1 INTRODUÇÃO
O objetivo do presente artigo, que retrata a investigação sobre o tema na preparação do autor para o ingresso no curso de pós-graduação em Comércio e Direito Internacional, é revelar as tendências do planejamento tributário e as formas como a Administração Pública Tributária pretende regulamentar a norma geral antiabuso, criada pela Lei Complementar no 104/2001, para o combate à evasão fiscal.
A experiência demonstra que, além dos problemas relativos à sonegação fiscal, é notória a tendência natural de que uma parcela dos contribuintes (geralmente aqueles com maior capacidade econômica) procure desviar-se de suas obrigações tributárias, recorrendo, dentro de uma aparente legalidade e com apoio técnico de assessores especializados, a esquemas negociais artificiosos (por meio de um planejamento tributário abusivo) que podem vir a manipular e distorcer normas jurídicas em busca de vantagens econômicas indevidas.
Designa-se o comportamento pelo qual o sujeito passivo da obrigação tributária se utiliza de meios artificiosos e abusivos para, sob uma aparência de legalidade e licitude, buscar e evitar a ocorrência do fato gerador do tributo ou buscar se colocar dentro do pressuposto de fato de um regime tributário mais benéfico, criado pela legislação para abarcar outras situações.
Por isso, a necessidade de medida legislativa e construção jurisprudencial firme, no sentido de que a evasão tributária seja combatida.
Nesse sentido, para Marciano Seabra de Godoi (em artigo cujo título se refere ao “Estudo Comparativo sobre o combate ao planejamento tributário abusivo na Espanha e no Brasil”), “nos ordenamentos vinculados à tradição do civil law, como o brasileiro, a imposição de limites aos planejamentos tributários ditos sofisticados é tarefa na qual o protagonismo deve caber ao legislador, e sua missão em desempenhar tal tarefa provoca sérias perdas de legitimidade e racionalidade na atividade de combate aos planejamentos tributários artificiosos que a administração fiscal, sob controle do Poder Judiciário, certamente desempenhará”.
2 MARCO TEÓRICO
A imposição de limites ao planejamento tributário sofisticado é tarefa necessária em qualquer Estado Democrático de Direito que pretenda aplicar o sistema tributário vigente com justiça.
Tal como qualquer norma jurídica, a norma de incidência tributária está sujeita a ser defraudada por meio de um comportamento que na esfera do Direito Civil se denomina de fraude à lei ou abuso do direito.
Importante destacar apontamento do estudioso Marciano Seabra de Godoi (em artigo cujo título se refere ao “Estudo Comparativo sobre o combate ao planejamento tributário abusivo na Espanha e no Brasil”):
“Se o contribuinte evita, reduz ou posterga o pagamento de tributos por meio de condutas ilícitas, que implicam infração do ordenamento jurídico, têm-se o fenômeno que designa genericamente com a expressão evasão tributária (IFA, 1983).”
“Nesse caso, que no Brasil também pode ser denominado de sonegação tributária, o contribuinte pratica o fato gerador da obrigação e busca de maneira fraudulenta escapar do dever de recolher o tributo. Um exemplo típico de evasão tributária é a prática comum de vender um imóvel por determinado preço e registrar o contrato de compra e venda por um valor inferior ao realmente recebido pelo vendedor, de modo a buscar escapar do dever de pagar o imposto sobre o ganho de capital ocorrido na operação.”
Logo, quando o sujeito passivo da obrigação tributária busca ocultar a realização do fato gerador do tributo, o que se torna difícil para a Administração Pública Fiscal é afastar as manobras fraudulentas de ocultação ou engano perpetradas nos negócios jurídicos.
Por honestidade científica, é importante deixar claro que no Brasil é sim possível que o sujeito passivo da obrigação tributária faça planejamento tributário (o que se denomina de elisão fiscal) mas só com o objetivo de praticar atos e negócio jurídico com o fim de provocar a menor incidência possível de obrigações tributárias (apenas), sem, no entanto ,ocultar a realização de fato gerador dos tributos.
Por isso, a necessidade de medida legislativa e construção jurisprudencial firme, para combater propósitos práticos que distorcem a finalidade e objetivo contidos nas normas que regulam a espécie.
Os únicos dispositivos do Código Tributário Nacional (CTN) de 1966 que têm relação com o tema da evasão tributária são o artigo 109, o artigo 149 (inciso VII) e o parágrafo único do artigo 116, que dispõem:
“Art. 109. Os princípios gerais de direito privado utilizam-se para pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos e formas, mas não para definição dos respectivos efeitos tributários.
Art. 116. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos:
I - tratando-se de situação de fato, desde o momento em que o se verifiquem as circunstâncias materiais necessárias a que produza os efeitos que normalmente lhe são próprios;
II - tratando-se de situação jurídica, desde o momento em que esteja definitivamente constituída, nos termos de direito aplicável.
Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária. (Incluído pela Lcp nº 104, de 10.1.2001)”
“Art. 149. O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos:
(...)
VII - quando se comprove que o sujeito passivo, ou terceiro em benefício daquele, agiu com dolo, fraude ou simulação; (...)”
O artigo 109 do CTN se destina a delimitar o papel que os princípios gerais de direito privado têm na interpretação da lei tributária.
Assim, o estudioso Marciano Seabra de Godoi relata que, nos casos em que a legislação tributária faça menção a conceitos, institutos e formas de direito privado (salário, doação, hipoteca, usufruto etc.), sem criar uma conceituação própria desses institutos para fins de aplicação da norma tributária, o referido artigo 109 determina que o intérprete deve lançar mão dos princípios gerais de direito privado para verificar o alcance ou o sentido desses institutos.
Logo, como exemplo, se a legislação tributária impõe a incidência de imposto sobre os contratos de leasing (sem transfigurar seu sentido oriundo do direito privado) e se num caso concreto se discute se o imposto é devido ou não exatamente porque se discute se a operação constitui ou não leasing, o intérprete da lei tributária terá eventualmente que recorrer aos princípios gerais de direito privado implícitos na legislação que trata do leasing para verificar o correto alcance do instituto, e consequentemente concluir pela incidência ou não da obrigação tributária.
Entende, pois, que o conteúdo real desse dispositivo é, portanto, um mecanismo para permitir ao aplicador da lei contrariar as manobras de evasão tributária, aplicando, aliás, a norma geral de direito processual, em eventual ação judicial por meio da qual o juiz se convença de que as partes instauraram o processo para obter resultado diverso daquele aparente, resultando em Sentença que obste tal desiderato, evitando, assim, o abuso da lei.
Em 2001, o Poder Executivo encaminhou ao Congresso Nacional um projeto que veio a ser convertido na Lei Complementar no 104/2001 que, entre outras providências incluiu o parágrafo único no artigo 116 do CTN (acima transcrito).
A Exposição de Motivos do Projeto de Lei Complementar afirmava que a norma constituiria “um instrumento eficaz para o combate aos procedimentos de planejamento tributário praticados com abuso de forma ou de direito”. Logo, o dispositivo regula a hipótese de atos ou negócios simulados capazes de praticar infração tributária ou simplesmente evasão fiscal, de modo que o fisco não precisa recorrer ao Poder Judiciário (para decretar a nulidade do ato simulado) para combater a simulação relativa praticada pelo sujeito passivo da obrigação tributária, nos termos do artigo 149, VII, do CTN:
“Art. 149. O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos:
(...)
VII - quando se comprove que o sujeito passivo, ou terceiro em benefício daquele, agiu com dolo, fraude ou simulação; (...)”
O projeto da Medida Provisória 66/2002, que pretende regulamentar o parágrafo único do artigo 116 do CTN, propõe que a identificação dos atos ou negócios jurídicos passíveis de desconsideração deve levar em conta, entre outras normas, a ocorrência de falta de propósito negocial ou abuso de forma, quando afirma que os conceitos de abuso de forma e falta de propósito negocial guardam consistência com os estabelecidos na legislação tributária de países que, desde algum tempo, disciplinaram a elisão fiscal.
3 CONCLUSÃO
A análise da jurisprudência do Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda (atual Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) e dos tribunais do Poder Judiciário leva à certeza de que os planejamentos tributários abusivos são combatidos pela Administração (e pelos órgãos jurisdicionais) pela aplicação de uma norma geral de combate à evasão tributária. Essa norma é aquela determinada pelo artigo 149, VII, do CTN.
Logo, a autoridade administrativa fiscal deve desconsiderar os atos e negócios jurídicos praticados com simulação, com aplicação do direito tributário aos atos e negócios efetivamente praticados pelo sujeito passivo da obrigação tributária.
Convém esclarecer, que na jurisprudência brasileira (que segue o mesmo raciocínio do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), é muito comum que o sujeito passivo da obrigação tributária venha a alegar certa teoria do negócio jurídico indireto, na tentativa de demonstrar a inexistência de ato simulado, mas os órgãos jurisdicionais aplicam um conceito amplo de simulação, que leva em conta as circunstâncias do caso concreto e indaga a substância real do negócio jurídico que sofrerá a incidência tributária (a exemplo do julgado na Apelação Cível 2004.71.10.003965-9/RS – 1a Turma do Tribunal Regional Federal da 4a Região).
Com as propostas de previsão legislativa (de critérios substantivos) para a identificação dos casos de aplicação do parágrafo único do artigo 116 do CTN e de criação de deveres de informação detalhada sobre os planejamentos tributários realizados, considera-se que haveria melhora no que diz respeito à transparência, justiça e segurança jurídica do sistema de combate a eventuais atos de evasão fiscal acobertados por falsa impressão de planejamento tributário.
Como bem relata Luís Eduardo Schoueri, se até meados da década de 90 do século passado a liberdade do sujeito passivo da obrigação tributária na estruturação de suas transações não encontrava limites, exceto os casos de fraude ou simulação, a jurisprudência administrativa passou, a partir de então, a acatar os posicionamentos das autoridades fiscais, que passaram a questionar algumas daquelas estruturas que porventura vieram a causar evasão tributária (não incidência tributária indevida).
Com efeito, do ponto de vista do arcabouço legislativo, a mudança significativa foi a inserção do parágrafo único ao artigo 116 do CTN pela Lei Complementar 104/2001, como norma de combate à evasão fiscal, que deve ser compatibilizada com o inciso VII do artigo 149 do CTN e com a jurisprudência, tanto no âmbito administrativo quanto no jurisdicional.
REFERÊNCIAS
GODOI, Marciano Seabra de, em artigo cujo título se refere ao “Estudo Comparativo sobre o combate ao planejamento tributário abusivo na Espanha e no Brasil”. Revista de informação Legislativa. Subsecretaria de Edições Técnicas do Senado Federal. Brasília. No 194. 2012. Ano 49. p. 117-146.
TORRES, Ricardo Lobo. Elisão Abusiva e simulação na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Conselho de Contribuintes. In: YAMASHITA, Douglas (Coord.). Planejamento tributário à luz da jurisprudência, São Paulo: Lex, 2007. p.330-350.
SCHOUERI, Luís Eduardo (Coord.). Planejamento Tributário e o “Propósito Negocial”, São Paulo: Quartier Latin, 2010.
Procurador da Fazenda Nacional. Especialista em Direito Tributário.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PEREIRA, Aléssio Danillo Lopes. Impressões sobre o planejamento tributário no ordenamento jurídico brasileiro para o combate à evasão fiscal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 jan 2014, 07:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38036/impressoes-sobre-o-planejamento-tributario-no-ordenamento-juridico-brasileiro-para-o-combate-a-evasao-fiscal. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Precisa estar logado para fazer comentários.