Resumo: Os direitos sociais são aqueles que, como regra, demandam uma prestação por parte do Estado, e estão estreitamente ligados ao postulado da igualdade. A nota distintiva dos direitos sociais é sua dimensão positiva, uma vez que não mais se busca evitar a intervenção do Estado na esfera da liberdade individual. Ao Revés, com o reconhecimento dos direitos sociais, busca-se garantir a participação do indivíduo no bem-estar social. Mas, apesar da previsão no texto constitucional, para que possam ser materialmente eficazes, os direitos sociais demandam a intervenção ativa e continuada dos Poderes Públicos, através da realização de políticas públicas, cujas implementações dependem de recursos financeiros, cada vez mais limitados. Nesse contexto de crise tanto do Estado, quanto de efetivação dos direitos sociais, ganha destaque o terceiro setor, composto de organizações não governamentais-ONGs, instituições filantrópicas e outras associações similares. O presente estudo pretende demonstrar a atuação setorizada das ONGS, mormente no campo dos direitos sociais, e os desafios encontrados nessa atuar. Elucidar-se-á, ainda que brevemente, o que se entende por direitos sociais, contextualizando-os historicamente, bem assim o que seriam as ONGs, quais suas propostas e desafios.
Abstract: Social rights are those that, as a rule, require the provision by the state, and are closely linked to the postulate of equality. The distinguishing mark of social rights is a positive dimension, since no longer seeks to avoid state intervention in the sphere of individual freedom. In the other hand, with the recognition of social rights , it seeks to ensure the participation of the individual in social welfare . But, despite the provision in the constitutional text, so they can be materially effective social rights require active intervention and continued the Public Powers, by conducting public policies whose implementations depend on financial resources increasingly limited. In this crisis context, comes the third sector, composed of non-governmental organizations - NGOs , charities and community and other similar associations . This study aims to demonstrate the performance of sectorized NGO, especially in the field of social rights, and the challenges encountered in this work. Elucidating will, however briefly, what is meant by social, contextualizing them historically, as well as what would be NGOs, how they are structured and what their proposals.
Palavras-chave: Terceiro Setor. Direitos Sociais. ONGS.
Key-Words: Third Sector. Social Rights. NGOs.
Sumário: 1.Introdução. 2. Direitos sociais: conceitos e critérios 3. As ONGS e os direitos sociais. 4. Conclusão. 5. Referências.
1. INTRODUÇÃO.
É conhecimento comezinho entre os operadores do direito a divisão dos direitos fundamentais em gerações ou dimensões, em que pese todas as críticas a tal forma de analisar a fenomenologia dos direitos. A primeira geração é aquela relativa aos direitos de defesa, onde se espera um não fazer por parte do Estado; a segunda abarca os direitos econômicos, sociais e culturais e, por fim, a terceira geração diz respeito aos direitos da solidariedade, compreendendo os direitos difusos e coletivos.
Há ainda doutrinadores que já falam em quarta e quinta gerações, como é o caso do professor Paulo Bonavides. Para esse autor, o direito à paz não seria apenas direito de fraternidade de terceira geração, na clássica divisão feita originariamente por Karel Vasak[1], mas “um direito natural dos povos, direito que esteve em estado de natureza no contratualismo social de Rousseau ou que ficou implícito como um dogma na paz perpétua de Kant[2].” (BONAVIDES, 2008, p.04/05).
Norberto Bobbio, na obra A Era dos Direitos, levanta a questão dos novos direitos, partindo dos direitos humanos e considerando o avanço da eletrônica, química, física, biologia, cibernética e de outros ramos do conhecimento científico.
Assim, elenca quatro gerações/dimensões de direitos representativas dos avanços sociais: 1ª Geração: Direitos Individuais – pressupõem a igualdade formal perante a lei e consideram o sujeito abstratamente; 2ª Geração: Direitos Coletivos – os direitos sociais, nos quais o sujeito de direito é visto no contexto social, ou seja, analisado em uma situação concreta; 3ª Geração: Direitos dos Povos ou os Direitos de Solidariedade: os direitos transindividuais, também chamados direitos coletivos e difusos, e que basicamente compreendem os direitos do consumidor e os relacionados à questão ecológica; 4ª Geração: Direitos de Manipulação Genética – relacionados à biotecnologia e bioengenharia, tratam de questões sobre a vida e a morte e requerem uma discussão ética prévia (BOBBIO, 1992).
Este processo de proliferação de novos direitos, surgidas com a globalização e com os avanços tecnológicos, faz surgir questionamentos sobre a adequação desses direitos ao termo “fundamental”, ou seja, indaga-se se todos esses novos direitos são realmente fundamentais, o que implica aplicar-lhes a teoria própria desses direitos. No presente estudo não se pretende analisar tampouco criticar a mencionada divisão dos direitos fundamentais em dimensões.
Dada a necessidade de um corte epistemológico, partir-se-á da ideia propugnada por Bobbio (1992, p.6) de que os direitos fundamentais do homem detêm caráter histórico, de modo que as gerações não se excluem, mas se vão acrescentando conteúdos de modo gradual ao longo da história.
Nesse contexto, os direitos sociais são aqueles que, como regra, demandam uma prestação por parte do Estado, e estão estreitamente ligados ao postulado da igualdade. Distinguem-se dos demais pela sua dimensão positiva, uma vez que não mais se busca evitar a intervenção do Estado na esfera da liberdade individual. Ao revés, o que se pretende, com o reconhecimento dos direitos sociais, é a garantia de participação do indivíduo no bem-estar social. (SARLET, 2012, p. 56-57).
Ressalva, ainda, Ingo Wolfgang Sarlet que:
Ainda na esfera dos direitos de segunda dimensão, há que se atentar para a circunstância de que estes não englobam apenas direitos de cunho positivo, mas também as denominadas ‘liberdades sociais’. [...] A segunda dimensão dos direitos fundamentais abrange, portanto, bem mais do que os direitos de cunho prestacional, de acordo com o que ainda propugna parte da doutrina, inobstante o cunho ‘positivo’ possa ser considerado como o marco distintivo desta nova fase da evolução dos direitos fundamentais. (SARLET, 2012, p. 57).
Em que pese alguns posicionamentos contrários, hoje já não há dúvida do caráter fundamental dos direitos sociais, no Ordenamento Pátrio. Isso porque se encontram positivados na CF/88, no capítulo II, do Título II, que se refere aos direitos e garantias fundamentais. No art. 6º[3] estão enumerados alguns dos direitos sociais hoje reconhecidos, tais como educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, e outros. De outro lado, o art. 7º do texto constitucional reconhece diversos direitos sociais aos trabalhadores.
Dada sua natureza de fundamentalidade, aplica-se aos direitos sociais o disposto no art. 5º, 2º, da CF/88.[4] Ou seja, a enumeração dos direitos sociais constantes dos arts. 6º e 7º, da CF/88 é meramente exemplificativa, existindo outros direitos fora do catálogo e até mesmo fora da constituição. Tal assertiva é de fundamental importância no estudo dos direitos sociais, principalmente em face de novos direitos que surgem constantemente, de modo a acompanhar as mudanças sociais.
Quanto à definição do conteúdo dos direitos sociais, há quem sustente serem direitos desprovidos de eficácia, constituindo normas apenas programáticas, dirigidas ao legislador como um programa a ser concretizado a posteriori. Não gerariam, portanto, direito subjetivos. Já outros defendem sua eficácia plena, o que ensejaria ao Estado o dever de implementá-los e, em contrapartida, faria surgir o direito subjetivo de exigir essa implementação.
No presente estudo objetiva-se verificar, ainda brevemente, a aplicabilidade do disposto no § 1º, do art. 5º [5], da CF/88, aos direitos sociais. Ou seja, se todos os direitos tidos por sociais teriam aplicação imediata, podendo ser exigíveis por seu titular, tal qual preconizado pelo texto constitucional.
Isso porque tal estudo está intrinsicamente ligado ao maior problema dos direitos sociais, qual seja sua efetivação. Com efeito, apesar da previsão no texto constitucional, para que possam ser materialmente eficazes, os direitos sociais demandam a intervenção ativa e continuada dos Poderes Públicos, através da realização de políticas públicas[6], cujas implementações dependem de recursos financeiros, cada vez mais limitados.
No dizer da professora lusitana Cristina Queiroz, os direitos sociais são de interpretação e aplicação complexas, já que há de se definir seu conteúdo. São, portanto, direitos de complexa polivalência semântica (QUEIROZ, 2006, p.6).
Desde já, relevante consignar que a maior parte da doutrina entende que a norma insculpida no art. 5º, §1º possui caráter programático, de forma que nem todos os direitos previstos no catálogo tem aplicabilidade imediata. Há de se analisar o conteúdo do direito, bem assim sua fundamentalidade formal e material.
Do que foi até o momento exposto, é fácil concluir que inúmeros são os óbices à concretização dos direitos sociais, com destaque para a carência de recursos financeiros, sempre apontada como impeditivo na consecução das políticas públicas.
Em paralelo à crise de efetivação por que passa os direitos sociais, há a crise do próprio modelo de Estado. Os modelos de Estado Liberal e Social não foram aptos para atender aos anseios da sociedade, gerando extrema miséria e desigualdade social. Tal contexto foi bem esclarecido por Carlos Antonio Morales (1998, p. 116):
Na década de 90, esta crise de governança cristaliza-se em três faces: uma financeira, ligada ao déficit das contas públicas; outra, administrativa, decorrente da ineficiência do modo burocrático de administrar as organizações estatais; e uma terceira, estratégica correspondente ao modo inadequado de intervenção do Estado nas atividades sociais e econômicas.
A execução das políticas públicas de saúde, de educação, de assistência e previdência social, de proteção ao meio ambiente, de combate ao desemprego e de apoio à cultura são atividades que ao mesmo tempo respondem a direitos sociais e produzem importantes externalidades positivas.
Por essas razões deveriam ser de acesso universal. Ocorre que o mercado oferece esses serviços de forma incompleta, porque a iniciativa privada não consegue otimizar seus ganhos, atendendo a totalidade da demanda da sociedade. Em razão das falhas de mercado, de um lado, e da importância política e econômica destas atividades para o conjunto da sociedade, do outro, o Estado entra na provisão desses serviços. Entretanto, a crise do Estado contemporâneo, sobretudo nos aspectos fiscal e da ineficiência das organizações burocráticas públicas, levou os governos a rever as políticas de bem-estar, de que resultou a precarização dos serviços sociais. ( grifei)
Assim, diante de ineficácia do Estado Social e de necessidade de se repensar as relações com a sociedade, surgiram diversos estudos apontando possibilidades a serem concretizadas pela a sociedade civil, por meio de parceria entre o Estado e a sociedade organizada. Passa-se da defender a existência de um terceiro setor, em oposição ao Governo e ao Mercado.
No Brasil, em verdade, sequer chegou a existir de forma plena o Estado do bem estar social. Com efeito, na análise de Rejane Esther Vieira Mattei
No Brasil, não podemos falar de uma crise do welfare state, pois nunca o alcançamos de maneira plena. Enfrentou-se uma forte crise do Estado, que se agravou ao final do período militar, em virtude do esgotamento do modelo desenvolvimentista e centralizado do Estado. A ideia de um welfare state no Brasil foi vista por alguns autores como um modelo de Estado de mal-estar social. Entende-se que tivemos um frágil sistema de proteção social. ( MATTEI, 2012, p. 6)
O conceito de Bobbio acerca da sociedade civil é segundo Bresser Pereira (1998, p. 20) “objetivo e abrangente” pois,
“é o lugar onde surgem e se desenvolvem os conflitos econômicos, sociais, ideológicos, que as instituições estatais têm a tarefa de resolver ou mediandoos, ou evitando-os, ou reprimindo-os. Sujeitos desses conflitos e portanto da sociedade civil enquanto contraposta ao Estado são as classes sociais, ou, mais amplamente, os grupos, movimentos, associações, ou organizações que as representam ou se declaram seus representantes; ao lado das organizações de classe, os grupos de interesses, as associações de vários gêneros com fins sociais e indiretamente políticos os movimentos de emancipação de grupos étnicos, de defesa de direitos civis, de liberação da mulher, os movimentos de jovens, etc.
O presente estudo pretende demonstrar, ainda, a atuação das ONGS no campo dos direitos sociais, bem assim os desafios encontrados nessa atuar. Elucidar-se-á, ainda que brevemente, o que se entende por direitos sociais, contextualizando-os historicamente, bem assim o que seriam as ONGs, como elas se estruturam e quais suas propostas.
Por fim, serão abordadas, de forma sucinta, as críticas que vem sendo feitas à ausência de transparência na gestão do Terceiro Setor, que apesar de receberem vultosos investimentos, não compravam de maneira efetiva a utilização dos recursos púbicos recebidos.
2. DIREITOS SOCIAIS: CONCEITOS E CRITÉRIOS.
As Constituições Mexicanas de 1917[7] e de Weimar de 1919 foram as primeiras a positivarem os direitos sociais. Posteriormente, os direitos sociais foram objeto de Declarações de Diretos, tais como a Declaração Americana (1776), a Declaração Francesa (1789) e a Declaração da ONU (1948), que influenciaram o surgimento das proteções jurídicas dos direitos fundamentais em diversos países.
No Brasil, a primeira Constituição a disciplinar os direitos sociais, inscrevendo-os num título sobre a ordem econômica e social, foi a de 1934.
A Constituição de 1988 consagrou os direitos sociais como direitos fundamentais, uma vez que os coloca em capítulo próprio inserido no título “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”. Essa classificação trazida pela Constituição de 1988 representou um avanço em relação às Constituições anteriores, que abrigavam tais direitos no título da ordem econômica e social.
Os direitos sociais enquadram-se no âmbito dos assim denominados direitos de segunda geração, correspondendo à evolução do Estado liberal burguês, para o Estado democrático de Direito, consagrando após a Segunda Guerra Mundial.
José Afonso da Silva assinala que os direitos sociais:
São prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais. São, portanto, direitos que se ligam ao direito de igualdade. (SILVA, 2009. p. 286/287)
Há, entretanto, direitos sociais que não demandam prestações por parte do Estado. É o caso do direito de greve, da liberdade de associação sindical e as proibições contra discriminações nas relações trabalhistas consagradas no art. 7º, XXXI e XXXII, da Constituição.
Eis porque Ingo Wolfgang Sarlet entende que os direitos sociais não se restringem a direitos a prestações, mas também podem ser considerados como direitos de defesa. A análise da eficácia dos direitos sociais deve levar em conta as peculiaridades de cada categoria de direitos. Defende ele a utilização da “teoria do status” de Jellinek, utilizada por Robert Alexy[8] para justificar as diversas funções dos direitos fundamentais na ordem jurídica.
Assim, os direitos a prestações em sentido amplo podem ser divididos em: direitos à proteção, direitos a organização e procedimento e direitos a prestação em sentido estrito. (Alexy, 2012, p.444-445).
Sobre a fundamentalidade dos direitos sociais, afirma Alexy:
Saber se e em qual medida se deve atribuir aos dispositivos de direitos fundamentais normas que garantam direitos a prestação em sentido amplo é uma das questões mais polêmicas da atual dogmática dos direitos fundamentais. Especialmente intensa é a discussão sobre os assim chamados direitos fundamentais sociais, como, por exemplo, direitos à assistência social, ao trabalho, à moradia e à educação. Como será demonstrado, esses direitos constituem, de fato, uma importante parte daquilo que é denominado “direito a prestações”, mas o âmbito desses direitos a prestações é mais amplo.(ALEXY, 2012, p 431).
Assim, os direitos fundamentais sociais previstos na Constituição Federal podem assumir a estrutura de direitos de defesa e de direitos a prestações, sendo que, um mesmo direito fundamental poderá investir seu titular nas duas categorias de posições jurídicas.[9] Os direitos fundamentais sociais constituem obrigações de prestação positivas cuja satisfação consiste num facere, uma “acção positiva” a cargo dos poderes públicos. (QUEIROZ, 2006.p. 25).
Quanto à aplicabilidade imediata dos direitos sociais, na forma preconizada pelo o art. 5º, § 1º da CF/88, questão intimamente ligada à sua efetividade, Sarlet afirma que, no que tange aos direitos sociais de cunho defensivo, por não dependerem de prestações fáticas ou normativas, mas apenas de uma conduta omissiva por parte do destinatário, não costumam gerar controvérsias quanto à eficácia plena e aplicabilidade imediata. (SARLET, 2012: p 275.)
Já quanto aos direitos sociais prestacionais, o autor afirma que a maior parte da doutrina defende não haver norma constitucional despida de eficácia, ainda que sejam normas das programáticas. Entende que as normas de direitos sociais, inclusive de cunho prestacional devem, em princípio, ser consideradas como dotadas de plena eficácia e, portanto, de direta aplicabilidade. Isso não significa, entretanto que sua eficácia e efetividade serão as mesmas ou iguais. (SARLET. 2012: p.281).
O art. 5º, § 1º, apresenta, assim, duas características: 1) trata-se de norma de natureza principiológica, pelo que deve ser entendido como “mandado de otimização”, ou seja, estabelece para os órgãos estatais a tarefa de reconhecerem, à luz do caso concreto, a maior eficácia possível às normas de direitos fundamentais; e 2) tem como efeito a presunção de aplicabilidade imediata e plena eficácia e efetividade das normas de direitos fundamentais, de modo que eventual recusa de total eficácia deve ser necessariamente fundamentada. (SARLET, 2012: p.270)
Diversos critérios são apontados para se caracterizar um direito como fundamental. A importância de tal classificação no campo dos direitos sociais é de crucial importância para se aferir sua aplicabilidade, já que muitos dos direitos previstos como sociais, não o são, se considerado o conceito de direito material de direito fundamental. Vejamos.
Segundo o critério formal, fundamentais são apenas os direitos elencados como tal no texto constitucional. Seriam os direitos previstos no Capítulo II e no Título VIII da CF/88. Ou seja, seriam apenas aqueles erigidos como tal pelo legislador constituinte. Já os direitos fundamentais em sentido material são aqueles que, por seu conteúdo e importância, apesar de se encontrarem fora do catálogo, podem ser equiparados aos direitos formalmente fundamentais (SARLET, 2012: p. 74/75).
Paulo Bonavides afirma que Carl Schmitt estabeleceu dois critérios para a identificação dos direitos fundamentais: (a) são direitos fundamentais todos aqueles assim especificamente nomeados no texto da Constituição; (b) são direitos fundamentais os direitos dotados de maior proteção pelo constituinte, seja em virtude de sua imutabilidade sob a ótica da reforma constitucional (cláusulas pétreas), seja em virtude da criação de procedimentos mais complexos de modificação. (BONAVIDES, 2008: p. 561.)
Ocorre que a complexidade e diversidade dos direitos sociais requer o exame de sua fundamentalidade, tanto sob do critério formal, quanto sob o crivo de concepções materiais (Alexy, 2012, p. 449). Isso porque há diversos direitos fundamentais fora do catálogo do art. 5º e 6º, mas presentes de forma esparsa nos artigos da CF/88. Há, ainda, a possiblidade de direitos fundamentais decorrentes de tratados internacionais, como prevê o art. 5º, § 2º da Constituição.
Conforme escolio do professor Ingo Sarlet, um conceito satisfatório de direitos fundamentais (e, portanto, de direitos sociais fundamentais) somente pode ser obtido com relação a uma ordem constitucional concreta. (SARLET, 2012: p.77)
Desse modo, o intérprete deve-se perguntar, diante de um caso concreto, se está diante de um direito fundamental. Para tanto, deverá utilizar-se dos critérios formal e material antes mencionados.
A concepção material dos direitos fundamentais decorre dos próprios valores protegidos pelo texto constitucional, a teor do principio da dignidade da pessoa humana, eleito como fundamento da Ordem Constitucional[10]·. Tal postulado há de ser utilizado como instrumento de verificação dos direitos sociais, com a proteção de um mínimo[11] de direitos que possam garantir uma existência digna, sem se submeter a regras orçamentárias.
Ingo Wolfgang Sarlet afirma ser difícil uma definição clara e precisa para a dignidade da pessoa humana, já que se trata de conceito de contornos vagos e imprecisos. Propõe, então, uma conceituação jurídica:
Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão dos demais seres humanos. ( SARLET, 2012: p.100/101).
O critério material que melhor atende amplamente todos os direitos é o postulado da dignidade da pessoa humana, de modo que deve ser assegurado o mínimo de direitos para que se viva com dignidade. Questão que se põe é saber qual é esse mínimo, chamado pela doutrina como “mínimo existencial”, bem assim a quem incumbe dizer-lhe o significado.
Em que pese tal debate não ser o objeto deste breve artigo, faz-se necessário, ainda que brevemente, demonstrar o que sido entendido como o “mínimo existencial” na Doutrina e na Jurisprudência.
Para Ana Paula de Barcellos, o mínimo existencial, configurado como núcleo irredutível da dignidade da pessoa humana, é composto de quatro elementos, três materiais e um instrumental, a saber: a educação fundamental, a saúde básica, a assistência aos desamparados e o acesso à Justiça. (BARCELLOS, 2002: p. 258)
O “mínimo existencial” é um parâmetro de proteção à dignidade humana, quando contraposta à cláusula da reserva do possível[12], frequentemente utilizada pelo Poder Público como justificativa para ausência/deficiência na adoção das politicas publica, em razão da insuficiência de recursos. Assim, quando diante de um aparente conflito, há de se utilizar do “mínimo existencial” no sopesamento, entre os direitos tutelados.
No dizer de SARLET:
A reserva do possível constitui, em verdade (considerada toda a sua complexidade), espécie de limite jurídico e fático dos direitos fundamentais, mas também poderá atuar, em determinadas circunstâncias, como garantia dos direitos fundamentais, por exemplo, na hipótese de conflito de direitos, quando se cuidar da invocação – desde que observados os critérios da proporcionalidade e da garantia do mínimo existencial em relação a todos os direitos fundamentais – da indisponibilidade de recursos com o intuito de salvaguardar o núcleo essencial de outro direito fundamental (2012: p. 364).
Já o Supremo Tribunal Federal vem utilizando a intangibilidade do “mínimo existencial” como critério para garantir a efetividade de direitos sociais. Eis alguns excertos do julgamento do Agravo Regimental nº 639337 [13]Relator (a): Min. CELSO DE MELLO, verbis:
“... Embora inquestionável que resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário, ainda que em bases excepcionais, determinar, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam estas implementadas, sempre que os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político- -jurídicos que sobre eles incidem em caráter impositivo, vierem a comprometer, com a sua omissão, a eficácia e a integridade de direitos sociais e culturais impregnados de estatura constitucional. DESCUMPRIMENTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DEFINIDAS EM SEDE CONSTITUCIONAL: HIPÓTESE LEGITIMADORA DE INTERVENÇÃO JURISDICIONAL. - O Poder Público - quando se abstém de cumprir, total ou parcialmente, o dever de implementar políticas públicas definidas no próprio texto constitucional - transgride, com esse comportamento negativo, a própria integridade da Lei Fundamental, estimulando, no âmbito do Estado, o preocupante fenômeno da erosão da consciência constitucional. Precedentes: ADI 1.484/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.. – (...)
A CONTROVÉRSIA PERTINENTE À “RESERVA DO POSSÍVEL” E A INTANGIBILIDADE DO MÍNIMO EXISTENCIAL: A QUESTÃO DAS “ESCOLHAS TRÁGICAS”. - A destinação de recursos públicos, sempre tão dramaticamente escassos, faz instaurar situações de conflito, quer com a execução de políticas públicas definidas no texto constitucional, quer, também, com a própria implementação de direitos sociais assegurados pela Constituição da República, daí resultando contextos de antagonismo que impõem, ao Estado, o encargo de superá-los mediante opções por determinados valores, em detrimento de outros igualmente relevantes, compelindo, o Poder Público, em face dessa relação dilemática, causada pela insuficiência de disponibilidade financeira e orçamentária, a proceder a verdadeiras “escolhas trágicas”, em decisão governamental cujo parâmetro, fundado na dignidade da pessoa humana, deverá ter em perspectiva a intangibilidade do mínimo existencial, em ordem a conferir real efetividade às normas programáticas positivadas na própria Lei Fundamental. Magistério da doutrina. - A cláusula da reserva do possível - que não pode ser invocada, pelo Poder Público, com o propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar a implementação de políticas públicas definidas na própria Constituição - encontra insuperável limitação na garantia constitucional do mínimo existencial, que representa, no contexto de nosso ordenamento positivo, emanação direta do postulado da essencial dignidade da pessoa humana. Doutrina. Precedentes. - A noção de “mínimo existencial”, que resulta, por implicitude, de determinados preceitos constitucionais (CF, art. 1º, III, e art. 3º, III), compreende um complexo de prerrogativas cuja concretização revela-se capaz de garantir condições adequadas de existência digna, em ordem a assegurar, à pessoa, acesso efetivo ao direito geral de liberdade e, também, a prestações positivas originárias do Estado, viabilizadoras da plena fruição de direitos sociais básicos, tais como o direito à educação, o direito à proteção integral da criança e do adolescente, o direito à saúde, o direito à assistência social, o direito à moradia, o direito à alimentação e o direito à segurança. Declaração Universal dos Direitos da Pessoa Humana, de 1948 (Artigo XXV). (...) “(grifei).
Por fim, vale dizer que o mínimo existencial não se confunde com o núcleo essencial do direito. Com efeito, o mínimo existencial deve ser verificado no caso concreto, por meio de ponderação entre os direitos em jogo. Há de se levar em conta todas as particularidade do caso concreto, como os aspectos cultuais, econômicos e geográficos do individuo.
Já o núcleo essencial é o conteúdo mínimo e inviolável do direito fundamental, sem o qual ele perde sua mínima eficácia, deixando de ser reconhecido como um direito fundamental (SALET, 2012: p. 411).
Diante do que foi exposto, resta concluir pela necessidade de utilização da dignidade da pessoa humana para verificar o mínimo de direitos sociais (mínimo existencial) que deve ser reconhecido pelo Estado aos indivíduos. É de se reconhecer, entretanto, a atual incapacidade financeira e gerencial do Estado em atender às diversas demandas decorrentes desses direitos fundamentais.
Maria Paula Dallari Bucci alerta para a alteração das funções do Estado:
Com o fim da Segunda Guerra Mundial e o advento de políticas sociais de saúde, seguridade social e habitação, muito expressivo nos países da Europa e nos Estados Unidos, há um aprofundamento dessa alteração qualitativa das funções do Estado, que do plano da economia se irradia sobre o conteúdo social da noção de cidadania. O dado novo a caracterizar o Estado social, no qual passam a ter expressão os direitos dos grupos sociais e os direitos econômicos, é a existência de um modo de agir dos governos ordenado sob a forma de políticas públicas, um conceito mais amplo que o de serviço público, que abrange também as funções de coordenação e de fiscalização dos agentes públicos e privados (BUCCI, 1997).
De tais premissas decorre a importância do Terceiro Setor como coadjuvante na implementação de políticas públicas, sempre sob a supervisão do Estado. Surgem novos atores sociais na sociedade civil, tais como as ONGs, as Organizações Sociais, etc. Tais entidades surgem em um momento de necessidade de afirmação da cidadania e de concretização dos direitos fundamentais.
Com efeito, a cidadania tem de ser vista como um fenômeno que associa movimentos sociais, solidariedade e sociedade civil:
[...] as iniciativas dos movimentos sociais devem estar orientadas pela busca de novos valores e ações prático- políticas, visando à ampliação da esfera pública- garantia de uma participação plural- em que seja contemplada a diversidade cultural com as respectivas subjetividades (étnicas, de gênero etc.)- e que permita combinar democracia direta com democracia representativa; solidariedade, que é definida pelo princípio de responsabilidade individual e coletiva com o social e o bem comum; e a sociedade civil, que composta por organizações e ações voluntárias, igrejas e famílias, associações étnicas, cooperativas, grupos de proteção ao meio ambiente, etc., possibilita o aprendizado das virtudes do compromisso mútuo. (DURIGUETTO, 2007, p.117, apud MIALHE e CARVALHO, 2012).
Assim, os direitos fundamentais somente se concretizam- passando da esfera das expectativas para a da ação efetiva- quando há uma simbiose de conteúdos e práticas, de forma que a ampliação dos direitos de cidadania esteja acompanhada do fortalecimento da sociedade civil (DURIGUETTO, 2007, p.117, apud MIALHE e CARVALHO, 2012).
Daí a importância das organizações não governamentais como coadjuvantes na concretização dos direitos sociais e nas políticas públicas. Elas passam a ser vistas como entidades capazes de solucionar muitos dos problemas decorrentes da insuficiência do Estado nos setores sociais.
3. AS ONGS E OS DIREITOS SOCIAIS NO BRASIL
As organizações não governamentais não constituem fenômeno novo. Consoante o escólio de Ricardo Neiva Tavares:
Suas raízes remontam ao século XVI, ainda que o termo ONG só tenha surgido com as próprias Nações Unidas, onde a presença dessas organizações vem aumentando ano após ano. O novo contexto internacional, com o fim da guerra fria, e a realização das Conferências das Nações Unidas, no âmbito do chamado Ciclo Social, levaram à revisão dos critérios para o relacionamento do Conselho Econômico Social(ECOSOG) com as ONGs. Impulsionaram, também, processo de exame das possiblidades de sua participação formal em áreas adicionais de trabalho das Nações Unidas, tendo em vista particularmente a Assembleia Geral e o Conselho de Segurança. (TAVARES, 1999, p.11)
E continua o autor:
O termo “organização não governamental” surgiu ao final da II Guerra Mundial e foi consagrado pelos países fundadores da UNU, que o inseriram no art. 71 da Carta das Nações Unidas( TAVARES, 1999, p.17).
No Dizer de Joana Aparecida Coutinho, o uso da denominação ONG mais oculta do que revela as ações e projetos políticos, o que são e o que fazem essas organizações (COUTINHO, 2011, p.15).
No Brasil, a origem das ONGs está estritamente ligada a centros de assessoria popular. Com efeito, nas décadas de 1960/70 surgiram vários centros de educação popular e de assessorias a movimentos sociais, com ênfase na conscientização e transformação social. (COUTINHO, 2011. p. 20)
A partir dos anos 1990, as ONGs passam a atuar de maneira diferente dos centros de assessoria da década de 1970: priorizam trabalhos em “parceria” com o Estado e/ou empresas; proclamam-se “cidadãs”; exaltam o fato de atuarem sem fins lucrativos. ( COUTINHO, 2004)
No Brasil, Bresser Pereira[14], quando Ministro do Governo de Fernando Henrique Cardoso, elaborou o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, em 1995. Com a Reforma do Estado[15], buscou-se redefinir seu papel, que deixou de ser o único e executor das políticas sociais, passando também a fomentá-las. O Estado transferiu a execução de serviços sociais e científicos, mantendo, no entanto, o seu papel de principal financiador/fomentador para essas atividades.
No modelo gerencial adotado com a Reforma do Estado no Brasil a sociedade civil é representada pelo público não estatal, chamado terceiro setor, composto de organizações não governamentais-ONGs, instituições filantrópicas e comunitárias e outras associações similares. Todos têm em comum o fato de serem não lucrativos e fazerem parte da sociedade civil. (PEREIRA, 2007).
Através desse modelo, buscou-se promover a transferência para o terceiro setor (público não estatal) dos serviços não exclusivos do Estado: ensino, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, proteção e preservação do meio ambiente, cultura e saúde[16].
Nesse contexto, as ONGs foram apresentadas como um espaço de participação popular e locus principal para o aprendizado da cidadania. (COUTINHO, 2011, p. 14).
É possível se afirmar que há uma efetiva atuação das ONGs no campo dos direitos sociais. Com efeito, recente estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em parceria com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), com a Associação Brasileira de Organizações não governamentais (ABONG) e o Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (GIFE), analisou em 2010 o Perfil das Fundações Privadas e Associações sem Fins Lucrativos[17].
De acordo com a pesquisa, de 2006 a 2010, observou-se um crescimento da ordem de 8,8% das Fundações Privadas e Associações sem Fins Lucrativos no Brasil, que passaram de 267,3 mil para 290,7 mil entidades no período.
Uma análise geral das atividades desenvolvidas por essas instituições revela sua enorme diversidade, entre as quais se destacam as entidades voltadas à defesa de direitos e interesses dos cidadãos (30,1%) e as religiosas (28,5%). Atuando nas áreas tradicionais de políticas públicas de Saúde, Educação e pesquisa e Assistência social encontram-se 18,6% dessas entidades.
Ainda foi constatado que, nas áreas mais diretamente relacionadas às políticas públicas governamentais, observou-se que, além de Educação e pesquisa, cresceram as entidades de Saúde (8,1%), Cultura e recreação (6,8%) e Assistência social (1,6%).
De 2006 a 2010, segundo a pesquisa, as entidades de defesa de direitos e interesses dos cidadãos perderam o dinamismo de crescimento do período anterior e mantiveram-se no mesmo patamar, em torno de 87 mil entidades.
Ainda que aparentemente em pequeno percentual, são inúmeras as organizações do terceiro que setor prestam serviços sociais de caráter público. Em geral, são organizações sem fins lucrativos, atuando em atividades relacionadas com os direitos sociais dos cidadãos (MORALES, 1998).
As ONGs que atuam no setor objetivam minimizar as desigualdades sociais, assim como suprir as lacunas existentes na operacionalização dos direitos e na construção da cidadania no país.
4. DESAFIOS.
Embora o ambiente seja propício para o surgimento de novas organizações não governamentais e o desenvolvimento das ONGs já existentes, há grandes desafios a serem superados, para que possam desempenhar o mister social de que foram incumbidas.
Segundo o pesquisador Lester M. Salamon, diretor do Centro de Estudos sobre a Sociedade Civil da Universidade Johns Hopkins (2005), o grande desafio do terceiro setor é a sustentabilidade. Conforme aponta o autor
O problema de sustentabilidade financeira não é o único do gênero que o terceiro setor enfrenta. Quase da mesma importância é a sustentabilidade do capital humano do setor. À medida que a democratização avança em diferentes partes do mundo, os ativistas do terceiro setor assumem cargos governamentais em substituição aos antigos funcionários que lutaram para afastar, deixando assim suas organizações empobrecidas em recursos humanos. É nesse sentido que o terceiro setor se torna vítima de seus próprios êxitos. (SALAMON, 2005, P. 90)
Salamon assinala a questão da sustentabilidade do terceiro setor em 4 desafios críticos: 1) o desafio da legitimidade: ser reconhecido por todos os setores da sociedade; 2) o desafio da eficiência – mostrar capacidade e competência operacional; 3) o desafio da sustentabilidade- possuir fundos que o permita prestar seus serviços e 4) o desafio da colaboração- estabelecer parcerias estratégicas com o Estado e com o setor empresarial( SALAMON, 2005).
Destaque-se, ainda, a necessidade de transparência na prestação de contas dessas entidades (accontability). Com efeito, são frequentes denúncias de desvios de recursos públicos pelos gestores d as ONGs[18].
Sendo as Ongs entidades privadas sem fins lucrativos, mas com finalidades públicas, a transparência na prestação de contas é essencial para a sociedade. Faz-se necessário um rigoroso controle por parte do Estado na utilização dos recursos financeiros repassados[19].
3. CONCLUSÃO.
Os direitos sociais caracterizam-se como direitos marcados pela busca da igualdade entre os indivíduos, seja assegurando prestações positivas por parte do Estado, ou apenas protegendo as liberdades sociais. O próprio texto constitucional, ao estabelecer o Estado Democrático de Direito erigiu os direitos sociais à categoria de fundamentais.
Estabeleceu, ainda, em seu art. 5º, § 1º, a aplicabilidade imediata de tais direitos, pressupondo o acesso universal a todos. Em verdade, diante do grande número de direitos previstos sob o manto da fundamentalidade na CF/88, é razoável indagar-se se, de fato, todos os direitos ali enumerados como fundamentias o são, e em que medida.
Em verdade, a norma insculpida no art 5º, § 1º é de caráter programático, de modo que devem, em princípio, ser consideradas como dotadas de plena eficácia. Isso não significa, entretanto que sua eficácia e efetividade serão as mesmas ou iguais.
Ao que parece, a doutrina tem entendido que a apreciação da fundamentalidade há de ser feita em cada caso concreto, atentando para os critérios da fundamentalidade formal e material, sempre sob o pálio do princípio da Dignidade da Pessoa Humana.
ocorre que, numa sociedade extremamente desigual e heterogênea como a brasileira, a proteção de valores, direitos e bens indispensáveis a uma qualidade de vida digna nao pode ser de responsabilidade exclusiva do Estado, sob pena de nao serem efetivados da forma adequada.
Nesse cenário, os movimentos sociais exercem papel fundamental na reivindicação e instrumentalização de direitos, bem assim na criação de novos direitos. As ONGs, apesar dos desafios apontados prestam efetiva ajuda na realização dos direitos sociais.
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[1] Segundo George Marmelstein, foi no ano de 1979, proferindo a aula inaugural no Curso do Instituto Internacional dos Direitos do Homem, em Estraburgo, que o jurista Karel Vasak utilizou, pela primeira vez, a expressão "gerações de direitos do homem", buscando, metaforicamente, demonstrar a evolução dos direitos humanos com base no lema da revolução francesa (liberdade, igualdade e fraternidade).
[2] A obra À paz perpétua foi escrita pelo filósofo alemão Immanuel Kant, em 1795. Segundo o autor, a paz perpétua se constrói porque a razão tem mais força do que o poder, e a razão [...] condena absolutamente a guerra como procedimento de direito e torna, ao contrário, o estado de paz um dever imediato, que, porém, não pode ser instituído ou assegurado sem um contrato dos povos entre si [...] (p. 40-41).
[3] Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 64, de 2010).
[4] § 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
[5] § 1º - As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.
[6] Segundo Maria Paula Dallari Bucci, Política pública é a organização sistemática dos motivos fundamentais e dos objetivos que orientam os programas de governo relacionados à resolução de problemas sociais (cf. BUCCI, 2002).
[7] Fabio Konder Comparato leciona que a Constituição mexicana de 1917, em seus artigos 5º e 123, atribuiu à liberdade de trabalho a qualidade de garantia individual, e regulamentou direitos trabalhistas, como a limitação da jornada de trabalho em oito horas, a idade mínima para o trabalho, a proteção da maternidade, dentre outros aspectos.
[8] Ao analisar a estrutura das diferentes posições jurídicas, nas quais os direitos fundamentais investem seus titulares, Alexy chegou à conclusão que um direito fundamental completo é um feixe de posições jusfundamentais.
[9] Ex: o direito à moradia tem uma clara acepção positiva, na medida em que impõe ao Estado medidas tendentes à satisfação das necessidades relacionadas à habitação adequada, mas também possui vertente negativa, ao proteger o titular do direito contra agressões, seja do Estado ou de particulares.
[10] Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
III - a dignidade da pessoa humana;
[11] Ana Paula de Barcellos afirma que o “mínimo existencial” consiste em um conjunto de prestações materiais mínimas, sem as quais se pode afirmar que o indivíduo se encontra em situação de indignidade.
[12] Segundo Alexy, a expressão “reserva do possível” (Vorbehalt des Möglichen) foi cunhada pelo Tribunal Constitucional Federal da Alemanha em caso paradigmático que versou sobre “pedido de um cidadão de que lhe fosse assegurado a liberdade de escolha da profissão com a garantia de vaga no ensino superior público embora não houvesse vagas suficientes.
[13] ARE 639337 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 23/08/2011, DJe-177 DIVULG 14-09-2011 PUBLIC 15-09-2011 EMENT VOL-02587-01 PP-00125
[14] Luiz Carlos Bresser-Pereira foi Ministro da Fazenda, da Administração Federal e Reforma do Estado, e da Ciência e Tecnologia.
[15] No Brasil, a identificação do Estado como responsável pela crise econômica está expressa no Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE), elaborado pelo Ministério da Administração e Reforma do Estado, na gestão do ministro Luiz Carlos Bresser Pereira, e aprovado em 21 de setembro de 1995, pela Câmara da Reforma do Estado, no primeiro governo do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995- 1998).
[16] Art. 1ºda Lei 9637/98: O Poder Executivo poderá qualificar como organizações sociais pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde, atendidos aos requisitos previstos nesta Lei.
[17] Vide Análise completa dos Resultados em: http://ftp.ibge.gov.br/Fundacoes_Privadas_e_Associacoes/2010/comentarios.pdf
[18] Em outubro de 2007 foi criada a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das ONGs, a fim de averiguar os casos de irregularidades e fraudes nessas entidades.
[19] Estudo realizado pelo sítio de Contas Abertas do TCU foi revelado que no período de 2001 a 2006, as ONGs brasileiras receberam R$14 bilhões em repasses de verbas da União.
Procuradora Federal lotada na Procuradoria Seccional Federal em Campinas/SP. Especialista em Direito Público pela Universidade de Brasília. Mestranda em Direito pela UNIMEP-SP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FARACHE, Rafaela da Fonseca Lima Rocha. As Organizações não Governamentais (ONGS) como coadjuvantes na efetivação dos direitos sociais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 fev 2014, 06:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38250/as-organizacoes-nao-governamentais-ongs-como-coadjuvantes-na-efetivacao-dos-direitos-sociais. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
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