Incumbe às Universidades, em face do princípio da autonomia, a organização dos cursos superiores, bem como de seus respectivos currículos e programas, estabelecer regras e prazos para a integralização curricular, jubilamento e cancelamento de matrícula.
O fundamento de validade encontra amparo na Constituição da República de 1988, no capítulo que trata da Educação, Cultura e Desporto, na Seção I da Educação, art. 207, que dispõe:
“as Universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. (...)”.
A fim de regulamentar a amplitude dessa autonomia, foi editada a Lei nº 9.394/96 - Lei de Diretrizes e Bases de Educação Nacional -, que dispõe, em seu art. 53 e incisos, sobre as atribuições das Universidades, in verbis:
“Art. 53. No exercício de sua autonomia, são asseguradas às universidades, sem prejuízo de outras, as seguintes atribuições:
I – criar, organizar e extinguir, em sua sede, cursos e programas de educação superior previstos nesta lei, obedecendo às normas gerais da União e, quando for o caso, do respectivo sistema de ensino;
II – fixar os currículos dos seus cursos e programas, observadas as diretrizes gerais pertinentes;
III – estabelecer planos, programas e projetos de pesquisa científica, produção artística e atividades de extensão;
IV – fixar o número de vagas de acordo com a capacidade institucional e as exigências do seu meio;
V – elaborar e reformar os seus estatutos e regimentos em consonância com as normas gerais atinentes;
VI – conferir graus, diplomas e outros títulos;
VII – firmar contratos, acordos e convênios;
VIII – aprovar e executar planos, programas e projetos de investimentos referentes a obras, serviços e aquisições em geral, bem como administrar rendimentos conforme dispositivos institucionais;
IX – administrar os rendimentos e deles dispor na forma prevista no ato de constituição, nas leis e nos respectivos estatutos;
X – receber subvenções, doações, heranças, legados e cooperação financeira resultante de convênios com entidades públicas e privadas.
As Universidades, assim, têm amplos poderes, limitados apenas pela Constituição e pela lei, para regulamentar o direito à educação e estabelecer todo tipo de regras relacionadas às atividades de ensino, inclusive sobre limites de vigência do vínculo estudantil.
Nesse sentido, tendo em vista a escassez de vagas e de recursos no ensino público superior, e visando à realização do princípio da universalização do ensino, têm as Universidades, historicamente, editado normas que exigem razoável aproveitamento no curso e impedem a renovação da matrícula daqueles que demonstram desinteresse ou incapacidade de concluí-lo. Tais normas, impessoais, vedam que o aluno permaneça ocupando vaga de forma abusiva, em detrimento de outros pretendentes que anseiam por ingressar na instituição e são impedidos por conta da superioridade da demanda de ingresso em relação ao número de vagas ofertadas.
Chancelando a juridicidade desse entendimento, os Tribunais pátrios têm reconhecido a validade de disposições dessa natureza, nos seguintes termos:
“ADMINISTRATIVO. ENSINO SUPERIOR. REPROVAÇÃO REITERADA EM DISCIPLINAS DO CURSO DE AGRONOMIA da UFPI. JUBILAMENTO. LEGALIDADE DO ATO.
I -Válidas são as normas regulamentares que impedem a renovação de matrícula dos alunos que, ao longo do curso, demonstram desinteresse ou incapacidade para a formação a que se habilitaram inicialmente.
II - Legítimo é o regulamento de UFPI que determina a jubilação de estudante reprovado na mesma disciplina por três semestres.
III -Oportunidade de defesa deferida ao estudante.
IV - Apelação não provida.”
(AMS 1999.01.00.105448-0/PI, Rel. Juiz Carlos Fernando Mathias, Segunda Turma, DJ de 19/10/2001, p.43)
“ADMINISTRATIVO. ENSINO SUPERIOR. MATRÍCULA. ÍNDICE DE APROVEITAMENTO. REPROVAÇÃO REITERADA EM DISCIPLINAS DO CURSO DE ENGENHARIA DA UFPI. JUBILAMENTO. LEGALIDADE DO ATO. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA.
1. "Legítimo é o regulamento de UFPI que determina a jubilação de estudante reprovado na mesma disciplina por três semestres" (cf. TRF1, AMS 1999.01.00.105448-0 /PI, 2ª. Turma, Rel. Des. Federal Carlos Fernando Mathias, DJU, II, 19.10.2001, p. 43).
2. "Inexistência de cerceamento de defesa se o aluno pode recorrer administrativamente da decisão, como verificado nos autos" (cf. TRF1, AMS 93.01.22317-1/BA, 1ª. Turma, Rel. Juiz Aldir Passarinho Junior, DJU, II, 26.8.1996, p. 60.691).
3. "O ensino público superior deve ser cursado com aproveitamento, à vista da escassez de vagas e de recursos, de sorte que válidas são as normas regulamentares que impedem a renovação de matrícula dos alunos que, ao longo do curso, demonstram desinteresse ou incapacidade para a formação a que se habilitaram inicialmente." (cf. TRF1, AMS 93.01.22317-1/BA, 1ª. Turma, Rel. Juiz Aldir Passarinho Junior, DJU, II, 26.8.1996, p. 60.691).
4. "Não se discute que determinado integrante do corpo discente de uma Instituição de Ensino Superior possa ser apenado com a sanção do jubilamento em razão do descumprimento das regras para a aquisição do diploma de curso superior, tais como o período máximo para conclusão no curso, o mínimo de disciplinas a serem cursadas por período, o número de reprovações permitido etc." (cf. STJ, RESP 444968/PR, 2ª Turma, Rel. Min. Franciulli Neto , DJ de 22.09.2003, p. 296).
5. Inexistindo ofensa ao devido processo legal no procedimento administrativo e incidindo o aluno em hipótese normativa de jubilamento, não há que se acoimar o ato de exclusão do curso de ilegal ou abusivo.
6. Sem honorários, a teor das Súmulas 512, do STF e 105, do STJ.
Custas pelo impetrante.
7. Segurança denegada.
8. Remessa oficial provida.”
(REO 1999.01.00.109651-5/PI, Rel. Juiz Federal Antonio Claudio Macedo Da Silva (conv), Primeira Turma Suplementar, DJ de 20/11/2003, p.117)
MANDADO DE SEGURANÇA - ENSINO SUPERIOR - JUBILAMENTO - REPROVAÇÃO POR DUAS VEZES NA MESMA DISCIPLINA - OBEDIÊNCIA AO REGULAMENTO DA UNIVERSIDADE QUE SE IMPÕE. I - Havendo regulamento da universidade determinando a vedação ao aluno de ser reprovado por duas vezes na mesma disciplina sob pena de ser desligado do corpo discente após comunicação escrita emanada pelo Conselho Departamental, impõe-se a obediência à regulamentação baixada, porquanto estribada na autonomia didático-administrativa das universidades (CF, art. 207) e nos poderes legalmente conferidos às instituições de ensino (Lei 9.394/96, art. 62). II - Apelação desprovida.
(AMS 200461000077039, JUIZA CECILIA MARCONDES, TRF3 - TERCEIRA TURMA, 25/10/2006)
Registra-se, entretanto, que o exercício do direito de jubilar, por resultar em consequências danosas ao particular (discente), deve respeitar os postulados da ampla defesa e do contraditório, sob pena de nulidade do ato administrativo. É natural que ao aluno lhe seja dada a oportunidade de apresentar argumentos capazes de afastar a causa prevista na normativa interna da Universidade, que acarreta na perda de seu vínculo com a Instituição de Ensino.
Esclarece-se que, nessa situação, cabe ao discente o ônus de demonstrar a ocorrência do fato excepcional que ilide a aplicação da norma universitária que impõe o jubilamento, o que deve comprovado por qualquer meio legal admitido, como documentos, declarações, perícias, laudos, exames sócio-econômicos, declarações testemunhais[1], dentre outras, ainda que a prova seja de difícil produção.
Pacífica é a jurisprudência quanto à necessidade de observância do devido processo legal para fins de aplicação de norma sancionadora pela Universidade Pública:
ADMINISTRTAIVO. ENSINO SUPERIOR. JUBILAMENTO. DIREITO AO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. 1. O jubilamento deve ser precedido de processo administrativo que assegure ao aluno o direito à defesa e ao contraditório. 2. Não estando demonstrado nos autos que ao impetrante tenha sido assegurado o direito à defesa e ao contraditório no processo de jubilamento, este é eivado de nulidade, afigurando-se correta a sentença que assegurou a matrícula do impetrante com vistas à conclusão do curso. 3. Apelação da UFAC improvida.
(AMS 200930000037645, null, TRF1 - QUINTA TURMA, e-DJF1 DATA:10/06/2011 PAGINA:173.)
AGRAVO REGIMENTAL. ENSINO. JUBILAMENTO. AUSÊNCIA DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. ILEGALIDADE. 1. Este tribunal entende que é ilegítima a jubilação de aluno, ex officio, pela Universidade, quando não se lhe foram garantidos o contraditório e a ampla defesa. 2. Na hipótese, conforme asseverou o Juízo a quo, verifica-se, claramente, que não foram assegurados ao autor os princípios do contraditório e da ampla defesa, razão pela qual está correto o decisum que assegurou a matrícula do impetrante no curso de Ciências Econômicas da UFPI (Precedentes desta Corte Regional e do Superior Tribunal de Justiça). 3. Há que se ressaltar que o que restou assegurado ao autor foi a sua volta ao corpo discente da Universidade, não lhe tendo sido assegurada a permanência e a conclusão de seu curso, já que a aprovação nas disciplinas que irá cursar dependerão de seu próprio mérito e esforço. 4. Agravo regimental da apelante improvido.
(AGRAC 399419994014000, null, TRF1 - QUINTA TURMA, e-DJF1 DATA:21/11/2008 PAGINA:846.)
ADMINISTRATIVO. ENSINO SUPERIOR. REPROVAÇÃO EM UMA MESMA DISCIPLINA POR 4 VEZES. JUBILAÇÃO. PROCESSO ADMINISTRATIVO. AUSÊNCIA. 1. A impetrante foi reprovada por 4 vezes na disciplina •Pensamento Social II–, o que levou à sua jubilação, com fulcro nos arts. 70, f, e 86, c, do Regulamento dos Cursos de Graduação da UFF. 2. Conforme jurisprudência pacífica, o jubilamento, por ser ato sancionatório e punitivo, não pode ser aplicado de forma unilateral, necessitando do devido processo legal, com a observância dos princípios do contraditório e da ampla defesa. Precedentes: AGV 200302010147454, Desembargador Federal SERGIO FELTRIN CORREA, TRF2; AC 200950010016763, Desembargador Federal GUILHERME CALMON NOGUEIRA DA GAMA, TRF2; AG 200604000030286, VÂNIA HACK DE ALMEIDA, TRF4; APELREEX 200981000046266, Desembargador Federal ROGÉRIO FIALHO MOREIRA, TRF5. 3. Apelação e remessa necessária improvidas.
(APELRE 201051170020300, Desembargador Federal LUIZ PAULO DA SILVA ARAÚJO FILHO, TRF2 - SÉTIMA TURMA ESPECIALIZADA, E-DJF2R - Data::12/04/2012 - Página::290291.)
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. ENSINO SUPERIOR. ALUNA DE MESTRADO. JUBILAMENTO. AUSÊNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. APELAÇÃO E REMESSA OFICIAL NÃO PROVIDAS. 1. Remessa oficial e apelação cível interposta pela UFPE contra sentença que, nos autos de Mandado de Segurança impetrado pelo particular, concedeu parcialmente a segurança para anular o ato de desligamento da impetrante do programa de mestrado PRODEMA, "sem prejuízo de que outra decisão venha a ser proferida pela Universidade após a abertura do contraditório e da ampla defesa". 2. As penalidades administrativas, dentre as quais se encontra o jubilamento, devem ser precedidas de processo administrativo próprio, não podendo ser aplicadas de plano, sob pena de se revestirem de ilegalidade. Ademais, dentro do processo administrativo deve se proporcionar ao estudante o direito à ampla defesa e ao contraditório, garantias asseguradas constitucionalmente (CF, art. 5º, LV). 3. Hipótese em que a impetrante foi comunicada, através de ofício, da decisão do colegiado que determinou o seu desligamento do mestrado do PRODEMA (Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente), sem que tenha havido processo administrativo. Inobservância dos princípios do contraditório e da ampla defesa. 4. Apelação e remessa oficial não providas.
(APELREEX 00198350720124058300, Desembargador Federal Rogério Fialho Moreira, TRF5 - Quarta Turma, DJE - Data::13/06/2013 - Página::477.)
Nesses termos, conclui-se ser lícito às Universidades definir, em seus regulamentos, hipóteses de desvinculação dos discentes que não cumprem com suas obrigações educacionais. Entretanto, sendo o caso de imposição de regra punitiva e sancionadora, deve o procedimento de jubilamento observar o devido processo legal, oportunizando ao aluno o exercício dos direitos da ampla defesa e do contraditório.
[1] As declarações de terceiros devem ser recebidas com reservas, por serem facilmente manipuláveis.
Procurador Federal. Procurador-Chefe da Procuradoria Federal junto à Universidade Federal do Tocantins.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FONSECA, Marcelo Morais. A autonomia das Universidades e o direito de jubilamento Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 fev 2014, 06:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38289/a-autonomia-das-universidades-e-o-direito-de-jubilamento. Acesso em: 23 dez 2024.
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