Orientação: JulioMorbach [1]
RESUMO: O regime disciplinar diferenciado (o “RDD”) surgiu na tentativa de sanar a criminalidade crescente em vários pontos do país, em virtude de acontecimentos específicos, os quais emanavam de ordens proferidas dos interiores dos presídios por todo o Brasil. Seu nascimento trouxe acirradas discussões a respeito de sua congruência com a Constituição Federal, bem como sua conformidade com o princípio da dignidade da pessoa humana, fundamento constitucional da República. O presente trabalho tem por escopo verificar se o RDD viola o referido princípio através de estudos de sua origem histórica, seus aspectos processuais, suas características e suas hipóteses de cabimento.
Palavras-chave: Regime disciplinar diferenciado, dignidade da pessoa humana, Lei de execução penal.
INTRODUÇÃO:
É patente que o Estado brasileiro tem sido ineficaz em manter a segurança devida dentro das penitenciárias do país, fazendo surgir um clima crônico de insegurança nestes estabelecimentos penais e permeando toda a sociedade. Esta deficiência, por dizer, ineficiência estatal, tem colaborado sobremaneira para o arranjo das chamadas organizações criminosas cada vez mais poderosas. [2]
Líderes das chamadas facções criminosas, conhecidos como “Fernandinho Beira-Mar”, “Marcinho VP”, “My Thor”, “Isaias do Borel”, entre outros têm sido considerados pelo Estado como inimigos da sociedade, vez que conseguiram orquestrar movimentos desastrosos em vários lugares do país.[3]
O argumento motivacional da lei que cria o Regime Disciplinar Diferenciado é o de impedir, dificultar ou até, se possível, exterminar as ações de organizações de pessoas, as quais se unem com o intuito precípuo de praticar crimes organizados. Associações de pessoas como o “Comando Vermelho”, “Primeiro Comando da Capital”, “Amigos dos Amigos”, “Terceiro Comando”, e muitas outras.
Os princípios da segurança pública e da paz social justificaram o nascimento da Lei 10.792 de 1º de dezembro de 2003, instituidora do regime disciplinar diferenciado, alterando, assim, a Lei 7.210 de 11 de julho de 1984 – lei de execução penal.
O regime disciplinar diferenciado se constitui em sanção mais rígida, a qual é aplicada a determinados presos, possuindo suas hipóteses de cabimento taxativamente previstas no artigo 52 da lei 7.210 de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal), e características de aplicação de penas mais rigorosas em comparação ao regime comum.
Este tema trata-se de uma questão atual, que começou a surgir a partir do momento em que o Estado se depara com o conflito de interesses entre a segurança do indivíduo e a proteção à dignidade da pessoa humana analisada em toda a sua amplitude, se é que podemos alcançá-la de alguma forma. [4]
Como uma forma de demonstrar à sociedade que, de alguma maneira, está se resolvendo a crônica situação da falta de segurança, o Estado, por vezes, acaba por atingir direitos e garantias fundamentais do ser humano. Ainda, além de um direito, é fundamento da República Federativa do Brasil a Dignidade da Pessoa Humana.[5]
A discussão sobre a aplicabilidade do instituto do RDD no ordenamento jurídico brasileiro tem sido cada vez mais intensa. Por um lado existem doutrinadores que defendem a possibilidade de coexistência harmônica entre tal instituto e a dignidade da pessoa humana enquanto que para outros, ambos não podem fazer parte da mesma ordem jurídica. [6]
O presente trabalho tem por finalidade primordial traçar um paralelo entre os argumentos favoráveis e os contrários a implementação do RDD sob a ótica constitucional do princípio basilar da República esculpido precipuamente no artigo 1º, inciso III, da Carta Maior, mas que possuí seu conteúdo diluído em muitos outros documentos legais internos e internacionais, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, bem como sua conformidade com os direitos e garantias individuais, estes atinentes ao Estado Democrático de Direito.
Finalmente, através do estudo da origem histórica, dos aspectos processuais, das características e hipóteses de cabimento do regime disciplinar diferenciado, o presente trabalho irá apontar em que hipóteses este instituto poderia contrariar/violar o fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana e ainda quando o mesmo atenderia aos princípios e regras atinentes à dignidade humana consoante ao ordenamento pátrio vigente.
1. A dignidade da Pessoa Humana
A Sociedade brasileira atualmente esta pautada em uma ordem jurídica positivada pela Constituição Federal de 1988, da qual decorrem princípios e normas basilares para a afirmação de um Estado Democrático de Direito.
A conceituação de dignidade da pessoa humana no âmbito de proteção jurídico-normativa ainda é inconsistente e motivo de controvérsias. De outra sorte, há um entendimento mais pacificado e encontra-se na percepção dos momentos em que a dignidade é agredida, violada, usurpada. A definição de Ingo Sarlet, neste sentido, merece destaque:
Qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.[7]
A dignidade do ser humano é princípio de valor pré-constituinte e de hierarquia supraconstitucional, sobre o qual se fundamenta a República Federativa do Brasil, sendo prescrita no art. 1º da Carta Política de 1988. [8]
A normatização/positivação do Princípio e Fundamento da República, qual seja a dignidade da pessoa humana, fez com que ela deixasse o seu cunho meramente moral a fim de se firmar como verdadeiro valor jurídico, protegendo o indivíduo de arbitrariedades futuras, como ocorreu no passado historicamente conhecido.
Sobre o valor moral da Dignidade da Pessoa Humana assim observa Ernest Benda:
Certamente que a dignidade da pessoa humana é originariamente um valor moral. Ocorre que sua acolhida com caráter de mandamento constitucional na Lei Fundamental implica sua aceitação como valor jurídico, vale dizer, como norma jurídico-positiva. [9]
A dignidade não é, em si, um direito, porém atributo do ser humano, sendo que o ordenamento jurídico positivado jamais poderá atribuir dignidade a um indivíduo, todavia tem o dever de protegê-la. Consequentemente, a dignidade da pessoa humana inserida no texto da Carta Magna, serviu para o reconhecimento de que o indivíduo não reflete a ordem jurídica, e sim para constituir um objetivo supremo do Estado Democrático de Direito.
Prevalece a afirmação de que a Dignidade da Pessoa Humana tem se tornado cada vez mais universal e “globalizada”, de forma que referida norma principiológica está prevista na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969 (artigo 5ª, itens 1 e 2), que foi promulgada no Brasil pelo Decreto Presidencial nº 678, de 06 de novembro de 1992, e publicada no Diário Oficial da União no dia 09 do mesmo mês e ano.
Art. 5º. Direito à Integridade Pessoal:
1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite a sua integridade física, psíquica e moral.
2. Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoas privada da liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano.
De outra sorte, a dignidade humana é norma basilar do Estado Democrático de Direito e de importância “universal”, sendo que é considerada como “valor supremo de toda sociedade”, argumento este primado por Cunha Júnior:
A dignidade da pessoa humana assume relevo como valor supremo de toda a sociedade para o qual se reconduzem todos os direitos fundamentais da pessoa humana. É uma “qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecer do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos. [10]
Em síntese, a violação da Dignidade Humana, ocorre quando alguém é utilizado como meio para se atingir um fim (aspecto objetivo), sendo referido tratamento resultado do repudio a condição em que se encontra o ser humano (aspecto subjetivo), devendo o Estado abster-se de qualquer conduta violadora da dignidade do ser, caráter negativo. [11]
Por estas considerações, Marcelo Novelino preceitua que a dignidade da pessoa humana possui uma tripla dimensão normativa, sendo ao mesmo tempo:
I) Um postulado normativo interpretativo: quando atua como diretriz a ser observada na criação, interpretação e aplicação das demais normas;
II) Um princípio, por impor ao poderes públicos a proteção da dignidade e a promoção dos valores, bens e utilidades indispensáveis a uma vida digna (mínimo existencial); e,
III) Uma regra, a qual determina o respeito à dignidade, seja pelo Estado, seja por terceiros, no sentido de impedir o tratamento de qualquer pessoa como objeto, quando decorrente de uma expressão de desprezo por aquele ser humano. [12]
O Estado tem direito a punir o indivíduo que comete algum fato que é considerado, por política criminal, como infração penal, dividida esta em crime e contravenção penal, no exercício do ius puniendi.
Conforme inteligentemente conceituado pelo doutrinador Cleber Masson:
Pena é a reação que uma comunidade politicamente organizada opõe a um fato que viola uma das normas fundamentais da sua estrutura e, assim, na lei, com infração penal. [13]
Existem vários princípios aplicáveis às penas como: o princípio da reserva legal, da anterioridade, responsabilidade pessoal do agente, inevitabilidade, intervenção mínima, humanidade, proporcionalidade e individualização.[14]
Dentre os supracitados princípios, existe um com fundamental importância na aplicação da pena, objeto deste estudo, que é o princípio da humanização. Conforme prelecionado por Cleber Masson, referido princípio prevê que “a pena deve respeitar os direitos fundamentais do condenado enquanto ser humano. Não pode, assim, violar a integridade física ou moral (art. 5º XLIX, da CF). Da mesma forma, o Estado não pode dispensar nenhum tipo de tratamento cruel, desumano ou degradante ao preso.” [15]
Ensina Haroldo Caetano da Silva, nesse mesmo sentido, considerando o princípio da dignidade humana como limitador expresso do direito de punir do Estado:
Para ficar apenas na principal referência, o poder de punir encontra limite no princípio da dignidade humana, estabelecido como fundamento da República enquanto Estado Democrático de Direitos (CF, art. 1º, III). Acerca desse princípio, que se traduz num direito absoluto e que se situa acima de qualquer outro na hierarquia das leis, e que não pode ser violado nem mesmo em caso de guerra.
[...]
É a dignidade do indivíduo, como primeiro limite material a ser respeitado por um Estado democrático, que fixa limites máximos à rigidez das penas e aguça a sensibilidade de todos com relação aos danos por elas causados.
[...] É que o Estado que mata, que tortura, que humilha o cidadão, não só perde qualquer legitimidade como contradiz a sua própria razão de ser, que é servir à tutela dos direitos fundamentais do homem, colocando-se no mesmo nível dos delinqüentes. [16]
O estudo das teorias das penas tem o cerne fundamental de explanar as finalidades das penas dentro de um determinado ordenamento jurídico. A teoria absoluta pretende dar o significado eminentemente retributivo da pena, a qual seria a vingança do Estado ao mal cometido pelo infrator. A teoria relativa tece que a finalidade da pena deve ser evitar a prática de novas infrações penais. Enquanto a teoria da dupla finalidade explicita que a pena tem duas funções: (i) punir o condenado pelo mal que cometeu e (ii) evitar a prática de novos delitos. [17]
A ordem jurídica atual adotou a teoria mista da pena e acrescentou a função social da pena, qual seja, esta não pode somente castigar e prevenir o crime, mas deve ter o condão, na medida do possível, de ressocializar o preso para que retorne ao seu convívio em sociedade. [18]
Nesse diapasão, cumpre também as penas respeitar os limites impostos pelos princípios adotados internamente, como o de objeto deste estudo, a dignidade humana, visando assim, a garantia plena do caráter retributivo, ressocializador e principalmente a função social da pena como forma de não violação a direitos fundamentais já conquistados no atual Estado Democrático de Direito.
1.1. Origem e desenvolvimento do conceito de dignidade humana
Nas civilizações antigas não é possível traçar em seu arcabouço histórico a significação de pessoa, ser humano, como hoje é conhecido.
O homem para a filosofia grega era um animal político ou social, como dito por Aristóteles, onde o ser era a cidadania, o fato de pertencer ao Estado, que estava em íntima conexão com o Cosmos, com a natureza. [19]
O conceito de dignidade da pessoa humana como valor inerente, próprio e determinante da condição de ser humano tem como marco de seu nascimento o pensamento clássico e sua origem ideológica no pensamento cristão. Ingo Sarlet elucida “ao pensamento cristão coube, fundados na fraternidade, provocar a mudança de mentalidade em direção à igualdade dos seres humanos.” [20]
São Tomás de Aquino, na Idade Média, referiu-se pela primeira vez ao termo dignitas humana, inspirado nas ideias e pensamentos estóicos e cristãos.[21]
Nos séculos XVII e XVIII, quando predominava o pensamento jusnaturalista, a dignidade era vista como direito natural a partir da premissa da igualdade de todos os homens em dignidade e liberdade. A concepção Kantiana, vinculada a uma compreensão da dignidade como qualidade insubstituível da pessoa humana é a mais expressiva do período, como repúdio de considerações acerca do ser humano que o reduzissem a objeto ou coisa. Immanuel Kant traça uma distinção entre as coisas no mundo que têm preço e as que, em contraposição, têm dignidade e vale-se do entendimento de que tudo aquilo que está acima de qualquer preço e sem possibilidade de substituição é dotado de dignidade, tudo que é digno não permite valoração ou substituição. [22]
Kant, em suas construções filosóficas, foi um marco e referência na construção do pensamento quanto à dignidade da pessoa humana. Para Kant, o homem é um fim em si mesmo e, por isso, tem valor absoluto, não podendo ser utilizado como instrumento para algo, desta forma tem dignidade, é pessoa. [23]
Na esfera jurídica, a primazia da pessoa com fundamento na dignidade configura-se como resposta à crise do Positivismo Jurídico, desencadeada pela derrota dos nazi-fascistas, uma vez que tais movimentos políticos e militares se ampararam na legalidade para promover os horrores do holocausto e difundir práticas de barbárie em nome da lei. [24]
Na história da dignidade humana, o primeiro momento em que foi positivada como forma de princípio norteador de um ordenamento jurídico foi na Carta Constitucional da República Alemã de 1949, a qual em seu art. 1º, a seguir reproduzido:
Art. 1º. (proteção da dignidade a pessoa humana) A dignidade da pessoa humana é inviolável. Todas as autoridades públicas têm o dever de a respeitar e proteger. [25]
As constituições contemporâneas começaram a instituir a dignidade da pessoa humana como norma principiológica em seu texto a partir do marco histórico do texto constitucional alemão, assim o direito a uma existência digna passou a ser indissociável a existência humana, neste sentido explica Eugênio Pacceli de Oliveira:
É a partir da Revolução Francesa (1789) e da Declarão dos Direitos do Homem e do Cidadão, no mesmo ano, que os direitos humanos, entendidos como o mínimo ético necessário para a realização do homem, na sua dignidade humana, reassumem posição de destaque nos estados ocidentais, passando também a ocupar o preâmbulo de diversas ordens constitucionais, como é o caso, por exemplo, das Constituições da Alemanha (Arts. 1º e 19), da Áustria (Arts. 9º, que recebe as disposições do Direito Internacional), da Espanha (Art. 1º, e arts. 15 ao 29), da de Portugal (Art. 2º), sem falar na Constituição da França, que incorpora a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. [26]
Desta forma, a Dignidade Humana passa a ser entendida como base sólida e garantidora dos direitos e garantias fundamentais de um Estado, não podendo ser minorada a qualquer custo, visto que sua globalização e importância tem sido crescente e patente àqueles que nomeiam-se Estados Democráticos.
2. Regime Disciplinar Diferenciado
2.1. Histórico
Desde surgimento do homem o direito penitenciário existe, assim relata Edgar Magalhães Noronha, que "a história do direito penal é a história da humanidade. Ele surge com o homem e o acompanha através dos tempos, isso porque o crime, qual sombra sinistra, nunca dele se afastou". [27]
Luiz Flávio Gomes relata que “a origem do regime disciplinar diferenciado nos remete a Grécia Antiga e ao Império no Brasil” [28], onde as penas possuíam poucos princípios e regras de estabelecimento.
As péssimas condições da maioria das penitenciárias brasileiras têm provocado revoltas nos detentos e em toda a sociedade. Em virtude dessa precariedade nasce dentro dos estabelecimentos penais, rebeliões e reivindicações por melhores condições de sobrevivência.
O regime disciplinar diferenciado ingressou no ordenamento jurídico pátrio, inicialmente, através da Resoluçãonº 26 de 2001 da Secretaria de Administração Penitenciária do Estado de São Paulo, motivada por uma rebelião ocorrida na casa de Custódia de Taubaté em 18 de dezembro de 2000. [29]
Referida rebelião já estava predeterminada pelo estatuto da facção criminosa, conhecida por “Primeiro Comando da Capital”, que acabou por destruir um pavimento famoso da casa de custódia de Taubaté chamado “Piranhão”. As autoridades judiciárias transferiram todos os presos daquela unidade para outros estabelecimentos penais, provocando desta forma, mais revolta entre os presos. [30]
Com a reforma da casa de Custódia de Taubaté, a maioria dos presos que haviam sido transferidos retornaram para a mesma. Sendo que, apenas 10 (dez) presos não retornaram e permaneceram isolados, vez que foram taxados pelas autoridades judiciárias como líderes da rebelião ocorrida. [31]
As ações das autoridades judiciárias foram motivo de muita revolta, fazendo com que surgisse a maior rebelião registrada no Brasil contando com mais de 25.000 (vinte e cinco mil) presos de todo o país. O Primeiro Comando da Capital gerenciou ataques por toda a cidade de São Paulo e Rio de Janeiro, passando a atingir estabelecimentos comerciais e escolas. [32]
Houve a participação da facção criminosa conhecida por Comando Vermelho, chefiada por seu líder criminoso Luís Fernando da Costa (“Fernandinho Beira Mar”) que estava à frente de uma das maiores desordens ocorridas na cidade do Rio de Janeiro.
Com inspiração na Resolução da SAP nº 26 de São Paulo, foi promulgada a Lei 10.792 em 1º de dezembro de 2003 que, além de alterar diversos dispositivos da lei de execução penal, foi a responsável por instituir o regime disciplinar diferenciado. [33]
2.2. Conceito
A lei 10.792 de 1º de dezembro de 2003 deu vida ao regime disciplinar diferenciado. No entanto, a partir de seu surgimento sua natureza jurídica e conceito foram sendo debatidos e construídos pelos doutrinadores e órgãos estatais.
Para alguns, o RDD se constitui em uma forma de sanção disciplinar, para outros, se constitui em um novo regime de cumprimento de pena. A favor da primeira posição, temos o conceito de Julio Fabbrini Mirabete o qual relata:
O regime disciplinar diferenciado, que não constitui um regime de cumprimento de pena em acréscimo aos regimes fechado, semi-aberto e aberto, nem uma nova modalidade de prisão provisória, mas sim um novo regime de disciplina carcerária especial, caracterizado por maior grau de isolamento do preso e de restrições ao contato com o mundo exterior, a ser aplicado como sanção disciplinar ou com medida de caráter cautelar, tanto ao condenado como ao preso provisório, nas hipóteses previstas em lei. [34]
Corroborando com a posição do autor supracitado, o renomado doutrinador Fernando Capez também considera o RDD como sanção disciplinar. [35]
Contrário à classificação acima exposta, o Conselho Nacional de Política Criminal, considera o RDD, como um sistema inconstitucional e desnecessário, e o classifica como um novo regime de cumprimento de pena afastando a possibilidade de considerá-lo uma sanção administrativa. [36]
Finalmente, a lei 7.210 de 11 de julho de 1984, Lei de Execução Penal classificou o Regime Disciplinar Diferenciado como sanção disciplinar, em seu artigo 52, inciso V.
2.3 Hipóteses de Cabimento do RDD
O regime disciplinar diferenciado, caracterizado por ser um regime mais rigoroso, tem suas hipóteses de cabimento e elementos descritos no artigo 52 da Lei de Execução Penal, incluído pela lei 10.792 de 1º de dezembro de 2003, a qual alterou também vários outros dispositivos da execução penal no Brasil, in verbis:
Art. 52. A prática de fato previsto como crime doloso constitui falta grave e, quando ocasione subversão da ordem ou disciplina internas, sujeita o preso provisório, ou condenado, sem prejuízo da sanção penal, ao regime disciplinar diferenciado, com as seguintes características:
I - duração máxima de trezentos e sessenta dias, sem prejuízo de repetição da sanção por nova falta grave de mesma espécie, até o limite de um sexto da pena aplicada;
II - recolhimento em cela individual;
III - visitas semanais de duas pessoas, sem contar as crianças, com duração de duas horas;
IV - o preso terá direito à saída da cela por 2 horas diárias para banho de sol.
§ 1º O regime disciplinar diferenciado também poderá abrigar presos provisórios ou condenados, nacionais ou estrangeiros, que apresentem alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade.
§ 2º Estará igualmente sujeito ao regime disciplinar diferenciado o preso provisório ou o condenado sob o qual recaiam fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer título, em organizações criminosas, quadrilha ou bando.
Tal instituto pode ser aplicado quando: a) o preso pratica fato previsto como crime doloso que ocasione a subversão da ordem ou da disciplina interna do estabelecimento, b) o preso provisório ou condenado, estrangeiro ou nacional, apresente alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal e da sociedade ou, c) quando recaiam fundadas suspeitas de que o preso tenha envolvimento ou participação em organizações criminosas, quadrilha ou bando. [37]
O supracitado artigo apresenta em seus incisos as características especiais deste novo regime, deixando claro que o mesmo se apresenta como um regime mais severo e, como a sua própria nomenclatura o apresenta, diferenciado. Já o caput e os parágrafos se ocupam em nos apresentar as hipóteses de cabimento e os presos que estarão sujeitos ao regime. [38]
2.3.1. Prática de fato previsto como crime doloso que ocasione subversão da ordem ou disciplina internas
A primeira hipótese de cabimento se constitui em clara sanção disciplinar, pois prescreve que a prática de fato previsto como crime doloso que ocasione a subversão da ordem ou disciplinas internas é considerado falta grave, sujeitando o preso condenado ou provisório ao regime disciplinar diferenciado.
Neste caso, é fundamental que o crime cometido pelo preso tenha subvertido, desordenado ou alterado de alguma forma a ordem e a disciplina interna do estabelecimento penal. Esta consequência deverá existir para que o preso seja submetido ao RDD.
Através de processo administrativo disciplinar, verificar-se-á a existência ou não desta desordem para fins de requerimento da autoridade administrativa para a inclusão do preso no RDD. Ainda, a submissão do preso a este regime depende de despacho judicial fundamentado, conforme preleciona o artigo 54 da LEP (Lei de Execução Penal).
O estudioso de Direito Penal e Penitenciário Julio Fabbrini Mirabete relata que “a Lei nº 10.792, ao criar o regime disciplinar diferenciado, reservou-o como sanção mais gravosa ao preso que pratica fato que, por sua natureza e repercussão, abrange ambas as referidas hipóteses: configura crime doloso e ocasiona a subversão da ordem ou da disciplina do estabelecimento penal. [39]
O artigo 49, parágrafo único, da lei de execução penal alude que se pune a tentativa com a sanção correspondente à falta consumada, ou seja, caso o preso não consiga consumar o crime por circunstâncias alheias a sua vontade, sofrerá as consequências da sanção administrativa como se tivesse concluído o crime. Ainda, para que o preso seja submetido ao RDD, deve ser comprovada a subversão da ordem e disciplina interna do estabelecimento penitenciário.
2.3.2. Quanto à hipótese prevista no parágrafo 1º do artigo 52 da LEP
A segunda hipótese de cabimento da aplicação do regime disciplinar diferenciado está prevista no parágrafo 1º do artigo 52 da LEP, o qual apresenta a seguinte redação:
§1o O regime disciplinar diferenciado também poderá abrigar presos provisórios ou condenados, nacionais ou estrangeiros, que apresentem alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade.
A supracitada possibilidade de aplicação do RDD não se apresenta como uma sanção disciplinar, como o caso anteriormente dito, quando da prática de crime doloso que subverta a ordem e disciplina interna do estabelecimento penal, mas como medida cautelar. [40]
Muitos doutrinadores têm criticado esta hipótese de cabimento, alegando que a mesma viola o princípio da legalidade, atingindo por consequência lógica o fundamento da dignidade da pessoa, vez que a consideração de periculosidade ou risco para a sociedade tem um caráter eminentemente subjetivo.[41]
A referida subjetividade de aplicação do instituto viola a dignidade da pessoa humana na medida em que, não se coadunando com o princípio da taxatividade do direito penal, protetor da segurança jurídica, os cidadãos perdem a liberdade de expressão pelo medo de serem considerados de alto risco. Não estamos falando que o Estado não deva se preparar para agir em determinados casos com mais dureza, mas tais atos de restrição de direitos sempre devem ser atos de extrema necessidade e em via de exceção e nunca pautados em meras suposições. [42]
O princípio do devido processo legal protege o indivíduo de exasperações que poderiam ser cometidas pelas autoridades se não fossem limitadas pelos direitos fundamentais. Somente pode ser considerado culpado e, consequentemente, submetido a um regime de cumprimento de pena mais grave, depois de um processo no qual seja dado ao individuo a oportunidade de exercer o seu direito de contraditório e de ampla defesa. [43]
Conclui-se então que, neste caso, o Juiz baseando-se em meras suposições apresentadas pela autoridade administrativa de que determinado detento seja de alto risco para a sociedade ou estabelecimento, poderá submeter o preso a um regime completamente diferente daquele a que foi condenado primariamente. Tal suposição, muitas vezes não se refere a fatos, mas simplesmente à pessoa do condenado ou preso provisório, o que deveras é pior, vez que a sua culpa ainda não foi comprovada.
2.3.2.1 O Direito Penal do Inimigo e o parágrafo 1º do artigo 52 da LEP
A teoria do Direito Penal do Inimigo foi desenvolvida pelo professor catedrático de Direito Penal e Filosofia do Direito da Universidade de Bonn na Alemanha, o renomado Günther Jakobs.
Sua tese foi de encontro à evolução de direitos e garantias fundamentais como a do devido processo legal e da dignidade da pessoa humana, tendo em vista que considera inimigo do Estado o delinquente, o qual, em virtude de suas atitudes criminosas, fere diretamente toda a estrutura e estabilidade da sociedade. [44]
O doutrinador Cleber Masson explicita em sua obra de forma sucinta o cerne do pensamento de Jakobs:
Inimigo, para ele, é o individuo que afronta a estrutura do Estado, pretendendo desestabilizar a ordem nele reinante ou quiçá, destruí-lo. É a pessoa que revela um modo de vida contrário às normas jurídicas, não aceitando as regras impostas pelo Direito para manutenção da coletividade. Agindo assim, demonstra não ser um cidadão e, por consequência, todas as garantias inerentes às pessoas de bem não podem ser a ele aplicadas. [45]
Günther Jakobs propõe que o Inimigo do Estado não pode ter os mesmos direitos inerentes ao cidadão comum, pessoa de bem. Ainda, para Silva Sánchez, o cidadão se transforma em inimigo através da reincidência e da habitualidade ao cometer delitos e, finalmente, ao integrar as organizações criminosas. [46]
As ideias de Jakobs fundamentam-se no chamado Direito Penal do Autor, ao rotular indivíduos como perigosos, em completa oposição ao Direito Penal do Fato, aceito pela maioria dos ordenamentos jurídicos no mundo, inclusive no Brasil.
Infere-se que o RDD (regime disciplinar diferenciado), mais especificamente em sua hipótese de cabimento esculpida no parágrafo 1º do artigo 52 da LEP, traz em seu espírito o Direito Penal do Inimigo, no momento em que submete determinados indivíduos a um regime bem mais severo que o já imposto pela pena, unicamente pelo fato de serem considerados de “alto risco” para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade.
Marta Xavier de Lima Gouvêa, Defensora Pública do Estado de Minas Gerais, ao relacionar o Direito Penal do Inimigo com o RDD, assim se posiciona:
As principais bandeiras do Direito Penal do Inimigo são a flexibilização do princípio da legalidade, a inobservância de princípios básicos (ofensividade, exteriorização do fato...), aumento desproporcional da pena e outras mais, neste estudo vamos analisar a Lei 10.792/03 que introduziu na Lei 7.210/84 o famigerado Regime Disciplinar Diferenciado, conhecido como RDD e é possível após um estudo não muito detalhado identificar características e bandeiras do Direito Penal do Inimigo. [47]
O Tribunal de Justiça de São Paulo, no Habeas Corpus nº 893.915-3/5-00, tendo como relator o Desembargador Marcos Nahum, assim se posicionou em trecho do voto:
Independentemente de se tratar de uma política criminológica voltada apenas para o castigo, e que abandona os conceitos de ressocialização ou correção do detento, para adotar "medidas estigmatizantes e inocuizadoras" próprias do "Direito Penal do Inimigo", o referido "regime disciplinar diferenciado" ofende a inúmeros princípios constitucionais. [48]
Corroborando ainda, Paulo Cesar Busato aduziu:
A imposição de uma fórmula de execução da pena diferenciada segundo características do autor relacionadas com "suspeitas" de sua participação na criminalidade de massa não é mais que um "Direito Penal do Inimigo, quer dizer, trata-se da desconsideração de determinada classe de cidadãos como portadores de direitos iguais aos demais a partir de uma classificação que se impõe desde as instâncias de controle. A adoção do Regime Disciplinar Diferenciado representa o tratamento desumano de determinado tipo de autor de delito, distinguindo evidentemente entre cidadãos e inimigos.[49]
É evidente a relação estrita da tese do Direito Penal do Inimigo de Günther Jakobs com o Regime Disciplinar Diferenciado. Considera-se que ambos contrariam flagrantemente a dignidade da pessoa humana e o princípio basilar da humanização das penas esculpido na Constituição Federal e em vários diplomas internacionais, dos quais o Brasil é signatário.
2.3.3. Quanto à hipótese prevista no parágrafo 2º do artigo 52 da LEP:
O parágrafo 2º do artigo 52 da LEP traz a terceira e última hipótese de cabimento de aplicação do RDD, estabelecendo que estará sujeito ao regime diferenciado o preso provisório ou condenado sob o qual recaiam fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer título, em organizações criminosas, quadrilha ou bando. É importante salientar este parágrafo não tem aplicação aos estrangeiros por falta de previsão legal.
Em outras palavras, se a autoridade administrativa tiver fundadas suspeitas de que algum preso participa de qualquer tipo de organização delinquente, poderá requerer ao Juiz da Execução para que lhe aplique o RDD.
Esta hipótese de cabimento pode ser considerada como possível violação à dignidade da pessoa humana, uma vez que fere os princípios da estrita legalidade, trazendo em seu bojo elementos extremamente subjetivos, auxiliando a possível existência de arbitrariedades, perseguições e vinganças privadas por parte das autoridades envolvidas.
Julio Fabbrini Mirabete esclarece que o preso não pode ser submetido ao regime diferenciado unicamente pelo fato de ter sido condenado pelo crime do artigo 288 do Código Penal. Para este estudioso do direito penal, o preso deverá ter envolvimento em organizações criminosas de forma efetiva. As referidas suspeitas devem ser comprovadas minimamente por relatórios de inteligência, sob pena de uso destes meios como forma de retaliações. [50]
Finalmente, o parágrafo também remonta ao espírito do pensamento do Direito Penal do Inimigo, de forma que o autor do fato será punido por quem ele é e não por qualquer fato criminoso que tenha cometido.
2.4. Características do RDD
O regime disciplinar diferenciado, caracterizado por ser um regime mais rigoroso, tem suas hipóteses de cabimento e elementos descritos no artigo 52 da Lei de Execução Penal, incluído pela lei 10.792 de 1º de dezembro de 2003, a qual alterou também vários outros dispositivos da execução penal no Brasil.
Após apresentada as hipóteses de cabimento do regime diferenciado, passa-se as características do RDD, vez que tais aspectos, aliados aos pressupostos de aplicação são os fundamentos para aqueles que entendem pela violação da dignidade da pessoa humana.
2.4.1 Duração do RDD
A duração do regime diferenciado é de, no máximo, 360 (trezentos e sessenta) dias, sem prejuízo de que a referida sanção seja repetida por nova falta grave da mesma espécie. Frise-se que tal repetição não poderá ultrapassar o limite de um sexto da pena aplicada ao caso em concreto.
O art. 58 da Lei de Execuções prescreve que “o isolamento, a suspensão e a restrição de direitos não poderão exceder a trinta dias, ressalvada a hipótese do regime disciplinar diferenciado”.
Elemento importante que deve ser tratado diz respeito a tal limite no que se refere aos presos provisórios. Julio Fabbrini Mirabete, baseado no princípio do in dubio pro reo, busca uma solução para esse problema prelecionando que “no silêncio da lei, deve-se adotar como parâmetro a pena mínima cominada para a infração”. [51]
No que se refere ao limite de pena, na aplicação do RDD por medida cautelar (parágrafos 1º e 2º do artigo 52 da LEP), a doutrina majoritária ensina que não deve ser aplicada a restrição do inciso I (duração máxima de 360 dias), visto que a finalidade da medida exige que a duração do regime seja indeterminada, perdurando enquanto os motivos que a justificaram persistirem. [52]
O Superior Tribunal de Justiça, abarcando esse posicionamento, define que, embora o prazo seja indeterminado para o RDD, como medida cautelar, a aplicação não poderá ultrapassar o limite de 1/6 (um sexto) da pena aplicada. [53]
De outro vértice, Luiz Flávio Gomes ao lecionar sobre o prazo máximo de aplicação do RDD, defende que este não poderá ultrapassar o limite máximo de 30 (trinta) dias, prazo este previsto para outras sanções disciplinares na Lei de Execução Penal. Em suas palavras assim alude:
A grave e preocupante questão da disciplina do preso que se encontra recolhido em algum estabelecimento penal de segurança máxima (fechado) ou média (semi-aberto) já se encontrava (e se encontra) devidamente regulada na Lei de Execução Penal (LEP - Lei 7.210/1984), especialmente nos artigos 53, IV, 54 e 58. Uma das mais severas sanções previstas nesta lei consiste no "isolamento do preso na própria cela". Cuida-se de consequência penal a ser imposta pelo diretor do presídio, em ato motivado, por prazo não superior a 30 (trinta) dias. Esse conjunto de dispositivos legais que acaba de ser enumerado já era (e é) mais do que suficiente para manter a devida disciplina e a ordem dentro dos estabelecimentos penais. Parece muito evidente a razoabilidade e superioridade técnica e garantista da LEP em relação ao famigerado RDD e, agora, ao RMAX (regime de segurança máxima, que estaria na iminência de ser aprovado pelo Congresso Nacional). Quando a LEP foi redigida (1984) ainda não se falava em "Direito penal do inimigo", que é uma ideia difundida mais recentemente na América Latina (estamos nos referindo à doutrina de Jakobs, Derecho penal del enemigo, Madrid: Thonson-Civitas, 2003, obra que tem como co-autor Cancio Meliá). Todo endurecimento penal é ofensivo à dignidade humana, para além de constituir expressão desse modelo de "direito" penal, enquadra-se no movimento punitivista simbólico e emergencial, desenvolvido desde os anos 80, sobretudo na Itália (para combater - inicialmente - as organizações mafiosas). [54]
O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária[55] defende a inconstitucionalidade do RDD e assim expõe:
O projeto, ao prever 360 dias de isolamento, certamente causará nas pessoas a ele submetidas a deterioração de suas faculdades mentais, podendo-se dizer que o RDD não contribui para o objetivo da recuperação social do condenado e, na prática, importa a produção deliberada de alienados mentais. [56]
O Superior Tribunal de Justiça entendeu que o RDD não fere nenhum princípio ou norma constitucional, não se tratando, portanto, de pena cruel, desumana ou degradante. Porquanto, o referido tribunal entende que o regime diferenciado não fere a dignidade da pessoa humana. [57]
2.4.2 Recolhimento em cela individual
O isolamento do preso no regime disciplinar diferenciado está previsto no inciso II do artigo 52 da LEP.
Referida separação pode ser, tanto para sancionar, quanto para segregar o indivíduo dos demais, isto dependendo da hipótese em que foi aplicado o regime (como sanção ou medida cautelar).
No que tange ao isolamento do preso, Carvalho e Freire assim se posicionam:
O isolamento celular prolongado previsto no RDD, em face dos efeitos destrutivos para a saúde física e mental dos condenados, assume feição de pena cruel, reeditando a velha noção de pena como puro e simples exercício de vingança social. Tem-se, assim, não apenas uma ressignificação da disciplina, mas dos próprios suplícios, em um sistema (ideológico) integrado de maxipunitividade. [58]
Gomes e Mazzuoli, no sentido da inconstitucionalidade do RDD, assim prelecionam:
O isolamento de pessoas detidas por longo tempo, aliado a outras restrições como a impossibilidade de visita, constitui pena cruel e degradante (CIDH, Res. 28/88). O RDD (Regime Disciplinar Diferenciado), introduzido na nossa legislação por força da Lei 10.792/2003, em regra, constitui exemplo de execução de pena cruel e degradante. [59]
Assim, depreende-se que além da possível violação a princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, alguns juristas vão além e afirmam que o RDD trata-se de regime mais gravoso, cuja aplicação fere demais diretrizes constitucionais, tornando-o não apenas violador de tais princípios, mas também flagrantemente inconstitucional.
2.4.3 As visitas semanais de duas pessoas, sem contar as crianças, com duração de duas horas
Conforme estabelecido no inciso III do artigo 52 da LEP, o preso submetido ao RDD, seja qual for a hipótese de cabimento fundamento da aplicação do regime, terá direito a visitação de somente duas pessoas semanalmente, não computando neste número as crianças.
Conforme prelecionado pelo doutrinador Norberto Avena, alguns doutrinadores sustentam a inconstitucionalidade do RDD sob o argumento de que o mesmo importa na incomunicabilidade do preso. Este não é o posicionamento do referido jurista, relatando que:
Embora todas essas restrições que caracterizam o RDD possam, de fato, implicar maior grau de isolamento do preso, acarretando, inclusive, limitação com o contato com o mundo exterior, isto não significa dizer que haja a sua absoluta incomunicabilidade. [60]
2.4.4 O Banho de sol de duas horas.
O inciso IV do artigo 52 prescreve que o preso condenado ou provisório submetido ao RDD terá direito ao banho de sol limitado a duas horas diárias.
O desembargador Borges Pereira do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, considerando as características do RDD ao caso concreto no Habeas Corpus nº 978.305.3/0-00, asseverou, categoricamente, que tal regime fere a dignidade da pessoa humana, nominando tal regime de “aberração jurídica”. [61]
CONCLUSÃO
Em suma, o presente trabalho teve como objetivo a análise do Regime Disciplinar Diferenciado em conflito com o princípio fundamental da República, a Dignidade da Pessoa Humana.
Quando da criação do RDD, surgiram diversas discussões acerca de sua conformidade com a Constituição Federal de 1988, principalmente no tocante aos direitos e garantias fundamentais do indivíduo também previstos na Magna Carta.
A dignidade da pessoa humana tem sua construção principiológica ao longo da história e atualmente pertence ao arcabouço jurídico daqueles que se intitulam um Estado Democrático de Direito. Este princípio, positivado na Constituição Cidadã, busca não só garantir o tratamento digno, lato sensu, do indivíduo, como salvaguardar os direitos e garantias fundamentais do ser e também funciona como princípio limitador ao ius puniendi Estatal, em matéria especificamente de ordem penal.
O Regime Disciplinar Diferenciado foi esculpido e colocado no ordenamento jurídico pátrio ante a progressiva ação de Organizações Criminosas, que à época do nascedouro deste instituto, causaram diversas e distintas situações que colocaram a sociedade brasileira em risco ante a ausência de qualquer organismo que pudesse conter essas ações.
Para muitos juristas, operadores do direito, doutrinadores, entre outros, o regime diferenciado é imprescindível como forma de garantir a pretensão punitiva do Estado e o direito de todo cidadão a segurança pública.
De outra sorte, outros eméritos e não menos importantes operadores do direito em sua ampla gama, consideram que por suas características e formas de implementação, ao tomar características de foro subjetivo, como “fundadas suspeitas de participação ou filiação a organização criminosa”, referido regime afrontaria diretamente aos princípios constitucionais e principalmente no tocante à dignidade da pessoa humana, considerado como princípio norteador de uma série de outros direitos e garantias.
Assim, considerando que a criminalidade na sociedade contemporânea é muito mais complexa, organizada, estruturada do que a de anos atrás, toda a legislação do mesmo período é arcaica e por vezes falível a combater esses tipos de organizações, faltando ao Estado uma forma mais coerente e coesa a época atual como medida eficaz na contenção desse tipo organizado de crimes, devendo o Governo não somente ater-se a medidas urgentes e temerárias, pois extremas e por ora violadoras de garantias e direitos fundamentais do indivíduo.
Conclui-se, pois, que é evidente a necessidade de um meio de repressão mais forte à criminalidade e, por conseguinte às chamadas organizações criminosas, no entanto, a instituição e aplicação do Regime Disciplinar Diferenciado, apesar de tomado como medida de urgência necessária e utilizado como meio garantidor da segurança pública, não deixou de ter suas características flagrantemente violadoras tanto aos direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição, como também aos princípios inerentes ao Estado Democrático de Direito, sendo o mais complexo e universal destes a Dignidade Humana.
Portanto, restou demonstrado que de certa forma, com a criação de medidas urgentes tendentes a limitar ou ainda minorar a Dignidade Humana, a sociedade caminhará assim ao retrocesso social, mitigando aquilo que por anos a fio lutou-se para ser conquistado, garantias fundamentais do ser.
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[1] Professor do Curso de Direito da UNIVEL – Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas de Cascavel.
[2] COSATE, Tatiana Moraes. Regime Disciplinar Diferenciado (RDD): um mal necessário? Disponível em: <http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/direitopub/article/download/11466/10202>. Acesso em: 14 de maio de 2013.
[3] COSATE, Tatiana Moraes. Regime Disciplinar Diferenciado (RDD): um mal necessário? Disponível em: <http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/direitopub/article/download/11466/10202>. Acesso em: 14 de maio de 2013
[4] BRASIL. Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP). Parecer –RDD. Disponível em:
<http://www.mj.gov.br/cnpcp/legislacao/pareceres/Parecer%20RDD%20_final_.pdf>. Acesso em: 28 de março de 2013.
[5] Ibidem.
[6] BRASIL. Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP). Parecer –RDD. Disponível em:
<http://www.mj.gov.br/cnpcp/legislacao/pareceres/Parecer%20RDD%20_final_.pdf>. Acesso em: 28 de março de 2013.
[7] SARLET, Wolfgang Ingo. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição da República de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 62.
[8] COELHO, Inocêncio Mártires. Curso de Direito Constitucional, p. 214.
[9] BENDA, Ernest. Dignidad humana y derechos de la personalidade, p.120.
[10] CUNHA Júnior, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. Editora jusPodivm, 2009, p. 527-528.
[11] NOVELINO, Marcelo. Manual de Direito Constitucional. Editora Metodo, 2011, p. 325.
[12] Conclusão aproximada ao raciocínio desenvolvido por Robert ALEXY (Teoría de los derechos fundamentales, p. 106-108).
[13] MASSON, Cleber, Código Penal Comentado. São Paulo, Editora Metodo, 2013, p. 219.
[14] NETO, Afonso Celso Pupe. Princípios norteadores da aplicação e execução da pena. Disponível em: < http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=3898>. Acesso em: 03 de julho de 2013.
[15] MASSON, Cleber, Código Penal Comentado. São Paulo, Editora Metodo, 2013, p. 220.
[16] SILVA, Haroldo Caetano da. Ensaio sobre a pena de prisão. Curitiba: Juruá, 2009, p. 66-67.
[17] MASSON, Cleber, Código Penal Comentado. São Paulo, Editora Metodo, 2013, p. 221.
[18] MARQUES, Oswaldo Henrique Duek. Fundamentos da Pena. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2000. p. 110.
[19] TOBEÑAS, José Castan. Los Derechos del Hombre, p. 39; REALE, Miguel. Questões de Direito Público, p. 3.
[20] Disponível em: <http://www2.dbd.puc-rio.br/pergamum/tesesabertas/0613190_08_cap_02.pdf> apud. SARLET, Wolfgang Ingo. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição
da República de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 24. Acesso em: 18 de junho de 2013.
[21] Ibidem. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição da República de 1988. p. 18.
[22] Ibidem. p. 26.
[23] A Dignidade da pessoa humana. Disponível em: <http://www2.dbd.pucrio.br/pergamum/tesesabertas/0613190_08_cap_02.pdf> Acesso em: 18 de junho de 2013.
[24] PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Apud. LEITE,
George Salomão (Org.). Dos Princípios Constitucionais: Considerações em torno das normas principiológicas da Constituição. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 188
[25] Disponível em: <http://www2.dbd.puc-rio.br/pergamum/tesesabertas/0613190_08_cap_02.pdf> apud. SARLET, Wolfgang Ingo. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição
da República de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 26. Acesso em: 18 de junho de 2013.
[26] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Processo e Hermenêutica na Tutela Penal dos Direitos Fundamentais. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 12
[27] NORONHA, Edgar Magalhães. 1987, p. 20
[28] GOMES, Luiz Flávio. O direito penal na era da globalização. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 30.
[28]PRESOTTO, Lourenso. Uma breve análise do regime disciplinar diferenciado. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3173, 9 mar. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/21247>.
[30] RIBEIRO, Jorge Fernando dos Santos. Regime Disciplinar Diferenciado (RDD). Breves considerações. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2407, 2 fev. 2010. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/14291>. Acesso em: 24 de maio de 2013.
[31] Ibidem.
[32] RIBEIRO, Jorge Fernando dos Santos. Regime Disciplinar Diferenciado (RDD). Breves considerações. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2407, 2 fev. 2010. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/14291>. Acesso em: 24 de maio de 2013.
[33]PRESOTTO, Lourenso. Uma breve análise do regime disciplinar diferenciado. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3173, 9 mar. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/21247>. Acesso em: 30 de maio de 2013.
[34] MIRABETE, JulioFabbrini, Execução Penal. São Paulo, Atlas, 2011, p. 149.
[35] CAPEZ, Fernando. Publicado no site: <http://capez.taisei.com.br/capezfinal/index.php?secao=27&subsecao=0&con_id=1796. Acesso em: 06 de junho de 2013, às 22 horas.
[36] BRASIL, Conselho Nacional De Política Criminal e Penitenciária. Parecer–RDD. p. 23. Disponível em:
<http://www.mp.pa.gov.br/caocriminal/conselhos/cnpcp/legislacao/pareceres/Parecer%20RDD.pdf>. Acesso em 28 de março de 2013.
[37] Ibidem. Artigo 52, caput.
[38] Ibidem.
[39]MIRABETE, Julio Fabbrini, Execução Penal. São Paulo, Atlas, 2011, p. 154.
[40] BRASIL, Conselho Nacional De Política Criminal e Penitenciária. Parecer–RDD. p. 23. Disponível em:<http://www.mp.pa.gov.br/caocriminal/conselhos/cnpcp/legislacao/pareceres/Parecer%20RDD.pdf>. Acesso em: 28 de março de 2013.
[41] BRASIL, Conselho Nacional De Política Criminal e Penitenciária. Parecer–RDD. p. 23. Disponível em:<http://www.mp.pa.gov.br/caocriminal/conselhos/cnpcp/legislacao/pareceres/Parecer%20RDD.pdf>. Acesso em: 28 de março de 2013.
[42] Ibidem.
[43] Ibidem.
[44]JAKOBS, Günther. Derecho penal del enemigo. Trad. Manuel CancioMeliá. Madrid: Civilitas, 2003.
[45] MASSON, Cleber Rogério. Direito Penal Esquematizado – Parte Geral – Vol. 1 – 3ª ed. Re. Atual. e Ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: METODO, 2010. p. 85.
[46] SILVA SÁNCHEZ, Jesús-Maria. A expansão do direito penal: aspectos da política criminal nas sociedades pós-industriais. Trad. Luiz Otávio de Oliveira Rocha. São Paulo: RT, 2002. P. 149.
[47] GOUVÊA, Marta Xavier de Lima, Direito Penal do Inimigo e o Regime Disciplinar Diferenciado. Disponível em<http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=5355>. Acesso em: 25 de junho de 2013.
[48] Tribunal de Justiça. Habeas Corpus nº 893.915-3/5-00. Relator: Desembargador Marcos Nahum. Decisão unânime. São Paulo, 09.05.2006. Disponível em: <www.tj.sp.gov.br>. Acesso em: 11 de julho de 2013.
[49] BUSATO, Paulo César. Regime disciplinar diferenciado como produto de um direito penal do inimigo. Disponível em < http://www.mundojuridico.adv.br>. Acesso em: 20 de agosto de 2013.
[50] MIRABETE, Julio Fabbrini, Execução Penal. São Paulo, Atlas, 2011, p.150.
[51] MIRABETE, Julio Fabrini, Execução Penal. São Paulo, Atlas, p.150.
[52] Ibidem.
[53] STJ, HC 44.049/SP, Rel. Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, Rel. p/ Acórdão Ministro HAMILTON CARVALHIDO, SEXTA TURMA, julgado em 12/06/2006, DJ 19/12/2007, p. 1232.
[54] GOMES, Luiz Flávio. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/9061/rdd-e-regime-de-seguranca-maxima> .
[55] Competência: O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária - CNPC é integrado por treze membros titulares, e igual número de suplentes designados pelo Ministro de Estado da Justiça, dentre professores e profissionais da área de Direito Penal, Processual Penal, Penitenciário e ciências correlatas e por representantes da comunidade e dos Ministérios da área social. O Conselho compõe-se de: Presidência; 1ª Vice-presidência; 2ª Vice-presidência; e Plenário. O Plenário, constituído por todos os membros titulares e suplentes, conhecerá das matérias submetidas à apreciação do Colegiado. Fonte:< http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJDE2A290DITEMID22A038F083C74065BE2C4370CD215969PTBRIE.htm>
[56] CONSELHO NACIONAL DE POLÍTICA CRIMINAL E PENITENCIÁRIA. PARECER–RDD. p. 23. Disponível em:
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[57] STJ, HC 44.049/SP, DJ 19.12.2007
[58] CARVALHO, Salo de; FREIRE, Christiane Russomano. O Regime Disciplinar Diferenciado: Notas e Críticas à Reforma do Sistema Punitivo Brasileiro. Disponível em: <http://www.defensoria.sp.gov.br/dpesp/Repositorio/30/Documentos/273.pdf>. Acesso em: 27 de maio de 2013.
[59] GOMES, Luís Flávio, MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Direito Penal: Comentários à Convenção Americana sobre Direitos Humanos: Pacto de São José da Costa Rica. Vol. 4. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p.37.
[60] AVENA, Norberto. PÂNCARO, Cláudio. Processo Penal: esquematizado / Norberto Avena – 5ª ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2013. Pag. 192.
[61] Tribunal de Justiça. Habeas Corpus nº 978.305.3/0-00. Relator: Desembargador Borges Pereira. Decisão unânime. São Paulo, 15.08.2006. Disponível em: www.tj.sp.gov.br .Acesso em 22 de agosto de 2013.
Acadêmica do Curso de Direito da UNIVEL - Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas de Cascavel.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MARIANA DE ARANTES NóBREGA, . A Dignidade da Pessoa Humana e o Regime Disciplinar Diferenciado - RDD Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 fev 2014, 06:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38394/a-dignidade-da-pessoa-humana-e-o-regime-disciplinar-diferenciado-rdd. Acesso em: 23 dez 2024.
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