Após uma tramitação marcada por controvérsias não apenas técnicas como também políticas, em 25 de maio de 2012 finalmente foi publicado a Lei n. 12.651, que instituiu o novo Código Florestal.
Dentre as várias novidades que permeiam o novel diploma, chama atenção a concretização normativa que se deu ao chamado princípio do protetor-recebedor, por meio do qual se cria um novo modelo de promoção da preservação ambiental que privilegia bonificações e sanções premiais das mais diversas às pessoas físicas e jurídicas que preservam o meio ambiente e desenvolvem suas atividades econômicas de modo ambientalmente sustentável.
Com efeito, a lei n. 12.727, de 17 de outubro de 2012 incluiu o Art. 1º-A, parágrafo único, VI à lei, instituindo como principio regente do código “a criação e mobilização de incentivos econômicos para fomentar a preservação e a recuperação da vegetação nativa e para promover o desenvolvimento de atividades produtivas sustentáveis”, o que nada mais é que a aplicação do principio do protetor-recebedor.
Com efeito, a redação se enquadra à descrição do principio encontrada na doutrina de Frederico Amado, verbis:
“Seria a outra face da moeda do Princípio do Poluidor-Pagador, ao defender que as pessoas físicas ou jurídicas responsáveis pela preservação ambiental devem ser agraciadas com benefícios de alguma natureza, pois estão colaborando como toda a comunidade para a consecução do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Assim haverá uma espécie de compensação pelos serviços ambientais[1]”
Como se observa, sem excluir a responsabilização do poluidor, o referido princípio prioriza a prevenção por intermédio das chamadas sanções premiais, constituindo em medida salutar no objetivo de conscientização ambiental através do estimulo econômico. A respeito das sanções premiais, vale conferir a clássica definição de Noberto Bobbio.
“Entendo por 'função promocional' a ação que o direito desenvolve pelo instrumento das 'sanções positivas', isto é, por mecanismos genericamente compreendidos pelo nome de 'incentivos', os quais visam não a impedir atos socialmente indesejáveis, fim precípuo das penas, multas, indenizações, reparações, restituições, ressarcimentos, etc., mas, sim, a 'promover' a realização de atos socialmente desejáveis. Essa função não é nova. Mas é nova a extensão que ela teve e continua a ter no Estado contemporâneo: uma extensão em contínua ampliação, e, de qualquer modo, lacunosa, uma teoria do direito que continue a considerar o ordenamento jurídico do ponto de vista de sua função tradicional puramente protetora (dos interesses considerados essenciais por aqueles que fazem as leis) e repressiva (das ações que a eles se opõem)[2]
As sanções premiais são bastante comum na seara tributária, através do mecanismo da extrafiscalidade, por meio do qual a exação é manejada com a finalidade de estimular ou inibir determinada conduta, para além do intuito meramente arrecadatório.
A bem da verdade, na própria seara ambiental, a prática não é exatamente uma novidade. No âmbito legislativo, o diploma que primeiro instituiu de modo expresso o principio em comento foi a Lei n. 12.305, de 02 de agosto de 2010, em cujo Art. 6º, II se prescreve como princípios da Política Nacional de Resíduos Sólidos o poluidor-pagador e o protetor-recebedor. Os mecanismos previsto no diploma para tanto vão desde incentivos financeiros, fiscais e creditícios passando por estímulos a adoção de padrões sustentáveis de produção e consumo de bens e serviços e incentivos à indústria de reciclagem.
No âmbito das politicas governamentais federais, merece destaque o Programa de Desenvolvimento Sócio-ambiental de Produção Familiar Rural (Proambiente), como exemplo de incentivo federal a comunidades de agricultores familiares que empregam práticas sustentáveis nas atividades rurais desenvolvidas[3].
E não é só; pululam os exemplos de sua aplicação em várias escalas, como bem pontua o colunista Mauricio Andres Ribeiro, em artigo sobre o principio em comento:
“(...) a redução das alíquotas de IPTU para os cidadãos que mantém áreas verdes protegidas em suas propriedades, incentivo este oferecido pelo município de Curitiba para terrenos reconhecidos pela prefeitura como áreas verdes privadas. A lei do Ecocrédito adotada em Montes Claros- MG que incentiva os produtores rurais a delimitar dentro de suas propriedades áreas de preservação ambiental, destinadas à conservação da biodiversidade. Ou a isenção do Imposto Territorial Rural- ITR, para os donos de terras com sensibilidade ecológica que as transformem em RPPNs - Reservas Particulares de Patrimônio Natural; ou, ainda, a legislação do ICMS ecológico adotada em Minas Gerais e no Paraná, que estimulou a criação de unidades de conservação. Em Minas Gerais, em 1996, cerca de 100 municípios se beneficiaram do ICMS ecológico verde, porque tinham parques e áreas de preservação[4].
Frederico Amado lembra ainda do programa Bolsa Verde, do Estado do Amazonas (Lei Estadual 3.135/2007), conforme noticiado no sitio eletrônico da associação O Direito por um Planeta Verde “o primeiro programa brasileiro de remuneração pela prestação de serviços ambientais feito diretamente para as comunidades que residem nas florestas[5]”.
No âmbito do Novo Código Florestal, existe um capitulo inteiro destinado a concretização do principio do protetor recebedor através das sanções premiais, intitulado “programa de apoio e incentivo à preservação e recuperação do meio ambiente”.
No programa são previstos pagamentos ou incentivos a serviços ambientais; compensações diversas pelas medidas de conservação ambiental, tais como a facilitação de credito e seguro agrícola, deduções de APP’s e reserva legais da base de calculo do ITR, isenções de impostos de insumos e equipamentos, linhas especiais de financiamento incentivos para comercialização, inovação e aceleração das ações de recuperação; além de instituir participação preferencial nos programas de apoio à comercialização da produção agrícola e destinação de recursos para a pesquisa científica e tecnológica e a extensão rural relacionadas à melhoria da qualidade ambiental.
A lei cria ainda a Cota de Reserva Ambiental - CRA, título nominativo transacionável representativo de área com vegetação nativa, existente ou em processo de recuperação.
Tramitam na Câmara dos Deputados mais de uma dezena de projetos de lei no desiderato de esmiuçar os procedimentos inerentes aos incentivos, recompensa, pagamentos e compensações por serviços ambientais[6].
Verifica-se, dessa forma, que o Novo Código Florestal ratifica uma tendência de se investir maciçamente nessa via proativa de preservação ambiental, o que, de resto, vai ao encontro do principio da prevenção[7]. Busca-se nas mais variadas formas de fomento econômico às praticas ambientalmente saudáveis uma via conciliatória rumo ao desenvolvimento sustentável, signo representativo da utilização racional dos recursos naturais pelos agentes econômicos.
Ao fazê-lo, cria a legislação ambiental um mecanismo para promover, ainda que indiretamente, com grande potencial de efetividade a educação ambiental e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente, dando concretude a uma incumbência expressamente atribuída ao poder publico pelo Art. 225, § 1º, VI da Constituição Federal.
[1] AMADO, Frederico. Direito Ambiental Esquematizado. São Paulo: método, 2012, p. 77/78
[2] BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 17 ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992.
[3] Mais informações podem ser encontradas em http://www.proambiente.cnpm.embrapa.br/conteudo/introducao.htm. Acesso em 10.02.2014.
[5] AMADO, Frederico. Direito Ambiental Esquematizado, p. 78.
[6]PL 1190/2007 (2) , PL 1999/2007 , PL 2364/2007 ; PL 1667/2007 ; PL 1920/2007 ; PL 5487/2009 (1) , PL 6005/2009 ; PL 5528/2009 ; PL 6204/2009 ; PL 7061/2010
[7] Nesse sentido, Paulo Affonso Leme Machado organiza em cinco itens a aplicação do princípio da prevenção, dentre eles o planejamento ambiental e econômico integrados. (MACHADO, Paulo Affonso Leme. Estudos de Direito Ambiental. São Paulo, Malheiros Editores, 1994, p.36).
Procurador Federal, membro da Advocacia-Geral da Uniao. Pos-graduado em Direito Publico pela Anhanguera/UNIDERP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PAZ, Samuel Mota de Aquino. O Principio do Protetor-Recebedor no Novo Código Florestal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 fev 2014, 07:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38387/o-principio-do-protetor-recebedor-no-novo-codigo-florestal. Acesso em: 24 nov 2024.
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