RESUMO: Proposta de verificação da possibilidade de ressarcimento do filho abandonado afetivamente por um dos genitores, baseado nos fins resguardados pelos princípios constitucionais da família, já que cabe a esses, além de alimentar, o dever de orientar, acompanhar e auxiliar o desenvolvimento do filho menor. O trabalho faz uma análise da historicidade do conceito de família, passando pelo estudo das relações de parentesco, filiação e terminando na apreciação dos requisitos da responsabilidade civil e sua aplicação no âmbito do direito de família.
PALAVRAS CHAVE: família, abandono, afeto, pais, indenização.
É cada vez mais crescente a busca pela responsabilização civil no âmbito das relações afetivas.
Ao contrário da responsabilidade nas relações contratuais, as quais se orientam pela manifestação de vontade, as relações afetivas se guiam pelo afeto.
As relações afetivas pressupõem uma intenção de durabilidade, bem como estão nelas contidas, além dos direitos, os deveres de auxílio mútuo, a perspectiva de satisfação das necessidades de afeto, amor, relacionamento social etc.
A reparação civil se transformou no remédio para todos os males, sendo buscado sempre que a pessoa sofre algum abalo moral, por menor que seja.
Nesse sentido, leciona Maria Bernadete Dias:
“A responsabilidade decorrente das relações afetivas deveria ter por base a repetida frase de Saint-Exupéry: és responsável por quem cativas. É só isso que o amor deveria gerar: o direito de ser feliz e o dever de fazer o outro feliz. Mas infelizmente, como diz a velha canção, o anel que tu me deste era vidro e se quebrou, o amor que tu me tinhas era pouco e ...
Há uma acentuada tendência de ampliar o instituto da responsabilização civil. O eixo desloca-se do elemento do fato ilícito para, cada vez mais, preocupar-se com a reparação do dano injusto. O desdobramento dos direitos de personalidade faz aumentar as hipóteses de ofensa a tais direitos, ampliando-se as oportunidades para o reconhecimento da existência de danos. A busca de indenização por dano moral transformou-se na panacéia para todos os males. Visualiza-se abalo moral diante de qualquer fato que possa gerar desconforto, aflição apreensão ou dissabor. Claro que essa tendência acabou se alastrando até as relações familiares. A tentativa é migrar a responsabilidade decorrente da manifestação de vontade para o âmbito dos vínculos afetivos, olvidando-se que o direito das famílias é o único campo do direito privado cujo objeto não a vontade, é o afeto. Como diz João Baptista Villela, o amor está para o direito de família assim como o acordo de vontades está para o direito dos contratos. Sob esses fundamentos se está querendo transformar a desilusão pelo fim dos vínculos afetivos em obrigação indenizatória [...] (Dias, Maria Berenice. Manual de direito das famílias, 4ª ed. Ver., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, pg. 113)
A questão é saber se qualquer aflição, desconforto, apreensão, dissabor é passível de ser indenizado.
Nesse diapasão, quais os danos poderiam ser indenizados? Seria possível a indenização pelo cônjuge culpado ao inocente?
Nos dizeres de Ruy Rosado, citado por Maria Berenice Dias “É necessário atender a que o fato pode ser ilícito absoluto, ou apenas infração a dever conjugal, familiar ou sucessório; pode estar tipificado na lei, ou não; a lei definidora da conduta pode ser civil ou criminal; o autor pode ser cônjuge ou companheiro que atinge a vítima na posição que lhe decorre do direito das famílias; o dano pode ser patrimonial ou extrapatrimonial; o dano pode ser específico, por atingir direito regulado no Livro da família ou das sucessões, ou constituir-se em dano a direito assegurado genericamente às pessoas (CC 186); a consequencia da infração pode ser a sanção prevista na norma de direito das famílias ou a reparação aplicada de acordo com as regras próprias do instituto da responsabilidade civil (CC944), com ou sem aplicação cumulativa”.
Certo é que a doutrina cada vez mais admite a possibilidade de indenização de danos morais, em razão do descumprimento de obrigações relativas aos vínculos afetivos.
Contudo, é necessário distinguir o dano decorrente da prática do ato ilícito, sempre passível de indenização, da infração aos deveres relacionados aos vínculos afetivos.
Ao argumento de que a afetividade é princípio de direito de família, como tácita derivação dos princípios da solidariedade e da dignidade da pessoa humana, muitos passaram a buscar ao Poder Judiciário visando ressarcimento por dano moral em casos em que há abandono afetivo de pais em relação aos seus filhos, diante do presumido dano moral e psíquico sofrido em decorrência da ausência ou desprezo do ascendente, sob o argumento que a obrigação daquele não se esgotaria no dever de sustento material, mas também no dever de afeto.
A Constituição Federal assegura à criança e ao adolescente o direito à convivência familiar baseada no afeto entre seus componentes.
De fato, o descumprimento desse dever deve ser analisado na seara do direito de família, sendo o caso de perda do poder familiar. Essa linha de raciocínio busca defender o melhor interesse da criança, pois um pai ou uma mãe que deixa de conviver com o filho não merece ter sobre ele o poder familiar. Ademais, não seria o pagamento de indenização pecuniária que o faria agir de forma diversa, ou seja, passaria a nutrir afeto pelo menor.
Sob esse aspecto, o que poderia ser indenizado seria o descumprimento do dever familiar e não a falta de afeto.
O principal argumento que é utilizado para sustentar a caracterização da responsabilidade de indenizar é a possibilidade de ajuste do art. 186 do CC, dispositivo que traz o conceito de ato ilícito ao prever que “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Assim, os adeptos da utilização do Direito das Obrigações na seara familiar, para possibilitar a indenização pelo abandono afetivo, utilizam-se de tal artigo para consubstanciarem suas expectativas.
Frise-se que, conforme a definição do direito civil, o dano para ser indenizável deve ser certo e injusto.
Injusto é o dano causado voluntariamente, o qual poderia ser evitado pelo causador.
Contudo, nas relações familiares existem comportamentos naturais dotados de sentimentos que não dependem da vontade da pessoa. Não tem como aferir se os pais amam ou não os filhos, não tendo, também, como compeli-los a isso.
Dessa forma, qualquer obrigação nesse sentido é algo imensurável, tendo em vista que não depende do agente, já que se trata do que é denominado liberdade afetiva, a qual está diretamente ligada ao inconsciente do indivíduo.
Outrossim, o dano causado pelo abandono afetivo nunca poderá ser configurado como certo, pois nada fará cessá-lo, nem mesmo o fim de uma ação judicial que indenize o filho em dinheiro.
Da mesma forma, dificilmente seria verificado o nexo causal. Como ter certeza de que o abandono de um dos genitores foi a causa de um abalo psicológico?
Frise-se que o abalo emocional nunca é provocado por apenas um fato, mas, ao contrário, é uma soma de fatores que ensejam o abalo. Não é uma decorrência lógica e certa que o filho desprovido de afeto paternal sofrerá necessariamente um dano. Ainda temos que considerar que cada um tem uma forma de reação diante da mesma situação.
O abalo psicológico também pode ser provocado por outros fatores, que não a ausência de um dos genitores, sendo proveniente do meio onde o indivíduo vive, das demais pessoas, com quem mantém relacionamentos, sua índole, seu jeito de ser, sua forma de amar.
Teria ainda que se constatar a culpa para configurar o dano moral. Age com culpa quem poderia agir de maneira diversa, tendo em vista um dever preexistente.
Assim, deve-se averiguar a conduta omissiva do genitor que deixa voluntariamente de participar do desenvolvimento da personalidade do filho.
Igualmente, verifica-se a dificuldade de se definir o que seja afeto.
E, diante dessa dificuldade, conclui-se, então, pela impossibilidade de condenar alguém por não ter afeto por outrem, assim constata-se que não há lógica em culpar alguém por não amar, pois não existe um dever geral de amar.
Tão importante quanto, é conseguirmos verificar se o abandono afetivo se deu por vontade do genitor que está sendo condenado, vez que não são raros os casos em que o genitor contrário impede o contato com os filhos com o que saiu de casa, impossibilitando uma aproximação. Dessa forma, o transtorno causado pela falta de auxílio, da presença e/ou do incentivo psicológico, se dá por culpa do outro genitor, não podendo, dessa forma, o ausente ser responsabilizado.
Ademais, interessante observar o que seria protegido com a responsabilização pelo abandono afetivo. Pois indenizar significa tornar “sem dano”. Contudo, quando o dano é moral, não há como "indenizar", o que pode existir é uma reparação.
Dessa forma, conclui-se pela impossibilidade de indenização por abandono afetivo de um dos genitores.
REFERÊNCIAS
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Analista em Direito do Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Graduada em Direito em fevereiro de 2005, pelo Centro Universitário UNI-BH. Pós graduada em Direito Penal e Direito Civil.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SENA, Diana Gordilho Silveira. A possibilidade de indenização pelo abandono afetivo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 fev 2014, 06:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38296/a-possibilidade-de-indenizacao-pelo-abandono-afetivo. Acesso em: 23 dez 2024.
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