face de sua comprovada capacidade técnica, a PETROBRAS é a principal operadora na área e responsável pelo descobrimento da nova província.
9. Evidenciando o enorme potencial do Pré-Sal, em novembro de 2007, a PETROBRAS anunciou que apenas a área de Tupi, no Bloco BMS-11, localizada em águas de cerca de 2.200 m de lâmina d'água, com camadas de sal de 2.000 m de espessura, apresenta perspectiva de volume recuperável de até 8 bilhões de barris de petróleo equivalente. Trata-se de uma das maiores descobertas ocorridas no mundo nos últimos trinta anos. No prospecto Iara, no mesmo Bloco, as estimativas da PETROBRAS indicam volume recuperável de 3 a 4 bilhões de barris de petróleo equivalente. Analogamente, o prospecto Guará, no bloco BMS-9, pode ter considerável volume recuperável. À medida que as pesquisas avancem, novas reservas deverão surgir nessas áreas promissoras.
10. Destaque-se que o cenário mundial sofreu mudanças significativas desde a promulgação da Lei do Petróleo. Em 2008, em situação de grande desenvolvimento econômico mundial, quando o barril de petróleo chegou a estar cotado a US$ 147.00, o mundo contabilizava diversas disputas entre países desencadeadas pela necessidade de fornecimento regular de energia. Tal cenário, associado às descobertas mencionadas, mostra-se extremamente favorável ao Brasil que, devido à sua estabilidade política e robustez de sua economia, pode se transformar, no médio prazo, em confiável fornecedor mundial de petróleo, gás natural e seus derivados.
11. Contudo, as premissas adotadas pela Lei do Petróleo são inadequadas a esse novo cenário, ao grau de risco e às perspectivas de rentabilidade presentes no Pré-Sal. Arranjos pontuais como o aumento das participações governamentais previstas na Lei do Petróleo também não atendem à complexidade desse novo paradigma e às responsabilidades da União.
...
16. Em suma, propõe-se que seja introduzida no ordenamento jurídico pátrio a possibilidade da exploração e produção de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos mediante a realização de contratos de partilha de produção. Trata-se de modalidade de contratação praticada em cerca de quarenta países, nos quais o Estado mantém a propriedade do petróleo e do gás produzidos, assegurando-se ao contratado, para a realização das atividades, parcela dessa produção, deduzidos os custos das atividades realizadas.
17. O novo desenho contratual faz-se necessário em um contexto de baixo risco geológico, no qual são gerados excedentes de rendas significativos que devem ser maximizados pelo Estado e revertidos para a sociedade sob a forma de ações de combate à pobreza e de desenvolvimento da educação, da cultura, da ciência e tecnologia e da sustentabilidade ambiental.
18. A inexistência, no plano legal, de regramento para o uso de outras modalidades de contratação além da concessão já prevista na Lei do Petróleo limita, portanto, as opções à disposição da União para melhor atendimento ao interesse público e o direcionamento dessas riquezas para os objetivos do desenvolvimento nacional. Assim sendo, a introdução do regime de contratação via partilha de produção traz como vantagem principal maior controle do processo de gestão, desde a exploração até a comercialização, das reservas de petróleo e gás.
19. No regime ora proposto, o contratado exerce, por sua conta e risco, as atividades de exploração, avaliação, desenvolvimento e produção, sendo que, em caso de descoberta comercial, será ressarcido em seus custos, fazendo jus, ainda, ao recebimento de parcela do excedente em óleo, conforme estabelecido no contrato. Desta sorte, será elemento fundamental para a preservação do interesse público que a União obtenha a maior participação possível na produção resultante do contrato de partilha, sendo este o critério essencial para a definição da proposta mais vantajosa quando tal contratação for resultante de licitação pública, sempre sob a forma de leilão.
20. Assim, será considerada vencedora a proposta que oferecer o maior excedente em óleo para a União, observado o percentual mínimo estabelecido por proposta do CNPE. Por seu lado, a União deterá maior capacidade de dispor do excedente de petróleo e do gás extraídos que permanecerão sob sua propriedade, disciplinando assim, integralmente, sua política de comercialização de forma a assegurar melhores condições para desenvolvimento da indústria de refino e petroquímica no País.
21. A partir dessa constatação, o presente projeto de Lei ancora-se nos seguintes pilares: aumentar a participação da sociedade nos resultados da exploração de petróleo, de gás e de outros hidrocarbonetos fluidos nas áreas do Pré-Sal e estratégicas; destinar os recursos advindos de tal atividade a setores estruturalmente fundamentais para o desenvolvimento social e econômico; e fortalecer o complexo produtivo da indústria do petróleo e gás do País, preservando os interesses estratégicos nacionais.
Não se pode concluir que a cessão onerosa é uma forma menos adequada de se outorgar a exploração dos 5 bilhões de barris de petróleo na região do Pré-sal, do que é o regime de partilha da produção. Na verdade, a cessão onerosa foi a forma encontrada pela União de fomentar a exploração do Pré-sal pelo regime de partilha de produção proposto, onde se imputou à Petrobrás o dever de ser operadora única de todas as atividades executadas, obrigação esta que aliada ao benefício a ela outorgada, alavanca a necessidade de recursos muito superiores à disposição desta empresa de economia mista.
Assim, é consenso que a forma de fomentar a exploração e produção pelo regime jurídico da partilha da produção é a cessão onerosa.
A instituição deste regime jurídico gerou e ainda gerará muita discussão técnica e jurídica, principalmente quanto ao valor do barril que foi fixado inicialmente, assim como no valor que será fixado pela União na revisão do contrato[8]. Contudo, no regime democrático, conquistado após o movimento das “diretas já” e na vigência da Constituição Cidadã de 1988, permite-se a todos os brasileiros, partidos políticos, associações, MPF ou minoritários da Petrobrás, dentre muitos que não concordem com o contrato que se está instituindo, o direito subjetivo de livre manifestação de pensamento contrário ao modelo adotado (art. 5º, inciso IV, da CRFB[9]), direito de petição por entender que direitos seus ou de outrem podem ter sido violados ou pela existência de alguma ilegalidade (art. 5º, XXXIV, “a” da CRFB[10]) ou mesmo pela judicialização de suas insatisfações (art. 5°, inciso XXXV[11]).
Em atendimento ao interesse público, coube à União tornar todo o processo o mais transparente possível para evitar dúvidas e fomentar a sociedade com todas as informações necessárias para o conhecimento do contrato, elidindo qualquer suposta obscuridade que seja levantada, pois o modelo contratual apresentado foi melhor e mais adequado para o implemento da cessão onerosa.
Compete à União prestar os esclarecimentos à sociedade sobre o contrato que será firmado, pois o contrato teve suas cláusulas definidas por órgãos da União de forma legitimamente estabelecida nos termos do art. 1°, da Lei n.° 12.276/10. Assim, mesmo a ANP figurando no contrato como órgão regulador fiscalizador, não lhe pode ser imputada, nem aos seus Diretores, qualquer responsabilidade sobre o contrato que está sendo firmado, por se tratar de Agência Reguladora na qual se afastou a competência de decidir sobre as regras contratuais.
A notoriedade deste fato deve-se, inclusive, pelo fato da minuta de contrato de cessão onerosa submetida para prévio conhecimento da ANP não conter a definição das áreas que seriam cedidas, do valor do barril para cada área, do volume total que integra a cessão onerosa dentre muitos outros elementos essenciais do contrato.
A decisão política da ANP em participar da assinatura do contrato, deve-se em razão das competências que estão sendo a ela imputadas na gestão do contrato, que difere do modelo de concessão instituído nos termos da Lei n.º 9.478/97, não podendo ser impugnado o mérito de qualquer das cláusulas.
Da Lei n.º 12.226/10 – Regime de Cessão Onerosa
Com a instituição deste novo regime de exploração, a União avocou a competência de firmar o contrato de cessão onerosa de até cinco bilhões de barris equivalentes de petróleo (art. 1º, §2º), cabendo expressamente à ANP o dever de regular e fiscalizar as atividades a serem realizadas pela Petrobrás (art. 7º), recebendo em pagamento o valor fixado por barril a ser determinado a partir de laudos técnicos elaborados por entidades certificadoras (art. 3°, caput), no qual se atribuiu à ANP o dever de obter o laudo técnico de avaliação das áreas que subsidiará a União nas negociações com a Petrobrás (art. 3º, Parágrafo único).
São princípios/regras que norteiam o contrato e que compõem o “núcleo duro” do novo regime o limite de até cinco bilhões de barris (art. 1º, §2º), a impossibilidade de transferência ou cessão desses direitos (art. 1º, §6º), a necessidade de conteúdo local progressivo para produtos e serviços (art. 2°, III), a necessidade de revisão do contrato levando-se em conta a variação dos preços de mercado e a especificação do produto da lavra (art. 2º, inciso V), tendo a Petrobrás que arcar com todos os riscos da atividade de forma exclusiva (art. 4º, caput).
Quanto ao pagamento de participações governamentais, será devido royalties nos termos da Lei n.° 7.990/89 e 9.478/97 (art. 5º). Importa destacar que no modelo sob análise, a ausência de expressa previsão da participação especial afastou a sua incidência como forma de aumentar o valor pago pela Petrobrás na área objeto de contrato. Trata-se do silêncio eloqüente da norma, que manteve a participação especial vinculada apenas à concessão nos termos da Lei n.º 9.478/97, sendo afastado para a cessão onerosa, como para o projeto de lei da partilha da produção.
Das Cláusulas Contratuais
Em observância à Lei n.º 12.276/10, a minuta do contrato determinou a cessão limitada aos cinco bilhões de barris, nos termos da Cláusula Segunda (art. 1º, §2º), a impossibilidade de transferência ou cessão desses direitos, nos termos da Cláusula Trigésima (art. 1º, §6º), conteúdo local progressivo para produtos e serviços, nos termos da Cláusula Vigésima Quarta (art. 2°, III), a revisão do contrato levando-se em conta a variação dos preços de mercado e a especificação do produto da lavra, nos termos da Cláusula Oitava (art. 2º, inciso V), tendo a Petrobrás que arcar com todos os riscos da atividade de forma exclusiva (art. 4º, caput).
Estrutura das obrigações imputadas à ANP no contrato de cessão onerosa
No contrato de cessão onerosa firmado, a estrutura contratual partiu do contrato de concessão padrão da 10ª Rodada de Licitação, alinhando conceitos, definições e obrigações ao regulamento normativo introduzido no sistema jurídico a partir da Lei n.º 12.276/2010.
Foi outorgada à ANP funções essencialmente técnicas de auxílio ao MME na gestão do contrato, detendo competência de ordem eminentemente técnica aproveitando a sua experiência de mais de 10 anos na gestão de contratos de concessão.
Como se verifica, as atribuições da ANP estão intimamente ligadas ao acompanhamento das operações de exploração e produção.
A exploração concebida nos termos das cláusulas décima a décima primeira, imputa à ANP o dever de fiscalizar e regular as atividades exploratórias fixadas no Programa Exploratório Obrigatório (PEO) como condição para a declaração de comercialidade de cada uma das áreas cedidas e consequente revisão do contrato nos termos da Cláusula Oitava.
As atividades e prazos nele descritos possuem poucas diferenças conceituais com as atividades desempenhadas pela Superintendência de Exploração da ANP (SEP) no modelo de concessão. No modelo da cessão onerosa, verifica-se que houve a busca da congruência dos prazos da ANP para análise dos dados e aprovação do relatório final em 150 dias, iguais ou mesmo superiores aos prazos outorgados à ANP nos contratos de concessão.
Da mesma forma, na Fase de Produção redigida nos termos do Cláusula Décima Terceira, como a Medição redigida nos termos da Cláusula Décima Quinta, a individualização da produção redigida nos termos da Cláusula Décima Sexta, Conteúdo Local, redigida nos termos da Cláusula Vigésima Quarta e demais disposições cuja fiscalização e regulação coube à ANP apesar de terem diferenças de mérito da forma que estão sendo exigidas, possuem poucas diferenças conceituais com as atividades desempenhadas pela ANP no modelo de concessão.
Conclusão
Neste termos, coube à ANP, além da elaboração do laudo técnico de avaliação das áreas que subsidiará a União nas negociações com a Petrobras sobre os valores e volumes[12] e da atividade de regular e fiscalizar a atividade de exploração e produção, aplicando-se no que couber a Lei nº. 9.478/97[13], o dever de auxiliar o MME da regulação do contrato.
O regime de cessão onerosa atendeu à finalidade para o qual foi instituído, ou seja, fomentar a Petrobrás com recursos para a exploração do pré-sal, principalmente sob o regime de partilha, não cabendo censsura à decisão política que institui um regime contratual em observância ao art. 177 da CRFB, pois instituído sobre os pilares democráticos e após amplo debate legislativo.
[1]Art. 3o Os volumes de barris equivalentes de petróleo de que tratam os §§ 2o e 4o do art. 1o, bem como os seus respectivos valores econômicos, serão determinados a partir de laudos técnicos elaborados por entidades certificadoras, observadas as melhores práticas da indústria do petróleo.
Parágrafo único. Caberá à Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis - ANP obter o laudo técnico de avaliação das áreas que subsidiará a União nas negociações com a Petrobras sobre os valores e volumes referidos no caput.
[2] Art. 7o Caberá à ANP regular e fiscalizar as atividades a serem realizadas pela Petrobras com base nesta Lei, aplicando-se, no que couber, o disposto na Lei no 9.478, de 6 de agosto de 1997.
Parágrafo único. A regulação e a fiscalização de que trata o caput abrangerão ainda os termos dos acordos de individualização da produção a serem assinados entre a Petrobras e os concessionários de blocos localizados na área do pré-sal.
[3] Art. 5o As atividades econômicas de que trata o art. 4o desta Lei serão reguladas e fiscalizadas pela União e poderão ser exercidas, mediante concessão ou autorização por empresas constituídas sob as leis brasileiras, com sede e administração no País. (Redação anterior à redação dada pela Lei nº 12.351, de 2010)
[4] Art. 2o Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou
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§ 2o A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.
[5] Art. 8o A ANP terá como finalidade promover a regulação, a contratação e a fiscalização das atividades econômicas integrantes da indústria do petróleo, do gás natural e dos biocombustíveis, cabendo-lhe: (Redação dada pela Lei nº 11.097, de 2005)
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IV - elaborar os editais e promover as licitações para a concessão de exploração, desenvolvimento e produção, celebrando os contratos delas decorrentes e fiscalizando a sua execução;
[6]Art. 3o Os volumes de barris equivalentes de petróleo de que tratam os §§ 2o e 4o do art. 1o, bem como os seus respectivos valores econômicos, serão determinados a partir de laudos técnicos elaborados por entidades certificadoras, observadas as melhores práticas da indústria do petróleo.
Parágrafo único. Caberá à Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis - ANP obter o laudo técnico de avaliação das áreas que subsidiará a União nas negociações com a Petrobras sobre os valores e volumes referidos no caput.
[7] Art. 2o Para os fins desta Lei, são estabelecidas as seguintes definições:
I - partilha de produção: regime de exploração e produção de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos no qual o contratado exerce, por sua conta e risco, as atividades de exploração, avaliação, desenvolvimento e produção e, em caso de descoberta comercial, adquire o direito à apropriação do custo em óleo, do volume da produção correspondente aos royalties devidos, bem como de parcela do excedente em óleo, na proporção, condições e prazos estabelecidos em contrato;
...
VI - operador: a Petróleo Brasileiro S.A. (Petrobras), responsável pela condução e execução, direta ou indireta, de todas as atividades de exploração, avaliação, desenvolvimento, produção e desativação das instalações de exploração e produção;
[8] Art. 2o O contrato que formalizará a cessão de que trata o art. 1o deverá conter, entre outras, cláusulas que estabeleçam:
...
V - as condições para a realização de sua revisão, considerando-se, entre outras variáveis, os preços de mercado e a especificação do produto da lavra.
Parágrafo único. O contrato e sua revisão deverão ser submetidos à prévia apreciação do Conselho Nacional de Política Energética – CNPE.
[9] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
...
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:
a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder;
[11] XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;
[12]Art. 3o Os volumes de barris equivalentes de petróleo de que tratam os §§ 2o e 4o do art. 1o, bem como os seus respectivos valores econômicos, serão determinados a partir de laudos técnicos elaborados por entidades certificadoras, observadas as melhores práticas da indústria do petróleo.
Parágrafo único. Caberá à Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis - ANP obter o laudo técnico de avaliação das áreas que subsidiará a União nas negociações com a Petrobras sobre os valores e volumes referidos no caput.
[13] Art. 7o Caberá à ANP regular e fiscalizar as atividades a serem realizadas pela Petrobras com base nesta Lei, aplicando-se, no que couber, o disposto na Lei no 9.478, de 6 de agosto de 1997.
Parágrafo único. A regulação e a fiscalização de que trata o caput abrangerão ainda os termos dos acordos de individualização da produção a serem assinados entre a Petrobras e os concessionários de blocos localizados na área do pré-sal.
Bacharel em Direito pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Pós Graduado em Direito Público pela Associação dos Magistrados do Distrito Federal (AMAGIS-DF). Exerce o cargo de Procurador Federal da Advocacia-Geral da União desde 2004, e desde 2010 atua como Procurador-Geral na Procuradoria Federal junto à Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MACEDO, Tiago do Monte. As atribuições da ANP no regime de cessão onerosa instituído pela Lei nº. 12.276/2010 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 dez 2013, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/37847/as-atribuicoes-da-anp-no-regime-de-cessao-onerosa-instituido-pela-lei-no-12-276-2010. Acesso em: 23 dez 2024.
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