Sumário: 1. Introdução. 2. A recusabilidade das requisições emanadas da Defensoria Pública da União. 3. A competência para a autorização da cessão. 4. O prazo da cessão. 5. Conclusão.
1. INTRODUÇÃO
Na data de 30 de março de 1995, foi editada a Lei nº 9.020, que conferiu ao Defensor Público-Geral da União a prerrogativa de requisitar servidores de órgãos e entidades da Administração Pública Federal a fim de suprir as carências de pessoal daquele órgão, então em incipiente processo de estruturação. A norma veio vazada nos seguintes termos:
“Art. 4º O Defensor Público-Geral da União poderá requisitar servidores de órgãos e entidades da Administração Federal, assegurados ao requisitado todos os direitos e vantagens a que faz jus no órgão de origem, inclusive promoção.
Parágrafo único. A requisição de que trata este artigo é irrecusável e cessará até noventa dias após a constituição do Quadro Permanente de Pessoal de apoio da Defensoria Pública da União.”
Em que pese os termos aparentemente peremptórios contidos no parágrafo único acima reproduzido, uma fonte frequente de conflitos diz respeito à possibilidade de recusa, por parte dos órgãos e entidades demandados, à requisição de servidores emanada da Defensoria Pública da União, sob o pretexto de que a mesma provocaria transtornos às atividades desenvolvidas no âmbito desses mesmos órgãos ou entidades. Como tratar tais questões?
2. A RECUSABILILIDADE DAS REQUISIÇÕES EMANADAS DA DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO
Pois bem. O Decreto nº 4.050, de 12 de dezembro de 2001, define a requisição de servidor público como sendo o “ato irrecusável, que implica a transferência do exercício do servidor ou empregado, sem alteração da lotação no órgão de origem e sem prejuízo da remuneração ou salário permanentes, inclusive encargos sociais, abono pecuniário, gratificação natalina, férias e adicional de um terço”.
Observa-se, pois, que a referida Lei nº 9.020/95, tendo em conta a peculiar situação em que se encontrava, à época de sua edição, a Defensoria Pública da União no processo de sua gradativa instalação, concedeu amplos poderes ao chefe da instituição, permitindo-lhe proceder à requisição de servidores de outros órgãos ou entidades da Administração Pública Federal, requisição esta que, por ser ato irrecusável, não poderia - em tese - ser negada por razões de conveniência e oportunidade da entidade cedente.
Por essa razão, seria lícito asseverar que considerações fundadas em possíveis transtornos que a perda do servidor acarretariam para o exercício das atividades de determinado órgão ou entidade não poderiam constituir empecilho ao ato visado. É que, em casos como este, o mérito legislativo, manifestado na autorização legal para a requisição de servidores, sobrepõe-se ao possível juízo de conveniência e oportunidade do administrador público, que não poderá opor obstáculos à requisição que cumpra os requisitos legais, mesmo que a considere inoportuna ou inconveniente ao interesse de seu órgão ou instituição. Com efeito, procedendo a uma ponderação de valores e interesses, houve por bem o legislador atribuir maior relevo à necessidade dos órgãos desprovidos de quadro próprio de pessoal, certamente por considerar que as entidades que o possuem podem, através de remanejamentos e reestruturações internas, readaptar-se face à saída dos servidores cedidos.
Por oportuno, convém registrar que, à vista do disposto no § 3º do artigo 20 da Lei nº 8.112/90 (acrescido pela Lei nº 9.527, de 10 de dezembro de 1997), outra poderia ser a situação se o servidor requisitado estivesse em período de estágio probatório. Com efeito, estabelece a aludida norma legal que:
“Art 20 (...)
(...)
§3º O servidor em estágio probatório poderá exercer quaisquer cargos de provimento em comissão ou funções de direção, chefia ou assessoramento no órgão ou entidade de lotação, e somente poderá ser cedido a outro órgão ou entidade para ocupar cargos de Natureza Especial, cargos de provimento em comissão do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores – DAS, de níveis 6, 5 e 4, ou equivalentes.
(...)” (grifamos)
Nota-se, assim, que o referido preceito fixou uma restrição quanto à possibilidade de cessão de pessoal para outros órgãos ou entidades no âmbito da Administração Pública Federal, determinando que os servidores em estágio probatório só podem ser objeto de cessão para ocuparem cargos de Natureza Especial ou cargos em comissão (DAS, de níveis 4, 5 e 6). Não sendo este o caso concreto, não restaria ao dirigente do órgão ou entidade requisitado outra escolha que não a de anuir à requisição efetuada pela DPU.
Todavia, a Secretaria de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (SRH/MPOG) teve a oportunidade de se manifestar sobre o tema por meio da Nota Técnica nº 302/COGES-MP, de 7 de abril de 2010, no bojo da qual estabeleceu a possibilidade de ser recusada a requisição quando a mesma viesse a prejudicar o andamento do serviço prestado pelo órgão ou entidade a quem ela é dirigida. Se não, vejamos:
“(...)
8. Observada a literalidade do dispositivo acima transcrito, tem-se que o comando legal, nas condições fixadas, obriga o atendimento às requisições feitas pelo Defensor Público-Geral da União por órgãos e entidades da Administração Federal, ou seja, a norma se dirige à Administração Federal como um todo, sem particularizar entidade ou órgão.
9. Desse modo, salvo melhor atendimento, a referida norma não retirou dos dirigentes dos órgãos/entidades, a quem se endereçar a requisição da espécie, o dever de valorar o pleito quanto à sua conveniência e oportunidade, em face da situação do próprio quadro de pessoal e das atividades finalísticas de cada um, sob pena de comprometimento do serviço público prestado.
10. Em consequência, verificado que o atendimento da requisição implica comprometimento das atividades finalísticas do órgão demandado, considera-se razoável que seja analisado outro meio de atender a Defensoria Pública da União.” (grifamos)
Tal entendimento foi posteriormente rearfimado na Nota Técnica nº 66/2011/CGNOR/DENOP/SRH/MP, de 15 de fevereiro de 2011, nos seguintes termos:
“Assim, ratifica-se o posicionamento exarado por esta Coordenação-Geral, no sentido de que o órgão requisitado não está obrigado a reconhecer como irrecusável a requisição de servidor previamente indicado pela Defensoria Pública da União, quando justificadamente venha a ter as suas atividades finalísticas prejudicadas, podendo a requisição ser atendida com o oferecimento de outro servidor que não seja imprescindível para as suas atividades finalísticas, ou por outros órgãos/entidades da Administração Federal.”
3. A COMPETÊNCIA PARA A AUTORIZAÇÃO DA CESSÃO
Seja como for, ainda que aceitando a tese da recusabilidade da requisição efetuada por ato do Defensor Público-Geral da União, resta perquirir de quem será a competência para autorizar o deslocamento do servidor.
O Decreto nº 4.050/2001, que tem por escopo regulamentar o artigo 93 da Lei nº 8.112/90, assim trata da matéria em seu artigo 3º, verbis:
“Art. 3º Ressalvada a hipótese contida no § 4º do art. 93 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, a cessão obedecerá aos seguintes procedimentos:
I - quando ocorrer no âmbito do Poder Executivo, será autorizada pelo Ministro de Estado ou autoridade competente de órgão integrante da Presidência da República a que pertencer o servidor; e
II - quando ocorrer para órgão ou entidade dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios ou de outro Poder da União, será autorizada pelo Órgão Central do Sistema de Pessoal Civil - SIPEC, ficando condicionada à anuência do Ministro de Estado ou autoridade competente de órgão integrante da Presidência da República ao qual o servidor estiver lotado.” (grifamos)
Como se pode facilmente depreender da regra acima transcrita (inciso I), o ato de cessão incumbirá, em princípio, ao Ministro de Estado. Todavia, verifica-se que o dispositivo ressalva expressamente o disposto no § 4º do artigo 93 do Estatuto dos Servidores Públicos Federais, que assim está redigido:
“Art. 93. O servidor poderá ser cedido para ter exercício em outro órgão ou entidade dos Poderes da União, dos Estados, ou do Distrito Federal e dos Municípios, nas seguintes hipóteses:
I - para exercício de cargo em comissão ou função de confiança;
II - em casos previstos em leis específicas.
(...)
§ 4o Mediante autorização expressa do Presidente da República, o servidor do Poder Executivo poderá ter exercício em outro órgão da Administração Federal direta que não tenha quadro próprio de pessoal, para fim determinado e a prazo certo.” (grifamos)
Assim sendo, vê-se que, na hipótese específica de cessão para suprir carência de órgão que não possua quadro próprio de pessoal (como ocorre no caso de que ora nos ocupamos), a competência para a cessão do servidor remanesce com o Presidente da República, não sendo objeto de delegação ao Ministro de Estado da área.
4. O PRAZO DA CESSÃO
Por derradeiro, convém tecer algumas considerações acerca do prazo da cessão do servidor requisitado para ter exercício na Defensoria Pública da União, nos termos da Lei nº 9.020/95.
Conforme o disposto na regra do § 4º do artigo 93 da Lei nº 8.112/90, já transcrita neste trabalho, a cessão de servidor público, para a finalidade ali indicada, deverá ser efetivada por “prazo certo”. Assim, de acordo com tal normatividade, o ato emanado do Sr. Presidente da República já deverá deixar especificado o prazo durante o qual operará a cessão.
Por sua vez, o artigo 2º do Decreto nº 4.050/2001 assim estatui, verbis:
“Art. 2º O servidor da Administração Pública Federal direta, suas autarquias e fundações poderá ser cedido a outro órgão ou entidade dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluindo as empresas públicas e sociedades de economia mista, para o exercício de cargo em comissão ou função de confiança e, ainda, para atender a situações previstas em leis específicas.
Parágrafo único. Ressalvadas as cessões no âmbito do Poder Executivo e os casos previstos em leis específicas, a cessão será concedida pelo prazo de até um ano, podendo ser prorrogado no interesse dos órgãos ou das entidades cedentes e cessionários.” (grifamos)
Portanto, em que pese a fixação de uma regra geral para o prazo da cessão de servidor público (até um ano), ficaram expressamente excepcionadas as cessões efetivadas no âmbito do Poder Executivo e as situações previstas em leis específicas. Aliás, nem poderia mesmo ser diferente, por ser clássico o princípio de hermenêutica que reza que, existindo uma norma genérica ao lado de outra especial, esta última prevalece sobre a primeira para regular os casos de que cuida (“lex speciali derogat generali”).
Assim, é na lei que trata dos poderes requisitórios da Defensoria Pública Geral da União que deveremos perscrutar a existência de alguma disposição específica atinente ao prazo da cessão. Neste particular, estabelece o parágrafo único do artigo 4º da Lei nº 9.020/95 que “a requisição de que trata este artigo é irrecusável e cessará até noventa dias após a constituição do Quadro Permanente de Pessoal de apoio da Defensoria Pública da União”.
Logo, lícito será concluirmos que a cessão, in casu, não ficará adstrita ao prazo de um ano e nem mesmo deverá ser fixada por “prazo certo”, mas, ao contrário, poderá perdurar até que a Defensoria Pública da União venha finalmente a ter instituído seu quadro próprio de pessoal.
5. CONCLUSÃO
Por todo o exposto, verifica-se que o poder de requisição conferido ao Defensor Público-Geral da União pelo art. 4º da Lei nº 9.020/95 não é absoluto, devendo ser ponderado com a necessidade de adequado funcionamento dos demais órgãos e entidades da Administração Pública e mitigado à luz de outras normas e princípios de direito público.
ALEXANDRINO, Marcelo e PAULO, Vicente. Direito Administrativo, 12ª edição. Rio de Janeiro: Impetus, 2006
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Direito Administrativo, 4ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1999
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, 18ª edição. São Paulo: Atlas, 2005
Procurador Federal. Coordenador da Coordenação para Assuntos de Consultoria da Procuradoria Federal na Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. Graduado em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MOSQUEIRA, Bruno Alves. Apontamentos sobre a requisição de servidores públicos pela defensoria pública da união com base na Lei nº 9.020/95 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 fev 2014, 07:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38382/apontamentos-sobre-a-requisicao-de-servidores-publicos-pela-defensoria-publica-da-uniao-com-base-na-lei-no-9-020-95. Acesso em: 23 dez 2024.
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