Resumo: Este trabalho aborda, sinteticamente, a competência da União, por intermédio da Agência Nacional de Telecomunicações, e dos Municípios, no que se refere aos serviços de telecomunicações. Assim é que o presente estudo, sem a pretensão de esgotar o assunto, discorre sobre as especificidades das competências de cada um desses entes, no que pertine ao tema, trançando um paralelo entre elas e apontando suas delimitações. Por fim, é ressaltada a importância de atuação da Anatel em relação a quaisquer questões atinentes ao setor por ela regulado, e da necessidade, em caso de eventuais projetos municipais atinentes a infraestrutura de telecomunicações, de harmonia entre os entes federativos.
Palavras-Chave: Serviços de Telecomunicações. Competência da União. Agência Nacional de Telecomunicações. Competência Municipal. Aspectos Urbanísticos. Delimitações. Harmonia entre os entes federativos.
Sumário: 1. Introdução. 2. Competência da União, por intermédio da Agência Nacional de Telecomunicações, e dos Municípios, no que se refere aos serviços de telecomunicações. Delimitações. 3. Conclusão.
1 Introdução
Como é sabido, o Brasil é um Estado Federativo, sendo seus componentes a União, os Estados-membros, o Distrito Federal e os Municípios, e cada um desses componentes possui suas respectivas competências delineadas na Constituição.
A intenção desse trabalho é discorrer brevemente acerca da competência da União, por intermédio da Agência Nacional de Telecomunicações, e dos Municípios, no que concerne aos serviços de telecomunicações.
Demais disso, o presente trabalho busca apontar que, em algumas situações, existe uma linha tênue entre a competência de entes federativos, sendo necessária uma atuação conjunta, em prol do principio da harmonia dos entes federativos.
2 Competência da União, por intermédio da Agência Nacional de Telecomunicações, e dos Municípios, no que se refere aos serviços de telecomunicações. Delimitações.
Inicialmente, de se dizer que a competência municipal, no que se refere aos serviços de telecomunicações, está relacionada a aspectos urbanísticos. Nesse sentido, vale transcrever o art. 74 da Lei Geral de Telecomunicações e o art. 37 do Regulamento dos Serviços de Telecomunicações, anexo à Resolução nº 73, de 25 de novembro de 1998, verbis:
Lei Geral de Telecomunicações
Art. 74. A concessão, permissão ou autorização de serviço de telecomunicações não isenta a prestadora do atendimento às normas de engenharia e às leis municipais, estaduais ou do Distrito Federal relativas à construção civil e à instalação de cabos e equipamentos em logradouros públicos.
Regulamento dos Serviços de Telecomunicações
Art. 37. Caberá à prestadora quando da instalação de estação de telecomunicações:
I - dispor de projeto técnico, que permanecerá em seu poder, devendo mantê-lo atualizado e, a qualquer tempo, disponível à Agência;
II - informar, por intermédio de resumo do projeto devidamente avalizado por profissional habilitado, a intenção de promover a instalação ou alteração de características técnicas de estação de telecomunicações;
III - observar as posturas municipais e outras exigências legais pertinentes, quanto a edificações, torres e antenas, bem como a instalação de linhas físicas em logradouros públicos;
IV - assegurar que a instalação de suas estações está em conformidade com a regulamentação pertinente;
V - obter a consignação da radiofrequência necessária.
Como se vê, compete às prestadoras de serviços de telecomunicações cumprirem, não só as normas editadas pela Anatel, como todas as demais normas aplicáveis de competência municipal, distrital ou estadual, sendo que as normas municipais, nesse ponto, referem-se a edificações, construção civil, torres, antenas e instalação de cabos e equipamentos em logradouros públicos. Enfim, referem-se a aspectos urbanísticos.
Sobre a competência municipal, vale ainda transcrever o artigo 30 da Constituição Federal:
Art. 30. Compete aos Municípios:
(...)
VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;
Tecidas essas breves considerações sobre a competência municipal, de se dizer que um ente somente pode delegar competência que lhe é própria. Em assim sendo, o Município, no que se refere à instalação e gestão de infraestrutura de telecomunicações, somente pode delegar questões atinentes a aspectos urbanísticos.
Em outras palavras, o Município pode, seja ele próprio, seja por intermédio de terceiro contratado (por exemplo: em decorrência de licitação ou de parceria público-privada), realizar obras atinentes a aspectos urbanísticos da cidade.
Por outro lado, cumpre destacar que a Constituição Federal (art. 21, XI, CF) e a LGT atribuíram à Anatel a qualidade de órgão regulador das telecomunicações, a quem conferiu competência para adotar as medidas necessárias para implementar, em sua esfera de atribuições, a política nacional de telecomunicações (art. 19, I, LGT). Tal política nacional de telecomunicações, aprovada pelos Poderes Executivo e Legislativo em suas respectivas esferas de competências, pode ser compreendida como o conjunto de preceitos estatuídos nas Leis Federais e Decretos Presidenciais editados em pertinência à matéria de telecomunicações, do que são exemplos a própria LGT e os Decretos instituidores do Plano Geral de Outorgas, do Plano Geral de Metas de Universalização e das Políticas Públicas de Telecomunicações.
Nessa esteira, os artigos 2º, 8º, 9º e 19 da LGT estabeleceram, respectivamente, as atribuições do Poder Público e as atribuições da Anatel, dentre as quais destacam-se:
Art. 2° O Poder Público tem o dever de:
I - garantir, a toda a população, o acesso às telecomunicações, a tarifas e preços razoáveis, em condições adequadas;
II - estimular a expansão do uso de redes e serviços de telecomunicações pelos serviços de interesse público em benefício da população brasileira;
III - adotar medidas que promovam a competição e a diversidade dos serviços, incrementem sua oferta e propiciem padrões de qualidade compatíveis com a exigência dos usuários;
IV - fortalecer o papel regulador do Estado;
V - criar oportunidades de investimento e estimular o desenvolvimento tecnológico e industrial, em ambiente competitivo;
VI - criar condições para que o desenvolvimento do setor seja harmônico com as metas de desenvolvimento social do País.
Art. 8º. – Fica criada a Agência Nacional de Telecomunicações, entidade integrante da Administração Pública Federal indireta, submetida a regime autárquico especial e vinculada ao Ministério das Comunicações, com a função de órgão regulador das telecomunicações, com sede no Distrito Federal, podendo estabelecer unidades regionais.
(...)
Art. 9º - A Agência atuará como autoridade administrativa independente, assegurando-se-lhe, nos termos desta Lei, as prerrogativas necessárias ao exercício adequado de sua competência.
(...)
Art. 19. À Agência compete adotar as medidas necessárias para o atendimento do interesse público e para o desenvolvimento das telecomunicações brasileiras, atuando com independência, imparcialidade, legalidade, impessoalidade e publicidade, e especialmente:
I - implementar, em sua esfera de atribuições, a política nacional de telecomunicações;
(...)
IV - expedir normas quanto à outorga, prestação e fruição dos serviços de telecomunicações no regime público;
V - editar atos de outorga e extinção de direito de exploração do serviço no regime público;
VI - celebrar e gerenciar contratos de concessão e fiscalizar a prestação do serviço no regime público, aplicando sanções e realizando intervenções;
VII - controlar, acompanhar e proceder à revisão de tarifas dos serviços prestados no regime público, podendo fixá-las nas condições previstas nesta Lei, bem como homologar reajustes;
(...)
X - expedir normas sobre prestação de serviços de telecomunicações no regime privado;
XI - expedir e extinguir autorização para prestação de serviço no regime privado, fiscalizando e aplicando sanções;
XII - expedir normas e padrões a serem cumpridos pelas prestadoras de serviços de telecomunicações quanto aos equipamentos que utilizarem;
XIII - expedir ou reconhecer a certificação de produtos, observados os padrões e normas por ela estabelecidos;
XIV - expedir normas e padrões que assegurem a compatibilidade, a operação integrada e a interconexão entre as redes, abrangendo inclusive os equipamentos terminais;
XV - realizar busca e apreensão de bens no âmbito de sua competência;
XVI - deliberar na esfera administrativa quanto à interpretação da legislação de telecomunicações e sobre os casos omissos;
XVII - compor administrativamente conflitos de interesses entre prestadoras de serviço de telecomunicações;
XVIII - reprimir infrações dos direitos dos usuários;
XIX - exercer, relativamente às telecomunicações, as competências legais em matéria de controle, prevenção e repressão das infrações da ordem econômica, ressalvadas as pertencentes ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE;
(...)
Vê-se, portanto, que a Anatel possui competência para adotar as medidas necessárias para implementar, em sua esfera de atribuições, a política nacional de telecomunicações, e que tal competência abarca diversos deveres, atribuições e prerrogativas.
Demais disso, a Anatel possui competência para atuar em relação a quaisquer questões atinentes ao setor por ela regulado, ainda que tal atuação seja direcionada a não outorgados.
Assim, por exemplo, caso haja, em um Município, projeto de infraestrutura de telecomunicações, tal ente terá competência apenas para o trato dos aspectos urbanísticos relacionados à instalação dessa infraestrutura, mantendo-se a competência da Anatel para organizar a exploração dos serviços de telecomunicações. Desse modo, para que não haja interferências indevidas nas competências de cada um dos entes federativos – Município, de um lado, e União, por intermédio da Anatel, de outro –, é recomendável, nesse exemplo hipotético, que a Agência atue juntamente com o Município na resolução de eventuais conflitos por ventura existentes. Até para que reste preservado o principio da harmonia dos entes federativos.
Em outras palavras, de se dizer que deve haver uma lealdade federativa nas relações entre os entes federativos, de modo a preservá-las e a manter o pacto federativo e as competências constitucionalmente fixadas. Nesse ponto, vale citar os apontamentos de Patrícia Tiana Pacheco Lamarão, no artigo intitulado “O Princípio da lealdade federativa como cláusula geral nas relações Federativas”[1]:
Trata-se de um princípio implícito segundo o qual a União, nas suas relações com os Estados e Municípios, e estes entre si, devem adotar condutas de fidelidade para a efetiva manutenção do pacto federativo.
Na Constituição Federal de 1988, não há um dispositivo expresso do qual se possa extrair o princípio da lealdade federativa. Trata-se de um princípio implícito segundo o qual a União, nas suas relações com os Estados e Municípios, e estes entre si, devem adotar condutas de fidelidade para a efetiva manutenção do pacto federativo. Este princípio impõe normas de conduta nas relações institucionais entre os entes federados sem as quais não se poderia manter a unidade da federação. Exerce verdadeira função de cláusula geral que permeia a relação entre os entes federativos e, embora não escrito, funciona como substrato axiológico para outros princípios expressos na Carta Política – como, por exemplo, ao princípio federativo – e, como princípio constitucional, mesmo que implícito, não carece de eficácia normativa aferida através da análise sistêmica do texto constitucional [01]. Ainda, enquanto princípio, somente em face ao caso concreto pode ser aplicado como um "mandato de otimização" [02].
O art. 1º da Constituição Federal dispõe que a República Federativa do Brasil é formada pela união indissolúvel dos Estados, Municípios e Distrito Federal e, complementando-o, o art. 18 define que a organização político-administrativa da República compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos. Destes dispositivos extrai-se o princípio federativo que sustenta a necessária harmonia que deve permear as relações entre as unidades políticas com vistas a manter a aliança indissolúvel entre os entes que compõem a federação.
Dessa necessária harmonia para a manutenção da "união indissolúvel", podemos extrair o dever de lealdade entre as unidades federadas, que no exercício de suas competências autônomas devem observar obrigações e limitações que possibilitem a manutenção da federação.
Nota-se portanto que o princípio da lealdade federativa se apresenta como uma conditio sine qua non que deve ser observada para a preservação da federação.
Do mesmo modo, podemos verificar o princípio da lealdade federativa como fundamento necessário do próprio princípio da autonomia, pois não há como as unidades federadas exercerem a autonomia preconizada no art. 18 da Constituição sem que haja um dever mútuo de reconhecimento das competências de cada uma, e a obrigação de que cada ente observe o conjunto de limitações que lhes são impostas.
[…]
Cita-se, ainda, os ensinamentos de José Afonso da Silva, que apesar de se referirem à harmonia entre os poderes, aplicam-se, mutatis mutantes, à hamonia entre os entes federativos[2]:
A harmonia entre os poderes verifica-se primeiramente pelas nomas no trato reciproco e nos respeitos às prerrogativas e faculdades a que mutuamente todos têm direito. De outro lado, cabe assinalar que nem a divisão de funcões entre órgãos do poder nem sua independência são absolutas. Há interferências, que visam ao estabecimento de freios e contrapesos, à busca do equilíbrio necessário à realização do bem da coletividade e indispensável para evitar o arbítrio e o desmando de um ente em detrimento do outro e especialmente dos governados.
Nessa linha, é importante que a Anatel ressalve ao Município, no caso concreto, em eventuais projetos por ele desenvolvidos, que a estrutura local do projeto não pode comprometer o desenvolvimento adequado dos serviços de telecomunicações, de acordo com o arcabouço regulatório delineado pela Agência. Além disso, é imprescindível que sejam assegurados os deveres de continuidade, de qualidade e de universalização atinentes a esses serviços, nos termos da legislação de telecomunicações.
Registre-se, ainda, a necessidade de que seja assegurada a existência dos bens e insumos essenciais à prestação dos serviços de telecomunicações, dentre eles os bens reversíveis.
Enfim, em relação a todas as matérias de sua competência, a Anatel pode e deve atuar, de modo a garantir o pleno desenvolvimento das telecomunicações e o atendimento do interesse público, assim como a plena observância das normas de telecomunicações.
3 Conclusão
Em vista do exposto neste presente trabalho, é forçoso concluir que a Agência Nacional de Telecomunicações – Anatel possui competência para adotar as medidas necessárias para implementar, em sua esfera de atribuições, a política nacional de telecomunicações, e que tal competência abarca diversos deveres, atribuições e prerrogativas.
Os municípios, por sua vez, no que se refere a serviços de telecomunicações, possuem competência apenas no que se refere a aspectos urbanísticos.
Desse modo, havendo, em um Município, projeto de infraestrutura de telecomunicações, para que não haja interferências indevidas nas competências de cada um dos entes federativos – Município, de um lado, e União, por intermédio da Anatel, de outro –, é recomendável que a Agência atue juntamente com o Município na resolução de eventuais conflitos por ventura existentes, para que reste preservado o principio da harmonia dos entes federativos.
Em arremate, pode-se concluir que, em relação a todas as matérias de sua competência, a Anatel pode e deve atuar, de modo a garantir o pleno desenvolvimento das telecomunicações e o atendimento do interesse público, assim como a plena observância das normas de telecomunicações.
4. Referências bibliográficas
MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 24ª ed. São Paulo: Atlas: 2009.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 17ª ed. rev. e atual. Sao Paulo: Malheiros, 2000.
HOLTHE, Leo Van. Direito Constitucional. 3ª. ed. rev. amp. e atual. Salvador: Jus Podivm, 2007.
PAULO, Vicente e ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional descomplicado. 2ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2008
LAMARÃO, Patrícia Tiana Pacheco. O princípio da lealdade federativa como cláusula geral nas relações federativas. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2899, 9 jun. 2011 . Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/19294>.
[1] LAMARÃO, Patrícia Tiana Pacheco. O princípio da lealdade federativa como cláusula geral nas relações federativas. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2899, 9 jun. 2011 . Disponível em: .
[2] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 17 ed. rev. e atual. Sao Paulo: Malheiros, 2000, p. 114.
Procuradora Federal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FELIX, Luciana Chaves Freire. Da competência da União, por intermédio da Agência Nacional de Telecomunicações, e dos Municípios, no que se refere aos serviços de telecomunicações. Delimitações Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 31 jan 2014, 06:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38202/da-competencia-da-uniao-por-intermedio-da-agencia-nacional-de-telecomunicacoes-e-dos-municipios-no-que-se-refere-aos-servicos-de-telecomunicacoes-delimitacoes. Acesso em: 23 dez 2024.
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