1. Introdução
Considerando que a isenção tributária, sobretudo quando analisada sob o prisma do Princípio da Isonomia, gera discussões no meio jurídico, o presente estudo se propõe a averiguar a possibilidade da interferência do Judiciário para estender o benefício fiscal a contribuintes não beneficiados pela norma isentiva.
Sendo assim, se buscará definir os limites da interferência do Judiciário nesse assunto.
2. Análise Jurisprudencial
Pacificou-se na jurisprudência do STF, já há bastante tempo que a concessão de isenção é ato discricionário e, como tal insindicável pelo Judiciário, uma vez que decorre de uma decisão de conveniência e oportunidade do Legislativo e do Executivo. Eles é que verão se existe razões para a concessão do benefício, não podendo o Judiciário o estender para outras pessoas ou operações.
Nessa linha, a título de exemplo, pode-se citar o julgamento do AI-AgR 138344, cuja ementa, antiga é certo, já evidenciava o entendimento:
(...) A concessão desse benefício isencional traduz ato discricionário que, fundado em juízo de conveniência e oportunidade do Poder Público, destina-se, a partir de critérios racionais, lógicos e impessoais estabelecidos de modo legítimo em norma legal, a implementar objetivos estatais nitidamente qualificados pela nota da extrafiscalidade.
Os magistrados e Tribunais – que não dispõem de função legislativa – não podem conceder, ainda que sob o fundamento da isonomia, o benefício da exclusão do crédito tributário em favor daqueles a quem o legislador, com o apoio em critérios impessoais, racionais e objetivos, não quis contemplar com a vantagem da isenção.(...)
(AI 138344 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Primeira Turma, julgado em 02/08/1994, DJ 12-05-1995 PP-12989 EMENT VOL-01786-01 PP-00183)
Diante disso, se vê que a concessão de isenção para o STF é uma escolha discricionária concretizada mediante a atuação do mesmo legislador que teve poder para instituir o tributo. Isso porque o poder de isentar é ínsito ao titular da competência tributária e destina-se a satisfazer as políticas de cada ente, que envolve um juízo de conveniência e oportunidade do Poder Público. Sob esse aspecto, torna-se possível dizer que a concessão ou não de isenção é tema afeto ao mérito administrativo.
Isso porque conforme ensina Meirelles[1] “o mérito administrativo consubstancia-se, portanto, na valoração dos motivos e na escolha do objeto do ato, feitas pela Administração incumbida de sua prática, quando autorizada a decidir sobre a conveniência, oportunidade e justiça do ato a realizar”.
É certo, porém, que o poder de isentar não é ilimitado. Nesse sentido, a própria Constituição prevê algumas restrições. Dentre essas restrições podemos destacar a prevista no artigo 150, parágrafo sexto, da Constituição Federal segundo o qual a isenção “só poderá ser concedida mediante lei especifica, federal, estadual ou municipal”, bem como a estabelecida no artigo 151, III de nossa Lei Fundamental que veda à União instituir isenções de tributos da competência dos outros entes federados e a fixada no artigo 152 da Magna Carta que impede que os Estados, o Distrito Federal e os Municípios estabeleçam diferença tributária entre bens e serviços, de qualquer natureza, em razão de sua procedência ou destino.
Além disso, existem restrições infraconstitucionais, como as elencadas na Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/00) que procura restringir a concessão das isenções de caráter não geral, impondo uma série de requisitos para a outorga do benefício, na medida em que considera tal medida renúncia de receita.
Não obstante, a restrição que aqui se pretende abordar é a prevista no artigo 150, II do texto constitucional, que consagra o principio da isonomia tributária, ao vedar a instituição de tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente. Nessa linha se buscará verificar como conciliar a impossibilidade de o judiciário não estender isenções a situações idênticas não previstas em lei com o princípio da isonomia que recebeu grande destaque em nosso ordenamento jurídico.
Sob esse aspecto, importa salientar primeiramente que a isenção é instituto utilizado para implementar a política econômica e fiscal do Estado.
Conforme, salienta Amaro[2]
“A técnica da isenção tem notáveis virtudes simplificadoras: por meio dela, podem ser excepcionadas situações que, pela natureza dos fatos, ou dos bens, ou das pessoas, ou em função da região, ou do setor de atividades etc., o legislador não quer onerar com tributo. Várias razões podem fundamentar esse tratamento diferente, em atenção às características da situação, às condições da pessoa, a razões de política fiscal (por exemplo, estímulo a determinados comportamentos etc). Há de haver um critério válido de discrímen para justificar a isenção, a fim de harmonizá-la com o preceito constitucional da isonomia.
Sendo assim, verifica-se que não obstante as restrições existentes há um espaço bastante amplo dentro do qual o legislador pode atuar, elegendo as mais diversas situações como aptas a justificar uma isenção. Nessa linha, sendo razoável a situação eleita, a isenção concedida será legítima.
Isso porque dentro dos limites postos é autorizada, através de lei específica, a outorga de isenção para determinadas situações que o ente tributante, pautado em critérios de conveniência e oportunidade, entendeu por bem afastar da incidência tributária.
Sendo assim, a grande dificuldade que surge é saber até que ponto as desigualdades instituídas pelas leis tributárias isentivas são legítimas e em que medida a aferição da legitimidade ou ilegitimidade dessas leis está afeta ao controle do Poder Judiciário.
Tal perspectiva ganha contornos ainda mais instigantes quando se verifica um caráter extrafiscal na isenção, na medida em que nesse caso o campo da discricionariedade é ampliando, tornando mais controvertida a sindicabilidade da medida pelo Poder Judiciário, até mesmo por envolver questões atinentes a Separação dos Poderes.
Conforme visto, a concessão de isenção é ato discricionário, que depende de juízo de conveniência e oportunidade do Poder Público (mérito administrativo), uma vez que se trata de medida apta a implementar a política fiscal e econômica do Estado.
Contudo, como observa Moraes[3], “a isenção deve ser admitida se adotada através de critérios razoáveis e compatíveis com a Constituição, não podendo ela ensejar desigualdade de tratamento”, uma vez que “a existência de desigualdades naturais justifica a criação de categorias ou classes de contribuintes, desde que as distinções sejam razoáveis e não arbitrárias”.
Disso se pode extrair que se o ente tributante valendo-se da faculdade que lhe foi conferida, alegar conveniência e oportunidade para instituir uma isenção em desrespeito as normas jurídicas, dentre as quais insere-se o princípio da isonomia, o ato torna-se sindicável pelo Poder Judiciário. Não obstante, nessa hipótese não temos verdadeiro controle do mérito administrativo, mas sim, controle da legalidade ou da constitucionalidade do ato.
Sendo assim, distinguem-se duas situações:
a) A isenção foi concedida validamente: nesse caso somente o término da vigência da lei isentiva ou a revogação desta por nova lei específica poderá extigui-la; e,
b) A isenção foi concedida invalidamente: nesse caso o Judiciário poderá invalidar a decisão discricionária do ente tributante. Note, porém, que o juízo que o Judiciário poderá fazer é somente um juízo negativo, de retirada da isenção do ordenamento jurídico. Isso porque, conforme reiteradamente decidido pelo STF o Judiciário não pode atuar como legislador positivo.
No já citado AI-AgR 138344, o STF deixou tal entendimento consignado de forma expressa nos seguintes termos:
Entendimento diverso, que reconhecesse aos magistrados essa anômala função jurídica, equivaleria, em última análise, a converter o Poder Judiciário em inadmissível legislador positivo, condição institucional esta que lhe recusou a própria Lei Fundamental do Estado.
Sob esse aspecto, reitera-se que não se está a defender uma discricionariedade arbitrária e insuscetível de qualquer forma de controle no que diz respeito à concessão de isenções. Pelo contrário, defende-se que todo e qualquer ato, discricionário ou vinculado, se sujeita ao controle do Judiciário quando inválido. Assim, apenas busca-se evitar que os juízes acabem atuando como “legisladores ou administradores positivos”, já que isso acabaria por quebrar o equilíbrio e a independência harmônica dos Poderes, atitude essa considerada inadmissível pela Carta Magna brasileira, que trata a Separação de Poderes como princípio fundamental da República Federativa do Brasil, ao dispor em seu artigo 2º que “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”, e a elevou a condição de cláusula pétrea no artigo 60, parágrafo 4º, inc III, vedando qualquer deliberação tendente a abolir a referida separação.
Justamente para preservar o Estado de Direito instituído pela Lei Fundamental brasileira é que somente em caso de decisão válida, pautada em critérios de razoabilidade o Judiciário não poderá sindicar o mérito do ato concessivo de isenção.
Sob esse aspecto, ao analisar-se a validade ou invalidade de uma isenção não se pode deixar de considerar eventual extrafiscalidade do benefício. De fato, muitas vezes elas são utilizadas para implementar a política fiscal e econômica do Estado, constituindo-se em verdadeiros instrumentos para estimular ou desestimular certas atividades, eleitas discricionariamente por aqueles que detêm a atribuição de estabelecer o plano de governo a ser seguido, o que torna ainda mais controvertida a interferência do Judiciário na opção feita relativamente aos beneficiados pela isenção.
Tal caráter já foi reconhecido pelo STF em diversos julgados, publicados ao longo dos anos:
A isenção fiscal decorre do implemento da política fiscal e econômica, pelo
estado, tendo em vista o interesse social. É ato discricionário que escapa ao controle do Poder Judiciário e envolve juízo de conveniência e oportunidade do Poder Executivo.(AI 151.855-AgR, Rel. Min. Paulo Brossard, DJ 02/12/94)
Ao instituir incentivos fiscais a empresas que contratam empregados com mais de quarenta anos, a Assembléia Legislativa Paulista usou o caráter extrafiscal que pode ser conferido aos tributos, para estimular conduta por parte do contribuinte, sem violar os princípios da igualdade e da isonomia. (ADI 1.276, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 29/11/02)
Não há ofensa ao princípio da isonomia tributária se a lei, por motivos extrafiscais, imprime tratamento desigual a microempresas e empresas de pequeno porte de capacidade contributiva distinta, afastando do regime do simples aquelas cujos sócios têm condição de disputar o mercado de trabalho sem assistência do Estado. (ADI 1.643, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 14/03/03)
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DECRETO N. 420/92. LEI N. 8.393/91. IPI. ALÍQUOTA REGIONALIZADA INCIDENTE SOBRE O ACÚCAR. ALEGADA OFENSA AO DISPOSTO NOS ARTS. 150, I, II e § 3º, e 151, I, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. CONSTITUCIONALIDADE. 1. O decreto n. 420/92 estabeleceu alíquotas diferenciadas --- incentivo fiscal --- visando dar concreção ao preceito veiculado pelo artigo 3º da Constituição, norma-objetivo que define a redução das desigualdades regionais e o desenvolvimento nacional. Autoriza-o o art. 151, I, da Constituição. 2. A fixação da alíquota de 18% para o açúcar de cana não afronta o princípio da essencialidade. Precedentes. 3. A concessão do benefício da isenção fiscal é ato discricionário, fundado em juízo de conveniência e oportunidade do Poder Executivo, cujo controle é vedado ao Judiciário. Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento.
(RE 480107 AgR, Relator(a): Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 03/03/2009, DJe-059 DIVULG 26-03-2009 PUBLIC 27-03-2009 EMENT VOL-02354-04 PP-00830)
Do exposto até aqui, extrai-se por fim, uma última consideração: as decisões do STF que estabelecem a impossibilidade do Poder Judiciário estender isenções a pessoas ou operações não abrangidas pela lei tributária com base no princípio da isonomia por entender que elas se encontram em situação equivalente a das beneficiadas pela isenção revelam-se coerentes com a jurisprudência consolidada pelo tribunal também em outras áreas do direito, conforme se infere da sua Súmula 339 que estabelece que “não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos dos servidores públicos sob o fundamento da isonomia”.
No que diz respeito às isenções tributárias esse entendimento consolidou-se ao longo dos anos e é bem destacado nos seguintes acórdãos:
EMENTA: IMPOSTO SOBRE OPERAÇÕES FINANCEIRAS. DECRETO-LEI Nº 2.434/88. ISENÇÃO NAS OPERAÇÕES DE CÂMBIO REALIZADAS PARA PAGAMENTO DE BENS IMPORTADOS AO AMPARO DA GUIA EMITIDA A PARTIR DE 1º DE JULHO DE 1988. ALEGADA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA. O Decreto-lei nº 2.434/88, condicionando o benefício da isenção fiscal às importações cobertas por guia expedida a partir de 1º de julho de 1988, estabeleceu critério pertinente, vazado em elemento inerente às operações de importação, sem discrepar da regra constitucional da igualdade tributária e nem deslocar a data da ocorrência do fato gerador. O tratamento outorgado pelo referido decreto-lei alcançou importadores em igual situação, sem impor exceções ou privilégios em favor de uns contribuintes em detrimento de outros em idênticas circunstâncias.
Não cabe ao Poder Judiciário estender a isenção de modo a alcançar as operações não previstas pelo legislador, tendo em vista que o ato de que decorre a isenção fiscal escapa ao seu controle.(RE 159026 / SP. Rel. Min. ILMAR GALVÃO, DJ 12-05-1995).
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. IPI. CONCESSÃO DE BENEFÍCIOS. ALÍQUOTAS REGIONALIZADAS. LEI 8.393/91. DECRETO 2.501/98. ADMISSIBILIDADE.
1. Incentivos fiscais concedidos de forma genérica, impessoal e com fundamento em lei específica. Atendimento dos requisitos formais para sua implementação.
2. A Constituição na parte final do art. 151, I, admite a "concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico entre as diferentes regiões do país".
3. A concessão de isenção é ato discricionário, por meio do qual o Poder Executivo, fundado em juízo de conveniência e oportunidade, implementa suas políticas fiscais e econômicas e, portanto, a análise de seu mérito escapa ao controle do Poder Judiciário. Precedentes: RE 149.659 e AI 138.344-AgR.
4. Não é possível ao Poder Judiciário estender isenção a contribuintes não contemplados pela lei, a título de isonomia (RE 159.026). 5. Recurso extraordinário não conhecido.(RE 344331 / PR, Rel. Min. ELLEN GRACI, DJ 14-03-2003).
Ementa: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO. PNEUS. BENEFÍCIO FISCAL. REDUÇÃO DE 40% DO VALOR DEVIDO NAS OPERAÇÕES REALIZADAS POR MONTADORAS. PEDIDO DE EXTENSÃO A EMPRESA DA ÁREA DE REPOSIÇÃO DE PNEUMÁTICOS POR QUEBRA DA ISONOMIA. IMPOSSIBILIDADE. LEI FEDERAL 10.182/2001. CONSTITUIÇÃO FEDERAL (ARTS. 37 E 150, II). CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL (ART. 111). Sob o pretexto de tornar efetivo o princípio da isonomia tributária, não pode o Poder Judiciário estender benefício fiscal sem que haja previsão legal específica. No caso em exame, a eventual conclusão pela inconstitucionalidade do critério que se entende indevidamente restritivo conduziria à inaplicabilidade integral do benefício fiscal. A extensão do benefício àqueles que não foram expressamente contemplados não poderia ser utilizada para restaurar a igualdade de condições tida por desequilibrada. Precedentes. Recurso extraordinário provido.
(RE 405579, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 01/12/2010, DJe-149 DIVULG 03-08-2011 PUBLIC 04-08-2011 EMENT VOL-02559-02 PP-00144)
EMENTA DIREITO TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. PESSOA FÍSICA. AMPLIAÇÃO DE ISENÇÕES POR EQUIPARAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE O PODER JUDICIÁRIO ATUAR COMO LEGISLADOR POSITIVO. PRECEDENTES. ACÓRDÃO RECORRIDO PUBLICADO EM 30.8.2010. Esta Suprema Corte entende ser vedado ao Poder Judiciário, sob pretexto de atenção ao princípio da igualdade, atuar como legislador positivo estabelecendo isenções tributárias não previstas em lei. Tal interpretação se amolda ao presente caso, em que se almeja ampliar isenções de determinadas verbas para efeito de incidência do imposto de renda, a despeito de inexistir lei outorgando essa benesse. Agravo regimental conhecido e não provido.
(ARE 691852 AgR, Relator(a): Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 05/11/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-229 DIVULG 20-11-2013 PUBLIC 21-11-2013)
Disso se infere que no caso de o Judiciário entender que a isenção feriu o princípio da isonomia não poderá a estender para outros contribuintes que entende encontrar-se em situação equivalente aos beneficiados com a isenção. Ele terá como única opção extinguir a isenção para todos os contribuintes, já que solução diversa implicaria inadmissível violação do Princípio da Separação dos Poderes. Tal entendimento é o acolhido pela jurisprudência pátria:
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI ESTADUAL 356/97, ARTIGOS 1º E 2º. TRATAMENTO FISCAL DIFERENCIADO AO TRANSPORTE ESCOLAR VINCULADO À COOPERATIVA DO MUNICÍPIO. AFRONTA AO PRINCÍPIO DA IGUALDADE E ISONOMIA. CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE. POSSIBILIDADE. CANCELAMENTO DE MULTA E ISENÇÃO DO PAGAMENTO DO IPVA. MATÉRIA AFETA À COMPETÊNCIA DOS ESTADOS E À DO DISTRITO FEDERAL. TRATAMENTO DESIGUAL A CONTRIBUINTES QUE SE ENCONTRAM NA MESMA ATIVIDADE ECONÔMICA. INCONSTITUCIONALIDADE. 1. Norma de efeitos concretos. Impossibilidade de conhecimento da ação direta de inconstitucionalidade. Alegação improcedente. O fato de serem determináveis os destinatários da lei não significa, necessariamente, que se opera individualização suficiente para tê-la por norma de efeitos concretos. Preliminar rejeitada. 2. Lei Estadual 356/97. Cancelamento de multa e isenção do pagamento do IPVA. Matéria afeta à competência dos Estados e à do Distrito Federal. Benefício fiscal concedido exclusivamente àqueles filiados à Cooperativa de Transportes Escolares do Município de Macapá. Inconstitucionalidade. A Constituição Federal outorga aos Estados e ao Distrito Federal a competência para instituir o Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores e para conceder isenção, mas, ao mesmo tempo, proíbe o tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem na mesma situação econômica. Observância aos princípios da igualdade, da isonomia e da liberdade de associação. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente. (ADI 1655 / AP, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA, DJ 02-04-2004).
E M E N T A: AGRAVO DE INSTRUMENTO - IPI - AÇÚCAR DE CANA - LEI Nº 8.393/91 (ART. 2º) - ISENÇÃO FISCAL - CRITÉRIO ESPACIAL - APLICABILIDADE - EXCLUSÃO DE BENEFÍCIO - ALEGADA OFENSA AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA - INOCORRÊNCIA - NORMA LEGAL DESTITUÍDA DE CONTEÚDO ARBITRÁRIO - ATUAÇÃO DO JUDICIÁRIO COMO LEGISLADOR POSITIVO - INADMISSIBILIDADE - RECURSO IMPROVIDO. CONCESSÃO DE ISENÇÃO TRIBUTÁRIA E UTILIZAÇÃO EXTRAFISCAL DO IPI. - A concessão de isenção em matéria tributária traduz ato discricionário, que, fundado em juízo de conveniência e oportunidade do Poder Público (RE 157.228/SP), destina-se - a partir de critérios racionais, lógicos e impessoais estabelecidos de modo legítimo em norma legal - a implementar objetivos estatais nitidamente qualificados pela nota da extrafiscalidade. A isenção tributária que a União Federal concedeu, em matéria de IPI, sobre o açúcar de cana (Lei nº 8.393/91, art. 2º) objetiva conferir efetividade ao art. 3º, incisos II e III, da Constituição da República. Essa pessoa política, ao assim proceder, pôs em relevo a função extrafiscal desse tributo, utilizando-o como instrumento de promoção do desenvolvimento nacional e de superação das desigualdades sociais e regionais. O POSTULADO CONSTITUCIONAL DA ISONOMIA - A QUESTÃO DA IGUALDADE NA LEI E DA IGUALDADE PERANTE A LEI (RTJ 136/444-445, REL. P/ O ACÓRDÃO MIN. CELSO DE MELLO). - O princípio da isonomia - que vincula, no plano institucional, todas as instâncias de poder - tem por função precípua, consideradas as razões de ordem jurídica, social, ética e política que lhe são inerentes, a de obstar discriminações e extinguir privilégios (RDA 55/114), devendo ser examinado sob a dupla perspectiva da igualdade na lei e da igualdade perante a lei (RTJ 136/444-445). A alta significação que esse postulado assume no âmbito do Estado democrático de direito impõe, quando transgredido, o reconhecimento da absoluta desvalia jurídico-constitucional dos atos estatais que o tenham desrespeitado. Situação inocorrente na espécie. - A isenção tributária concedida pelo art. 2º da Lei nº 8.393/91, precisamente porque se acha despojada de qualquer coeficiente de arbitrariedade, não se qualifica - presentes as razões de política governamental que lhe são subjacentes - como instrumento de ilegítima outorga de privilégios estatais em favor de determinados estratos de contribuintes. ISENÇÃO TRIBUTÁRIA: RESERVA CONSTITUCIONAL DE LEI EM SENTIDO FORMAL E POSTULADO DA SEPARAÇÃO DE PODERES. - A exigência constitucional de lei em sentido formal para a veiculação ordinária de isenções tributárias impede que o Judiciário estenda semelhante benefício a quem, por razões impregnadas de legitimidade jurídica, não foi contemplado com esse "favor legis". A extensão dos benefícios isencionais, por via jurisdicional, encontra limitação absoluta no dogma da separação de poderes. Os magistrados e Tribunais, que não dispõem de função legislativa - considerado o princípio da divisão funcional do poder -, não podem conceder, ainda que sob fundamento de isonomia, isenção tributária em favor daqueles a quem o legislador, com apoio em critérios impessoais, racionais e objetivos, não quis contemplar com a vantagem desse benefício de ordem legal. Entendimento diverso, que reconhecesse aos magistrados essa anômala função jurídica, equivaleria, em última análise, a converter o Poder Judiciário em inadmissível legislador positivo, condição institucional que lhe recusa a própria Lei Fundamental do Estado. Em tema de controle de constitucionalidade de atos estatais, o Poder Judiciário só deve atuar como legislador negativo. Precedentes.
(AI 360461 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 06/12/2005, DJe-055 DIVULG 27-03-2008 PUBLIC 28-03-2008 EMENT VOL-02312-06 PP-01077)
Ao adotar tal conduta o Judiciário preserva o princípio da isonomia sem violar o princípio da Separação dos Poderes, na medida em que retira do ordenamento uma discriminação inconstitucional sem ter de atuar como legislador positivo.
3. Considerações Finais
Diante do quadro apresentado no decorrer desse trabalho, constata-se que o Princípio da Isonomia não autoriza uma ampla sindicabilidade do Poder Judiciário, o qual não poderá, sob pretexto de dar tratamento uniforme a contribuintes que se encontram em situação equivalente, ampliar os limites da lei que conceder Isenção Tributária.
Vale dizer, não havendo ilegalidade, a norma isentiva deve ser respeitada.
É certo, porém, que em caso de leis efetivamente irrazoáveis, o Judiciário deve intervir, pois neste caso o ato deverá ser afastado com fundamento na sua ilegalidade ou até mesmo inconstitucionalidade.
Dessa forma, em que pese o presente estudo não tenha a pretensão de exaurir a problemática e tampouco apresentar uma conclusão definitiva, vislumbra-se o acerto das decisões do STF sobre o tema.
[1] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro.29 ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p 152.
[2] AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 11 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005, p 281.
[3] MORAES, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de Direito Tributário. v 2. 3 ed. rev. aum. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p 117.
Procuradora Federal desde novembro 2007. Chefe de Divisão de Gerenciamento da Dívida Ativa da Coordenação-Geral de Cobrança e Recuperação de Créditos da Procuradoria-Geral Federal de 2009 a 2010. Ex-Procuradora do Estado do Rio Grande do Sul. Especialista em Direto Público.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RIZZI, Ângela Onzi. Isenções tributárias à luz da jurisprudência do STF Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 fev 2014, 09:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38254/isencoes-tributarias-a-luz-da-jurisprudencia-do-stf. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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