A taxa de licença para localização e funcionamento cobrado pelos entes municipais dos estabelecimentos comerciais tem assento no art. 145, inciso II, da Constituição Federal, bem como no art. 77 do Código Tributário Nacional:
Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:
(...)
II - taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição;”
“Art. 77. As taxas cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição.
Parágrafo único. A taxa não pode ter base de cálculo ou fato gerador idênticos aos que correspondam a imposto, nem ser calculada em função do capital das empresas.”
Assim, aos entes municipais compete disciplinarem através dos respectivos Códigos Tributários acerca do referido tributo.
No caso do município de Natal, no Estado do Rio Grande do Norte, por exemplo, o recolhimento da taxa de licença para localização está embasado no art. 97, §1º, inciso I, e §2º, do Código Tributário Municipal, que assim dispõe:
“Art. 97 – A taxa de licença é devida pela atividade municipal de vigilância ou fiscalização do cumprimento da legislação a que se submete qualquer pessoa que se localize, instale ou exerça atividade dentro do território do Município.
§1º - Estão sujeitas à prévia licença:
I - a localização de qualquer estabelecimento comercial, industrial, creditício, de seguro, capitalização, agropecuário, prestador de serviços ou atividade decorrente de profissão, arte, ofício ou função.
(...)
§2º - As licenças referidas nos inciso I, III, IV e V do parágrafo anterior são válidas para o exercício em que concedidos, ficando sujeitas à renovação nos exercícios seguintes, calculando-se a taxa proporcionalmente ao número de meses de sua validade, desprezadas as frações no caso do licenciamento.”
Assim, no município de Natal/RN, vige o entendimento de que a aludida taxa é devida tanto para os atos preparatórios da atividade (atos de simples localização ou instalação), como para a continuidade do exercício da atividade lucrativa.
Sobre o poder de polícia da Administração Pública, sabe-se que se refere ao condicionamento e restrição no uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, para a proteção e beneficiamento de toda a coletividade e do próprio Estado, ou seja, se estende à todos os assuntos que possam afetar o setor social, a comunidade e o Estado, nos termos do artigo 78 do Código Tributário Nacional:
“Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.
Parágrafo único. Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder.”
Ao discorrer acerca do poder de polícia, o professor Hely Lopes Meirelles[1] leciona que "a razão do poder de polícia é a necessidade de proteção do interesse social e o seu fundamento está na supremacia geral que a Administração Pública exerce sobre todas as pessoas, bens e atividades, supremacia que se revela nos mandamentos constitucionais e nas normas de ordem pública, que a cada passo opõem condicionamentos e restrições aos direitos individuais em favor da coletividade, incumbindo ao Poder Público o seu policiamento administrativo".
Mais adiante, o ilustre professor menciona que "esse policiamento se estende a todas as atividades e estabelecimentos urbanos, desde sua localização até a instalação e funcionamento, não para o controle do exercício profissional e do rendimento econômico, alheios a alçada municipal, mas para a verificação da segurança e da higiene do recinto, bem como da própria localização do empreendimento (...) em relação aos usos permitidos nas normas de zoneamento da cidade"[2].
Assim, conclui-se que, o que se pretende com o poder de polícia conferido ao Município é a fiscalização do desenvolvimento da atividade desenvolvida pelo estabelecimento comercial, mas tão somente a verificação das condições para a instalação e desenvolvimento dessa atividade.
Sobre o tema, anotou o professor Bernardo Ribeiro de Moraes[3]: "A causa jurídica dessa taxa é a atividade municipal de vigilância, controle e fiscalização do cumprimento de legislação específica ditada pelo exercício do poder de polícia, na salvaguarda do interesse público (questões de localização, segurança, incolumidade, higiene, sossego, bons costumes, ordem etc.), a que se submete qualquer pessoa que pretenda exercer atos preparatórios de localização, de instalação, ou de início e continuação da atividade remunerada dentro do território do município. A aludida taxa é devida tanto para os atos preparatórios da atividade (ou de simples localização e instalação) como para o início e continuidade do exercício da atividade lucrativa. Consoante entendimento assente na jurisprudência da Suprema Corte de Justiça, a taxa pode ser exigida ano a ano, nas sucessivas renovações de licença, uma vez que o tributo é decorrente do exercício efetivo do poder de polícia de controle dos estabelecimentos ou atividades, que se dá a todo o instante e no decorrer dos anos".
Diante de tais considerações, se vislumbra ser possível a cobrança pelo ente municipal da taxa de localização e funcionamento, posto que, basta a notoriedade do exercício do poder, pelo aparato da municipalidade, desde que constatada a existência de órgão fiscalizador.
Ademais, é de se considerar que a fiscalização é inerente ao poder de polícia exercido pelo ente municipal e diz respeito à obediência às posturas referentes à segurança, saúde, higiene e moralidade públicas.
Nesse sentido, o Pretório Excelso e o Colendo Superior Tribunal de Justiça, já se pronunciaram quanto a legalidade da taxa de licença para localização, diante da existência de órgão administrativo que exercita o poder de polícia, sendo desnecessária a comprovação da efetiva prestação de serviço pelo ente federativo:
TAXA DE LICENÇA PARA LOCALIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO – EXERCÍCIO DO PODER DE POLÍCIA – ART. 145, II, DA CONSTITUIÇÃO – Ausência de prequestionamento – Fundamento suficiente, que não restou impugnado pela agravante. – A cobrança da taxa de localização e funcionamento, pelo Município de São Paulo, prescinde da efetiva comprovação da atividade fiscalizadora, diante da notoriedade do exercício do poder de polícia pelo aparato administrativo dessa municipalidade. Precedentes. – Agravo regimental a que se nega provimento.” (STF – AGRRE – 222252 – SP – 1ª T. – Rel. Min. Ellen Gracie – DJU 11.05.2001 – p. 00090)
PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. ISS. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OFENSA AO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. REEXAME DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO. INVIABILIDADE. SÚMULA 7/STJ. COBRANÇA DE TAXA DE LICENÇA PARA LOCALIZAÇÃO E PERMANÊNCIA. PODER DE POLÍCIA. PROVA DA EFETIVA FISCALIZAÇÃO. 1. Não se configura a ofensa ao art. 535 do Código de Processo Civil, uma vez que o Tribunal a quo julgou integralmente a lide e solucionou a controvérsia, tal como lhe foi apresentada. 2. Para aferir eventual falta de intimação do contribuinte em procedimento fiscal, o STJ necessitaria produzir novas provas e revolver o conjunto fático-probatório dos autos, o que é vedado em Recurso Especial. Aplicação da Súmula 7/STJ. 3. Conforme precedentes do STJ, é dispensável a prova da efetiva fiscalização para cobrança da Taxa de Licença, sendo suficiente sua potencial existência. 4. Agravo Regimental não provido. (STJ - AgRg no AREsp: 308841 SC 2013/0063096-5, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 22/10/2013, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 05/12/2013)
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. TAXA. LICENÇA PARA LOCALIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO. BASE DE CÁLCULO. NECESSIDADE DE EXAME DE LEI LOCAL. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 280/STF. EXERCÍCIO DO PODER DE POLÍCIA. DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO PELO ENTE FEDERATIVO. PRECEDENTES DESTA CORTE. SÚMULA 83/STJ. MATÉRIA DE ÍNDOLE CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA DO STF. IMPOSSIBILIDADE NA INSTÂNCIA ESPECIAL. 1. A Primeira Seção deste tribunal pacificou o entendimento de que é prescindível a comprovação efetiva do exercício de fiscalização por parte da municipalidade, em face da notoriedade de sua atuação, para que se viabilize a cobrança da taxa em causa. Precedentes. Súmula 83/STJ. 2. Impende assinalar que, embora o recorrente alegue ter ocorrido violação de matéria infraconstitucional, qual seja, do art. 77 do Código Tributário Nacional, segundo se observa dos fundamentos que serviram para a Corte de origem apreciar a controvérsia acerca base de cálculo da Taxa de Fiscalização, o tema foi dirimido no âmbito local (Lei Complementar n. 63/04), de modo a afastar a competência desta Corte Superior de Justiça para o deslinde do desiderato contido no recurso especial. Todavia, o exame de normas de caráter local é inviável na via do recurso especial em virtude da vedação prevista na Súmula 280 do STF, segundo a qual "por ofensa a direito local não cabe recurso extraordinário". 3. Ademais, a jurisprudência desta Corte é pacífica no sentido de que a controvérsia acerca da apontada violação do art. 77 do Código Tributário Nacional, reproduzido na forma do disposto no art. 145 da Constituição Federal, propugna matéria de índole constitucional; portanto, inviável tal procedimento na via especial. Agravo regimental improvido. (STJ - AgRg no AREsp: 338097 RJ 2013/0134664-1, Relator: Ministro HUMBERTO MARTINS, Data de Julgamento: 15/08/2013, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 26/08/2013)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro, 6ª edição, Editora Malheiros.
MORAES, Bernardo Ribeiro de. Doutrina e prática das taxas, Ed. RT.
[1] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro, 6ª edição, Editora Malheiros, p. 341.
[2] MEIRELLES, Heli Lopes. Op. Cit., p. 370.
[3] MORAES, Bernardo Ribeiro de. Doutrina e prática das taxas, Ed. RT, p. 131/132.
Procuradora Federal em exercício na Procuradoria Federal junto à Fundação Universidade Federal do Tocantins - UFT.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NASCIMENTO, Patricia Bezerra de Medeiros. Da legalidade de cobrança, pelo ente municipal, da taxa de licença para localização de estabelecimento comercial Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 jan 2014, 07:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38192/da-legalidade-de-cobranca-pelo-ente-municipal-da-taxa-de-licenca-para-localizacao-de-estabelecimento-comercial. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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