RESUMO: O presente artigo tem por objetivo analisar os dispositivos legais que disciplinam os procedimentos de regularização possessória dos imóveis dominicais do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) aos respectivos ocupantes, sejam titulares de direitos de preferência ou não, aferindo quais hipóteses em que o Fundo do Regime Geral da Previdência Social (FRGPS) será remunerado por taxa de ocupação ou aluguéis até a conclusão da sua alienação.
PALAVRAS-CHAVE: Imóveis dominicais do INSS. Lei 9.702/98. Regularização Possessória. Definição sobre a contraprestação pela sua utilização até a conclusão da alienação.
Os procedimentos de regularização possessória dos imóveis dominicais do INSS estão regulados pela Lei 9.702/98, a qual dispõe sobre a alienação de imóveis desnecessários ou não vinculados às atividades operacionais do Instituto Previdenciário.
Em razão disso, a partir da vigência da citada lei, a utilização desses bens sofreu regulamentação mais restritiva, vedando-se o seu uso, a qualquer título, com o único propósito de priorizar a venda do acervo patrimonial ocioso:
Art. 10. Fica proibida a outorga, a qualquer título, de concessão de direito de uso de imóveis do INSS.
Tal proibição deve ser entendida em sentido amplo para englobar mais espécies do que seu sentido literal. Este método de interpretação, aliás, está conforme a Constituição, pois leva em conta os fins sociais a que ela se dirige:
Art. 250. Com o objetivo de assegurar recursos para o pagamento dos benefícios concedidos pelo regime geral de previdência social, em adição aos recursos de sua arrecadação, a União poderá constituir fundo integrado por bens, direitos e ativos de qualquer natureza, mediante lei que disporá sobre a natureza e administração desse fundo. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
Tais bens, portanto, apesar de estarem desvinculados das atividades operacionais do INSS, permanecem afetados à finalidade constitucional de compor o FRGPS, nos termos do art. 68 da Lei Complementar n.º 101/2000:
Art. 68. Na forma do art. 250 da Constituição, é criado o Fundo do Regime Geral de Previdência Social, vinculado ao Ministério da Previdência e Assistência Social, com a finalidade de prover recursos para o pagamento dos benefícios do regime geral da previdência social.
§ 1o O Fundo será constituído de:
I - bens móveis e imóveis, valores e rendas do Instituto Nacional do Seguro Social não utilizados na operacionalização deste;
II - bens e direitos que, a qualquer título, lhe sejam adjudicados ou que lhe vierem a ser vinculados por força de lei;
III - receita das contribuições sociais para a seguridade social, previstas na alínea a do inciso I e no inciso II do art. 195 da Constituição;
IV - produto da liquidação de bens e ativos de pessoa física ou jurídica em débito com a Previdência Social;
V - resultado da aplicação financeira de seus ativos;
VI - recursos provenientes do orçamento da União.
§ 2o O Fundo será gerido pelo Instituto Nacional do Seguro Social, na forma da lei.
O referido dispositivo não diz e não precisa dizer que a vedação também se estende às demais espécies. Ora, se a intenção do legislador ordinário foi a de propiciar ambiente favorável ao desfazimento do acervo patrimonial desnecessário às suas atividades institucionais, a proibição deve incidir, a rigor, sobre qualquer possibilidade de transferência do uso.
Portanto, diante de todo o acervo de bens imóveis de propriedade do INSS, não utilizado na sua operacionalização, o administrador, tendo como norte sempre a alienação, deverá providenciar a imediata regularização possessória dos imóveis ocupados.
A questão que surge, porém, reside em saber se a transferência da posse de determinado imóvel dominical, submetido ao procedimento de regularização possessória do atual ocupante, titular de direito de preferência ou não, será remunerada por taxa de ocupação ou de aluguéis até a conclusão do respectivo procedimento de venda.
É cediço que as dificuldades de administração do grande patrimônio imobiliário não operacional do INSS, as quais são ocasionadas especialmente pela posse gratuita de terceiros, são de notório conhecimento, inclusive, do Tribunal de Contas da União.
Pois bem, embora o seu poder-dever de perseguir a alienação dos seus imóveis considerados desvinculados dos seus objetivos institucionais, admitir-se-á, excepcionalmente, a cobrança taxa de ocupação ou de aluguéis como contraprestação pela sua utilização, o que deverá ser devidamente motivado pelo INSS.
De um lado, a incidência de taxa de ocupação, decorrente da utilização do imóvel dominical, terá como fato gerador a regularização da posse durante os procedimentos que antecedem a sua alienação. Ou seja, a sua efetivação depende somente do levantamento do tempo e modo da sua posse, facultando-se ao atual ocupante, se for o caso, o respectivo direito de preferência à aquisição do imóvel em que ocupa, conforme dispõe o art. 2º da Lei 9.702/98:
Art. 2º O INSS promoverá o cadastramento dos eventuais ocupantes dos imóveis a que refere o caput do artigo anterior, para verificação das circunstâncias e origem de cada posse, cobrança de taxas de ocupação e atribuição de direito de preferência à aquisição dos imóveis, conforme o caso, repassando-lhes os custos correpondentes.
Essa receita patrimonial, a exemplo dos frutos oriundos do contrato de locação, também gera recurso para pagamento dos benefícios concedidos pelo Regime Geral da Previdência Social (GRPS), proporcionando-se a utilização onerosa dos bens imóveis dominicais até a conclusão dos atos administrativos de alienação a serem efetivados.
Esse entendimento, a propósito, também pode ser extraído do Acórdão 170/2005 – do Plenário do Tribunal de Contas da União:
12. Quanto à cobrança de taxa de ocupação sem contrato, é preciso verificar o contexto em que tal questionamento foi feito. Argüiu-se se era possível a renovação de contratos de locação mantidos há mais de cinco anos com os atuais ocupantes ou a cobrança de taxa de ocupação sem contrato. Vislumbra-se a intenção de manter, a médio e longo prazos, uma situação de ocupação de imóveis sem contrato, com a cobrança de taxas de ocupação. Entendo não ser esse o objetivo da Lei nº 9.702/98, cuja finalidade é justamente a de fornecer os instrumentos para que o INSS regularize a situação dos seus imóveis. A cobrança de taxa de ocupação sem a formalização de contrato é um mecanismo a ser utilizado temporariamente até a regularização dessas situações.
13. A Lei nº 9.702/98, em particular seus arts. 2º, 3º e 7º, apresenta os procedimentos a serem adotados em relação aos imóveis não-operacionais que se encontram ocupados. O art. 2º estabelece que o INSS deve promover o cadastramento desses ocupantes, para a verificação das circunstâncias que envolvem cada uma das posses. No caso dos imóveis residenciais e rurais, ocupados até 31/12/1996, conforme reza o art. 3º, ao atual ocupante será dado direito de preferência para a aquisição do imóvel. Se os ocupantes não fizerem jus ao direito de preferência ou não tiverem interesse na aquisição, eles serão comunicados a desocupar o imóvel em 90 dias, segundo o art. 7º.
14. Assim, em tese, existem duas situações. Aqueles ocupantes que tiverem direito de preferência e manifestarem interesse na aquisição, poderão comprar os imóveis pelo preço mínimo de avaliação. Os demais deverão desocupar os imóveis, nos termos do art. 7º da Lei n° 9.702/98. A taxa de ocupação será cobrada enquanto não forem concluídos os procedimentos de venda ou desocupação, conforme o caso.
15. Assiste razão ao Ministério Público/TCU quando aventa a possibilidade de que em determinados casos ocorram discussões judiciais acerca das questões que envolvem a posse, hipótese em que será cabível a continuidade da cobrança da taxa enquanto perdurar a discussão judicial. Apesar do deslinde das ações poder ser demorado, isso não desnatura a natureza temporária da cobrança das taxas de ocupação.
[...]
9.2.2 os prazos estabelecidos no art. 57 da Lei nº 8.666/93 não se aplicam aos contratos de locação, por força do que dispõe o art. 62, §3º, inciso I, da mesma lei. É possível a cobrança de taxa de ocupação sem contrato, como medida de caráter temporário, até a conclusão dos procedimentos de venda do imóvel (caso em que o ocupante tem o direito de preferência e aceita adquiri-lo pelo preço mínimo - arts. 2º e 3º da Lei nº 9.702/98), de desocupação (caso ele não tenha o direito de preferência ou não deseje exercê-lo - arts. 2º e 7º da Lei nº 9.702/98) ou até o encerramento de eventuais demandas judiciais em que se discutam questões envolvendo a posse dos imóveis;
Repise-se que a situação descrita pelo TCU tem caráter transitório, perdurando somente até a conclusão dos procedimentos de venda do imóvel ao ocupante - caso deseje exercer o direito que a lei lhe faculta -, de desocupação – caso não tenha o direito de preferência ou não tenha interesse em exercê-lo -, ou até a definição das demandas judiciais cujos objetos envolvam a sua posse do imóvel.
Por outro lado, a opção pela celebração de contrato de locação deverá ocorrer, excepcionalmente, quando a sua venda não puder ser realizada, por exemplo, quando não comparecer nenhum interessado ao seu procedimento licitatório de venda. A concretização de tal alienação também poderá ficar suspensa quando houver obstáculos na sua escrituração, de modo a impedir a transferência dominial ao atual ocupante, titular do direito de preferência ou não.
Essa solução também tem como finalidade gerar receitas patrimoniais e a melhor manutenção do Fundo do Regime Geral da Previdência Social (FRGPS), evitando-se, por conseguinte, os desgastes naturais pelo desuso enquanto não for obtido o sucesso na pretendida venda, sendo admitida pelo artigo 11 da Lei n.º 9.702/1998:
Art. 11. O INSS poderá promover a regularização da posse dos imóveis não passíveis de alienação nos termos desta Lei, mediante a celebração, em valores de mercado, de contratos de locação com os seus atuais ocupantes.
Parágrafo único. Não se aplica o disposto no caput aos imóveis operacionais de que trata o §1º do art. 1º desta Lei.
Nesse sentido, convém transcrever parte do conteúdo da Exposição de Motivos 16/MF/MPAS, 13 de outubro de 1998, onde se propôs a reedição da Medida Provisória 1.707-3, de 28 de setembro de 1998, posteriormente transformada na atual Lei 9.702/98:
3. Por oportuno, esclarecemos que está sendo proposta a inclusão de um artigo na nova Medida Provisória, facultando ao INSS regularizar ocupações de imóveis mediante a celebração de contratos de locação a preços de mercado.
4. A providência que se sugere procura superar a circunstâncias de estarem inúmeros imóveis de propriedade do INSS, situados em diversos Estados, em especial no Rio de Janeiro, com pendências de escrituração, circunstância que torna inviável a sua transferência a terceiros, sobretudo porque a maioria, cerca de 80%, se encontra ocupada por possuidores que obtiveram os bens por invasão, sublocação ou repasse informal pelos locatários originais.
5. Daí porque se pretende como providência prévia a futura alienação dos imóveis, excepcionar o regime da Lei n.º 8.666, de 1993, autorizando-se a regularização das posses por meio de contratos de locação a serem celebrados em valores de mercado com os atuais ocupantes.
Percebe-se, pois, que a fundamentação da Medida Provisória, encaminhada à época ao Congresso Nacional, teve como escopo a regularização da posse dos imóveis ocupados por terceiros, por meio de contrato de locação em valores de mercado, quando existirem óbices à concretização da venda ao atual ocupante, seja titular de direito de preferência à sua aquisição ou não.
Percebe-se, portanto, que a partir dos procedimentos de regularização possessória dos imóveis dominicais do INSS, os quais se encontram ocupados por terceiros, titulares de direito de preferência o não, podem ocorrer as seguintes situações:
a) Não existem obstáculos à transferência dominial do imóvel: enquanto não for efetivada a venda do imóvel ao atual ocupante (titular de direito de preferência ou não), ser-lhe-á exigido o pagamento de taxa de ocupação, nos termos do art. 2º da Lei 9.702/98.
b) Existem pendências que impossibilitam a transferência dominial do imóvel ou a sua venda por algum motivo não puder ser realizada: enquanto não for resolvido o impasse, exigir-se-á do atual ocupante, titular de direito de preferência ou não, o pagamento de aluguel, nos termo do art. 11 da Lei 9.702/98.
Enfim, percebe-se que a intenção do legislador ordinário foi, em sentido amplo, impedir a qualquer título a posse gratuita desses bens imóveis pertencentes ao INSS, com o único propósito de gerar receitas patrimoniais ao FRGPS. Compete, portanto, ao gestor público a decisão que melhor atenda ao interesse público, a qual deverá ser norteada pela existência ou não de óbices que impeçam a transferência do domínio do imóvel disponível à alienação.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Portal da Legislação. Constituição. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 04.11.2013
BRASIL. Lei nº 9.702, de 17 de novembro de 1998. Dispõe sobre critérios especiais para alienação de imóveis de propriedade do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS e dá outras providências. Portal da Legislação. Leis Ordinárias. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9702.htm. Acesso em: 04.11.2013
BRASIL. Lei Complementar n.º 101, de 4 de maio de 2000, Estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências. Portal da Legislação. Leis Complementares. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp101.htm. Acesso em: 04.11.2013.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 14. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2003.
FURTADO, Lucas Rocha. Curso de direito administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2007.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 1996.
Procurador Federal. Mestre em Direito Internacional pela Universidade Católica de Brasília. Chefe de Licitações, Contratos Administrativos e Matéria de Pessoal da Procuradoria Federal junto à Agência Nacional de Transportes Aquaviários em Brasília/DF. Ex-Chefe da Seção de Consultoria e Assessoramento da Procuradoria Federal Especializada junto ao INSS em São Luís/MA. Ex-Chefe da Divisão de Patrimônio Imobiliário da Procuradoria Federal Especializada junto ao INSS em Brasília/DF.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: TARCíSIO GUEDES BASíLIO, . A regularização possessória dos imóveis dominicais do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e a contraprestação pela sua utilização até a conclusão da sua alienação ao atual ocupante Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 dez 2013, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/37877/a-regularizacao-possessoria-dos-imoveis-dominicais-do-instituto-nacional-do-seguro-social-inss-e-a-contraprestacao-pela-sua-utilizacao-ate-a-conclusao-da-sua-alienacao-ao-atual-ocupante. Acesso em: 23 dez 2024.
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