Desde meados da última década do século passado o Código de Processo Civil vem sofrendo diversas alterações levadas a feito por várias leis que têm por fundamento, como anunciado, remover entraves à celeridade processual e ao resultado justo do processo.
As chamadas Reformas do CPC tiveram início nos anos de 1994/1995, tendo sua segunda fase ocorrido em 2001/2002, e a terceira no fim de 2005 e no início 2006. Trouxeram, entre outros: a antecipação de tutela; a audiência preliminar (extremamente desprestigiada na prática pretoriana); o processo monitório; possibilidade de apreciação do mérito pelo tribunal na reforma de sentença terminativa; o julgamento antecipado da lide; a definição de atos atentatórios à dignidade da justiça e a fixação de pesadas penas aos litigantes de má-fé. Além de sucessivas alterações na sistemática recursal, sempre no sentido de impossibilitar, reduzir ou dificultar o acesso às instâncias superiores, especialmente no concerne ao agravo que vem sofrendo alterações desde 1994 até a reforma de 2006, que também trouxe a chamada “súmula impeditiva de recursos” e o julgamento de improcedência sem citação do réu nos casos repetitivos.
Também a execução sofreu grandes alterações com as reformas, inicialmente apenas das obrigações de fazer e não-fazer e de entrega de coisa, e na última fase, através da Lei 11.232, de 2005, com a verdadeira extinção do processo autônomo de execução de sentença, inclusive para nos casos de quantia certa.
A comissão capitaneada inicialmente pelo Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, do Superior Tribunal de Justiça, e composta por processualistas de renome nacional, em sua esmagadora maioria, ligados à chamada “Escola Paulista” (instrumentalista), elaborou diversos projetos que objetivavam remover óbices à efetividade do acesso à justiça. Segundo DINAMARCO “esses óbices se localizam em quatro pontos sensíveis do sistema, representados (a) pela admissão em juízo, (b) pelo modo-de-ser do processo, (c) pela justiça das decisões e (d) pela sua efetividade, ou utilidade”[1].
Os fundamentos da reforma têm nítida inspiração no pensamento do jurista italiano Mauro Cappellitti alicerçado na idéia que se denominou de “acesso a justiça”, expresso nos países filiados à tradição romano-germânica, no que se convencionou chamar de as três “ondas renovatórias” do processo, quais sejam: (a) assistência judiciária aos pobres; (b) representação dos interesses difusos e (c) uma concepção mais ampla e renovada do acesso à justiça.
As reformas, portanto, no pensamento de seus idealizadores, buscaram operacionalizar o sistema processual, para “desburocratizá-lo e desformalizá-lo tanto quanto possível, com vista a facilitar a obtenção de resultados justos que dele é licito esperar”[2] no sentido de atingir essa concepção mais ampla e renovada do acesso à justiça.
Em resumo, o objetivo anunciado das alterações legislativas, é “remover óbices técnico-processuais que se antepõem à boa fluência do exercício da jurisdição. Proporcionar meios mais ágeis e eficientes para a obtenção do acesso à justiça”[3].
O movimento reformista processual brasileiro provavelmente atingiu seu ápice com a Emenda Constitucional nº 45, de 2004, chamada de “Reforma do Poder Judiciário”, que trouxe, além da criação do Conselho Nacional da Justiça, a criação do que se convencionou chamar de “súmula vinculante” e, especialmente, a inclusão no art. 5º da Constituição do inciso LXXVIII, a consagrar o princípio da celeridade processual, o que reforça sobremaneira a idéia de redução da morosidade do judiciário. Bem como com o denominado “Pacto de Estado em favor de um Judiciário mais rápido e republicano”, assinado pelos estão Presidentes da República, do Supremo Tribunal Federal, do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, que assim se inicia:
“Poucos problemas nacionais possuem tanto consenso no tocante aos diagnósticos quanto à questão judiciária. A morosidade dos processos judiciais e a baixa eficácia de suas decisões retardam o desenvolvimento nacional, desestimulam investimentos, propiciam a inadimplência, geram impunidade e solapam a crença dos cidadãos no regime democrático.
Em face do gigantesco esforço expendido sobretudo nos últimos dez anos, produziram-se dezenas de documentos sobre a crise do Judiciário brasileiro, acompanhados de notáveis propostas visando ao seu aprimoramento.”[4]
Quanto às reformas do Código de Processo Civil prossegue o “Pacto” afirmando que “tais reformas são reclamadas por toda a comunidade jurídica, que deseja regras capazes de agilizar e simplificar os julgamentos”[5].
Fica evidenciado que as reformas tiveram, como um de seus objetivos primordiais, tornar mais célere a prestação jurisdicional, até o já citado “Pacto” foi firmado “em favor de um Judiciário mais rápido”, deixando nítida a preocupação com a morosidade do judiciário e necessidade de se promover o processo dentro de um prazo razoável, o que já consagrava em 1969, o artigo 8º, número 1, da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San Jose da Costa Rica), em vigor no Brasil por força do Decreto 678, de 09 de novembro de 1992.
De fato não se pode ignorar, como bem asseverou em célebre frase Ruy Barbosa, que a “justiça tardia é uma injustiça qualificada e manifesta”, todavia a manutenção das garantias constitucionalmente asseguradas aos litigantes e também, porque não, ao processo, devem ser plenamente observadas, sob pena de se consagrar a insegurança jurídica, a arbitrariedade e a injustiça, atingindo-se ou não a tão almejada duração razoável do processo.
A ação legislativa tem se apresentado, ao menos na história recente do Brasil, como a solução dos problemas, não apenas da morosidade do Poder Judiciário, mas de todos aqueles que afligem o país. Assim, depois de tantas reformas e remendos no Código Buzaid, se busca agora um Novo Código de Processo Civil, como se esse fosse capaz de resolver todos os enormes e seculares problemas da prestação jurisdicional que as mudanças realizadas no “velho” CPC não puderam.
Desse modo ignoram-se os principais fatores que geram tais problemas e buscam-se soluções paliativas, que apenas disfarçam as verdadeiras mazelas, e que possuem constitucionalidade e eficácia duvidosa.
É o claro exemplo dos Juizados Especiais que na ânsia da simplificação atropelam os mais comezinhos institutos de direito processual, afastando a indispensável figura do advogado consagrada no artigo 133 da Constituição da República, sob o argumento de retirar entraves ao acesso à justiça pelos mais pobres, sem, todavia, proporcionar-lhes a devida assistência jurídica através das Defensorias Públicas que estão constitucionalmente previstas, ao lado do Ministério Público, com função essencial à Justiça.
Ao promover a busca da celeridade processual parece-nos que o legislador tem ignorado diversos pontos afetos à morosidade judiciária, tais como a expansão da litigiosidade; a supervalorização dos direitos individuais; a aptidão para o reconhecimento de direitos; a assistência judiciária e a proteção aos direitos difusos e coletivos.
Parece, ainda, ignorar questões estruturais do Poder Judiciário, tais como o baixo valor e a baixa qualidade do investimento público na “Justiça”; a ausências de uma administração judiciária eficiente; o reduzido quadro de magistrados e servidores, além da pequena informatização, bem como os baixíssimos investimentos na defensoria pública e assistência judiciária.
Na verdade não se pode ignorar que diversos pontos das reformas e do projeto de novo CPC em vias de ser aprovado são salutares e podem produzir bons frutos não só redução do tempo do processo, mas também reduzir injustificados entraves e promover um processo mais justo, todavia as alterações legislativas não terão o condão de levar ao fim, ou ao menos a uma sensível diminuição, da morosidade do judiciário.
Por outro lado, vê-se que as reformas podem produzir inaceitáveis ofensas ao devido processo legal, à isonomia, ao contraditório, à ampla defesa, a plena cognição, ao livre convencimento do juiz, bem como a outros princípios processuais de ordem constitucional, sob o argumento da busca da celeridade, sem, no entanto, conseguir efetivamente alcançá-la.
Definitivamente, não são os muitas vezes condenados prazos dilatados da Fazenda Pública ou as possibilidades de recurso, de alegações, de produção de provas pelas partes a fim de convencer o juiz, os responsáveis pelo prolongamento do processo, até porque é através da participação das partes pelo contraditório que se legitima o processo, devendo-se destacar que partes têm prazo para praticar seus atos (mesmo que em dobro ou em quádruplo), sob pena não poderem mais fazê-lo. Na verdade, a morosidade se dá, principalmente, mas não exclusivamente: (a) pelo não cumprimento dos prazos do juízo, incluída aí a secretaria, e do Ministério Público; (b) pela incapacidade do judiciário de fazer cumprir suas decisões e (c) por artifícios engendrados pelas partes para retardar injustificadamente o processo.
Para os últimos já existe na lei instrumentos postos a disposição do judiciário para evitar os abusos das partes, tais como as multas pela má-fé processual e pela prática de atos atentatórios à dignidade da justiça, além da possibilidade de antecipação de tutela em caso de abuso de direito de defesa. Todavia, tais institutos parecem ser timidamente utilizados pelos magistrados, inclusive pela incapacidade do judiciário de fazer cumprir suas decisões.
Quanto aos demais, pode-se concluir que são, em grande parte, decorrentes dos já citados problemas estruturais do judiciário e, possivelmente, da ausência uma administração judiciária que promova de um controle eficiente do descumprimento dos prazos legais pelos magistrados e pelos promotores e procuradores de justiça e suas razões, seja pelas corregedorias dos Tribunais ou do Ministério Público, seja por órgãos externos, como fixado pela EC 45/2004.
Destarte, verifica-se, por fim, que as reformas processuais têm efetivamente pontos positivos que contribuirão para o melhor desenvolvimento do processo, podendo, inclusive, reduzir a demora da prestação jurisdicional. Mas, não serão suficientes para ultrapassar todos os entraves à sua duração razoável.
Entretanto, no excesso do legislador pela busca da celeridade, o que sequer a garante, há grave risco de ofensa à princípios e garantias constitucionais do processo, que podem produzir decisões judiciais sem legitimidade e injustas, até mesmo porque o processo que não se desenvolve de forma justa e democrática, fundado nos citados princípios e garantias não produzirá, de nenhuma maneira, uma decisão final justa.
Referências Bibliográficas
ASSIS, Araken de. Cumprimento da Sentença. Rio de Janeiro: Forense, 2006.
BAUMÖHL, Débora Inês Kram. A Nova Execução Civil: a desestruturação do processo de execução. Coleção Atlas de Processo Civil. São Paulo: Atlas, 2006.
DINAMARCO, Cândido Rangel. A Reforma da Reforma. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2002.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo de Execução. 13. ed. São Paulo: Edição Universitária de Direito, 1989.
_____. Cumprimento da Sentença e a Garantia do Devido Processo Legal: antecedente histórico da reforma da execução de sentença ultimada pela lei 11.232 de 22.12.2005. 2. ed. Belo Horizonte: Melhoramentos, 2006.
Pacto de Estado em favor de um Judiciário mais rápido e republicano. Fonte: www.mj.gov.br/reforma/pacto.html.
[1] DINAMARCO, Cândido Rangel. A Reforma da Reforma. 2ª ed. São Paulo : Malheiros. 2002. p. 36.
[2] DINAMARCO. Op. cit. p. 38.
[3] Idem.
[4] Pacto de Estado em favor de um Judiciário mais rápido e republicano. Fonte: www.mj.gov.br/reforma/pacto.html.
[5] Idem.
Procurador Federal; Subprocurador da Procuradoria Federal no Estado de Minas Gerais; Especialista em Direito Processual pela PUC/MG.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: REZENDE, Marcus Vinícius Drumond. Das muitas reformas do processo civil brasileiro e dos seus poucos resultados Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 jan 2014, 07:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38133/das-muitas-reformas-do-processo-civil-brasileiro-e-dos-seus-poucos-resultados. Acesso em: 23 dez 2024.
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