RESUMO: O presente artigo busca investigar a constitucionalidade da inovação contida no Art. 6º, e §3° da Lei 12.462, de 04 de agosto de 2011(Regime Diferenciado de Contratações – RDC), que prevê o sigilo da estimativa orçamentária nas licitações, sob a perspectiva do princípio da publicidade e de outros igualmente regentes da Administração Pública.
Palavras-chave: RDC; licitação; estimativa orçamentária; publicidade; acesso à informação; eficiência; constitucionalidade.
SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. A publicidade como regra nas licitações públicas – 3 O sigilo da estimativa orçamentária; 3.1 – O questionamento da ADIN 4.645. – 3.2 – O orçamento sigiloso: afronta à publicidade ou fomento à eficiência? – 4. Conclusão. – 5. Bibliografia.
1. INTRODUÇÃO.
Como é cediço, as contratações publicas são regidas pelos princípios que norteiam a Administração, dentre eles o da publicidade, em conformidade com o Art. 3º a Lei 8.666/93, que, de resto encontra supedâneo no Art. 37 da Constituição Federal.
Seguindo essa baliza, o Art. 7º, § 2º, II do referido estatuto das licitações reza que as obras e os serviços somente poderão ser licitados quando existir orçamento detalhado em planilhas que expressem a composição de todos os seus custos unitários. Por sua vez, o Art. 40, § 2o, II estabelece, como anexo do edital, dele fazendo parte integrante, o orçamento estimado em planilhas de quantitativos e preços unitários.
Ocorre que a Lei n. 12.462, de 04 de agosto de 2011, que instituiu o chamado Regime Diferenciado de Contratações Publicas visando, sobretudo, regulamentar as licitações e contratações públicas associadas aos eventos esportivos a serem realizados no Brasil, instituiu um novo regime de divulgação orçamentária.
Com efeito, embora também tenha expressamente invocado a regência do principio da publicidade em seu Art. 3º, o diploma inova ao postergar, no Art. 6º, §3° da lei, a divulgação da estimativa orçamentária para após o encerramento do certame licitatório, mantendo-se acessível a qualquer tempo apenas aos órgãos de controle externo e interno.
O dispositivo (dentre outros inseridos no mesmo diploma), é questionado pela ADINs n. 4645, tramitante no Supremo Tribunal Federal, pendente de julgamento pela corte.
Tem-se neste estudo, como proposta, uma breve análise sobre o no método, para ao fim se posicionar sobre o beneficio ou maleficio da inovação, à luz dos princípios regentes da Administração Pública e sem olvidar dos vícios e deificencias enfrentados na rotina administrativa.
2. A PUBLICIDADE COMO REGRA NAS LICITAÇÕES PÚBLICAS.
O dever de informação por parte do poder publico, de que é corolário o principio da publicidade, encontra claro substrato na Constituição Federal, e não apenas no Art. 37, que introduz a disciplina própria da Administração Pública, como também ao longo de diversas passagens do texto constitucional, senão vejamos:
Art. 5. Omissis
(...)
XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;
(...)
LX - a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem;
(...)
LXXII - conceder-se-á "habeas-data":
a) para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público;
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
(...)
§ 3º A lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta, regulando especialmente:
(...)
II - o acesso dos usuários a registros administrativos e a informações sobre atos de governo, observado o disposto no art. 5º, X e XXXIII
Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:
(...)
IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação;
Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem
(...)
§ 2º - Cabem à administração pública, na forma da lei, a gestão da documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela necessitem.
Art. 216-A. O Sistema Nacional de Cultura, organizado em regime de colaboração, de forma descentralizada e participativa, institui um processo de gestão e promoção conjunta de políticas públicas de cultura, democráticas e permanentes, pactuadas entre os entes da Federação e a sociedade, tendo por objetivo promover o desenvolvimento humano, social e econômico com pleno exercício dos direitos culturais. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 71, de 2012)
§ 1º O Sistema Nacional de Cultura fundamenta-se na política nacional de cultura e nas suas diretrizes, estabelecidas no Plano Nacional de Cultura, e rege-se pelos seguintes princípios: Incluído pela Emenda Constitucional nº 71, de 2012
(...)
IX - transparência e compartilhamento das informações;
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.
(...)
IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade
Como se observa, a preocupação com a publicidade se espraia por toda a Carta Magna, ganhando, inclusive, a especial nota de fundamentalidade.
Também no âmbito infraconstitucional, o acesso à informação emanada dos órgãos públicos é considerado de prioridade tal que mereceu, recentemente, a edição de especial diploma legislativo para sua regulamentação, qual seja a Lei 12.527, de 18 de novembro de 2011, em cujo Art. 32, I se prescreve inclusive a responsabilidade do agente publico em caso de indevida negativa de informação[1].
E não poderia ser diferente em um Estado dito democrático de direito como o brasileiro, considerando que a informação resulta em transparência, e tem um viés democratizante, na medida em que sujeita o poder publico ao controle do titular do poder - o povo, nos moldes do Art. 1º da CF – tornando-o apto a participar de fato do processo decisório.
Considerando que o administrador publico age funcionalmente, a serviço do administrado e da consecução dos direitos fundamentais, tem-se, a priori, que o acesso aos atos e processo públicos deve ser permanentemente franqueados ao público, a menos que tal resulte em indevida intromissão da privacidade/intimidade dos indivíduos ou implique riscos a segurança nacional. De modo semelhante, aponta Gilmar Ferreira Mendes, referindo-se ao princípio da publicidade:
No plano jurídico-formal o princípio da publicidade aponta para a necessidade de que todos os atos administrativos estejam dispostos ao público, que se pratiquem à luz do dia, até porque os agentes estatais não atuam para satisfação de interesses pessoais, nem sequer da própria Administração, que, sabidamente, é apenas um conjunto de pessoas órgãos, entidades e funções, uma estrutura, enfim, a serviço do interesse público, que, este sim, está acima de quaisquer pessoas. Prepostos da sociedade, que os mantem e legitima no exercício de suas funções, devem os agentes públicos estar permanentemente abertos à inspeção social, o que só se materializa com a publicação/publicidade dos seus atos[2].
Pois bem; o Art. 37, XXI da Constituição Federal reza que ressalvados os casos especificados na legislação, “as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações”.
Nas palavras de Marçal Justen Filho, a licitação é um procedimento administrativo disciplinado por lei e por um ato administrativo prévio, que determina critérios objetivos visando a seleção de proposta de licitação mais vantajosa e a promoção de desenvolvimento nacional, com observância do principio da isonomia, conduzido por um órgão dotado de competência especifica[3]. Como se observa, o escopo último da regra licitatória consiste em oportunizar, a todos quanto interessados, a participação na contratação pública (isonomia), assim como a obter a proposta mais vantajosa para Administração.
Como procedimento administrativo, a licitação, em todos os seus termos, deve orientar-se pela publicidade dos atos procedimentais. O citado administrativista aponta que este princípio, na licitação, desempenha duas funções: permite o amplo acesso dos interessados ao certame (universalidade de participação) e a verificação da regularidade dos atos praticados[4].
3.1 – O questionamento da ADIN 4.645.
Afora a alegação de vicio formal, por inclusão de matéria estranha a tratada na medida provisória que lhe deu origem (MP – PLV n. 17/2011), inexistência de afinidade logica das emendas, assim como inobservância dos pressupostos constitucionais de relevância e urgência, a Lei de criação do RDC é taxada de inconstitucional em uma série de dispositivos nas ADIN’s 4645 e 4655, ambas pendentes de julgamento no Supremo Tribunal Federal.
Dentre eles, questiona-se na ADIN 4.645[5], ajuizada pelos partidos PSDB, DEM e PPS, a constitucionalidade do Art. 6º do RDC, cuja leitura se faz pertinente, verbis:
Art. 6o Observado o disposto no § 3o, o orçamento previamente estimado para a contratação será tornado público apenas e imediatamente após o encerramento da licitação, sem prejuízo da divulgação do detalhamento dos quantitativos e das demais informações necessárias para a elaboração das propostas.
§ 1o Nas hipóteses em que for adotado o critério de julgamento por maior desconto, a informação de que trata o caput deste artigo constará do instrumento convocatório.
§ 2o No caso de julgamento por melhor técnica, o valor do prêmio ou da remuneração será incluído no instrumento convocatório.
§ 3o Se não constar do instrumento convocatório, a informação referida no caput deste artigo possuirá caráter sigiloso e será disponibilizada estrita e permanentemente aos órgãos de controle externo e interno.
Percebe-se que a nova metodologia posterga a publicidade da estimativa orçamentária para após o encerramento do certame licitatório, instituindo um caráter sigiloso ao dito levantamento - pelo menos no que toca aos interessados em geral - sem embargo da permanente acessibilidade dos órgãos de controle interno e externo.
Alega-se que a sistemática quebra a lógica da publicidade e da transparência, que devem ser tidas como regra, sendo o sigilo exceção para o caso de risco à segurança nacional e da sociedade ou quando diga respeito a informação referente a vida pessoal intimidade da pessoa. Na lei, o sigilo vira a regra, de modo a malferir, ainda, o dever de motivação dos atos administrativos.
Em defesa da lei, alega-se que o delimitar sigilo quanto ao tempo (encerramento da licitação), sujeitos (não abrange os órgãos de controle) e objeto (orçamento estimado), houve ponderação de valores, preservando os núcleos essenciais e que se se visa a evitar a formação de cartel e elevação artificial de preços.
Ainda demonstrando a constitucionalidade da medida, argumenta-se que estudos internacionais a respeito demonstram que ela previne o conluio e outras práticas anti-concorrenciais. Via de exemplo, aponta-se que o sigilo da estimativa orçamentária é orientação expressa do mais importante organismo de pesquisas sobre combate a cartéis no mundo, o grupo de trabalho da OCDE. Outrossim, a prática também seria adotada nas Diretivas de Contratação da União Européia, aprovadas no Parlamento Europeu. Finalmente, o sigilo da estimativa orçamentária também seria adotado nos Estados Unidos, conforme legislação de contratação estadunidense (Item 36.2 – 36.203 do Regulamento Federal de Aquisições Públicas dos EUA).
Arremata-se com a conclusão de que os princípios da moralidade e da publicidade restam plenamente atendidos, tendo em vista que os órgãos de controle terão total acesso às informações ainda durante o processo licitatório e, após o seu encerramento, os valores estimados serão divulgados normalmente. Soma-se a isso o fato de que as propostas apresentadas pelos licitantes em valores superiores aos de referência da Administração Pública deverão ser desclassificadas, consoante determina o artigo 24, inciso III, da lei atacada, verbis:
Art. 24. Serão desclassificadas as propostas que:
I - contenham vícios insanáveis;
II - não obedeçam às especificações técnicas pormenorizadas no instrumento convocatório;
III - apresentem preços manifestamente inexequíveis ou permaneçam acima do orçamento estimado para a contratação, inclusive nas hipóteses previstas no art. 6o desta Lei;
3.2 – O orçamento sigiloso: afronta à publicidade ou fomento à eficiência?
De acordo com a regra geral prevista na Lei 8.666/93, é obrigatória a estimativa dos custos orçamentários das obras e serviços, sendo que o edital deverá conter em seu anexo o orçamento estimado em planilhas de quantitativos e preços unitários, verbis:
Art. 7o As licitações para a execução de obras e para a prestação de serviços obedecerão ao disposto neste artigo e, em particular, à seguinte seqüência:
(...)
§ 2o As obras e os serviços somente poderão ser licitados quando:
I - houver projeto básico aprovado pela autoridade competente e disponível para exame dos interessados em participar do processo licitatório;
II - existir orçamento detalhado em planilhas que expressem a composição de todos os seus custos unitários;
Art. 40. O edital conterá no preâmbulo o número de ordem em série anual, o nome da repartição interessada e de seu setor, a modalidade, o regime de execução e o tipo da licitação, a menção de que será regida por esta Lei, o local, dia e hora para recebimento da documentação e proposta, bem como para início da abertura dos envelopes, e indicará, obrigatoriamente, o seguinte:
§ 2o Constituem anexos do edital, dele fazendo parte integrante:
I - o projeto básico e/ou executivo, com todas as suas partes, desenhos, especificações e outros complementos;
II - demonstrativo do orçamento estimado em planilhas de quantitativos e custos unitários;
II - orçamento estimado em planilhas de quantitativos e preços unitários; (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994) (g.n.)
Já no RDC, com base no Art. 6º posterga-se a publicidade da estimativa orçamentária para após o encerramento do certame licitatório, verbis:
Art. 6o Observado o disposto no § 3o, o orçamento previamente estimado para a contratação será tornado público apenas e imediatamente após o encerramento da licitação, sem prejuízo da divulgação do detalhamento dos quantitativos e das demais informações necessárias para a elaboração das propostas.
§ 1o Nas hipóteses em que for adotado o critério de julgamento por maior desconto, a informação de que trata o caput deste artigo constará do instrumento convocatório.
§ 2o No caso de julgamento por melhor técnica, o valor do prêmio ou da remuneração será incluído no instrumento convocatório.
§ 3o Se não constar do instrumento convocatório, a informação referida no caput deste artigo possuirá caráter sigiloso e será disponibilizada estrita e permanentemente aos órgãos de controle externo e interno.
Se bem analisado o preceptivo impugnado, nota-se que não se negou a exigibilidade da estimativa dos custos das obras e/ou serviços – esses indispensáveis, até mesmo para apurar a previsão de recursos orçamentários, exigência da Lei de Responsabilidade Fiscal (Art.s 12, 15 e 16) e fornecer parâmetros para a Administração avaliar a compatibilidade das propostas ofertadas pelos licitantes com os preços ofertados pelo mercado e verificar assim a razoabilidade do valor desembolsado, em prol da economicidade. O que se fez foi, apenas, diferir essa informação em relação aos particulares interessados.
O sigilo, se visto açodadamente, parece desbordar da orientação constitucional, mormente por se deixar ao livre arbítrio do gestor definir o caráter sigiloso ou não do certame. No entanto, com todas as vênias devidas, não se pode olvidar que existem outros princípios regentes da administração publica que merecem especial atenção, destacando-se aqui os princípios da moralidade, da probidade e, sobretudo, da eficiência administrativa.
Quem conhece de perto a rotina das contratações públicas bem sabe quão distante da realidade fica, por vezes, o desiderato de isonomia e vantajosidade em que se fulcra a regra constitucional da licitação, sobretudo em virtude das mais variadas artimanhas perpetradas por particulares, por vezes em conluio com agentes públicos, no escopo de beneficiar-se das lucrativas contratações públicas.
Nesse sentido, ao tomar conhecimento prévio da estimativa orçamentária, é comum que os candidatos estabeleçam cartéis entre si, instituindo um sistema de revezamento, de modo que se eleja, a cada vez, a empresa que vencerá o certame – o que resta sobremodo facilitado com o prévio conhecimento da estimativa, haja vista que possibilita o oferecimento de preço inferior, mas muito próximo, ao parâmetro fixado.
Referindo-se aos princípios da moralidade e da probidade nas licitações, afirma Marcal Justen Filho que a licitação deve ser norteada pela honestidade e seriedade, lembrando o administrativista que os princípios aplicam-se tanto conduta do agente da administração publica como a dos próprios licitantes[6]. É que, de fato, o contrato administrativo é negocio jurídico bilateral cuja higidez depende do comportamento probo de ambas as partes, sendo bem-vindos os mecanismos de combate aos desvios e falhas do sistema.
A título de ilustração, na mesma esteira do que fora citado em relação à publicidade, a preocupação hodierna com a moralidade/probidade no seio da Administração Pública levou à edição, recentemente, da Lei 12.846, que dispõe sobre a responsabilização objetiva administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, reforçando, em seu Art. 5º, IV[7], “a”, a proibição de qualquer tipo de fraude, ajuste ou combinação nas licitações publicas.
Sob outra perspectiva, não raro empresas bem sucedidas teriam condições de oferecer proposta bem inferior aos preços comumente praticados no mercado, não o fazendo, contudo, à vista do patamar mais elevado revelado pela Administração na estimativa orçamentaria.
Dessa maneira, ao que parece, a pretexto de cumprir à risca o princípio da publicidade, a divulgação prévia da estimativa orçamentária culmina por dar azo à fraudes e a fomentar, ainda que indiretamente, a ineficiência administrativa – considerando que a eficiência é intrinsecamente associada à economicidade.
Sobre o conteúdo do princípio da eficiência, é pertinente trazer a explanação de José dos Santos Carvalho Filho que, ao demarcar os traços característicos da eficiência – produtividade e economicidade – chama a atenção ainda para a necessidade de a Administração recorrer a novos métodos para obter maior qualidade nas atividades a seu cargo, verbis:
O núcleo do princípio é a procura de produtividade e economicidade e, o que é mais importante, a exigência de reduzir os desperdícios de dinheiro publico, o que impõe a execução dos serviços públicos com presteza, perfeição e rendimento funcional (...) Vale a pena observar, entretanto, que o principio da eficiência não alcança apenas os serviços públicos prestados diretamente à coletividade. Ao contrário, deve ser observado também em relação aos serviços administrativos internos das pessoas federativas e das pessoas a ela vinculadas. Significa que a Administração deve recorrer à moderna tecnologia e aos métodos hoje adotados para obter a qualidade total da execução das atividades a seu cargo, criando, inclusive, novo organograma em que se destaquem as funções gerenciais e a competência dos agentes que devem exercê-las. Tais objetivos é que ensejaram as recentes ideias a respeito da administração gerencial dos estados modernos (public management), segundo o qual se faz necessário identificar uma gerencia publica compatível com as necessidades comuns da Administração, sem prejuízo para o interesse público que impele toda a atividade administrativa[8].
O novo método estabelecido pelo RDC, ao menos em princípio, apresenta mais vantagem em termos de eficiência que ameaça à publicidade. Por suposto tem-se aqui mais um caso de ponderação dos princípios em cotejo: de um lado a publicidade, de outro a moralidade, probidade e eficiência, a exigir a mediação do princípio da proporcionalidade no escopo de se chegar a uma concordância prática, definida por Canotilho como o princípio que “impõe a coordenação e combinação dos bens jurídicos em conflito de forma a evitar o sacrifício (total) de uns em relação aos outros[9]”
Nesse passo, é possível constar que a lei apenas diferiu a publicidade, não eliminando seu núcleo essencial, ao passo que viabiliza, com maior grau de vantajosidade para administração, a efetividade do princípio da eficiência. Por outra senda, a rigor o sigilo não malfere a legalidade e moralidade, na medida em que se concede livre acesso aos órgãos de controle interno e externo, de modo a coibir abusos e desvios.
O próprio autor Marçal Justen Filho, já aqui citado, embora com reservas, admite o temperamento do principio da publicidade em alguns casos justificáveis:
A ausência de publicidade só e admitida quando colocar em risco a satisfação de outros interesses atribuídos ao Estado. (...) bem de ver-se que o sigilo não pode ser imposto de modo arbitrário, mas deve ser justificado. Em tais casos, o principio da publicidade poderá ser afastado, mas nos estritos limites da necessidade[10]. .
Curioso observar, outrossim, que, na doutrina pátria, antes mesmo do advento do RDC Marcos Juruena Villela Souto já apontava a solução, verbis:
“Outro tema dos mais polêmicos diz respeito à necessidade de divulgar ou não a estimativa de preços em que se calca a Administração para realizar ou não a despesa. (...) Ocorre que, se divulgados esses valores, reduz-se em muito a margem de competição, retornando aos mesmos problemas que levaram à supressão da licitação por preço-base, que era o grande número de empates. Logo, é preciso interpretar a norma também de acordo com o método histórico, além de utilização do princípio da competitividade. Destarte, para evitar tais problemas, não deve haver publicação de valores, adotando como critério de aceitabilidade a ser divulgado no edital os valores mínimos e máximos constantes dos cadastros de preços da Administração, calcados em pesquisas de mercado e em contratos da Administração, os quais estarão disponíveis para fins de recurso em caso de desclassificação por eventual incompatibilidade; é possível também esclarecer que tal disponibilidade da estimativa dar-se-á na sessão de julgamento[11].
Da mesma forma, o Tribunal de Contas da União já teve oportunidade de decidir pela restrição da divulgação do orçamento da licitação na modalidade pregão, conforme demonstra o trecho da decisão abaixo colacionado:
“Na licitação na modalidade pregão, o orçamento estimado em planilhas de quantitativos e preços unitários não constitui um dos elementos obrigatórios do edital, devendo estar inserido obrigatoriamente no bojo do processo relativo ao certame. Ficará a critério do gestor, no caso concreto, a avaliação da oportunidade e conveniência de incluir esse orçamento no edital ou de informar, no ato convocatório, a sua disponibilidade aos interessados e os meios para obtê-lo[12].
Nos dias atuais, a inovação do RDC é vista como positiva pela doutrina que vem se formando sobre o tema, como se observa das conclusões de Fabricio Bolzan e Pedro Buck:
“É evidente a postura acautelatória da lei como o objetivo de proteger o erário publico, tendo em vista a frequência com que o orçamento se torna o parâmetro da oferta do particular. Tecnicamente dizendo, tornar publico o orçamento antes da licitação ocorrer pode servir como “parâmetro decisório” da oferta que os licitantes apresentarão na licitação. Uma oferta que sairia por R$ 500.000.000,00, sairia facilmente convertida em uma oferta de R$ 1.000.000.000,00.Assim, a propósito de não tornar publico o orçamento antes do término da licitação é respeitar a principiologia que cerca o procedimento licitatório, em especial a competividade entre os licitantes e a busca pela proposta verdadeiramente mais vantajosa para a Administração. Desse modo, no caput do art. 6 o Princípio da Publicidade foi cumprido, porém, de forma diferida.[13]”
4. CONCLUSÃO.
Pode-se concluir, da análise mais detida do método de sigilo orçamentário instituído pelo Art. 6° e §3° do RDC, que se de um lado se restringiu a publicidade de um ato componente do procedimento licitatório, de outro se buscou ganhar em eficiência (economicidade) e moralidade no âmbito das licitações públicas, sem para isso anular o núcleo essencial da publicidade.
À semelhança do que ocorre no âmbito da legislação específica para a modalidade licitatória do pregão (Lei 10.520, de 17 e julho de 2002), onde também foram instituídas novas e bem sucedidas técnicas em relação às regras gerais da Lei 8.666/93, ao que parece também aqui se tem salutar inovação no percalço da eficiência e moralidade administrativa, que deveria ser estendida a todos os procedimentos licitatórios, não apenas os regidos pelo Regime Diferenciado.
De todo modo, cumpre aguardar a palavra final acerca da constitucionalidade do dispositivo, por parte do Supremo Tribunal Federal – o que deve ocorrer em tempo próximo, mormente em virtude da multiplicidade de licitações que já vêm ocorrendo com base no Regime Diferenciado.
BIBLIOGRAFIA
BOLZAN, Fabrício. Leituras Complementares de Direito Administrativo: Licitações e Contratos. Salvador: Jus Podvm, 2012.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3. ed. Coimbra: Almedina, 1999.
CARVALO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2012.
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 6ª ed. Belo Horizonte: Fórum, 2010.
MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional/ Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho, Paulo Gustavo Gonet Branco – 3 ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2008.
SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito Administrativo contratual, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004.
[1] Art. 32. Constituem condutas ilícitas que ensejam responsabilidade do agente público ou militar:
I - recusar-se a fornecer informação requerida nos termos desta Lei, retardar deliberadamente o seu fornecimento ou fornecê-la intencionalmente de forma incorreta, incompleta ou imprecisa;
[2] MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional/ Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho, Paulo Gustavo Gonet Branco – 3 ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2008, pg. 836
[3] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 6ª ed. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 446
[4] Idem, pg. 452
[5] Peças eletrônicas disponíveis em http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?seqobjetoincidente=4131802. Acesso em 16.01.2014
[6] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo, pg. 451.
[7] Art. 5o Constituem atos lesivos à administração pública, nacional ou estrangeira, para os fins desta Lei, todos aqueles praticados pelas pessoas jurídicas mencionadas no parágrafo único do art. 1o, que atentem contra o patrimônio público nacional ou estrangeiro, contra princípios da administração pública ou contra os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, assim definidos (...)IV - no tocante a licitações e contratos: a) frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo de procedimento licitatório público”
[8] CARVALO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2012, pg. 29-30
[9] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3. ed. Coimbra: Almedina, 1999, p. 1.152.
[10] Idem, p. 452.
[11] SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito Administrativo contratual, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 149
[12] TCU, Acórdão nº 114/07, Plenário, Rel. Min. Benjamin Zymler, DOU 09/02/07
[13] Artigo publicado por BOLZAN, Fabrício em Leituras Complementares de Direito Administrativo: Licitações e Contratos. Salvador: Jus Podvm, 2012, p. 183-184
Procurador Federal, membro da Advocacia-Geral da Uniao. Pos-graduado em Direito Publico pela Anhanguera/UNIDERP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PAZ, Samuel Mota de Aquino. Publicidade prévia do orçamento nas licitações do RDC: publicidade x moralidade e eficiência Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 jan 2014, 06:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38153/publicidade-previa-do-orcamento-nas-licitacoes-do-rdc-publicidade-x-moralidade-e-eficiencia. Acesso em: 24 nov 2024.
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