1. Introdução
Com o advento da Constituição Federal de 1988, os gastos públicos passaram a ser regulamentados por legislação específica, a exemplo da Lei de responsabilidade fiscal. A carta maior, deixa claro, no que tange aos princípios da Administração Pública, o princípio da publicidade, nele consiste a transparência e eficácia com o gasto do dinheiro público.
Há também o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, onde tudo que o administrador público fizer tem que priorizar o interesse público, a coletividade. O intuito da transparência é fazer com que o Estado gaste melhor o dinheiro público trazendo, assim, maior benefício social com os recursos obtidos por meio da arrecadação pública.
O ideal é construir um estado que faça bom uso do dinheiro público e que toda população coloque agentes políticos com competência para tal. Com isso, os ganhos advindos da transparência governamental se encerram nos resultados apresentados por esse tipo de política para todo arranjo institucional da administração pública.
Contudo, o objetivo deste texto é mostrar a importância da transparência nos gastos com o dinheiro público e transparecer a fiscalização para evitar transtornos posteriores, evidenciando como é feito o controle dos gastos públicos e como os agentes políticos fazem uso do dinheiro público, fazendo as devidas prestações de contas aos órgãos competentes e para a população.
2. A transparência como mecanismo de controle dos gastos público.
No Brasil, muitos são aqueles que investem em candidaturas com o intuito de ser parte do poder legislativo ou executivo. Isto chega a ser significativo levando-se em conta o processo de democracia participativa em alta no país. O problema é que entre todas as funções dos representantes políticos, está aquela do uso adequado dos recursos públicos e nem sempre eles são utilizados para melhorar a vida da população.
Segundo a Controladoria Geral da União - CGU (2009), existem no país “administradores desonestos” que se apropriam do dinheiro público deixando de aplicá-lo nas reais necessidades da população. Assim percebe-se a necessidade de um maior controle dos gastos públicos. A Controladoria Geral da União afirma que o controle social “entendido como a participação do cidadão na gestão publica, é um mecanismo de prevenção da corrupção e de fortalecimento da cidadania.”
Isso significa que é necessário fiscalizar a aplicação desses recursos buscando no processo de transparência uma forma de controlar e aplicar de maneira correta o dinheiro público.
O legislador brasileiro garantiu na Constituição Federal de 1988, o direito da população a publicidade, a transparência pública e a fiscalização dos atos e contratos do Estado, da Administração Pública, pois, sendo o Estado um ente federativo com autonomia na sua gestão, existe a necessidade de controle por parte da sociedade civil.
A transparência pública e o controle social são tão importantes que o governo brasileiro vem emitindo diversas normativas que visam garantir à população o acesso às informações públicas e criando diversos mecanismos de controle dos seus próprios atos.
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso XIV diz – “é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”; já em seu inciso XXXIII diz – “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”.
A Lei Complementar nº 101/2000, Lei de Responsabilidade Fiscal, visa controlar e responsabilizar os gestores públicos no gasto com o recurso público. A Lei nº 12.527/2011 orienta a todos os entes públicos e aqueles que fazem contratos/convênios com a Administração Pública, quanto à publicidade e o acesso da população às informações.
Ademais, a Constituição Federal estabeleceu a publicidade como um dos princípios norteadores da Administração Pública, ao prescrever, em seu art. 37, que "A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência".
Ao discorrer acerca do princípio da publicidade, o professor José Eduardo Martins Cardozo[1] menciona que:
Entende-se princípio da publicidade, assim, aquele que exige, nas formas admitidas em Direito, e dentro dos limites constitucionalmente estabelecidos, a obrigatória divulgação dos atos da Administração Pública, com o objetivo de permitir seu conhecimento e controle pelos órgãos estatais competentes e por toda a sociedade.
Estritamente vinculado ao princípio da publicidade, há, outrossim, a obrigação dos gestores públicos na prestação de contas, tal como estabelecido pela Carta Maior, em seu art. 70, parágrafo único, ao estabelecer que "Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária.".
Ocorre, entretanto, que embora estivesse previsto pela Carta Maior, não havia mecanismo eficaz ao controle na gestão de recursos públicos, pelos administrados e demais órgãos da Administração, o qual apenas fora atingido com o advento da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, mais conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal, que estabeleceu normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências
A Lei de Responsabilidade Fiscal adveio, entretanto, da irresponsabilidade dos administradores públicos, tendo como escopo suprir a necessidade de controle nas contas públicas.
De fato, com a aprovação e entrada em vigor da Lei de Responsabilidade Fiscal, a publicidade na gestão de recursos públicos passou a ser vinculada com a transparência e ambas passaram a ser vistas como preceito fundamental para uma gestão fiscal responsável.
A transparência foi estabelecida como um dos princípios norteadores da Lei de responsabilidade Fiscal, sendo entendida como a divulgação em diferentes meios de comunicação dos relatórios públicos para possibilitar e facilitar o acesso da população.
Registre-se, por oportuno, que a própria Constituição Federal já previa, em diversos artigos, a necessidade de transparência nos gastos públicos, como por exemplo o art. 168, §3º, ao prescrever que “O Poder Executivo publicará, até trinta dias após o encerramento de cada bimestre, relatório resumido da execução orçamentária.”
Entretanto, em face da irresponsabilidade dos administradores aliado ao fato de ausência de mecanismo de coerção, fora que foi aprovada e publicada a Lei de Responsabilidade Fiscal.
De fato a Lei de Responsabilidade Fiscal trouxe várias regras no sentido de dar maior transparência aos gastos públicos, ao dedicar todo o Capítulo IX ao controle e a fiscalização na gestão fiscal dos Administradores, definindo ferramentas de transparência da gestão que deverão ser divulgados amplamente, inclusive em meios eletrônicos de acesso público, bem como o incentivo a participação da população e a realização de audiências públicas durante os processos de elaboração e discussão dos planos, lei de diretrizes orçamentarias e orçamentos, como estabelecem seus arts. 48 e 49:
Art. 48. São instrumentos de transparência da gestão fiscal, aos quais será dada ampla divulgação, inclusive em meios eletrônicos de acesso público: os planos, orçamentos e leis de diretrizes orçamentárias; as prestações de contas e o respectivo parecer prévio; o Relatório Resumido da Execução Orçamentária e o Relatório de Gestão Fiscal; e as versões simplificadas desses documentos.
Parágrafo único. A transparência será assegurada também mediante:
I – incentivo à participação popular e realização de audiências públicas, durante os processos de elaboração e discussão dos planos, lei de diretrizes orçamentárias e orçamentos;
II – liberação ao pleno conhecimento e acompanhamento da sociedade, em tempo real, de informações pormenorizadas sobre a execução orçamentária e financeira, em meios eletrônicos de acesso público;
III – adoção de sistema integrado de administração financeira e controle, que atenda a padrão mínimo de qualidade estabelecido pelo Poder Executivo da União e ao disposto no art. 48-A.
Art. 48-A. Para os fins a que se refere o inciso II do parágrafo único do art. 48, os entes da Federação disponibilizarão a qualquer pessoa física ou jurídica o acesso a informações referentes a:
I – quanto à despesa: todos os atos praticados pelas unidades gestoras no decorrer da execução da despesa, no momento de sua realização, com a disponibilização mínima dos dados referentes ao número do correspondente processo, ao bem fornecido ou ao serviço prestado, à pessoa física ou jurídica beneficiária do pagamento e, quando for o caso, ao procedimento licitatório realizado;
II – quanto à receita: o lançamento e o recebimento de toda a receita das unidades gestoras, inclusive referente a recursos extraordinários.
Art. 49. As contas apresentadas pelo Chefe do Poder Executivo ficarão disponíveis, durante todo o exercício, no respectivo Poder Legislativo e no órgão técnico responsável pela sua elaboração, para consulta e apreciação pelos cidadãos e instituições da sociedade.
Parágrafo único. A prestação de contas da União conterá demonstrativos do Tesouro Nacional e das agências financeiras oficiais de fomento, incluído o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, especificando os empréstimos e financiamentos concedidos com recursos oriundos dos orçamentos fiscal e da seguridade social e, no caso das agências financeiras, avaliação circunstanciada do impacto fiscal de suas atividades no exercício.
Se vislumbra, assim, que com o advento da Lei de Responsabilidade Fiscal, todos os órgãos e gestores públicos tiveram de iniciar, o processo de divulgação de seus dados.
Tal obrigação decorre de que toda informação pública deve ser disponibilizada a qualquer cidadão, com o fito de avaliação dos gastos públicos, visando promover maiores ganhos sociais com seus investimentos.
De fundamental importância também, foi a criação da Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, que regula o acesso a informação previsto no inciso XXXIII do art. 5o, no inciso II do § 3o do art. 37 e no § 2o do art. 216 da Constituição Federal. A referida Lei, que passou a vigorar desde o dia 16 de maio de 2012, estabelece que os órgãos públicos devem prestar informações sobre suas atividades a qualquer cidadão interessado em tais informações. As únicas informações que devem ser sigilosas, segundo a lei, são os assuntos considerados secretos do Estado, ou assuntos que possam colocar em risco a segurança nacional ou que comprometam atividades de investigação policial.
Art. 3o Os procedimentos previstos nesta Lei destinam-se a assegurar o direito fundamental de acesso à informação e devem ser executados em conformidade com os princípios básicos da administração pública e com as seguintes diretrizes:
I - observância da publicidade como preceito geral e do sigilo como exceção;
II - divulgação de informações de interesse público, independentemente de solicitações;
III - utilização de meios de comunicação viabilizados pela tecnologia da informação;
IV - fomento ao desenvolvimento da cultura de transparência na administração pública;
V - desenvolvimento do controle social da administração pública.
A Lei em referência faz-se necessária em um momento em que a sociedade deve estar cada vez mais ciente de seu papel fiscalizador dos gastos públicos, onde é muito comum a falta de transparência na prestação de contas públicas.
Ocorre, entretanto, que ainda há certa resistência por parte dos gestores públicos quanto a publicidade e transparência dos seus atos.
Frise-se, como exemplo, a publicação, pela União, em sítio da internet denominado Portal da Transparência dos valores recebidos pelos servidores públicos federais, de forma individualizada, o qual foi objeto de ação judicial em trâmite na 22ª Vara Federal do Distrito Federal, sob o nº 33326-48.2012.4.01.3400, tendo o MM. Juiz deferido liminar requerida, e, por conseguinte, determinado que a União suspendesse a referida publicação.
Ocorre que, ajuizado pedido de Suspensão de Liminar perante o Pretório Excelso, protocolada sob o nº 623, o seu então Presidente, o Ministro Ayres Britto, deferiu liminarmente o pleito, e, por conseguinte, suspendeu os efeitos da liminar concedida em primeiro grau, permitindo, assim, a referida publicação até o trânsito em julgado do processo.
Como bem mencionado pelo Ministro Ayres Britto em sua decisão, há de se ressaltar o seguinte:
“é evidente estar-se diante de matéria constitucional, devido a que as decisões impugnadas versam o tema do direito fundamental de acesso à informação pública (inciso XXXIII do art. 5º, inciso II do § 3º do art. 37 e § 2º do art. 216, todos da Constituição Federal), de parelha com o princípio igualmente constitucional da publicidade da atuação administrativa (caput do art. 37 da CF). Princípio que, para além da simples publicidade do agir de toda a Administração Pública, propicia o controle da atividade estatal até mesmo pelos cidadãos. Donde a facilitada conclusão de que decisões judiciais contrárias a tais normas constitucionais de proa gera grave lesão à ordem pública.”
De fato, por se tratar de valores pagos pelo Poder Público, sendo, então de caráter estatal, decorrente da natureza pública do cargo, toda a coletividade deve ter acesso, com o fito de permitir a fiscalização das contas e dos atos públicos.
3. Considerações finais.
Diante das considerações supra, se vislumbra que a transparência é um dos mecanismos de controle dos gastos públicos, dando efetividade ao aprimoramento da governança ao analisar com profundidade e de forma imparcial as estratégias de alocação de verbas públicas e a qualidade dos gastos governamentais.
Através da transparência, há de construir-se um Estado que gaste melhor, com a diminuição da corrupção, trazendo, outrossim, maior benefício social com os investimentos dos recursos obtidos.
Entrelinhas, tendo a sociedade acesso à informação pública que motivou os atos dos administrados, com vistas à melhor alocação dos recursos públicos, estará se combatendo a corrupção, a qual traz impactos negativos a importantes indicadores socioeconômicos.
Ao ser assim, há de ser incentivado aos administrados, o acesso às informações dos gastos públicos, a fim de que estes possam efetuar o controle externo e combater a corrupção, bem como promover o aprimoramento das receitas do Estado.
Faz-se cada vez mais importante que a Administração Pública desenvolva meios de garantir que sociedade tenha acesso à forma como estão sendo utilizados o dinheiro e os bens públicos. Garantir a transparência dos gastos públicos, viabiliza a ratificação do estado democrático de direito.
4. Referências bibliográficas.
BRASIL. Lei Complementar 101/2000. Estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp101.htm>. Acesso em 17 jul. 2012.
BRASIL. Lei nº 12.527/2011. Regula o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5o, no inciso II do § 3o do art. 37 e no § 2o do art. 216 da Constituição Federal; altera a Lei no 8.112, de 11 de dezembro de 1990; revoga a Lei no 11.111, de 5 de maio de 2005, e dispositivos da Lei no 8.159, de 8 de janeiro de 1991; e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm>. Acesso em 17 jul. 2012.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm>. Acesso em 17 jul. 2012.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Suspensão de Liminar 623 Distrito Federal. Requerente: União. Requerido Juiz Federal da 22ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal. Interessado: Confederação dos Servidores Públicos do Brasil – CSPB. Registrado: Ministro Presidente Ayres Britto. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/SL_623.pdf> . Acesso em 17 jul. 2012.
CARDOZO, José Eduardo Martins. Princípios Constitucionais da Administração Pública (de acordo com a Emenda Constitucional n.º 19/98). IN MORAES, Alexandre. Os 10 anos da Constituição Federal. São Paulo: Atlas, 1999, p. 159.
[1] CARDOZO, José Eduardo Martins. Princípios Constitucionais da Administração Pública (de acordo com a Emenda Constitucional n.º 19/98). IN MORAES, Alexandre. Os 10 anos da Constituição Federal. São Paulo: Atlas, 1999,p. 159.
Procuradora Federal em exercício na Procuradoria Federal junto à Fundação Universidade Federal do Tocantins - UFT.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NASCIMENTO, Patricia Bezerra de Medeiros. A transparência como mecanismo de controle dos gastos públicos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 jan 2014, 08:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38030/a-transparencia-como-mecanismo-de-controle-dos-gastos-publicos. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Francisco de Salles Almeida Mafra Filho
Por: BRUNO SERAFIM DE SOUZA
Por: Fábio Gouveia Carneiro
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
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