Palavras-chave: Orçamento Participativo. Gestão Pública. Democracia.
O Estado, para desenvolver suas atividades e atingir a satisfação do interesse público, necessita cada vez mais de recursos, principalmente aqueles de natureza financeira. As demandas da sociedade, sempre crescentes, são influenciadas pelas transformações sociais, econômicas e tecnológicas e, também, pelo estabelecimento do Estado Democrático, que vem possibilitando aos cidadãos reivindicar a satisfação do interesse coletivo.
Entretanto, não basta dispor desses recursos para que o ente público possa exercer suas funções com bom desempenho. Faz-se necessário o planejamento da geração, arrecadação e aplicação dos recursos de modo que as disponibilidades possam ter sua utilização maximizada.
Neste cenário, o orçamento [1] público constitui, atualmente, assunto de relevante importância para todos os que se interessam por administração pública e almejam que a participação dos cidadãos à gestão da Coisa Pública se torne cada vez mais efetiva, por intermédio do orçamento participativo.
O §1º do artigo 74 da Constituição Federal, determina que “a lei estabelecerá as diretrizes e bases do planejamento e desenvolvimento nacional equilibrado, o qual incorporará e compatibilizará os planos nacionais e regionais de desenvolvimento”.
Para operacionalizar a concepção de planejamento formulada, a Constituição Federal deixou três instrumentos fundamentais que são: Plano Plurianual; Lei de Diretrizes Orçamentárias; e Lei Orçamentária Anual. Todos esses instrumentos são atos normativos que, de forma ordenada, se interligam, visando dotar o setor público de um processo de planejamento orçamentário, espelhando assim um plano de governo mais racional a longo, médio e curto prazo.
O orçamento participativo é um instrumento democrático, exemplo da democracia participativa, sendo considerado a mais importante experiência de mecanismo de incorporação da sociedade ao processo de escolha pública no Brasil. O orçamento participativo foi introduzido, no Brasil, no âmbito de diversos governos municipais, com o objetivo de fazer frente às consequências das políticas neoliberais.
O orçamento participativo permite que os cidadãos participem do processo pela organização social, permitindo às prefeituras estabelecerem limites e critérios para compartilhar o poder de decisão com os moradores das diversas regiões da cidade.
O presente artigo constitui-se de um ensaio de revisão teórica, focando no tema do orçamento participativo e tendo como base, dentre outros autores citados ao longo do estudo, a literatura apresentada por Avritzer (2000) e Santos (2002) que, por meio de seus estudos sobre orçamento participativo, consideram esse instrumento de participação um exemplo de experiência democrática participativa, uma vez que atende aos requisitos desse modelo teórico. O orçamento participativo, além de ter êxito e ter conseguido certo grau de consolidação (mais de dez anos), atualmente goza de um amplo reconhecimento mundial. Como afirma Lüchmann (2002, p. 206), "enquanto construção coletiva que conta com ampla participação das classes mais desfavorecidas da sociedade, o orçamento participativo ousa experimentar, na prática, os pressupostos normativos que desqualificam o 'realismo elitista' como concepção única e possível de democracia".
O orçamento participativo, ao empregar uma metodologia que está diretamente relacionada à população das diferentes regiões da cidade e respeitar as prioridades elencadas durante as assembleias, permite que os cidadãos assumam "uma função executiva" tanto no levantamento como na fiscalização das ações priorizadas.
Leonardo Avritzer (2000) avança dentre os autores que chamam a atenção para a necessidade de se compatibilizar a democracia representativa, consolidada nos Estados democráticos na contemporaneidade, e a democracia participativa, associativa ou deliberativa, uma vez que, segundo ele, há uma necessidade de ampliar o marco no qual a democracia é pensada.
O processo orçamentário constitui um sistema pelo qual as preferências do eleitorado são traduzidas em projetos e programas, que visam satisfazer as demandas por bens públicos.
Dessa forma, deve ser reconhecido que os políticos e técnicos envolvidos no processo têm considerável poder para determinar a combinação de gastos públicos apresentados ao Legislativo, o que dá um respaldo especial à questão orçamentária, mostrando o orçamento público como um documento sério e compromissado, objetivando a garantia e ao alcance de propósitos da sociedade como um todo.
A seguir são apresentadas algumas diretrizes do orçamento público no Brasil, inclusive o orçamento participativo.
O orçamento tradicional é aquele que se contextualiza de modo pouco específico e não possui responsabilidade em especificar dados inerentes às finanças públicas. Nesse tipo de orçamento, não há necessidade de criar, ampliar ou mostrar previamente os objetivos a serem alcançados no exercício financeiro. O orçamento tradicional tem como preocupação os meios e não os fins da função governamental (GONÇALVES, 2005).
O orçamento-programa é um tipo de orçamento vinculado ao planejamento, programação e orçamentos num contexto maior de sistema de gestão. Para Giacomini (1997, p. 54-55), os elementos essenciais do orçamento-programa são:
Os objetivos e propósitos perseguidos pela instituição e para cuja consecução são utilizados os recursos orçamentários;
Os programas, isto é, os instrumentos de integração dos esforços governamentais no sentido da concretização dos objetivos;
Os custos dos programas medidos pela identificação dos meios ou insumos (pessoal, material, equipamentos, serviços, etc.) necessários para a obtenção dos resultados; e,
Medidas de desempenho com a finalidade de verificar as realizações (produto final) e os esforços despendidos na execução dos programas.
O orçamento-programa é o processo por meio do qual se expressa, se aprova, se executa e se avalia o nível de cumprimento do programa de governo para cada período orçamentário, tendo em vista as perspectivas de médio e longo prazo.
A Constituição Federal, já estabelecia desde a sua promulgação, a elaboração do plano plurianual como o principal instrumento para o planejamento administrativo. Entretanto somente com a publicação da Lei Complementar 101 essa ferramenta teve sua aplicação plena. O próprio texto legal apresenta as seguintes definições (GONÇALVES, 2005, p. 32):
Objetivos: são os resultados que se pretende alcançar com a realização das ações governamentais;
Diretrizes: representam o conjunto de critérios de ação e de decisão que deve disciplinar e orientar os diversos aspectos envolvidos no processo de planejamento;
Metas: referem-se à especificação e quantificação física dos objetivos estabelecidos.
O Plano Plurianual é uma tentativa de integração do planejamento com o orçamento. Como sua vigência adentra o período da gestão seguinte, visa a assegurar a continuidade dos objetivos traçados, evitando que ocorram interrupções bruscas (GONÇALVES, 2005).
O Plano Plurianual não pode ser elaborado apenas para atender às determinações legais, mas sim deve atentar para a busca do equilíbrio econômico e financeiro de cada ente, de modo que os resultados possibilitem que o déficit público seja contido e revertido.
O equilíbrio das contas de cada município é decisivo para a economia nacional, visto que grande parte da dívida pública é gerada na esfera municipal.
Na sua elaboração deve-se levar em conta as características peculiares à administração pública, considerando-se que o Estado não tem em suas atividades o fim lucrativo tal qual a iniciativa privada. Porém para o atendimento das necessidades coletivas, cada vez mais crescentes, há a necessidade de uma postura austera e de planejamento constantes na administração.
Para tanto, exigir-se-á do administrador, não apenas a legitimidade eleitoral e a postura ética que deve compor a essência cultural do cidadão, mas também grande preparo técnico e sensibilidade aos problemas sociais, para buscar soluções criativas para os problemas que lhe são postos.
É preciso que todos os cidadãos compreendam que uma má gestão municipal influi em todo o ordenamento econômico do país.
Plano Plurianual é o demonstrativo de todas as ações a serem efetuadas pelo administrador e deve ser um instrumento de transformação econômico-social dos municípios, uma ponte entre a situação atual e aquela que se busca atingir durante a gestão.
A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) representa uma colaboração positiva no sentido de tornar o processo orçamentário mais transparente para a população. Dessa forma, contribui para a participação mais ampla do Poder Legislativo no disciplinamento das finanças públicas. Prioriza as metas do Plano Plurianual e orienta a elaboração do Orçamento Geral da União.
Silva (1993 apud GONÇALVES, 2005, p. 37-38) afirma que a LDO surgiu como uma novidade no processo orçamentário, servindo às seguintes finalidades:
- Fixar as metas e prioridades a serem observadas pela administração no exercício seguinte, resguardando a coerência e a continuidade do Plano Plurianual que tem de se ater aos objetivos principais fixados nesse instrumento;
- Condicionar a representação das emendas ao projeto de lei orçamentária, ainda dentro da mesma filosofia;
- Tornar mais fácil a análise e discussão a respeito da hierarquização das prioridades, por não estar limitada, diretamente, aos aspectos financeiros;
- Definir as metas necessárias e ideais para serem compridos pelo órgão público em favor da coletividade;
- Eliminar a prática de cortes lineares nos orçamentos dos diversos órgãos em face da escassez dos recursos disponíveis, subjugando-os à escala de prioridades fixadas na LDO. Esse ponto pode ser considerado uma decorrência do anterior;
- Reverter uma tendência negativa de se encarar o processo de elaboração do orçamento como um fim em si mesmo, ajustando-o à correta perspectiva de ser um instrumento auxiliar do planejamento governamental, assumindo uma posição estratégica no contexto das problemáticas da população.
Em síntese, a LDO constitui um referencial básico para a avaliação da eficácia quanto ao cumprimento das metas e objetivos ali consignados.
O orçamento participativo permite que os cidadãos participem do processo pela organização social, permitindo às prefeituras estabelecerem limites e critérios para compartilhar o poder de decisão com os moradores das diversas regiões da cidade.
Segundo Souza (2001, p. 67), as visões sobre o orçamento participativo são tão diversas que tornam difícil uma síntese. Como tentativa de agregar todas as respostas, a referida autora realizou as seguintes sínteses:
- Na gestão: existe a visão de que o orçamento participativo é: a) gestão urbana com os pobres; b) mecanismo de gestão conjunta dos recursos públicos através de decisões compartilhadas sobre a alocação dos recursos orçamentários; c) modelo de gestão urbana mais do que uma política pública; e d) processo de gestão fiscal social.
- Na educação, a maior parte da literatura considera o orçamento participativo um processo educativo que envolve todos os atores locais importantes – prefeito, burocratas, vereadores, movimentos sociais –, assim como as instituições nas quais esses atores operam. Essa visão é tributária do pensamento de Stuart Mill sobre o papel educativo do governo local.
- Na política, as visões são bastante diversas. O orçamento participativo é: a) uma política pública em que os que têm poder o cedem para os grupos em desvantagem; b) uma forma de radicalizar a democracia e o resultado de uma grande vontade política, capaz de permitir a construção de uma cultura política, que aumente a conscientização sobre a cidadania, e de melhorar as condições de vida da população; c) uma das formas correntes de globalização contra-hegemônica; d) uma forma de combinar democracia representativa com participação; e, e) um instrumento para superar os limites da democracia representativa através de mecanismos que ampliem a mobilização da sociedade civil para além do corporativismo e da simples consulta. Contrariando as visões correntes sobre o orçamento participativo, Dias (2000) argumenta que a experiência tem sido uma forma de o Executivo municipal sobrepor-se ao Legislativo. Ainda no território do papel político do orçamento participativo, aparece na literatura a visão de que o programa aumenta a transparência, accountability e a credibilidade dos governos e seus participantes. O orçamento participativo também é constantemente mencionado como forma de eliminar (ou diminuir) o clientelismo, o autoritarismo e o patrimonialismo. Assim, embora com opiniões altamente divergentes, a literatura chega quase sempre à mesma conclusão: o orçamento participativo está mudando a vida política das regiões onde se instala.
- Na mudança social: o orçamento participativo permite: a) a distribuição mais justa de recursos escassos em uma sociedade altamente desigual; b) um instrumento inovador para a reconstrução da vida pública; c) nova forma de relacionamento entre o poder público local, as organizações populares e o resto da sociedade, a fim de atender às demandas dos segmentos mais pobres da população; d) o fortalecimento do associativismo urbano e do relacionamento entre as associações comunitárias e os moradores dos distritos; e) uma forma justa de decidir sobre a alocação de recursos.
No contexto participativo do orçamento, pressupõe-se a existência de etapas sucessivas e um encadeamento lógico de tomada de decisões, considerando-se a etapa de elaboração, a discussão do orçamento popular, sua apreciação, execução e avaliação.
De acordo com Gonçalves (2005), o orçamento participativo representa mais um passo no sentido do aperfeiçoamento político. Nele, não somente os parlamentaristas participam das decisões sobre finanças e políticas públicas ao mesmo tempo em que a população organizada e a sociedade civil assumem papel ativo, passando a ser agente e não apenas um mero espectador da situação.
Para Gonçalves (2005), ocorre uma radicalização democrática, em que a democracia passa a ser um instrumento para se atingir a melhor forma de alocação dos recursos públicos. Nesse caso, os cidadãos exercem seus direitos e os seus deveres de participação na definição dos rumos da ação governamental.
Uma questão pouco discutida nas Prefeituras brasileiras é o orçamento e a sua vinculação com a receita. O orçamento é a peça mais importante da administração de um município, pois nele estão contidas todas as propostas e compromissos do executivo para com a população durante o período de 1 ano (COSTA, 2009).
No orçamento estão previstos os recursos que deverão ser gastos com pagamento de pessoal, manutenção da cidade, serviços sociais e com novos investimentos em obras. Ele tem que comprometer receitas suficientes para permitir que sejam executadas essas despesas, mas na realidade, os orçamentos são, em geral, verdadeiras peças de ficção. Trata-se de um grande volume de números pouco conhecidos, por vezes irreais e de difícil compreensão, tanto pela população, quanto pela própria Câmara Municipal, responsável pela sua aprovação, e muitas vezes até pelo próprio prefeito. Poucas pessoas da burocracia estatal o compreendem perfeitamente (COSTA, 2009).
Para crescer a receita é importante que haja mais clareza em relação ao orçamento. Que a população saiba quais os planos a serem executados e qual o custo dessa execução. Para tanto, é necessário que a população discuta com o poder público os programas previstos e as suas prioridades que, muitas vezes, não tem oportunidade de manifestar.
O orçamento pressupõe casamento entre receitas e despesas. Deve conter os compromissos de despesas previstas para serem executadas. Esses compromissos têm um volume de recursos que devem ser iguais ao volume de receita prevista. Nesse volume, existem as receitas próprias e as transferidas e, raramente, quase inexistentes, empréstimos que podem vir do governo federal, estadual ou do sistema financeiro.
Normalmente, o que se pode prever como certo são as transferências constitucionais, especialmente o ICMS - Imposto sobre Circulação de Mercadorias – estadual e Fundo de Participação dos Municípios (FPM) federal. Essas transferências podem ser razoavelmente estimadas, aproximando-as ao montante do ano anterior (COSTA, 2009).
Supondo-se que essas transferências somem um valor inferior ao valor previsto para ser gasto com as despesas, a diferença deveria ser coberta com a receita própria do município, tributárias e não tributárias. Nas receitas tributárias existem os impostos, as taxas e as contribuições; nas não tributárias existem multas, correção monetária, juros, preços públicos e receita financeira. Além disso, existe a cobrança da dívida ativa tanto tributária como não tributária (COSTA, 2009).
Nas receitas tributárias municipais, definidas pela Constituição, os impostos são basicamente o IPTU - Imposto Predial e Territorial Urbano, o ISS - Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza e o ITBI - Imposto sobre Transmissão ”Inter Vivos”, a Qualquer Título, por Ato Oneroso, de Bens Imóveis, por Natureza ou Acessão Física, e de Direitos Reais sobre Imóveis. Esses três impostos são os que os municípios podem cobrar, devendo estabelecer as regras para a sua cobrança. Essas regras devem ser propostas pelo executivo e aprovadas pela Câmara Municipal.
Os municípios têm muita dificuldade para cobrar impostos porque estes oneram a população. A aceitação desses impostos se dará na medida em que a população aprove a destinação desses recursos e entenda que eles estão sendo bem aplicados. Assim, é fundamental que fique bem claro na discussão do orçamento com a população, quanto a Prefeitura vai cobrar de IPTU, de ISS e de ITBI (COSTA, 2009).
Ao mesmo tempo, a Prefeitura cobra taxas, que correspondem à prestação de serviços de limpeza pública (varrição, coleta e remoção de lixo para o destino final), bem como à manutenção de vias e da iluminação pública, de anúncios, etc. Essas taxas, muitas vezes, são cobradas com valores muito inferiores ao seu custo que está previsto no orçamento. Consequentemente, acaba não existindo a prestação do serviço correspondente e a cidade fica numa situação ruim.
A contribuição que existe é a contribuição de melhoria que no Brasil é muito difícil de ser cobrada. A única cobrada, especialmente pelos médios e grandes municípios, é a contribuição de melhoria sobre a pavimentação, ou seja: quando a população resolve pela pavimentação de uma rua, a Prefeitura executa a obra e cobra da população um custo, normalmente inferior ao custo que teve. A soma dos impostos, taxas e contribuição de melhoria mais as transferências e, se houver, os empréstimos, é o que constitui a receita da Prefeitura que deve empatar com as despesas previstas no orçamento.
Daí a importância dessa discussão ser realizada com os cidadãos, movimentos organizados, sociedade civil, Câmara Municipal, para que se parta de um patamar realista de execução de um programa de governo, sem o que, toda e qualquer promessa por parte da Prefeitura passa a cair no descrédito. Outro ponto a considerar é o das prioridades que o orçamento contempla na sua aplicação de recursos. Muitas vezes as prioridades colocadas não são aquelas que a população reivindica. São colocadas de forma burocrática pelos técnicos que administram o orçamento ou pelos executivos que exercem cargos de responsabilidade e que avaliam o que é o melhor para a cidade. Podem ser coincidentes com o que o povo quer, ou não.
É muito importante que ocorra a discussão prévia do orçamento, para que, no final, a população envolvida torne-se mais responsável pelo pagamento dos tributos e pela fiscalização das realizações. Isso é mais fácil acontecer em pequenos municípios, onde as relações são mais próximas e são menores os espaços de circulação. Assim, é fundamental a participação da população na definição do orçamento, sem a qual dificilmente se vai conseguir a motivação necessária para a obtenção das receitas próprias, que são visíveis, claras de serem percebidas, porque cobradas pela Prefeitura, diferente das transferências que se destinam à Prefeitura e que a população não percebe o quanto está pagando.
Dessa forma, para o crescimento da receita própria municipal, o ponto de partida correto é a discussão sobre o que deve ser feito na cidade. Colocados os valores necessários na proposta orçamentária, o passo seguinte é a aprovação por parte da Câmara Municipal dos projetos de lei tributários que possam garantir a obtenção dessa receita própria suficiente para cobrir a diferença entre as necessidades e as transferências que vêem do Estado e do Governo Federal.
O orçamento participativo é um instrumento de democracia participativa. Como ensina Norberto Bobbio (2000), a democracia é dinâmica e está em permanente transformação, é sempre reinventada, tornando-se evolutiva e qualitativa por ultrapassar a si própria.
De acordo com Avritzer (2000, p. 31)
É possível, portanto, afirmar que a teoria democrática que se tornou hegemônica na primeira metade do século XX possui três elementos decisionísticos e anti-argumentativos: 1) O primeiro desses elementos consiste na noção de que as diferenças culturais não podem ser resolvidas por meio da argumentação. Consequentemente, a única forma de se fazer política democrática seria deixando tais diferenças de lado. Desse modo, a argumentação de uma condição pluralista seria deixada de fora da política. 2) O segundo elemento no processo de afirmação de uma concepção decisionística de democracia está relacionado à defesa de uma interrelação estreita entre administração não participativa e preservação da complexidade. De acordo com tal concepção, é a redução das demandas e a capacidade da burocracia de segui-las racionalmente que determina a eficiência. Mais uma vez, o processo de argumentação e troca de informação intrínseco as formas participativas de administração é excluído do campo da política. 3) O terceiro elemento da afirmação de uma concepção decisionística de deliberação é a idéia de que o processo eleitoral consiste na aferição de preferências individuais pré-formadas.(...) Mais uma vez, o elemento argumentativo da discussão democrática da diferença de interesses e/ou valores é negado. No entanto, o fato interessante em relação à teoria democrática do final do século XX é como todos os três elementos aqui sintetizados de uma concepção decisionística de deliberação irão entrar em crise profunda.
Segundo Baquero (2002) 80,4% da população perceber a democracia como “mesmo com problemas, a melhor forma de governo”. Portanto, a sociedade de modo geral apóia a gestão democrática. Mas, conforme explica Baquero, o nível de apoio à democracia no Brasil, no ano de 2000 era de 39%. Colocando a sociedade brasileira com o menor índice de apoio à democracia entre os países da América Latina. O apoio disseminado da sociedade ao processo democrático, demonstra um nível de rejeição de formas autoritaristas de governo.
Apesar do apoio disseminado da sociedade à democracia, Baquero (2002) constatou que, no Brasil, o nível de insatisfação com a democracia é bastante significativo, chegando a 62,4% dos respondentes em uma pesquisa realizada pelo referido autor em 2000, que afirmaram estarem pouco ou nada satisfeitos com a atuação do governo democrático no país. Trata-se de um dado preocupante, uma vez que essa insatisfação pode vir a comprometer, no futuro, o avanço da democracia no país.
O exercício da democracia é uma conquista, segundo Demo (1999, p.13): “não existe participação suficiente ou acaba. Não existe como dádiva ou como espaço preexistente. Existe somente na medida de sua própria conquista”.
Ao avançar em seu discurso Pedro Demo (1999, p 18) afirma que:
Participação é conquista para significar que é um processo, no sentido legítimo do termo: infindável, em constante vir-a-ser, sempre se fazendo conquista processual. Não existe participação suficiente, nem acabada. Participação que se imagina completa, nisto mesmo começa a regredir.
Portanto, a participação precisa ser contínua para ser legítima, evoluir e avançar garantindo a conquista do processo democrático. Por isso, se faz necessário a avaliação dos processos de gestão social e democrática para que se perceba real cenário da democracia no país. Dagnino (2002, p. 282) afirma que
[...] o impacto da sociedade civil sobre o desempenho do Estado (governance) é uma tarefa que não pode se apoiar num entendimento abstrato dessas categorias como compartimentos separados, mas precisa contemplar aquilo que as articula e as separa, inclusive aquilo que une e opõe as diferentes forças que as integram, os conjuntos de interesses expressos em escolhas políticas: aquilo que está sendo aqui designado como projetos políticos.
Para Dagnino (2002) a participação social no governo enfrenta limitações do Estado. Mas, como se pode observar no trabalho apresentado por Santos e Avritzer (2003), o orçamento participativo constitui uma ferramenta de participação democrática, garantindo que a opinião social seja ouvida e tenha impacto sobre as decisões governamentais.
Atualmente, após a terceira gestão do Governo petista no país, e com a disseminação de instrumentos de participação democrática, como o orçamento participativo, a democracia pode ser considerada mais efetiva no país. Tal assertiva tem como base os estudos realizados por Santos e Avritzer (2003) que realizaram estudos sobre o orçamento participativo na cidade de Porto Alegre e concluíram que o orçamento participativo é um instrumento democrático, que traz para a sociedade uma experiência positiva e valoriza a prática da democracia participativa.
De acordo com Santos e Avritzer (2003), entre as várias formas de participação da sociedade no contexto político que emergiram no Brasil pós-autoritário, o orçamento participativo adquiriu proeminência particular. No caso brasileiro, a motivação pela participação é parte de uma herança comum do processo de democratização que levou atores sociais democráticos, sobretudo, aqueles oriundos do movimento comunitário a disputar o significado do termo participação.
Segundo Santos e Avritzer (2003, p. 18),
No caso da cidade de Porto Alegre, essa disputa articula-se com a abertura de espaços reais de participação pela sociedade política, em particular pelo Partido dos Trabalhadores. Com isso, surgem formas efetivas de combinação entre elementos da democracia participativa e representativa, através da intenção das administrações do PT de articular o mandato representativo com formas efetivas de deliberação a nível local.
Na opinião de Santos e Avritzer (2003, p. 18),
O orçamento participativo surge dessa intenção que, de acordo com Santos, se manifesta em três das suas características principais: (1) participação aberta a todos os cidadãos sem nenhum status especial atribuído a qualquer organização, inclusive as comunitárias; (2) combinação da democracia direta e representativa, cuja dinâmica institucional atribui aos próprios participantes a definição das regras internas e (3) alocação dos recursos para investimentos baseado na combinação de critérios gerais e técnicos, ou seja, compatibilização das decisões e regras estabelecidas pelos participantes com as exigências técnicas e legais da ação governamental, respeitando também os limites financeiros.
Esses princípios gerais são traduzidos em três formas de institucionalidade participativa. A primeira, caracterizada pelas assembleias regionais onde a participação individual é aberta a todos os membros da comunidade e as regras de deliberação e de decisão são definidas pelos próprios participantes. Segundo, um princípio distributivo capaz de reverter desigualdades preexistentes relacionadas à distribuição de bens públicos. E no caso do orçamento participativo na cidade de Porto Alegre e, também, em Belo Horizonte, existem princípios distributivos que antecedem ao próprio processo de deliberação, as chamadas tabelas de carências. Em terceiro lugar, existe um mecanismo de compatibilização entre o processo de participação popular e de deliberação e o poder público. Tal processo envolve, no caso de Porto Alegre, o funcionamento de um conselho capaz de deliberar sobre o orçamento e de negociar prioridades com a prefeitura local.
Segundo Santos e Avritzer (2003, p. 19),
Temos, portanto, no caso brasileiro, uma primeira forma bem sucedida de combinação entre elementos da democracia representativa e da democracia participativa. Essa combinação ocorre a três níveis: no nível local, cidadãos participam de um processo de negociação e deliberação sobre prioridades na distribuição de bens públicos. Esse processo expressa um elemento já ressaltado no nosso texto que é a necessidade da democracia se articular com uma nova gramática social. No caso do orçamento participativo, essa gramática tem dois elementos: distribuição justa de bens públicos e negociação democrática do acesso a esses bens entre os próprios atores sociais. As assembléias regionais, as listas de acesso prévio a bens públicos e o conselho do orçamento participativo, todos eles expressam essa dimensão que denominamos acima procedimentalismo participativo, um processo de participação ampliada envolvendo um amplo debate público sobre as regras da participação, da deliberação e da distribuição.
Portanto o orçamento participativo constitui a ampliação do processo democrático favorecendo a participação dos cidadãos locais na gestão pública, não apenas a título de informação, mas na atuação no processo decisório:
O orçamento participativo mostra alguns dos potenciais de ampliação da democracia participativa. No caso de Porto Alegre, a participação da população cresceu praticamente todos os anos. No caso de Belo Horizonte, apesar de um pouco mais de variação, ela também é crescente. É importante também ressaltar que o orçamento participativo tem ampliado significativamente a sua presença no Brasil. Entre 1997 e 2000, existiram 140 gestões municipais que adotaram o orçamento participativo, a grande maioria (127) em cidades de até 500 mil habitantes. Na metade dos casos (71), essas administrações eram ligadas ao Partido dos Trabalhadores enquanto na outra metade não o eram. A extensão do orçamento participativo para todas as regiões do Brasil, além de para outras propostas políticas, mostra o potencial de extensão de experiências bem sucedidas de democracia participativa (SANTOS; AVRITZER, 2003, p. 19).
O orçamento participativo é um instrumento de democracia voltado para a gestão social. Nesse sentido, Carvalho (1999) afirma que a gestão social é o ato que se estabelece entre a sociedade, num período de tempo delimitado, onde ocorre a expressão dos interesses dos cidadãos. O objetivo da gestão social é atender as necessidades da sociedade, realizando uma mediação entre os atores sociais e o governo, criando-se novas estratégias para interesses do Estado. A gestão social possibilita uma mediação entre o governo e a sociedade constituindo um exercício de democracia. É justamente nesse contexto que se insere o orçamento participativo.
A tradição dos governantes tem sido tratar o orçamento como algo inacessível para a população, que somente pode ser elaborado e analisado por técnicos altamente especializados. Em geral, a decisão sobre o orçamento é feita entre quatro paredes pelo governante e seus assessores mais próximos. O orçamento participativo vem suprir uma lacuna que é a efetiva participação popular na administração pública.
O orçamento participativo é de suma importância para a democratização da administração pública dos municípios, pois visa a democracia e a participação popular nas ações das cidades, com o objetivo de melhoria da gestão pública e do uso consciente e racional dos recursos públicos.
Cumpre destacar a significativa importância do orçamento participativo que traz a concepção de que a teoria da democracia representativa tornou-se insuficiente para explicar as renovações e alterações nas práticas políticas; a ênfase atualmente atribuída à ampliação da participação social nos espaços públicos, enquanto a teoria sugere que a participação popular se limite simplesmente ao ato de votar e considera a democracia com um mecanismo de escolha de líderes políticos pautado na competição entre partidos por intermédio do voto.
No Brasil, o caso mais paradigmático de abertura da gestão à versão participativa é, portanto, o orçamento participativo. Ele é a concretização de um ideal de participação, porque é fruto de uma decisão do governante, da coalizão governista. Esse mecanismo de participação caracteriza-se como um dos mecanismos mais difíceis de viabilização na relação entre governo e sociedade, uma vez que, para o governo implantá-lo, significa reconhecer a possibilidade da perda de parcela de poder sobre decisões importantes nas políticas públicas.
Para que haja êxito em sua elaboração, execução e controle do orçamento participativo é necessário a conscientização da população sobre a importância da participação social efetiva, de modo livre e universal nas assembleias e fóruns de discussão para a tomada de decisão orçamentária.
O orçamento participativo constitui um instrumento que permite a visualização integral dos procedimentos de ordem governamental, permitindo o acesso da população nesse processo, viabilizando o cumprimento dos anseios constitucionais, possibilitando ao povo, como parte integrante do sistema político e social, uma maior garantia de sua participação como cidadão.
O orçamento participativo tem como premissa alocar os recursos do orçamento público de modo racional e de acordo com os interesses da sociedade, por isso deve contar com a participação de grupos organizados da sociedade civil para a tomada de decisões sobre as finanças públicas.
O orçamento participativo constitui um espaço para o debate e a decisão político-participativa. É a partir da participação popular junto à administração pública que será possível estabelecer metas e prioridades de investimentos em obras e serviços a serem realizados no município, anualmente, a partir dos recursos orçamentários disponíveis.
A elaboração, execução e controle do orçamento participativo consistem no exercício da cidadania, que demonstra o compromisso do gestor para com a população e, por sua vez, da população com o bem público, gerando corresponsabilidade entre Governo e Sociedade na gestão dos recursos públicos.
O orçamento participativo também possui um caráter educativo, uma vez que permite que a comunidade local conheça os principais problemas enfrentados pelo município, bem como as limitações orçamentárias e os entraves burocráticos na realização de projetos. Ao atuar efetivamente no orçamento participativo, o cidadão deixa de ser um mero coadjuvante para ser protagonista e tomador de decisões sobre os recursos/investimentos públicos. A efetiva realização e implementação do orçamento participativo podem ser visualizadas como um fortalecimento da democracia na gestão municipal.
[1] Orçamento pode ser definido como o conjunto detalhado de intenções voltadas para a efetivação de objetivos do poder público ou privado, tendo em vista organizar metodicamente os gastos e os ingressos de um determinado exercício (GONÇALVES, 2005).
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Professor de Administração. Doutorando em Administração pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Mestre em Engenharia de Produção e Bacharel em Administração pela Universidade Federal de Itajubá. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/2440887246129041
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ANTONIO GIL DA COSTA JúNIOR, . O Orçamento Participativo na Gestão Pública Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 fev 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38242/o-orcamento-participativo-na-gestao-publica. Acesso em: 23 dez 2024.
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