É sabido que a desapropriação é o procedimento administrativo ou judicial previsto em lei, de direito público, através do qual o Poder Público, ou seus delegados, transfere para si, mediante prévia declaração de necessidade ou utilidade pública, ou de interesse social, de forma unilateral e compulsória, a propriedade de terceiro normalmente através de indenização prévia, justa e em dinheiro.
Destarte, dispõe a Constituição Federal em seu art. 5º, inciso XXIV: “a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição.”.
Como se pode perceber, além da ocorrência de um de seus pressupostos (a utilidade pública, a necessidade pública ou o interesse social) é imprescindível, para que ocorra a desapropriação, a justa e prévia indenização em dinheiro – chamada desapropriação ordinária; ressalvando, o constituinte originário, casos em que a própria Constituição Federal disponha em contrário – a chamada desapropriação extraordinária.
Já a desapropriação indireta decorre da atitude do Poder Público ter se apropriado de bem particular, sem a observância dos requisitos da declaração e da indenização prévia.
O fundamento legal para a desapropriação indireta, decorre da leitura do art. 35 do Decreto-Lei nº 3.365/41:
“Art. 35. Os bens expropriados, uma vez incorporados à Fazenda Pública, não podem ser objeto de reivindicação, ainda que fundada em nulidade do processo de desapropriação. Qualquer ação, julgada procedente, resolver-se-á em perdas e danos.”.
O professor Celso Ribeiro Bastos[1] conceitua a desapropriação indireta como “O apossamento irregular do bem imóvel particular pelo Poder Público, uma vez que não obedeceu ao procedimento previsto pela lei. Esta desapropriação pode ser impedida por meio de ação possessória, sob a alegação de esbulho. Entretanto, a partir do momento em que a Administração Pública der destinação ao imóvel, este passa a integrar o patrimônio público, tornando-se insuscetível de reintegração ou reivindicação.”.
Em outras palavras, o mestre Edimur Ferreira de Faria[2] prescreve que a desapropriação indireta “se verifica, em regra, em virtude de esbulho praticado pelo Poder Público em propriedade particular. O esbulho caracteriza-se pela ocupação de bem alheio, principalmente imóvel, sem o prévio decreto expropriatório e as demais formalidades previstas nas leis pertinentes, sobretudo no Decreto-lei n. 3.365/41. Ocorrendo essa ocupação ilegal, o proprietário do bem esbulhado pode, imediatamente, defender o seu bem através da ação possessória própria. Todavia, se o bem já estiver destinado a um fim público (se nele já foi construído via pública, logradouro público ou edificado) não será mais possível a desocupação. Nesse caso, ao lesado cabe promover contra o Poder Público esbulhador ação indireta de desapropriação ou ordinária de indenização.”
Destarte, em tendo sido o bem incorporado ao patrimônio público, ao seu proprietário apenas caberá intentar ação de indenização pelas perdas e danos havidos, destacando-se que a legitimação ativa e passiva na referida ação é inversa à ação de desapropriação.
Nesse sentido dispõe a Constituição Federal, verbis:
“Art. 5o - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito a vida, a liberdade, a igualdade, à segurança e à propriedade nos termos seguintes:
(...)
XXIV - A lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade de utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição;
(...)
LIV - Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;”
“Art. 37 - A administração Pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e também ao seguinte;
(...)
§ 6o - As pessoas jurídicas de Direito Público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.
Ora, se o ente estatal deseja expropriar imóvel de particular deve seguir o rito próprio, se não o faz, despreza o devido processo legal, praticando, assim, ato ilícito suscetível de correção. Dessa forma, tem o dever de indenizar o justo preço pelo apossamento do bem, por ser evidente a ofensa ao direito de propriedade do particular, protegido pela Constituição Federal em seu art. 5o, inciso XXII.
No sentido de caber indenização, diante da inexistência do decreto expropriatório, preceitua o art. 35 do Decreto-Lei nº 3.365/41:
“Art. 35 – Os bens expropriados, uma vez incorporados à Fazenda Pública, não podem ser objeto de reivindicação, ainda que fundada em nulidade do processo de desapropriação. Qualquer ação, julgada procedente, resolver-se-á em perdas e danos”.
Outro não é o entendimento dos tribunais pátrios, inclusive do Colendo Superior Tribunal de Justiça, verbis:
“EMBARGOS À EXECUÇÃO DE SENTENÇA – AÇÃO DE DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA – LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO – INEXISTÊNCIA – PROCURAÇÃO AD JUDICIA VALIDADE – EXECUÇÃO PROVISÓRIA – NECESSIDADE DE CAUÇÃO – VIOLAÇÃO DO ART. 475, II – INOCORRÊNCIA – EXTRAÇÃO DE CARTA DE SENTENÇA – INEXISTÊNCIA DE RECOLHIMENTO DE CUSTAS – MATÉRIA QUE NÃO DEVE SER ALEGADA EM EMBARGOS DO DEVEDOR – EXECUÇÃO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – LEGITIMIDADE DA PARTE – SÚMULA 389 DO STF – 1. A ação de indenização por desapropriação indireta decorre de verdadeiro esbulho possessório, posto não precedida do Decreto expropriatório regular, revestindo-se, assim, de caráter nitidamente indenizatório, reclamando a aplicação das regras da solidariedade, que ensejam o litisconsórcio facultativo. Precedente do STJ. 2. Ademais, por expressa disposição do art. 623, I, do Código Civil de 1916, cada condômino pode reivindicar a propriedade comum de terceiro, e a ação de desapropriação indireta é sucedâneo da ação reivindicatória. Não há que se falar, portanto, em ilegitimidade do condômino. 3. Entretanto, a legitimidade para propor a desapropriação indireta não implica o direito de receberem os condôminos a totalidade da indenização. Aliás, o próprio Código de Processo Civil (CPC, art. 291) prevê a possibilidade de co-titulares levantarem, em juízo, apenas a cota que lhes pertence, como sói ocorrer nas obrigações individuais. 4. A procuração ad judicia tem validade até posterior revogação pelo mandante, ou renúncia por parte do mandatário. 5. Na execução provisória, a caução é exigível apenas por ocasião do levantamento do dinheiro. Precedentes. 6. Havendo julgamento superveniente do Tribunal, a suprir eventual ausência de submissão do julgado ao duplo grau de jurisdição obrigatório, não há falar-se em violação do art. 475, II, do CPC. Aplicação analógica do disposto no art. 462 do mesmo Diploma Legal. 7. A ausência de recolhimento das custas referentes à extração de Carta de Sentença é questão que não deve ser alegada em sede de embargos do devedor, que visam a infirmar o título ou o crédito exeqüendo. 8. Inobstante possua o advogado direito autônomo quanto aos honorários advocatícios, a jurisprudência consolidada do STJ reconhece à parte a legitimidade para a execução de referidas verbas. 9. "Salvo limite legal, a fixação de honorários de advogado, em complemento da condenação, depende das circunstâncias da causa, não dando lugar a recurso extraordinário." (Súmula 389 do STF) 10. Recurso parcialmente conhecido e, nessa parte, improvido.”(STJ – RESP 300196 – SP – Rel. Min. Milton Luiz Pereira – DJU 15.12.2003 – p. 00183) (g.n.)
ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA - IMPLANTAÇÃO DE RODOVIA ASFALTADA - JUSTA INDENIZAÇÃO - FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL ANTE A AUSÊNCIA DE RECLAMO ADMINISTRATIVO - INOCORRÊNCIA - PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA - ABATIMENTO DA VALORIZAÇÃO DA ÁREA REMANESCENTE - IMPOSSIBILIDADE - RESSALVA DA POSIÇÃO CONTRÁRIA DO RELATOR - JUROS COMPENSATÓRIOS DE 12% AO ANO DESDE A DATA DA OCUPAÇÃO - ORIENTAÇÃO MAJORITÁRIA DO GRUPO DE CÂMARAS DE DIREITO PÚBLICO - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - PERCENTUAL ADEQUADO - IMPOSSIBILIDADE DE REDUÇÃO. Nos termos do art. 5º, inciso XXXV da Constituição Federal, o proprietário do imóvel não é obrigado a requerer na via administrativa a indenização pela terra que lhe foi expropriada. A desapropriação não precedida de justa indenização é na verdade um ato ilícito praticado pelo ente público. Portanto, a via ordinária é viável para obter a condenação da autarquia ao pagamento do valor correspondente à justa indenização. Ressalvada a posição contrária do Relator, "A valorização advinda de construção de rodovia não é especial, e sim genérica, devendo ser cobrada por instrumento legal próprio, a contribuição de melhoria. Dessa forma, resta excluída a aplicação do art. 27 do Decreto-lei n. 3.365/41 nos casos de valorização geral" (Apelação Cível n. , de Mondaí. Rel. Des. Pedro Manoel Abreu). O Grupo de Câmaras de Direito Público deste Tribunal pacificou a orientação de que nas desapropriações indiretas os juros compensatórios, de 12% ao ano, são devidos desde a data da ocupação do imóvel e calculados sobre o valor da indenização corrigido monetariamente, nos termos da Súmula n. 114, do STJ. Está pacificada nesta Corte de Justiça a orientação segundo a qual, vencida a Fazenda Pública, os honorários advocatícios devem ser fixados no patamar de 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação. (TJ-SC - AC: 671996 SC 2010.067199-6, Relator: Jaime Ramos, Data de Julgamento: 22/11/2010, Quarta Câmara de Direito Público, Data de Publicação: Apelação Cível n. , de Campo Belo do Sul.)
Por oportuno, mencione que a competência para a propositura da ação indenizatória será a do local do imóvel (fórum rei sitae), extinguindo-se o direito de intentá-la no prazo de 5 (cinco) anos, nos termos do parágrafo único do art. 10 do Decreto-Lei nº 3.365/41:
“Art. 10. A desapropriação deverá efetivar-se mediante acordo ou intentar-se judicialmente, dentro de cinco anos,
contados da data da expedição do respectivo decreto e findos os quais este caducará.
Parágrafo único. Extingue-se em cinco anos o direito de propor ação que vise a indenização por restrições decorrentes de atos do Poder Público.”
Em razão da desapropriação indireta, o ex-proprietário do bem terá direito, ainda, à percepção de juros moratórios, desde o trânsito em julgado da decisão, e juros compensatórios a partir da ocupação do bem. No que concerne aos juros moratórios, estes têm por finalidade ressarcir o expropriado pela mora no pagamento da indenização.
Já os juros compensatórios compensam a perda antecipada da coisa e incidem tanto na desapropriação direta quanto na indireta, não se acumulando com os lucros cessantes visto que possuem a mesma natureza jurídica. Ademais, conforme preconiza a Súmula nº 69 do Superior Tribunal de Justiça, ainda em vigor, “Na desapropriação direta, os juros compensatórios são devidos desde a antecipada imissão na posse e, na desapropriação indireta, a partir da efetiva ocupação do imóvel”.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FARIA, Edimur Ferreira de. Curso de Direito Administrativo Positivo, Belo Horizonte, Editora Del Rey, 1999 2ª Ed.
MARINELA, Fernanda. Direito Administrativo. 4ª Ed. Niterói: Editora Impetus, 2010;
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 11ª ed. rev., ampl. E atual. São Paulo: Melhoramentos, 1999.
PAULO, Marcelo Alexandrino e Vicente. Direito Administrativo descomplicado. 19ª Ed. São Paulo: Editora Método, 2011.
[1] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 11ª ed. rev., ampl. E atual. São Paulo: Melhoramentos, 1999, p. 239/240.
[2] FARIA, Edimur Ferreira de. Curso de Direito Administrativo Positivo, Belo Horizonte, Editora Del Rey, 1999 2ª Ed, págs. 514/515.
Procuradora Federal em exercício na Procuradoria Federal junto à Fundação Universidade Federal do Tocantins - UFT.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NASCIMENTO, Patricia Bezerra de Medeiros. Da indenização decorrente da desapropriação indireta Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 jan 2014, 08:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38184/da-indenizacao-decorrente-da-desapropriacao-indireta. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Francisco de Salles Almeida Mafra Filho
Por: BRUNO SERAFIM DE SOUZA
Por: Fábio Gouveia Carneiro
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
Precisa estar logado para fazer comentários.