Não resta dúvida de que, na sociedade moderna (digo, pós-moderna), mais que nunca o tempo, escasso e finito por natureza, tem uma significativa expressão econômica; como se diz no adágio popular: tempo é dinheiro.
De fato, com o extraordinário e aparentemente ilimitado avanço tecnológico, a velocidade da informação, da comunicação e até mesmo das relações interpessoais tem assumido proporções tais que o transcurso de um minuto pode significar desde um negócio jurídico perdido a um momento raro em família desperdiçado, ambos potencialmente aferíveis economicamente.
E é com base nessa constatação cada vez mais em evidência que se tem alvitrado na doutrina uma nova modalidade de dano indenizável, em razão do tratamento jurídico especial de que é merecedor, consistente na perda do tempo (ou desvio produtivo), ao lado dos já tradicionais danos materiais, morais e estéticos (este último de aceitação mais recente na doutrina civilista).
No âmbito do direito consumerista, é percuciente e inovadora a tese de Marcos Dessaune sobre o desvio produtivo, ao apontar que o tempo perdido pelo consumidor em filas de espera em bancos e consultórios médicos e dentários, em atendimentos em SAC e demais “call centers”; em retorno às lojas para consertos de bens recém-adquiridos; em espera em aeroportos por vôos atrasados; em casa pelo profissional autônomo ou pelo envio de uma mercadoria, etc. podem ocasionar um desperdício injusto, ilegítimo e, consequentemente, danoso ao consumidor.
Outros doutrinadores de peso também têm se debruçado sobre o tema, a exemplo de Pablo Stolze, que lucidamente resume a questão em artigo publicado na revista eletrônica jus navigandi: “como bem lembra o poeta ‘o tempo não para’ e não é justo que um terceiro pare indevidamente o nosso segundo sua própria conveniência” Também se pode encontrar no âmbito da jurisprudência alguns julgados tratando do tema, mormente no vanguardista TJ/RS. No âmbito da legislação, destaca-se o Decreto n° 6.523/2008, que instituiu a chamada “Lei do SAC”, tutelando de modo mais direto, em diversos dispositivos (cf. art. 4º, 10° e 12º), o fator tempo.
De fato, se é verdade que não se pode considerar danoso qualquer lapso temporal perdido nas circunstancias supra exemplificadas, não menos óbvia é a constatação de que em alguns casos há de fato um abuso, configurando um “dano injusto” também albergado pela cláusula geral de responsabilidade insculpida no Art. 927 do Código Civil (“Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”), que dá ensejo a uma indenização compensatória.
Quanto à ilicitude, sobreleva lembrar que o ordenamento civil coíbe até mesmo o abuso de um direito reconhecido, taxando-o de ilícito, sempre que excessivo e prejudicial a outrem (“Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”).
Ora, ainda que se considere razoável os pequenos desperdícios temporais do cotidiano, há situações de fato excessivas e abusivas. No dizer de André Gustavo Corrêa de Andrade, “o mesmo não se pode dizer de certos casos de demora no cumprimento de obrigação contratual, em especial daqueles em que se verifica desídia, desatenção ou despreocupação de obrigados morosos, na grande maioria das vezes pessoas jurídicas, fornecedoras de produtos ou serviços, que não investem como deveriam no atendimento aos seus consumidores, ou que desenvolvem práticas abusivas, ou, ainda, que simplesmente vêem os consumidores como meros números de sua contabilidade”
Dessarte, tem-se na tutela do tempo perdido mais um instrumento em favor do cidadão, a coibir com efeitos punitivos e pedagógicos os abusos perpetrados pelos fornecedores em geral.
Questão de maior envergadura diz respeito aos parâmetros necessários à quantificação do dano. Entretanto, tal dimensionamento é algo que certamente será melhor aprofundado pela doutrina e jurisprudência vindouras, eis que a matéria ainda debuta nos tribunais pátrios.
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