RESUMO: Através do estudo das causas do insucesso do modelo que a Administração Pública costumeiramente utiliza para a cobrança de seus créditos, procura-se analisar a adoção do protesto extrajudicial das certidões de dívida ativa, com o intuito de diminuir os custos da arrecadação e aumentar o índice de recuperação de créditos. Para isso, examina-se a função de um Estado gerencial e, em seguida, verificam-se as implicações trazidas pela introdução da eficiência no ordenamento jurídico como princípio que deve reger a atuação de toda a Administração. Dessa forma, busca-se concluir que, com a desjudicialização dos conflitos e a modernização das medidas administrativas hoje empregadas, as atividades regulatória e arrecadatória do Estado se tornarão mais eficazes, possibilitando, ainda, uma melhoria na prestação dos serviços públicos.
PALAVRAS-CHAVE: Arrecadação. Eficiência. Administração Pública. Protesto extrajudicial. Certidões. Dívida Ativa.
SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 RECUPERAÇÃO DE CRÉDITOS DA FAZENDA PÚBLICA SOB A ÓTICA DA EFICIÊNCIA. 2.1 A recuperação de créditos da Fazenda Pública sob a ótica do princípio da eficiência. 2.2. Problemas do modelo atual de recuperação de créditos. 3 O PROTESTO EXTRAJUDICIAL DE CERTIDÕES DE DÍVIDA ATIVA. 4 conclusão.
1. INTRODUÇÃO
De acordo com dados constantes da Exposição de Motivos do Projeto de Lei n. 5.080/09, a taxa de recuperação judicial de créditos públicos está em torno de apenas 1% (um por cento). Esse percentual só é aumentado quando o Poder Executivo lança mão de parcelamentos especiais ou extraordinários.
Esse fato, além de revelar a desconformidade do modelo atual de cobrança dos créditos públicos com o princípio constitucional da eficiência, gera na sociedade uma sensação de inoperância estatal, especialmente em áreas extremamente sensíveis, como o meio ambiente, aviação civil, energia elétrica e telecomunicações, além de trazer prejuízos na captação de recursos para a prestação dos serviços públicos.
Considerando-se essencialmente esses dois fatores, evidencia-se a importância de um estudo mais detido sobre as causas desse reduzido retorno judicial de créditos. Contudo, além da identificação dos problemas, urge visualizar meios que permitam à Administração diminuir os custos da cobrança, com a desjudicialização dos conflitos, além de aumentar o índice de recuperação de créditos.
O presente estudo pretende, pautado sob a ótica do princípio da eficiência e fundado no método dedutivo, vencer esses dois problemas. Para tanto, o estudo foi dividido em dois capítulos. O primeiro avalia a transição do modelo de Estado Social para o Estado Gerencial e a conformação da recuperação de créditos nesse novo modelo. No segundo capítulo, analisa-se a adoção do protesto extrajudicial de certidões de dívida ativa como meio alternativo e eficiente de cobrança.
A pesquisa baseia-se, essencialmente, na doutrina pátria sobre recuperação de créditos públicos, análise jurisprudencial e verificação da legislação atual.
2. A Administração Pública – Transição do modelo burocrático para o modelo gerencial
O Estado Social, nascido em decorrência da falência do Estado Liberal após a Primeira Guerra Mundial e posterior depressão econômica, surgiu como modelo voltado para a garantia dos direitos fundamentais. Para tanto, o Estado começou a agigantar a sua estrutura. Moraes (2009, p. 33) comenta que
No final dos anos quarenta do século XX, propaga-se em toda a Europa o Estado do bem-estar social. Assim, a estrutura administrativa estatal se amplia com o objetivo de ser o propulsor do desenvolvimento econômico. A partir de então, o Estado passa a promover diretamente a educação, a saúde e a previdência social, agindo de forma corretiva com o objetivo de compensar as falhas do mercado.
No Brasil, a Administração foi organizada a partir do princípio da legalidade. Criou-se um corpo técnico especializado, “uma burocracia altamente profissionalizada” (MORAES, 2009, p. 46). A vinculação tornou-se um pilar. A discricionariedade ficou restrita apenas para casos enumerados. O funcionário público passou a ser visto “como um indivíduo funcional e objetivo, despojado de toda subjetividade em suas tarefas.” (MORAES, 2009, p. 191). Cardoso (2006, p. 45), ao explicar o modelo adotado no Brasil, diz que “a burocracia weberiana busca explicar a obediência de certo grupo de pessoas a ordens específicas. A esta relação de obediência, ele chama de dominação.”
Contudo, essa estrutura administrativa, por diversos motivos, como a presença teórica do Estado em todas as áreas – intervenção - a inexistência de metas ou resultados a serem atingidos, a observância cega aos regulamentos e a confusão existente entre o que era interesse público e interesse da própria Administração, não foi capaz de apresentar um desempenho de qualidade.
Em paralelo, a globalização surgiu com força no final do século XX. A facilidade e a velocidade da informação, vencendo fronteiras, aliada ao crescimento do número de empresas multinacionais, que acirraram a competição e a busca por novos mercados, impactou também na atuação da Administração. Como decorrência dos ares democráticos, a mesma velocidade da informação e da atuação privada passou a ser exigida da atuação estatal. A velocidade aqui não se restringe mais em dar andamento a determinado processo administrativo. Passou-se a exigir que o resultado desse andamento seja útil para a sociedade.
Assim, na última década do século passado foi iniciado um grande trabalho de revisão do Estado. Identificaram-se inúmeros problemas e definiu-se que o Estado precisaria ser gerencial, diminuindo seu tamanho, através de concessões, permissões e privatizações, e deixando de ser apenas executor para ser também um gerenciador ou regulador. Hoje, podemos avaliar esse processo a partir da leitura da introdução do Plano Diretor da Reforma Administrativa do Estado, onde ficou consignado que
A reforma do Estado deve ser entendida dentro do contexto da redefinição do papel do Estado, que deixa de ser o responsável direto pelo desenvolvimento econômico e social pela via da produção de bens e serviços, para fortalecer-se na função de promotor e regulador desse desenvolvimento.[1]
Quanto aos objetivos dessa Reforma, importante transcrever parcialmente o item 6 do referido Plano Diretor:
6.3 Objetivos para as Atividades Exclusivas:
· Transformar as autarquias e fundações que possuem poder de Estado em agências autônomas, administradas segundo um contrato de gestão; o dirigente escolhido pelo Ministro segundo critérios rigorosamente profissionais, mas não necessariamente de dentro do Estado, terá ampla liberdade para administrar os recursos humanos, materiais e financeiros colocados à sua disposição, desde que atinja os objetivos qualitativos e quantitativos (indicadores de desempenho) previamente acordados;
· Para isso, substituir a administração pública burocrática, rígida, voltada para o controle a priori dos processos, pela administração pública gerencial, baseada no controle a posteriori dos resultados e na competição administrada;
· Fortalecer práticas de adoção de mecanismos que privilegiem a participação popular tanto na formulação quanto na avaliação de políticas públicas, viabilizando o controle social das mesmas. [sem grifo no original]
Em decorrência desse trabalho podem ser destacados dois grandes resultados. O primeiro se refere à criação de várias agências reguladoras, como a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis – ANP, Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL e a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL. O Estado, devido às privatizações, começou a deixar de ser teoricamente prestador e passou a ser regulador. Conforme Cardoso (2006, p. 46),
Surge tal modalidade de Estado como consequência da redefinição do papel social. Relaciona-se especificamente com a atribuição à iniciativa privada da prestação de bens e serviços antes ofertados, com exclusividade ou não, pelo Estado. O Estado sai de cena como prestador e surge como agente normativo e regulador da atividade econômica.
O segundo resultado, com certeza o mais festejado pelos administrativistas e pela sociedade, foi a inserção no caput do artigo 37 da Constituição Federal do princípio da eficiência. Era consenso que a atuação do Poder Público não poderia mais ser pautada pelo cumprimento fiel aos regulamentos, mas que deveria ter em vista a obtenção de resultados. Não significa dizer que tudo era ruim, mas que havia a necessidade de uma mudança, com a incorporação de alguns parâmetros do setor privado, como o estabelecimento de metas, vinculadas essencialmente ao cumprimento dos direitos fundamentais. Em verdade, é bom salientar, o princípio da eficiência já constava do texto constitucional[2]. Porém, é a partir da Emenda Constitucional n. 19 que esse princípio ganha, de fato, a dimensão pretendida. Salienta-se que, apesar de amplamente saudada essa alteração constitucional, algumas críticas foram e continuam sendo feitas. Marcellino Junior (2009, p. 185) adverte que
[...] muitos dos administrativistas deste país – com seus manuais de grande penetração acadêmica – acabaram por docilmente servir ao projeto eficientista, difundindo no âmbito do ensino jurídico a marca epistêmica neoliberal. O resultado disso: juízes, advogados e promotores absolutamente “colonizados” e “seduzidos” pelo discurso econômico que possui como meta o drástico desmantelamento estatal. Reconheça-se que, com todo esse apoio, a missão dos neoliberais tornou-se muito mais fácil. Estava, pois, rebatizado com “pompas” e “aplausos” pelo jurídico o eficientismo-economicista neoliberal.
É inviável, entretanto, acreditar que os administrativistas alvo dessa crítica seriam simplesmente usados como máquina para difusão de conceitos neoliberais. Como dito, o que se saudou foi o reconhecimento da necessidade de mudança paradigmática, a fim de que a Administração possa, de forma eficiente, atender as demandas da sociedade. Nesse sentido, Moreira Neto (2008, p. 30) assevera que
É preciso, sobretudo, que o próprio resultado da gestão administrativa atenda as legítimas pretensões e necessidades dos administrados e o faça eficientemente, vale dizer, a legitimidade deve estar também nos fins e não apenas nos procedimentos, e os resultados também só podem ser considerados suficientemente satisfatórios se atenderem eficientemente as finalidades constitucionalmente cometidas ao Estado.
Reconheça-se, todavia, que a crítica ganha sentido se o princípio da eficiência for tido como fator preponderante ou único na tomada de decisões, com a inobservância dos demais princípios basilares da Administração. É indispensável ter em vista que o princípio da eficiência decorre de expressa determinação da Lei Maior. Ser eficiente é cumprir com o princípio da legalidade. Pode-se dizer, portanto, que o princípio da eficiência serve como norte a ser observado pelos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário no sentido de se possibilitar que o Estado cumpra efetivamente e da forma menos onerosa as suas obrigações. Furtado (2007, p. 112), nesse ponto, afirma que
A eficiência foi elevada pela Constituição Federal à categoria de princípio geral da Administração Pública, é um dos aspectos da economicidade. Esta, além de eficiência, compreende a eficácia e a efetividade. Temos, portanto, que economicidade é gênero do qual a eficiência, a eficácia e a efetividade são suas manifestações [...] A eficiência requer do responsável pela aplicação dos recursos públicos o exame da relação custo/benefício da sua atuação.
Sabe-se, contudo, que a ruptura causada por um novo paradigma causa traumas e desconfianças, o que implica um prazo de transição para aceitação geral e assimilação das novas posturas. E, apesar das críticas, o objetivo desse novo paradigma para a Administração Federal, constante do Plano Diretor de Reforma Administrativa do Estado é
[...] no longo prazo, espera-se que a reforma do aparelho do Estado produza as transformações fundamentais que viabilizem o novo Estado desejado, indutor e promotor do desenvolvimento social e econômico do País. Para alcançar esse estágio, e com a flexibilidade requerida para enfrentar os novos desafios que certamente serão impostos, os resultados esperados estão relacionados a duas dimensões: a primeira, de natureza interna, diz respeito à consolidação da cultura gerencial e da efetiva valorização dos servidores, através do resgate da identidade com o serviço público; a segunda, de natureza externa, a partir do surgimento de uma nova sociedade, baseada na participação popular, que recoloca o Estado como instrumento do exercício pleno da cidadania.[3]
Espera-se, portanto, que, com o passar do tempo, tanto a Administração, quanto a sociedade se familiarizem com esse novo paradigma, evitando-se alguns excessos que possam vir a acontecer se não forem devidamente sopesados todos os princípios constitucionais da Administração.
2.1. A recuperação de créditos da Fazenda Pública sob a ótica do princípio da eficiência
O Estado Democrático de Direito permite e exige uma participação mais intensa da sociedade na gestão pública. O princípio da transparência tem feito mover com maior intensidade a atuação administrativa. Os órgãos de controle estão sendo municiados cada vez mais pela sociedade. Exaltando a democratização na Administração Pública, Lima (2009) assenta que
[...] não há como não empreender o entendimento de que a Administração Pública deve se pautar na (i) promoção da cidadania como forma de alavancar os substratos sociais de participação e evolução, com as suas mais diversas reivindicações, nas suas atividades administrativas; (ii) exaltação do perfil democrático de suas atividades, até mesmo para justificar a transparência dos seus serviços em face dos administrados, sem falar na correspondência de esforços para encetar uma Administração Pública centrada no diálogo com os administrados; e (iii) defesa incansável dos direitos fundamentais dos seus administrados, de maneira a robustecer a tese de que o exercício deles através da cidadania responsável, na mesma medida, acaba por tornar a Administração melhor para todos, seja para os destinatários das atividades administrativas, seja para o próprio serviço público.[4]
Nesse novo contexto, a Administração deve estar preparada para ser participativa e atender satisfatoriamente as demandas da sociedade, baseadas essencialmente nos objetivos elencados no art. 3º da Constituição Federal[5]. O atendimento de tais demandas passa, necessariamente, pela programação orçamentária, com a previsão da captação e devida alocação de recursos. De acordo com Moraes (2007, p.18),
[...] o grande desafio que se apresenta no início do século XXI é encontrar um novo paradigma de Estado, capaz de administrar com eficiência o orçamento, ser transparente em suas decisões, atender aos desejos da sociedade e ter legitimidade no exercício de suas funções.
Esse novo paradigma foi bem delimitado no já referido Plano Diretor da Reforma Administrativa do Estado:
A administração pública gerencial inspira-se na administração de empresas, mas não pode ser confundida com esta última. Enquanto a receita das empresas depende dos pagamentos que os clientes fazem livremente na compra de seus produtos e serviços, a receita do Estado deriva de impostos, ou seja, de contribuições obrigatórias, sem contrapartida direta. Enquanto o mercado controla a administração das empresas, a sociedade - por intermédio de políticos eleitos - controla a administração pública. Enquanto a administração de empresas está voltada para o lucro privado, para a maximização dos interesses dos acionistas, esperando-se que, através do mercado, o interesse coletivo seja atendido, a administração pública gerencial está explícita e diretamente voltada para o interesse público.[6]
Nesse quadro gerencial, ganha relevo a atuação das autarquias, especialmente as que exercem atividades vinculadas à regulação econômica, como a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) e Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (INMETRO)[7]. Os créditos dessas entidades têm, primordialmente, natureza não tributária, referentes a multas originadas do exercício do poder de polícia.
Para os entes federativos, por outro lado, a cobrança está centrada nos créditos de natureza tributária, com destaque para os impostos. E, nesse ponto, cabe destacar a imposição contida na Lei de Responsabilidade Fiscal:
Art. 11. Constituem requisitos essenciais da responsabilidade na gestão fiscal a instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos da competência constitucional do ente da Federação.
Parágrafo único. É vedada a realização de transferências voluntárias para o ente que não observe o disposto no caput, no que se refere aos impostos.
Art. 12. As previsões de receita observarão as normas técnicas e legais, considerarão os efeitos das alterações na legislação, da variação do índice de preços, do crescimento econômico ou de qualquer outro fator relevante e serão acompanhadas de demonstrativo de sua evolução nos últimos três anos, da projeção para os dois seguintes àquele a que se referirem, e da metodologia de cálculo e premissas utilizadas.
§ 1o Reestimativa de receita por parte do Poder Legislativo só será admitida se comprovado erro ou omissão de ordem técnica ou legal.
[...].
Art. 13. No prazo previsto no art. 8o, as receitas previstas serão desdobradas, pelo Poder Executivo, em metas bimestrais de arrecadação, com a especificação, em separado, quando cabível, das medidas de combate à evasão e à sonegação, da quantidade e valores de ações ajuizadas para cobrança da dívida ativa, bem como da evolução do montante dos créditos tributários passíveis de cobrança administrativa.
Portanto, União, Estados, Distrito Federal e Municípios, sob pena de não receberem transferências voluntárias, devem, além de exercer sua competência tributária, adotar, obrigatoriamente, meios eficazes para tornar efetiva a arrecadação, evitando-se a evasão e a sonegação.
A efetiva arrecadação também tem como objetivo evitar os efeitos danosos para os entes federativos e suas respectivas autarquias e também para a sociedade. Primeiro porque gera um descompasso orçamentário, em se tratando de tributos, acarretando uma piora na prestação de serviços públicos, e segundo porque, em relação às multas aplicadas no exercício do poder de polícia, gera uma sensação de impunidade e de insegurança.
2.2. Problemas do modelo atual de recuperação de créditos
Segundo a referida a exposição de motivos do Projeto de Lei n. 5.080/2009, chamado de “a nova lei de execução fiscal”, a tramitação média de um processo, somando-se as suas fases administrativa e judicial, está em 16 (dezesseis) anos. No entanto, o índice de recuperação de créditos está em torno de apenas 1% (um por cento). Pereira (2005, p. 114) faz uma importante reflexão histórica sobre o fracasso da execução fiscal no Brasil:
No Brasil, pode-se dizer que o problema começa no plano material, ou seja, deve ser analisado o contexto social e político para após se verificar onde estão os entraves legais e jurídicos.
Assim, salvo melhor juízo, as origens no plano material da crise de efetividade do processo executivo fiscal são, especialmente:
a) A existência de uma voracidade enorme do Fisco em tributar, muitas vezes de forma arbitrária, para sanar o orçamento público, sobrecarregando pessoas físicas e jurídicas que acabam caindo na inadimplência;
b) A existência de uma cultura nacional de que o Fisco não deve ser pago, pois é um credor que não representa grande ameaça (em regra, o contribuinte não perde financiamento bancário, não perde o fornecedor, não perde o empregado, etc.), ou seja, o Fisco é o credor que menos risco representa (pelo menos em curto prazo) ao contribuinte. Por exemplo, uma empresa não pára de funcionar porque deixou de pagar um tributo, mas pode fechar as portas se perder um fornecedor.
c) Os nossos Tribunais não conseguem dar conta dos anseios da sociedade. A sociedade evoluiu muito, mas a estrutura do judiciário (embora, com grandes avanços) ainda não conseguiu acompanhar o ritmo das mudanças.
Faltam juízes, faltam defensores, servidores e falta, principalmente, vontade política.
Godoy (2009, p. 11 – 12), por sua vez, conclui que:
O modelo que se tem é centrado na atuação do Poder Judiciário, para onde se deslocam as discussões fiscais, produzindo-se impressionante multiplicação de procedimentos e demandas, com prejuízos para a Administração e para os Administrados, orçados sobremodo nos custos que provocam. Os resultados são pífios.
A vigente Lei de Execução Fiscal[8], ao contrário do que ocorreu com o processo de execução civil e trabalhista, não tem acompanhado a evolução dos fatos marcados pela globalização e pelo modelo gerencial. Seu rito ainda é extremamente formalista. Além disso, os entes públicos e suas Procuradorias ainda não estão devidamente dotados de ferramentas capazes de localizar os devedores e seus bens. Há, também, injustificável desconfiança na troca de informações entre os diversos órgãos fazendários. Por outro lado, como bem salientou Pereira, há uma cultura generalizada de que o Fisco não deve ser pago. Esse fato se reforça com a extinção da punibilidade de crimes praticados contra a Fazenda Pública em caso de pagamento do débito[9]. Em resumo, a execução fiscal é o paraíso dos devedores!
Aos números citados anteriormente, além do infindável estoque processual, devem ser acrescidos outros que decorrem de uma atuação mais forte do Estado. As agências, criadas para a regulação de determinada atividade econômica, devem, por consequência, exercer a fiscalização do cumprimento das normas. O aumento do número de servidores, o investimento em tecnologias e a participação mais efetiva da sociedade, por diversos meios, como as ouvidorias, impõe um ritmo crescente na aplicação de sanções administrativas. Menezello (2002, p. 71) ilustra que
Além de todos os poderes e deveres que são atribuídos às agências reguladoras, tais entes têm também o dever/poder de fiscalizar o fiel cumprimento da legislação do setor econômico específico e as condições de prestação dos serviços ou a exploração da atividade regulada.
Esse é o caso, por exemplo, da Agência Nacional de Aviação Civil - ANAC. A partir do chamado “caos aéreo” houve uma atuação intensa da autarquia, e que, com participação da sociedade, redundou na aplicação de diversas multas às empresas do setor. O mesmo pode ser dito em relação às multas aplicadas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA e pelos órgãos ambientais estaduais e municipais, considerando-se a crescente conscientização ambiental no Brasil.
Em paralelo, é preocupante o levantamento feito pelo Instituto de Pesquisas Econômica Aplicada (IPEA)[10], no qual se evidenciou que o custo total médio de uma execução fiscal na Justiça Federal é de R$ 4.685,39 (quatro mil, seiscentos e oitenta e cinco reais e trinta e nove centavos) e o tempo de tramitação média é de 8 (oito) anos, 2 (dois) meses e 9 (nove) dias.
Sendo assim, a manutenção do atual processo de execução fiscal, aliado ao incremento da atuação estatal, gerará, em breve, dois graves problemas: aumento do estoque processual e consequente diminuição da arrecadação dos créditos dos entes públicos.
Uma das soluções sempre lembrada, que é a criação de novas Varas Especializadas em Execuções Fiscais, além de onerar o Estado com a criação de mais cargos e outras despesas decorrentes, não ataca o problema. É apenas um paliativo dispendioso.
Desse modo, é necessário que medidas eficazes e inovadoras sejam adotadas.
3. O protesto extrajudicial de Certidões de Dívida Ativa
O Código Tributário Nacional permite[11] que, para determinados casos, seja exigida certidão de regularidade fiscal. Porém, é preciso acrescentar que, ao contrário do que ocorre com os créditos da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, tributários por essência, os créditos das autarquias e fundações públicas são predominantemente de natureza não tributária[12].
Apesar de haver algumas espécies de certidões setoriais, como as relativas ao meio ambiente[13], o ideal, do ponto de vista gerencial, é que exista uma certidão de regularidade única, contendo os créditos tributários e não tributários do contribuinte ou devedor.
Além das certidões de regularidade fiscal, a Lei n. 10.522/02 estabeleceu a inclusão dos devedores da Fazenda Pública no Cadastro Informativo de créditos não quitados do setor público federal - CADIN. A inclusão, no entanto, é vedada para créditos inferiores a R$ 1.000,00 (um mil reais) e facultada para créditos com valores entre R$ 1.000,00 (um mil reais) e inferiores a R$ 10.000,00 (dez mil reais)[14]. O CADIN fica restrito à Administração Pública Federal, e sua finalidade é evitar a realização de operações de créditos que envolvam recursos públicos com os devedores, além da concessão de incentivos fiscais e financeiros e a celebração de convênios, acordos, ajustes ou contratos que envolvam desembolso de recursos públicos.
Há nas relações privadas algumas alternativas semelhantes que poderiam já há muito tempo ser usadas pela Fazenda Pública. Dentre elas, destacam-se a inclusão dos devedores em cadastros restritivos de créditos e o protesto extrajudicial.
O registro da inadimplência dos particulares nos órgãos restritivos de créditos tem sua previsão no art. 43 do Código de Defesa do Consumidor. Embora tenha sido muito combatida judicialmente, a inclusão em tais cadastrados, desde observadas todas as formalidades, encontra respaldo no Poder Judiciário:
CIVIL. INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS. INSCRIÇÃO. SERASA. VALOR. DÍVIDA.
1 - Confessada pelo próprio devedor a existência da dívida e a sua inadimplência, o envio do seu nome à inscrição na SERASA se reveste de plena legalidade, não podendo a eventual alteração posterior no montante devido, à guisa de acordo entre credor e devedor, se erigir em fundamento bastante para o pleito indenizatório, notadamente se, como na espécie, vem arrimado, precipuamente, na afirmação de ter
agido a instituição financeira (credora) com intenção deliberada (dolo) de coagir o devedor e de prejudicar a sua reputação creditícia, argumento de cunho eminentemente fático-probatório e, por isso mesmo, indene ao crivo do especial, ut súmula 7-STJ.
2 - Violação aos arts. 42 e 43, § 1º, do CDC não ocorrente.
3 - Recurso especial não conhecido.
(STJ – 4ª Turma; REsp 604481/SP; Relator Ministro Fernando Gonçalves; data da decisão: 18.08.2005; data de publicação: 05.09.2005)
A inserção do nome dos devedores da Fazenda Pública nos órgãos de proteção ao crédito, que pode ser um meio eficiente para coibir a inadimplência, deve ser vista a partir de sua conformação constitucional e legal. Atendendo ao princípio da publicidade, o artigo 198[15], do Código Tributário Nacional, afastou do conceito de sigilo fiscal as informações relativas às inscrições em dívida ativa. Reforçando a alternativa, a Lei n. 11.457/07 assim estabelece:
Art. 46. A Fazenda Nacional poderá celebrar convênios com entidades públicas e privadas para a divulgação de informações previstas nos incisos II e III do § 3o do art. 198 da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional - CTN.
Mais recentemente, a Lei n. 11.941/09, ao inserir o artigo 37-C[16] à Lei n. 10.522/02, estendeu essa mesma faculdade aos créditos não tributários das autarquias e fundações públicas federais.
Assim, tanto os sujeitos passivos de créditos tributários, quanto os não tributários das autarquias e fundações públicas federais podem ter seus nomes incluídos nos referidos órgãos de proteção ao crédito.
Embora haja a previsão de divulgação dos créditos via convênio com as entidades públicas e privadas, cabe destacar a iniciativa da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional referente à divulgação em sua página na internet[17] o nome de todos os devedores – créditos inscritos em dívida ativa – da Fazenda Nacional.
Contudo, tais instrumentos podem ser enquadrados como meios indiretos de cobrança. Assim, havia a necessidade de se partir para uma atuação direta e que evitasse a demorada cobrança judicial. Uma dessas opções, a seguir delineada, era a adoção pela Fazenda Pública do protesto extrajudicial das certidões de dívida ativa.
Na redação anterior, a Lei n. 9.492/97 dizia:
Art. 1º. Protesto é o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida.
Apesar de historicamente o protesto extrajudicial ter sido utilizado apenas para títulos cambiais[18], a lei, na redação acima, possibilitava o protesto extrajudicial de quaisquer documentos de dívida. A Lei n. 9.492/97 não fazia qualquer ressalva em relação a créditos (outros documentos de dívida) da Fazenda Pública.
A certidão de dívida ativa é o documento que indica a existência de crédito em favor do ente público, consignado no termo de inscrição em dívida ativa. Então, a conclusão lógica era que, não tendo sido as certidões de dívida ativa excluídas expressamente, não havia espaço para interpretação diferenciada para os créditos privados ou públicos. Embora se alegasse que a certidão de dívida ativa goza da presunção da liquidez e certeza, o Poder Público, por uma interpretação moderna da atual redação do referido artigo 1º, da Lei n. 9.492/97, já poderia protestar suas certidões de dívida ativa. De acordo com Bim (2008, p. 51),
As necessidades mudaram, bem como a lei. Se alguma interpretação tem que ser considerada arrojada, deve ser a ampliativa, que admite o protesto de qualquer documento. A leitura restritiva é a que entende por qualquer documento apenas o título executivo. Por isso, admitir o protesto somente de títulos cambiais é interpretação retrospectiva, apegada a uma historicidade que não mais se reflete no direito positivo vigente.
Apesar de a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ter editado a Portaria n. 321/06, estabelecendo critérios e rotinas para utilização do protesto extrajudicial, foi o Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial – INMETRO, através da Procuradoria Federal junto a essa autarquia, a primeira entidade federal a encaminhar suas certidões de dívida ativa para protesto[19]. Segundo informações repassadas à Procuradoria-Geral Federal, a utilização do protesto extrajudicial apresentou índice de recuperação de créditos em torno de 47% (quarenta e sete por cento)[20]. Vários créditos, portanto, deixaram de ser ajuizados pela Procuradoria-Geral Federal e movimentados pelo Poder Judiciário, sendo o resultado extremamente superior ao que seria, na média, o decorrente da execução fiscal. Além do INMETRO, alguns municípios, em especial no interior de São Paulo, passaram a editar leis prevendo a utilização dessa ferramenta de cobrança.
Apesar de haver até pouco tempo grande resistência do Poder Judiciário, o Conselho Nacional de Justiça, ao apreciar no ano de 2010 a possibilidade do protesto extrajudicial das certidões de dívida ativa, assim consignou:
CERTIDÃO DE DÍVIDA ATIVA. PROTESTO EXTRAJUDICIAL. CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. LEGALIDADE DO ATO EXPEDIDO.
Inexiste qualquer dispositivo legal ou regra que vede ou desautorize o protesto dos créditos inscritos em dívida ativa em momento prévio à propositura da ação judicial de execução, desde que observados os requisitos previstos na legislação correlata.
Reconhecimento da legalidade do ato normativo expedido pela Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Rio de Janeiro.
Pedido de Providências n. 200910000045376. Requerente: Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Requerido: Conselho Nacional de Justiça. Relatora: Conselheira Morgana de Almeida Richa. Brasília, 08 de abril de 2010. Diário da Justiça Eletrônico, n. 62/2010, Pag. 8-21, 08 abr. 2010.
Essa decisão do Conselho Nacional de Justiça deu um grande passo para, de um lado desafogar o Poder Judiciário de uma incontável carga de trabalho e, de outro, para permitir que o Poder Público pudesse adotar uma forma mais célere para a recuperação de seus créditos. Esperava-se, a partir dessa decisão administrativa, que a jurisprudência, majoritariamente contrária ao protesto extrajudicial das certidões de dívida ativa, fosse revista e que essa ferramenta se tornasse um importante meio para o incremento da arrecadação e efetivação do exercício do poder de polícia.
Ocorre que a discussão judicial esvaziou-se com a publicação da Medida Provisória nº 577, convertida na Lei nº 12.767, de 2012, incluiu o parágrafo único ao art. 1º da Lei n. 9.492/97, incluindo de forma expressa a possibilidade de protesto das certidões de dívida ativa:
Art. 1º Protesto é o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida.
Parágrafo único. Incluem-se entre os títulos sujeitos a protesto as certidões de dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas autarquias e fundações públicas.
E, em recente decisão, o Superior Tribunal de Justiça, entendendo a necessidade de se adotar meios alternativos e eficientes de cobrança, decidiu pela legalidade do protesto das certidões de dívida ativa:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. PROTESTO DE CDA. LEI 9.492/1997. INTERPRETAÇÃO CONTEXTUAL COM A DINÂMICA MODERNA DAS RELAÇÕES SOCIAIS E O "II PACTO REPUBLICANO DE ESTADO POR UM SISTEMA DE JUSTIÇA MAIS ACESSÍVEL, ÁGIL E EFETIVO". SUPERAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ.
1. Trata-se de Recurso Especial que discute, à luz do art. 1º da Lei 9.492/1997, a possibilidade de protesto da Certidão de Dívida Ativa (CDA), título executivo extrajudicial (art. 586, VIII, do CPC) que aparelha a Execução Fiscal, regida pela Lei 6.830/1980.
2. Merece destaque a publicação da Lei 12.767/2012, que promoveu a inclusão do parágrafo único no art. 1º da Lei 9.492/1997, para expressamente consignar que estão incluídas "entre os títulos sujeitos a protesto as certidões de dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas autarquias e fundações públicas".
3. Não bastasse isso, mostra-se imperiosa a superação da orientação jurisprudencial do STJ a respeito da questão.
4. No regime instituído pelo art. 1º da Lei 9.492/1997, o protesto, instituto bifronte que representa, de um lado, instrumento para constituir o devedor em mora e provar a inadimplência, e, de outro, modalidade alternativa para cobrança de dívida, foi ampliado, desvinculando-se dos títulos estritamente cambiariformes para abranger todos e quaisquer "títulos ou documentos de dívida". Ao contrário do afirmado pelo Tribunal de origem, portanto, o atual regime jurídico do protesto não é vinculado exclusivamente aos títulos cambiais.
5. Nesse sentido, tanto o STJ (RESP 750805/RS) como a Justiça do Trabalho possuem precedentes que autorizam o protesto, por exemplo, de decisões judiciais condenatórias, líquidas e certas, transitadas em julgado.
6. Dada a natureza bifronte do protesto, não é dado ao Poder Judiciário substituir-se à Administração para eleger, sob o enfoque da necessidade (utilidade ou conveniência), as políticas públicas para recuperação, no âmbito extrajudicial, da dívida ativa da Fazenda Pública.
7. Cabe ao Judiciário, isto sim, examinar o tema controvertido sob espectro jurídico, ou seja, quanto à sua constitucionalidade e legalidade, nada mais. A manifestação sobre essa relevante matéria, com base na valoração da necessidade e pertinência desse instrumento extrajudicial de cobrança de dívida, carece de legitimação, por romper com os princípios da independência dos poderes (art. 2º da CF/1988) e da imparcialidade.
8. São falaciosos os argumentos de que o ordenamento jurídico (Lei 6.830/1980) já instituiu mecanismo para a recuperação do crédito fiscal e de que o sujeito passivo não participou da constituição do crédito.
9. A Lei das Execuções Fiscais disciplina exclusivamente a cobrança judicial da dívida ativa, e não autoriza, por si, a insustentável conclusão de que veda, em caráter permanente, a instituição, ou utilização, de mecanismos de cobrança extrajudicial.
10. A defesa da tese de impossibilidade do protesto seria razoável apenas se versasse sobre o "Auto de Lançamento", esse sim procedimento unilateral dotado de eficácia para imputar débito ao sujeito passivo.
11. A inscrição em dívida ativa, de onde se origina a posterior extração da Certidão que poderá ser levada a protesto, decorre ou do exaurimento da instância administrativa (onde foi possível impugnar o lançamento e interpor recursos administrativos) ou de documento de confissão de dívida, apresentado pelo próprio devedor (e.g., DCTF, GIA, Termo de Confissão para adesão ao parcelamento, etc.).
12. O sujeito passivo, portanto, não pode alegar que houve "surpresa" ou "abuso de poder" na extração da CDA, uma vez que esta pressupõe sua participação na apuração do débito. Note-se, aliás, que o preenchimento e entrega da DCTF ou GIA (documentos de confissão de dívida) corresponde integralmente ao ato do emitente de cheque, nota promissória ou letra de câmbio.
13. A possibilidade do protesto da CDA não implica ofensa aos princípios do contraditório e do devido processo legal, pois subsiste, para todo e qualquer efeito, o controle jurisdicional, mediante provocação da parte interessada, em relação à higidez do título levado a protesto.
14. A Lei 9.492/1997 deve ser interpretada em conjunto com o contexto histórico e social. De acordo com o "II Pacto Republicano de Estado por um sistema de Justiça mais acessível, ágil e efetivo", definiu-se como meta específica para dar agilidade e efetividade à prestação jurisdicional a "revisão da legislação referente à cobrança da dívida ativa da Fazenda Pública, com vistas à racionalização dos procedimentos em âmbito judicial e administrativo".
15. Nesse sentido, o CNJ considerou que estão conformes com o princípio da legalidade normas expedidas pelas Corregedorias de Justiça dos Estados do Rio de Janeiro e de Goiás que, respectivamente, orientam seus órgãos a providenciar e admitir o protesto de CDA e de sentenças condenatórias transitadas em julgado, relacionadas às obrigações alimentares.
16. A interpretação contextualizada da Lei 9.492/1997 representa medida que corrobora a tendência moderna de intersecção dos regimes jurídicos próprios do Direito Público e Privado. A todo instante vem crescendo a publicização do Direito Privado (iniciada, exemplificativamente, com a limitação do direito de propriedade, outrora valor absoluto, ao cumprimento de sua função social) e, por outro lado, a privatização do Direito Público (por exemplo, com a incorporação - naturalmente adaptada às peculiaridades existentes - de conceitos e institutos jurídicos e extrajurídicos aplicados outrora apenas aos sujeitos de Direito Privado, como, e.g., a utilização de sistemas de gerenciamento e controle de eficiência na prestação de serviços).
17. Recurso Especial provido, com superação da jurisprudência do STJ.
(REsp 1126515/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/12/2013, DJe 16/12/2013)
Estando sedimentada a possibilidade de os entes públicos adotarem o protesto extrajudicial para cobrar suas certidões de dívida ativa, cabe trazer alguns dados constantes do sítio eletrônico da Advocacia-Geral da União (AGU) que demonstram ser essa ferramenta um efetivo instrumento de concretização do princípio da eficiência:
Segundo a PGFN, cerca de 30% dos créditos protestados são quitados em até três dias após a notificação. A estimativa da União é de que exista cerca de um milhão de inscrições com valores menores que o teto estabelecido pelo Ministro da Fazenda para a cobrança judicial. Até dezembro de 2013, foram protestados 45.610 certidões de dívida ativa e recuperados R$ 35,6 milhões às contas da União [...].[21]
O projeto de protesto de Certidões de Dívida Ativa das Autarquias e Fundações Públicas Federais da Procuradoria-Geral Federal (PGF) completou um ano no mês de outubro de 2011 e os resultados demonstram o sucesso dessa ferramenta inovadora na busca pela recuperação dos créditos públicos da Administração Pública Federal.
No total, 3.176 créditos foram encaminhados ao protesto, dos quais 1.979 foram protestados e 891 foram pagos, correspondendo a um percentual de 30,26% referente ao número efetivo.
Com relação aos valores, R$ 8.8562.457,94 foram encaminhados a protesto, dos quais R$ 7.934.753,45 foram efetivamente protestados e R$ 2.675.914,04 foram recuperados, correspondendo a 33,70% do total. Houve meses, como fevereiro, agosto e setembro deste ano em que a recuperação superou os 50%. [...][22]
Os números acima, comparados com o modelo anterior - judicializado, burocrático e ineficiente - não deixam margem a qualquer tipo de contestação.
4. CONCLUSÃO
O mundo globalizado, aliado a outros fatores, impôs a necessidade de modernização da Administração. O Estado deixou de ser apenas teoricamente prestador. Contudo, o Estado passou a regulamentar, fiscalizar e zelar pela preservação de bens e direitos da sociedade. Além disso, desde a alteração promovida pela Emenda Constitucional n. 19/98, exige-se de forma mais contundente que a atuação estatal seja eficiente. A eficiência, entretanto, deve ser vista em conjunto com os demais princípios da Administração. Eficiência administrativa significa, respeitados os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade, dar uma resposta útil à sociedade.
Assim, para promover satisfatoriamente os fins que lhe são atribuídos, ainda mais com a evolução das gerações ou dimensões de direitos, o Estado precisa efetivar a cobrança de seus créditos, conforme determina a Lei de Responsabilidade Fiscal.
Atualmente, um dos grandes dificultadores na recuperação de créditos é a existência de uma lei de execução fiscal ultrapassada e essencialmente formalista. Os resultados obtidos com esse tipo exclusivo de cobrança de créditos públicos são risíveis. Além dos elevados custos, o Poder Judiciário não consegue dar vazão à demanda. Propostas tradicionais, como a criação de novas Varas Especializadas em execuções fiscais, não atacam a raiz do problema.
Dessa forma, é necessário que os entes públicos venham a adotar, urgentemente, soluções alternativas, como o protesto extrajudicial de certidões de dívida ativa, que, além de ser mais célere e menos custosa, traz como reflexo a diminuição do ajuizamento de execuções fiscais. Dita ferramenta tem, agora, previsão legal e amparo jurisprudencial.
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BRASIL. Lei n. 9.492, de 10 de setembro de 1997. Define competência, regulamenta os serviços concernentes ao protesto de títulos e outros documentos de dívida e dá outras providências. Brasília, 11 set. 1997. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em 29 jan. 2014.
BRASIL. Lei n. 10.522, de 19 de julho de 2002. Dispõe sobre o Cadastro Informativo dos créditos não quitados de órgãos e entidades federais e dá outras providências. Brasília, 22 jul. 2002. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em 29 jan. 2014.
BRASIL. Lei n. 11.457, de 16 de março de 2007. Dispõe sobre a Administração Tributária Federal; altera as Leis nos 10.593, de 6 de dezembro de 2002, 10.683, de 28 de maio de 2003, 8.212, de 24 de julho de 1991, 10.910, de 15 de julho de 2004, o Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, e o Decreto no 70.235, de 6 de março de 1972; revoga dispositivos das Leis nos 8.212, de 24 de julho de 1991, 10.593, de 6 de dezembro de 2002, 10.910, de 15 de julho de 2004, 11.098, de 13 de janeiro de 2005, e 9.317, de 5 de dezembro de 1996; e dá outras providências. Brasília, 19 mar. 2007. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em 29 jan. 2014
BRASIL. Lei n. 11.941, de 27 de maio de 2009. Altera a legislação tributária federal relativa ao parcelamento ordinário de débitos tributários; concede remissão nos casos em que especifica; institui regime tributário de transição, alterando o Decreto no 70.235, de 6 de março de 1972, as Leis nos 8.212, de 24 de julho de 1991, 8.213, de 24 de julho de 1991, 8.218, de 29 de agosto de 1991, 9.249, de 26 de dezembro de 1995, 9.430, de 27 de dezembro de 1996, 9.469, de 10 de julho de 1997, 9.532, de 10 de dezembro de 1997, 10.426, de 24 de abril de 2002, 10.480, de 2 de julho de 2002, 10.522, de 19 de julho de 2002, 10.887, de 18 de junho de 2004, e 6.404, de 15 de dezembro de 1976, o Decreto-Lei no 1.598, de 26 de dezembro de 1977, e as Leis nos 8.981, de 20 de janeiro de 1995, 10.925, de 23 de julho de 2004, 10.637, de 30 de dezembro de 2002, 10.833, de 29 de dezembro de 2003, 11.116, de 18 de maio de 2005, 11.732, de 30 de junho de 2008, 10.260, de 12 de julho de 2001, 9.873, de 23 de novembro de 1999, 11.171, de 2 de setembro de 2005, 11.345, de 14 de setembro de 2006; prorroga a vigência da Lei no 8.989, de 24 de fevereiro de 1995; revoga dispositivos das Leis nos 8.383, de 30 de dezembro de 1991, e 8.620, de 5 de janeiro de 1993, do Decreto-Lei no 73, de 21 de novembro de 1966, das Leis nos 10.190, de 14 de fevereiro de 2001, 9.718, de 27 de novembro de 1998, e 6.938, de 31 de agosto de 1981, 9.964, de 10 de abril de 2000, e, a partir da instalação do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, os Decretos nos 83.304, de 28 de março de 1979, e 89.892, de 2 de julho de 1984, e o art. 112 da Lei no 11.196, de 21 de novembro de 2005; e dá outras providências. Brasília, 28 maio 2009. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em 29 jan. 2014.
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NOTAS:
[1] Plano Diretor da Reformado do Aparelho do Estado. Brasília, 1995. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/publi_04/COLECAO/PLANDI.HTM>. Acesso em: 20 abr. 10
[2] Art. 74. Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma integrada, sistema de controle interno com a finalidade de:
(...)
II - comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e eficiência, da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidades da administração federal, bem como da aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado;
[3] Plano Diretor da Reformado do Aparelho do Estado. Brasília, 1995. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/publi_04/COLECAO/PLANDI.HTM>. Acesso em: 20 abr. 10
[4] Disponível em: <http://www.agu.gov.br/sistemas/site/TemplateTexto.aspx?idConteudo=97461&ordenacao=1&id_site=1115>.
[5] Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
[6] Plano Diretor da Reformado do Aparelho do Estado. Brasília, 1995. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/publi_04/COLECAO/PLANDI.HTM>. Acesso em: 20 abr. 10
[7] Autarquia qualificada como Agência Executiva, de acordo com o Decreto s/nº, de 29 de julho de 1998. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/DNN/Anterior%20a%202000/1998/Dnn7076.htm.>. Acesso em 29 jan. 2014, às 12h47min.
[8] Lei n. 6.830/80
[9] Código Penal, art. 168-A, § 2º
[10] Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/comunicado/110331_comunicadoipea83.pdf >. Acesso em 26 jan. 2014, às 2h13min.
[11] Art. 205. A lei poderá exigir que a prova da quitação de determinado tributo, quando exigível, seja feita por certidão negativa, expedida à vista de requerimento do interessado, que contenha todas as informações necessárias à identificação de sua pessoa, domicílio fiscal e ramo de negócio ou atividade e indique o período a que se refere o pedido.
[12] Lei n. 4.320/64:
Art. 39. Os créditos da Fazenda Pública, de natureza tributária ou não tributária, serão escriturados como receita do exercício em que forem arrecadados, nas respectivas rubricas orçamentárias.
(...)
§ 2º - Dívida Ativa Tributária é o crédito da Fazenda Pública dessa natureza, proveniente de obrigação legal relativa a tributos e respectivos adicionais e multas, e Dívida Ativa não Tributária são os demais créditos da Fazenda Pública, tais como os provenientes de empréstimos compulsórios, contribuições estabelecidas em lei, multa de qualquer origem ou natureza, exceto as tributárias, foros, laudêmios, alugueis ou taxas de ocupação, custas processuais, preços de serviços prestados por estabelecimentos públicos, indenizações, reposições, restituições, alcances dos responsáveis definitivamente julgados, bem assim os créditos decorrentes de obrigações em moeda estrangeira, de subrogação de hipoteca, fiança, aval ou outra garantia, de contratos em geral ou de outras obrigações legais.
[13] Instrução Normativa IBAMA n. 14/2009:
Art. 159 A certidão de infrações ambientais será fornecida gratuitamente ao interessado ou extraída através do endereço eletrônico www.ibama.gov.br.
§ 1º A certidão de que trata o caput deste artigo será válida por trinta dias, a contar da data de sua expedição.
§ 2º Compete à unidade local do IBAMA a expedição de certidão.
§ 3º O IBAMA fornecerá certidão positiva com efeitos de negativa, relativamente à sanção de multa, quando os autos de infração não estiverem definitivamente julgados.
§ 4º O disposto no § 3º deste artigo não se aplica para o caso das demais sanções.
§ 5º O IBAMA fornecerá certidão positiva com efeitos de negativa quando as sanções estiverem suspensas por ordem judicial.
[14] Conforme informação constante do sítio eletrônico da Secretaria do Tesouro Nacional: <http://www3.tesouro.fazenda.gov.br/servicos/faq/faq_dp_cadin.asp>. Acesso em 30 jan. 2014, à 1h21min.
[15] Art. 198. Sem prejuízo do disposto na legislação criminal, é vedada a divulgação, por parte da Fazenda Pública ou de seus servidores, de informação obtida em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades.
(...)
§ 3o Não é vedada a divulgação de informações relativas a:
I – representações fiscais para fins penais;
II – inscrições na Dívida Ativa da Fazenda Pública;
III – parcelamento ou moratória.
[16] Art. 37-C. A Advocacia-Geral da União poderá celebrar os convênios de que trata o art. 46 da Lei no 11.457, de 16 de março de 2007, em relação às informações de pessoas físicas ou jurídicas que tenham débito inscrito em Dívida Ativa das autarquias e fundações públicas federais.
[17] www.pgfn.gov.br
[18] Lei n. 6.690/79:
Art 1º O cancelamento de protesto de títulos cambiais disciplinar-se-á por esta Lei, conforme os preceitos estabelecidos nos artigos seguintes.
[19] Portaria INMETRO n. 205/06
[20] Disponível em: <http://www.agu.gov.br/Sistemas/Site/TemplateTexto.aspx?idConteudo=90075&id_site=1106>. Acesso em 29 jan. 2014, às 13h42min.
[21] Disponível em: <http://www.agu.gov.br/sistemas/site/TemplateImagemTexto.aspx?idConteudo=266576&id_site=3>. Acesso em 29 jan. 2014, às 14h.
[22] Disponível em: <http://www.agu.gov.br/sistemas/site/TemplateTexto.aspx?idConteudo=170583&id_site=1106>. Acesso em 29 jan. 2014, às 14h02min.
[23] Disponível em: <http://www.agu.gov.br/sistemas/site/TemplateImagemTexto.aspx?idConteudo=225698&id_site=3>. Acesso em 30 jan. 2014, às 0h16min.
Procurador Federal desde dezembro de 2003. Membro do Grupo de Trabalho de Centralização da Dívida Ativa das Autarquias e Fundações Públicas Federais. Chefe de Divisão de Gerenciamento de Execução Fiscal Trabalhista da Coordenação-Geral de Cobrança e Recuperação de Créditos da Procuradoria-Geral Federal no período de outubro de 2007 a setembro de 2008. Coordenador-Geral de Cobrança e Recuperação de Créditos da Procuradoria-Geral Federal no período de outubro de 2008 a março de 2010. Responsável pela Procuradoria Federal junto ao Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (INMETRO) no Rio Grande do Sul, no período de abril de 2010 a julho de 2010. Chefe da Seção de Consultoria e Assessoramento da Procuradoria Seccional do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) em Caxias do Sul/RS no período de maio de 2011 a novembro de 2013. Responsável pela Procuradoria Seccional Federal em Caxias do Sul/RS desde dezembro de 2013. Especialista em Direito Público pela Universidade de Brasília (UnB). Pós-graduando em Direito Administrativo e Econômico pelo Centro de Ensino Superior Cenecista de Farroupilha/RS. Aprovado em 1º lugar no concurso público para provimento de cargos de Auditor Público Externo - Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais - do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul (2001). Aprovado no concurso público para provimento de cargos de Auditor Substituto de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul (2013).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CARAVACA, Albert. O protesto de certidões de dívida ativa e a efetivação do princípio da eficiência Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 fev 2014, 05:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38244/o-protesto-de-certidoes-de-divida-ativa-e-a-efetivacao-do-principio-da-eficiencia. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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