Na apresentação do livro, Celso R. Braida relata a importância de Friedrich Daniel Ernest Schleiermacher (1768-1834), como precursor, para a Hermenêutica, a qual serviu de fundamento geral para as ciências humanas ou ciências do espírito, em face da pretensão hegemônica da metodologia positivista das ciências naturais.
Com Schleiermacher, as ciências humanas ganharam inteligibilidade compreensiva, objetivando a apreensão do sentido na interpretação de textos, de maneira distinta da característica explicativa das ciências naturais, as quais buscavam determinar as causas de um fenômeno através da observação e da quantificação.
A compreensão hermenêutica proposta por Schleiermacher, em suma, põe à prova a objetividade científica das ciências naturais ao estabelecer a inseparabilidade de sujeito e objeto; o condicionamento de toda expressão do humano a um determinado horizonte linguístico; a circularidade entre o todo e o particular, que impede a compreensão por mera indução, e a referência à pré-compreensão, a qual destaca a prioridade da pergunta sobre a resposta e a problematiza a noção de dado empírico puro.
Schleiermachaer utiliza-se da dialética para demonstrar a relatividade do saber, diante da inseparabilidade de pensamento e linguagem e a inexistência de uma linguagem universal, pois a linguagem é algo histórico.
Segundo Braida, a hermenêutica de Schleiermachaer surgiu da necessidade de interpretar e traduzir os textos antigos clássicos, que careciam de um tratamento sistemático.
Era preciso criar uma arte da compreensão em geral (p. 15).
Shleiermacher assim o faz ao deslocar a hermenêutica do domínio técnico e científico para o domínio filosófico, sob o argumento de que aquela está ligada à arte de falar e à arte de pensar.
Explica Braida que o objetivo da hermenêutica de Schleiermacher é a compreensão do autor e não apenas a compreensão do texto enquanto texto, o que caracteriza o enfoque teórico da hermenêutica romântica como psicológico. (p. 20).
Na parte I – Discursos Acadêmicos – 1829, Schleiermachar explica a origem de seus estudos na falta de uma sistematização da arte de interpretar, uma vez que, à época, a hermenêutica era configurada de forma especial como órganon para uma esfera determinada (filologia clássica, literatura sagrada, hermenêutica jurídica, etc.).
No seu entender, porém, em todas elas deveria haver qualquer coisa de comum e de mais elevada: uma hermenêutica geral. (p.29).
A hermenêutica de seus antecessores (Ernesti, Fülleborn, Wolf e Ast) carecia de fundamentação e pecava pela incompletude de regras, de padrões de interpretação.
Aduz Schleiermacher que a teoria científica pura nada acrescenta. Somente é útil aquela ciência que reúne as observações com escopo de se chegar a um fim.
Para os antecessores do autor, a hermenêutica apenas seria necessária para traduzir textos estrangeiros ou para entender os escritores. Ele questiona tal posicionamento ao provar que a dificuldade de entendimento de qualquer texto ou qualquer narrativa, mesmo quando não se trata de literatura, enseja a aplicabilidade da uma teoria geral hermenêutica.
Defende o autor que a prática da hermenêutica se dá também na língua materna e no relacionamento imediato como os homens. Para ele, a hermenêutica não pode mais ser tratada como degrau, apêndice ou conhecimento complementar.
Estudando os métodos de Ast e Wolf, Schleiermacher pontua que quando a compreensão segura e completa não se realiza simultânea e imediatamente com a percepção, os métodos comparativo e divinatório deverão ser utilizados, nos graus proporcionais de necessidade do objeto de estudo, até que se chegue a uma satisfação tão semelhante quanto à compreensão imediata do texto. (p. 43)
Todavia, o autor questiona como podem as crianças compreender o que é dito sem que conheçam ainda a atividade do pensamento, nem tenham pontos de comparação.
O autor conclui que os adultos se encontram em cada instante de não compreensão na mesma situação que tais crianças, apenas num grau menor (p. 45).
Explica ele que se trata da autodescoberta do espírito pensamente, ou seja, que se inicia num processo divinatório, mas que pouco a pouco se apoia nos pontos de comparação e de analogia.
A doutrina hermenêutica que propõe somente pode começar quanto tanto a língua em sua objetividade quanto o processo de formação do pensamento forem vistos enquanto funções da vida espiritual individual em sua referência ao próprio pensamento, a partir do modo como se procede no encadeamento e comunicação dos pensamentos, como também do modo como se deve proceder na compreensão (p. 46).
No próximo discurso (Outubro de 1829), o autor trata da ideia, que diz ter sido inspirada em Ast, de que cada particular apenas pode ser compreendido por meio do todo e, portanto, toda explicação do particular pressupõe já a compreensão do todo.
Este princípio hermenêutico é tão elementar para a hermenêutica de Shcleiermacher que deve ser aplicado indiscutivelmente nas primeiras operações de interpretação de um texto.
Esclarece que compreender a parte pelo todo vale não apenas para a escolha entre os múltiplos significados de uma palavra, mas também em todas as palavras suscetíveis de gradações diferentes e no caso de múltipla ocorrência de palavras no texto.
De fato, como cada palavra é elemento e uma parte na frase, assim também se porta a frase no contexto de um discurso, o que torna uma frase de um escritor lida isoladamente passível de interpretações totalmente errôneas, quando não há a conexão com seu contexto original.
O mesmo raciocínio vale para uma obra por inteiro. Uma obra deve ser interpretada sobre um duplo ponto de vista, pois cada obra é um particular no domínio da literatura ao qual pertence, mas também é um particular enquanto ato de seu autor e forma, com outras suas ações, o todo de sua vida.
Nesse ponto o autor retoma a ideia do duplo procedimento: o divinatório e comparativo, uma vez que quando se ainda está no interior da obra, o intérprete vai do método gramatical para o psicológico. Todavia, quando se coloca o contexto de todo um domínio de produção literário, a obra em si interessa, mas interessa também o seu contexto e conexão com a vida determinada.
Posteriormente, ele critica Ast, o qual concebe uma tríplice compreensão hermenêutica: a histórica, a gramatical e a espiritual, ao colocar esta última como a mais importante, que na verdade seria quádrupla, pois há um dupla relação ao espírito do escritor e ao espírito do domínio linguístico em que este se insere.
Schleiermacher pontua que tal classificação tríplice coloca equivocadamente a interpretação como desenvolvimento da compreensão. Para o autor, a interpretação se distingue da compreensão apenas como o discurso em voz alta do discurso interior. (p. 61).
A hermenêutica deve, destarte, produzir um conjunto coeso de regras a partir da natureza da linguagem e das condições fundamentais da relação entre o falante e o ouvinte para evitar a nefasta existência de múltiplas interpretações com sentidos totalmente diferentes.
A partir desse momento, o autor (texto II - Hermenêutica, primeiro projeto: 1809-1810 – e Segunda Parte – Da interpretação técnica) trabalha com as regras de interpretação de uma Hermenêutica geral.
Das regras mais relevantes, podem-se destacar as seguintes:
Partir do objeto mais restrito, porque mesmo que haja uma hermenêutica particular, a exemplo da hermenêutica religiosa, o particular é compreendido apenas através do universal (p. 67).
A hermenêutica parte de dois pontos distintos: compreender na linguagem e compreender no falante. A interpretação é, por esse motivo, arte, pois nenhum deles se completa por si.
Deve-se compreender tão bem e melhor que o escritor.
Não se pode esquecer o escritor na gramática e a linguagem na técnica, evitando as incompreensões qualitativas e quantitativas, respectivamente.
A interpretação gramatical constitui na arte de encontrar o sentido determinado de um determinado discurso, com o auxílio da linguagem, construindo a partir do inteiro valor prévio da língua, comum ao escritor e o intérprete, e procurando somente neste a possibilidade de interpretação (p. 70).
Entretanto, quando o discurso portar múltiplos significados, o intérprete deve se utilizar da intuição para subsumir qual conceito melhor se encaixa ao texto. Destarte, Schleiemacher divide a tarefa da interpretação gramatical em duas partes: determinar o significado a partir do emprego dado e encontrar o emprego posto como desconhecido a partir do significado.
Em outras palavras, a tarefa da interpretação é, conforme o pressuposto conhecimento do significado, encontrar para cada caso dado o verdadeiro uso que o autor tinha em mente, evitando tanto os falsos como também o muito e o pouco.
Com esse objetivo posto, percebe-se o tom psicologista da hermenêutica de Schleiermacher.
Nesse diapasão, Shleiermacher passa a falar sobre as determinabilidades dos elementos formais e materiais, advertindo que os contextos indicam o acento e o tom do conjunto, que pode se enveredar numa relação equivocada se nisso se busca muito ou pouco (p. 85).
Em sequência, trata o autor da tarefa de encontrar a originalidade da composição a partir da ideia da obra ao determinar o domínio linguístico do escritor e a particularidade a partir deste.
Na parte III (Exposição separada da segunda parte – 1826-1827), o autor trata da interpretação técnica que busca a compreensão como composição do pensamento, a partir do homem, em contraposição à interpretação gramatical que busca compreender o discurso e a composição a partir da língua.
Na interpretação técnica, a língua é apenas o órgão do homem, a serviço de sua individualidade. (p. 93).
Por fim, Schleiermacher fala da descoberta da unidade de estilo do autor através da comparação com outros e através de consideração em e por si, do encontro da unidade interna ou o tema da obra e da originalidade da composição.
Referência: SCHLEIERMACHER, Friedrich D. E. Hermenêutica – Arte e técnica da interpretação. Tradução e apresentação de Celso Reni Braida. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999.
Advogada, formada em direito pela Universidade Federal de Sergipe (2008) e pós-graduanda em Direito do Consumidor pela Universidade Anhanguera - UNIDERP /REDE LFG. Atua na área de Direito, com ênfase em Direito Empresarial e do Consumidor.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, Déborah Barreto de. Resenha da obra: Hermenêutica - Arte e técnica de Interpretação de Friedrich D. E. Shcleiermacher Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 jan 2014, 06:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/37935/resenha-da-obra-hermeneutica-arte-e-tecnica-de-interpretacao-de-friedrich-d-e-shcleiermacher. Acesso em: 23 dez 2024.
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