RESUMO: A comprovação do tempo de serviço pelo segurado especial não supre a necessidade de contribuição à seguridade social, como condição para fazer jus ao direito de aposentadoria por idade. A Constituição Federal veda o tratamento diferenciado entre segurados rurais e urbanos, apenas os diferenciando quanto à forma de contribuição e estabelecendo que os segurados especiais contribuirão para a seguridade social mediante a aplicação de uma alíquota sobre o resultado da comercialização da produção. Assim, demonstra o artigo que há que se exigir contribuição do segurado especial, como condição para que estes possam usufruir dos benefícios previdenciários previstos na lei, sob pena de explícita quebra da isonomia estabelecida pela Constituição Federal.
A concessão irrestrita de benefício de aposentadoria por idade rural a que detém a qualidade de segurado especial, à luz da interpretação de que a este a legislação lhe concedeu a benesse de não contribuir para a Previdência Social, não tem amparo constitucional e em verdade torna o benefício de previdenciário um verdadeiro benefício assistencial.
Estabeleceu a Constituição Federal a equiparação do regime de previdência dos trabalhadores urbanos e rurais, visando acabar com as diferenças entre eles e promovendo a melhoria das condições dos trabalhadores rurais.
O fundamento constitucional da necessidade da contribuição do segurado especial encontra-se desde a redação original do artigo 201, onde já estabelecia o Constituinte que o sistema era contributivo e já fixava a necessidade de contribuição pelo segurado especial.
“Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998) (...)
§1º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos benefícios do regime geral de previdência social, ressalvados os casos de atividade exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física e quando se tratar de segurados portadores de deficiência, nos termos definidos em lei complementar.”
A Emenda Constitucional n 20, de 15 de dezembro de 1998, que modificou o sistema de previdência social, no que pertine ao tema, apenas retirou a expressão garimpeiro do §8º do art. 195 e reforçou que além do caráter contributivo a Seguridade Social devem ser observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, dispondo:
Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: (...)
“§ 8º O produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais e o pescador artesanal, bem como os respectivos cônjuges, que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, sem empregados permanentes, contribuirão para a seguridade social mediante a aplicação de uma alíquota sobre o resultado da comercialização da produção e farão jus aos benefícios nos termos da lei. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)”
Assim, a necessidade de contribuição pelo segurado especial à seguridade social foi expressamente determinada pela Constituição Federal, especificando a necessidade de aplicação de alíquota sobre o resultado da comercialização da produção, não podendo o legislador derivado dispor acerca desse requisito como condição a percepção dos benefícios previdenciários.
Não obstante, visando cumprir tais mandamentos, sem desamparar os segurados que já contavam com anos de trabalhos rurais, descobertos pela seguridade social, ao regulamentar o Regime Geral da Previdência Social – RGPS, o Legislador Ordinário, estabeleceu regra de transição, garantindo ao benefício de aposentadoria por idade, aos trabalhadores rurais que inicialmente comprovassem atividade rural em período igual à carência, conforme tabela de tabela que se iniciou em 1991 com a comprovação de 60 meses e se findou em 2011 com a comprovação de 180 meses.
Diversas modificações legislativas envolveram a aplicação das regras de transição, mas em síntese, dispondo acerca da transitoriedade da regra de comprovação de tempo de trabalho rural, arrematou o art. 143, com a ultima redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008, segundo a qual: “o trabalhador rural ora enquadrado como segurado obrigatório no Regime Geral de Previdência Social, na forma da alínea "a" do inciso I, ou do inciso IV ou VII do art. 11 desta Lei, pode requerer aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, durante quinze anos, contados a partir da data de vigência desta Lei, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência do referido benefício.”
O caráter transitório da norma em questão evidencia que a vigência temporal do art. 143 expirou em 26 de julho de 2007, considerando 15 anos contados da data da entrada em vigor em 25/07/1999, de forma que, para os trabalhadores rurais enquadrados no RGPS que completaram a idade necessária após essa regra, não mais se aplica a regra de transição.
O art. 143 da Lei 8.213/91, como norma de disposição transitória, ao permitir a concessão de benefício previdenciário, sem contribuição, ou seja, com feição assistencial, é constitucional, no contexto em que se insere, pois, realiza a vontade do legislador constitucional de igualar os sistemas previdenciários anteriores unificando-os, harmoniza-os.
Apesar da legislação explícita da transitoriedade da norma, a questão fora submetida à apreciação dos Tribunais Pátrios, no contexto do fim da vigência da regra de transição, que concluíram reiteradamente pelo reconhecido do direito de aposentadoria independentemente do recolhimento da contribuição previdenciária, a exemplo do seguinte Acórdão:
“EMENTA: PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. SUA PERMANÊNCIA, NO ORDENAMENTO JURÍDICO-PREVIDENCIÁRIO BRASILEIRO.
Continua a existir, em nosso ordenamento jurídico-previdenciário, o instituto da aposentadoria rural por idade, independentemente do recolhimento de contribuições e mediante a prova do exercício de atividades rurícolas, durante determinado prazo (artigos 39, I, e 143, da Lei n.º 8.213/91, este último combinado com a Lei n.º 11.368, de 09-11-2006, resultante da conversão, em lei, da Medida Provisória n.º 312, de 19-07-2006)." APELAÇÃO CÍVEL Nº 2006.70.99.002802-5/PR:RELATOR: Juiz SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
A própria Advocacia-Geral da União[1], que representa juridicamente a União e o INSS em juízo, exarou parecer enfrentando a questão, mas cujas conclusões limitam-se à transcrição do texto legislativo, in verbis:
“PARECER/MPS/CJ Nº 39/2006
Aposentadoria Por Idade. Comprovação de Atividade Rural. Segurados Especiais. Expiração do Prazo Previsto no Art. 143 da Lei nº 8.213, de 24 de Julho de 2003.
“(...)12. Assim, em conformidade com o proposto na Nota/MPS/CJ/Nº 370/2005, esta Consultoria Jurídica adota o seguinte entendimento:
a) o segurado especial, após a expiração do prazo previsto no art. 143 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, deverá comprovar o exercício de atividade rural nos moldes do art. 39 da referida lei;
b) para o segurado especial coberto pela Previdência Social somente após 24 de julho de 1991, a concessão de aposentadoria por idade no valor de 1 (um) salário mínimo depende da comprovação de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao do requerimento do benefício, pelo período de 180 (cento e oitenta) meses;
c) para o segurado especial coberto pela Previdência Social Rural até 24 de julho de 1991, aplica-se o período de carência previsto no art. 142 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991.
Importante salientar que tanto a manifestação da AGU, quanto a jurisprudência dos Tribunais Pátrios (em regra), no contexto em que se inseriram, restringiram o debate sobre o tema a existência ou não de decadência e à possibilidade de concessão de benefício por idade aos trabalhadores rurais, a despeito da expiração da vigência do art. 143 para o segurado especial.
Contudo, em falsa antinomia ao princípio da precedência do custeio[2], o legislador, com a redação contida nos arts. 39, I e 48, §2º ambos da Lei 8213/91, dispôs, em caráter permanente, tratamento que diferencia os trabalhadores rurais e urbanos, haja vista que dispensa a comprovação de carência para a percepção do benefício previdenciário , in verbis:
“ Art. 39. Para os segurados especiais, referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, fica garantida a concessão:
I - de aposentadoria por idade ou por invalidez, de auxílio-doença, de auxílio-reclusão ou de pensão, no valor de 1 (um) salário mínimo, e de auxílio-acidente, conforme disposto no art. 86, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período, imediatamente anterior ao requerimento do benefício, igual ao número de meses correspondentes à carência do benefício requerido; ou (Redação dada pela Lei nº 12.873, de 2013)
II - dos benefícios especificados nesta Lei, observados os critérios e a forma de cálculo estabelecidos, desde que contribuam facultativamente para a Previdência Social, na forma estipulada no Plano de Custeio da Seguridade Social.”
“Art. 48. A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)
§ 1o Os limites fixados no caput são reduzidos para sessenta e cinqüenta e cinco anos no caso de trabalhadores rurais, respectivamente homens e mulheres, referidos na alínea a do inciso I, na alínea g do inciso V e nos incisos VI e VII do art. 11. (Redação dada pela Lei nº 9.876, de 1999)
§ 2o Para os efeitos do disposto no § 1o deste artigo, o trabalhador rural deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido, computado o período a que se referem os incisos III a VIII do § 9o do art. 11 desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 11,718, de 2008)”
Ademais, apesar da jurisprudência não ter enfrentado a constitucionalidade da questão, a necessidade de contribuição previdenciária pelo segurado especial como condição para fazer jus à benefícios da previdência social tem fulcro não apenas na própria Constituição Federal, mas em todo o bojo do ordenamento pátrio e expressa antinomia aos dispositivos insculpidos nos artigos 39 inciso I e 42, parágrafo 8º, do RGPS.
Neste sentido há que se harmonizar os referidos dispositivos ao comando constitucional, que estabeleceu expressamente forma diferenciada de contribuição à seguridade social mediante a aplicação de uma alíquota sobre o resultado da comercialização da produção, para usufruir dos benefícios da previdência social.
Da redação que exige que o trabalhador rural comprove o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, não se pode concluir que dele não se exigirá o recolhimento de contribuição à seguridade social, sob consequência da explícita inconstitucionalidade a exigir um controle para interpretação conforme do Supremo Tribunal Federal.
A interpretação dos dispositivos contidos nos artigos 39,inciso I e 42, §8º, ambos da Lei 8213/91, encontra lógica e harmonia constitucional com a aplicação sistemática do dispositivo contido do §2º do art. 55 da na própria lei nº 8213/91, que dispõe:
“Art. 55. O tempo de serviço será comprovado na forma estabelecida no Regulamento, compreendendo, além do correspondente às atividades de qualquer das categorias de segurados de que trata o art. 11 desta Lei, mesmo que anterior à perda da qualidade de segurado:
(...)
“§ 2º O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência desta Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições a ele correspondentes, exceto para efeito de carência, conforme dispuser o Regulamento.” (grifei)
O alcance da interpretação do regramento do RGPS que autoriza que o trabalhador rural comprovar o exercício de atividade rural independente do recolhimento de contribuições, deve necessariamente observar que não serão computados para efeito de carência, que conforme preceitua o art. 24 da Lei 8.213/91, quer dizer: “o número mínimo de contribuições mensais indispensáveis para que o beneficiário faça jus ao benefício, consideradas a partir do transcurso do primeiro dia dos meses de suas competências”.
Confirmando a necessidade de recolhimento à previdência, um largo arcabouço normativo está disposto no ordenamento pátrio que regulamentam o comando constitucional da contribuição sob a aplicação de alíquota sobre o resultado da comercialização, dentre os quais se destacam-se os artigos 25, 30 e 49 Lei 8.212/91; o inciso IV e §§ 5º a 8º do art. 200 do Decreto 3.048/99; e o art. 29 da Lei 8.213/91, que disciplinam a obrigatoriedade do produtor rural pessoa física e o segurado especial contribuírem à seguridade social.
O regime diferenciado se justifica, em razão da sazonalidade da atividade rural, que engloba dentre inúmeras intempéries o período de entressafra, o intervalo entre plantação e colheita, além da possibilidade de chuvas e secas, que o próprio legislador previu ao estabelecer no regulamento do Decreto nº 3048/99, que “ Quando o grupo familiar a que o segurado especial estiver vinculado não tiver obtido, no ano, por qualquer motivo, receita proveniente de comercialização de produção deverá comunicar a ocorrência à Previdência Social.”
Outrossim, sendo o sistema contributivo, havendo previsão constitucional que determina o pagamento de contribuição ainda que diferenciada aos segurados especiais, e que veda a adoção de requisitos diferenciados para concessão de aposentadoria a exceção da aposentadoria especial e portadores de deficiência, há que se exigir contribuição do segurado especial e dos trabalhadores rurais assim como se exige dos trabalhadores urbanos, como condição para que estes possam usufruir dos benefícios previdenciários previstos na lei, sob pena de explícita quebra da isonomia estabelecida pela Constituição Federal.
[1] A Procuradoria-Geral Federal, órgão vinculado à Advocacia-Geral da União - AGU, criado pela Lei nº 10.480, de 2 de julho de 2002, representa a Administração indireta federal em Juízo, o que incluí o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS.
[2] CF/88, Art. 195, “§5º - Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total.”
Procurador Federal da Advocacia-Geral da União, exerceu os cargos de Consultor Jurídico Substituto do Ministério da Ciência e Tecnologia, -Consultor Jurídico Substituto do Ministério da Integração Nacional, Presidente do Conselho Fiscal da FINEP, atualmente ocupo o cargo de Chefe da Seção de Contencioso Previdenciário da Procuradoria Seccional Federal em Juiz de Fora, sou Pós Graduado em Direito Constitucional pelo Instituto Brasileiro de Direito Público, Pós-Graduado em Direito Notarial e em Direito Previdenciário pela Universidade Anhanguera.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CARVALHO, Raul Pequeno Sá. A necessidade de contribuição à seguridade social pelo segurado especial Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 jan 2014, 06:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/37933/a-necessidade-de-contribuicao-a-seguridade-social-pelo-segurado-especial. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Maurício Sousa da Silva
Por: Maurício Sousa da Silva
Por: Maurício Sousa da Silva
Por: DESIREE EVANGELISTA DA SILVA
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