RESUMO: Objetiva-se pela presente pesquisa apresentar aspectos relacionados à homossexualidade e a exclusão social propagada contra os homossexuais principalmente pelas massas religiosas cristãs no Estado brasileiro diante de recentes polêmicas disseminadas pelo país no que toque à matéria, como o PDL 334/2011, conhecido como “cura gay”, a ascensão políticas de lideres religiosos declaradamente contra a conduta homossexual, o reconhecimento pelo Poder Judiciário do casamento civil igualitário entre pessoas do mesmo sexo e a propagação simultânea de manifestações, passeatas e protestos pelo país aonde ambos os grupos vem erguendo suas bandeiras. Por fim, apresentar aspectos científicos e políticos desse conflito instaurado usando como fontes de pesquisa as notícias, manchetes e propagandas veiculadas na mídia digital.
PALAVRAS CHAVES: homossexualidade, religiosidade, exclusão social.
HOMOSSEXUALITY AND RELIGIOSITY: A STUDY ABOUT THE FRICTION BETWEEN GAY MINORITY AND MAJORITIES RELIGIONS IN LIGHT OF THE NEW RIGHTS OBTAINED
ABSTRACT: The purpose of this research is to present aspects related to homosexuality and social exclusion against homosexuals propagated mostly by Christian religious bodies in the Brazilian state in light of recent controversies spread across the country in touch to matter, as the PDL 334/2011, known as "cure gay, "the rise of religious leaders reportedly policy against homosexual conduct, recognition by the judiciary of equal civil marriage between same-sex and simultaneous propagation of demonstrations, rallies and protests across the country where both groups is raising their flags. Finally, presenting scientific and political aspects of the conflict initiated using the query as a source of news, headlines and commercials aired in digital media.
KEYWORDS: homossexuality, religiosity, social exclusion.
SUMÁRIO: 1. Historicidade: da sodomia à homossexualidade. 2. Direitos e políticas públicas inclusivas e a padronização da sexualidade. 3. As religiões como atores de fomento à exclusão social e à padronização da sexualidade. 4. Em tom de conclusão: religião e estado como entidades insociáveis.
1 HISTORICIDADE: DA SODOMIA À HOMOSSEXUALIDADE
Historicamente a homossexualidade é compreendida como sendo a mera prática de sexo entre indivíduos do mesmo sexo. O termo significa literalmente “sexo entre iguais”, do grego “homos” que significa “igual” e do latim “sexu” que quer dizer “sexo”.
“Homossexualismo, termo cunhado somente em 1860” (BONFIM, 2011, p. 77-78), “por um médico húngaro” (MARTOS, 1998, p.7) que apesar de sua conotação clinica inicial passou a ser o significado da realidade de indivíduos (humanos ou não) que tinham-na como atributo, característica ou qualidade, sendo um comportamento muito comum nos animais, principalmente nos mamíferos, que sentem atração física, estética ou emocional por um indivíduo do mesmo sexo.
Importante esclarecermos que o homossexualismo era tido pela Medicina como doença. Entretanto, a partir de 1985, o Conselho Federal de Medicina não mais considerou o homossexualismo como um desvio ou transtorno sexual e, com isso, o sufixo “ismo” que designa doença foi substituído pelo sufixo “dade” que significa modo de ser.
Bonfim (2011, p. 78) ainda nos informa que na Europa a homossexualidade fora tolerada, ou melhor, amplamente difundida, tanto na Grécia quanto no Império Romano, ocorre que, em algum momento da história ouve tipificação da expressão homossexual como sendo crime e isso se irradiou para o Direito Romano.
Ao continuar explanando sobre o tema, o autor acaba revelando que com o declínio do Império e sua divisão em diversos reinos bárbaros houve uma nova onda de tolerância para com a homossexualidade, situação que somente se modificaria no século XIII com a influência da Igreja Católica, sendo o III Concílio de Latrão, de 1179, o primeiro concílio ecumênico a condenar a homossexualidade, instituindo que qualquer um que fosse flagrado cometendo incontinência conta a natureza deveria ser punido, sendo que o grau da pena aplicada dependeria da qualidade do infrator, se clérigo ou leigo. A perseguição, portanto, se acentuou no decorrer da Idade Média, especialmente na era da Inquisição, que tinha como objetivo o ataque aos homossexuais, judeus, muçulmanos, hereges e quaisquer outras pessoas que não espelhassem a pregação e as regras impostas pelo poder político-religioso.
O poder e influência das religiões monoteístas, diga-se o islamismo, judaísmo e cristianismo em especial este ultimo acaba por ainda mais dificultar a instauração de uma ordem de tolerância à condição homossexual.
Na época das Grandes Navegações, Estado e Igreja eram entidades praticamente fundidas, indissociáveis em poder e riquezas, o que levou os reflexos da intolerância também às colônias. Praticamente todas as metrópoles instituíram suas leis antissodomia (sodomia era o termo utilizado para caracterizar a homossexualidade nesse período) nos domínios levando à criminalização com pena de morte da prática homossexual inclusive no Brasil. Ainda ensina BONFIM (2011, p. 78) que:
As Ordenações Afonsinas (1446), por exemplo, criminalizavam a homossexualidade no Livro Quinto, Título XVII, intitulado “dos que cometem pecado de Sodomia”, com nítida conotação de “pecado religioso” ao crime, expondo que “sobre todos os pecados bem parece ser mais torpe, sujo, e desonesto o pecado da Sodomia”, asseverando que não há outro que aborreça sobremaneira Deus e o mundo, por ser ofensa ao Criador e a toda natureza criada, tanto a celestial como a humana, para ao final estabelecer: “E porque segundo a qualidade do pecado, assim deve gravemente ser punido: porém Mandamos, e pomos por Lei geral, que todo homem, que tal pecado fizer, por qualquer guisa que ser possa, seja queimado, e feito por fogo em pó, por tal que já nunca de seu corpo e sepultura possa ser ouvida memória”.
A criminalização da dita sodomia percorreu ainda muito da história do Brasil, sendo percebida também nas Ordenações Manuelinas de 1521, que em seu Livro V, Título XII, condenavam à fogueira os sodomitas confiscando a totalidade de seus bens em favor da Coroa independentemente da existência de herdeiros, pois, nas Ordenações de Dom Manuel também estavam previstas a inabilidade e a infâmia dos ascendentes e descendentes do condenado.
Sua majestade Dom Manuel foi além, visto que àqueles que informassem qualquer prática homossexual caberia um terço dos bens confiscados do condenado e, este não possuindo bens a Coroa assegurava ao delator uma quantia de cinquenta cruzados após a prisão do homossexual. Do contrário, se aquele que tivesse o conhecimento de práticas homossexuais e não delatasse à Coroa perderia toda a sua propriedade e seria desmoralizado por toda a vida nos domínios de Portugal.
Aquele que por sua vez soubesse de alguém que deixou de delatar homossexuais e informasse à Coroa receberia um terço dos bens do acusado pela omissão ou vinte cruzados se dele nada pudesse ser confiscado.
Algo que chama atenção nas Ordenações Manuelinas é que na alínea 4 da supracitada regra estava prevista a condenação à fogueira pela prática de sexo com animais (zoofilia), porém, não havia confisco de bens, nem a declaração de inabilidade e infâmia no reino dos ascendentes ou descendentes do condenado, ou seja, praticar sexo com animais era crime menos ofensivo à moral que praticar sexo com pessoas do mesmo sexo.
A mesma regra pode ser verificada nas Ordenações Filipinas de 1603 com o diferencial de que o indivíduo homossexual condenado não tinha direito de antes da fogueira ser estrangulado como era previsto nas Ordenações anteriores, era queimado vivo.
Apenas em 1830 a homossexualidade deixou de ser considerado crime no território Brasileiro, visto que o Código Criminal de 1830 não tipificou a conduta sodomita como tal.
Na contemporaneidade a homossexualidade é considerada mera condição humana, ideia defendida por uma vastidão de autores como, por exemplo, MARTOS (1998, p.9), no entanto, o preconceito contra homossexuais estabelecido é verdadeiro problema social nascido das ideias de uma classe dominante.
2. DIREITOS, POLÍTICAS PÚBLICAS INCLUSIVAS E A PADRONIZAÇÃO DA SEXUALIDADE
Em sede de direitos insta salientar que a Constituição Federal de 1988, não por acaso conhecida como a Constituição Cidadã tem como um de seus objetivos primordiais em seu artigo 3º, III reduzir as desigualdades sociais e regionais.
Faz-se sumamente importante realçar outros ideais principiológicos da Constituição Federal, dentre eles, os princípios da igualdade ou isonomia, legalidade, liberdade e principalmente o princípio da dignidade da pessoa humana.
A Constituição em ser artigo 3º, inciso IV determina que constituam objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: “[...] promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de descriminação”.
O preconceito homofóbico é algo verdadeiramente velado em função da estrutura do sistema contemporâneo vertical de sociedade, tanto a existência de hierarquias, quanto a realidade socioeconômica do povo brasileiro contribuem ainda mais para a manutenção desse sistema de “preconceito no escuro”.
Assim o é também com as piadas, as chacotas e as brincadeiras revestidas de preconceito. O gay (ou “veado”) frequentemente é o sujeito principal desse tipo de diversão, ainda que de forma inconsciente ou até mesmo inocente o preconceito contra homossexuais sempre se faz presente.
Novamente é importante ressaltar os direitos civis e constitucionais assegurados à população homossexual, desde o direito básico a igualdade até mesmo o atualmente muito debatido direito à diversidade e o já não tão recente direito à diferença.
Assim, cumpre informar primeiramente que tais direitos, muito debatidos nos últimos tempos por sinal, são aqueles que asseguram ao indivíduo diverso ou diferente a manutenção de sua diferença sem os incômodos de qualquer manifestação ou fenômeno social excludente. São assegurados por intermédio de políticas públicas, que promovem a inserção social, a erradicação do preconceito e a diminuição dos índices negativos relativos às minorias.
Vale ressaltar que tais direitos nascem no seio do que se chama de Sexualidade Padronizada. Nesse sentido, RIOS (2004, p.35) leciona que a medida que determinada orientação sexual é colocada como padrão, um modelo a ser seguido, no caso o heterossexualismo, tanto do ponto de vista legal quanto das práticas sociais e culturais, todas as demais manifestações sexuais se subordinam a ela, independentemente de serem àquelas vistas como meras práticas sexuais, como o sadomasoquismo até as tidas como identidades sexuais, com é o caso do homossexualismo. É o que se pode chamar de heteronormatividade.
O autor vai além e afirma que tal situação leva às violações de direitos humanos, levando a cabo situações como internações compulsórias de adolescentes, expulsões de casa e até crimes de violência física, como é o caso dos espancamentos.
Pode-se elencar também as violações a direitos e liberdades fundamentais como, por exemplo, o direto à vida, liberdade de ir e vir (quando um homossexual se vê intimidado de frequentar espaços públicos, por exemplo), bem como, direito de constituição formal de associações e até mesmo o direito à liberdade de expressão, que na visão do autor não se resume apenas às ideias políticas ou divisões de mundo, mas também a livre expressão da sexualidade e da afetividade em locais públicos.
O gozo desses direitos implica no gozo da cidadania, mas, como bem exemplificado foi por Roger Raupp Rios, certas vezes outras leis que não são as positivadas nos códigos jurídicos se impõem às minorias, pode-se dizer, que são as leis da maioria ou numa referência ao primitivismo humano simplesmente as leis dos mais fortes.
Nesse sentido instaura-se uma dicotomia de valores e ideologias, que, do ponto de vista sociológico, jurídico e antropológico significa dizer que há uma espécie de estereotipação do “homem certo”, desejável, o heterossexual, o rico, o branco, etc., bem como, uma estereotipação do “homem errado”, indesejável, o homossexual, o pobre, o negro. As leis, no entanto, asseguram a igualdade à todos, mas, de fato, seria prudente afirmar que há igualdade plena nessa questão?
Infelizmente, ainda, muitas pessoas, desde crianças a idosos são incisivamente conservadoras em seu íntimo e reforçam diariamente os papéis convencionais de gênero chegando a aplicar sanções morais e até mesmo físicas àqueles que se “desviam” das convenções, acredita-se que isso seja decorrência da educação cristã instituída no Brasil ainda muito semelhante aos moldes medievas europeus.
3. AS RELIGIÕES COMO ATORES DE FOMENTO À EXCLUSÃO SOCIAL E À PADRONIZAÇÃO DA SEXUALIDADE
Uma discussão sobre sexualidade não pode ser realizada sem a abordagem de temáticas religiosas, pois, como bem se sabe as religiões em geral (salvo algumas exceções) condenam veementemente o comportamento sexual atípico, ou seja, o comportamento que foge da padronização sexual imposta muitas vezes pelos próprios dogmas religiosos.
É importante ressaltar que essa aversão a outros tipos de comportamento sexual não atinge somente o comportamento homossexual, mas sim, inúmeras formas de manifestação da sexualidade humana que fogem do convencional, inclusive práticas perfeitamente possíveis na heterossexualidade, como o sexo anal por exemplo. Na verdade, é condenável por boa parte das religiões, com especial destaque pelas religiões cristãs o sexo que não seja para fins de procriação, condenando-se, consequentemente, o sexo praticado apenas pela obtenção de prazer, instituindo a padronização da sexualidade.
Mas naquilo que tanja a homossexualidade, explicitado está em Levítico 18:22 que “não te deitarás com homem, como se fosse mulher; é uma abominação”. Ainda em Levítico 20:13 verifica-se uma perigosa colocação bíblica, onde se condena à pena capital aquele que praticar atos homossexuais, in verbis: “se um homem se deitar com outro homem, como se faz com uma mulher; ambos terão praticado uma abominação; certamente serão mortos, e o seu sangue recairá sobre eles”.
Em Romanos 1:21-31 também é possível ver-se a condenação à morte aos indivíduos que se aventuram na sexualidade que a bíblia denomina de “não natural”, in verbis:
Porquanto, conhecendo a Deus, não o glorificaram como a Deus, nem deram graças, antes se enfatuaram nas suas especulações, e ficou em trevas o seu coração insensato. Dizendo-se sábios, tornaram-se estultos, e deixaram a glória do Deus incorruptível por uma semelhança de figura de homem corruptível, de aves, quadrúpedes e de répteis. Por isso os entregou Deus, nos desejos impuros dos seus corações, à imundícia, a fim de serem os seus corpos desonrados entre si; os quais trocaram a verdade de Deus pela mentira, e adoraram e serviram a criatura antes que o Criador, que é bendito para sempre. Amém. Por isso os entregou Deus a paixões vis; pois as suas mulheres mudaram o uso natural pelo que é contra a natureza.
Do mesmo modo também os homens, deixando o uso natural da mulher, inflamaram-se em sua concupiscência uns para com os outros, cometendo homens com homens a torpeza, e recebendo em si mesmos a devida recompensa do seu desvario. Assim como eles rejeitaram a Deus, tendo dele pleno conhecimento, ele os entregou a um sentimento reprovado, para fazerem estas coisas que não convêm,
cheios de toda a injustiça, malícia, avareza e maldade; cheios de inveja, homicídio, contenda, dolo e malignidade; detratores,
difamadores, aborrecíveis a Deus, insolentes, soberbos, presunçosos, inventores de males, desobedientes aos pais, insensatos, pérfidos, sem afeição natural e sem misericórdia. Eles, conhecendo bem o decreto de Deus, que são dignos de morte, os que tais coisas praticam, não somente as fazem, mas também consentem aos que as praticam.
Finalmente, no Primeiro Livro dos Coríntios traz-se a seguinte colocação:
Acaso não sabeis que os injustos não herdarão o reino de Deus? Não vos enganeis; nem fornicários, nem idólatras, nem adúlteros, nem efeminados, nem sodomitas, nem ladrões, nem avarentos, nem bêbados, nem maldizentes, nem roubadores herdarão o reino de Deus.
Diante dessas quatro passagens da Bíblia, que por sinal, não são as únicas que mencionam a homossexualidade ou a sodomia como era o termo cunhado à época, pode-se afirmar claramente que ser homossexual não é algo apenas reprovável é, pois sim, algo condenável, apenável, trata-se de conduta sob o olhar bíblico verdadeiramente criminoso cujo destino reservado aos seus praticantes não era outro senão a morte.
Porém, antes de aprofundar-se em um assunto tão discutível (para não se dizer polêmico) é importante disseminar-se a seguinte colocação: como se verifica na mídia mais recente, passeatas e protestos vêm sendo realizados por diversos grupos, dentre eles homossexuais e cristãos em sua vertente evangélica principalmente; homossexuais em defesa dos seus direitos e os religiosos em defesa de seus dogmas.
Talvez o mais novo e mais surpreendente fato que mereça ser aqui descrito é a aprovação pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal do Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 234/2011, apelidado de “cura gay”, cujo intuito é derrubar resoluções do Conselho Federal de Psicologia que proíbem os psicólogos de oferecerem “tratamento” à homossexualidade.
Em resposta a tal projeto, na recente onda de protestos que abalaram todo o país nos últimos meses, em especial em Junho de 2013, uma das reinvindicações mais difundidas era a não aprovação da “cura gay” pelo Congresso Nacional. Observe-se algumas manchetes jornalísticas: “Protesto contra a ‘cura gay’, Feliciano e ato médico reúne 4 mil em São Paulo[1]”, “Marcados novos protestos em pelo menos 60 cidades nesta sexta; SP tem ato contra ‘cura gay’[2]”, “Em paz, protesto contra ‘cura gay’ mobiliza ativistas e psicólogos em São Paulo[3]”, “Novos protestos miram ‘cura gay’ e PEC 37[4]”.
No outro polo dessa onda estão as grandes demonstrações públicas de condenação à homossexualidade feitas pelos líderes nacionais das maiores organizações evangélicas do país, bem como, de políticos, em especial deputados federais membros da chamada “Bancada Evangélica” que agrega principalmente pastores no Congresso Nacional.
Dentre tais políticos, destacam-se o Deputado Federal Pastor Marcos Feliciano, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal que aprovou e pôs em votação o tão polemico PDL da “cura gay” e o Deputado Federal Pastor Silas Malafaia que publicamente condena a homossexualidade e defende formas de curar o que o mesmo chama de “doença”.
Ainda na contramão das manifestações em defesa dos direitos homossexuais e contra a “cura gay” estão as grandes “Marchas para Jesus” promovidas pelas frentes evangélicas, onde, em seus sermões são disparadas palavras de repúdio e abominação ás condutas homossexuais. Novamente confira-se algumas manchetes: “Marcha para Jesus reúne 40 mil e Malafaia dispara contra gays[5]”, “Marcha para Jesus atrai 2 milhões em SP, diz organização[6]” “Malafaia ataca união homossexual e causa reação nas redes sociais[7]”.
Nessa perspectiva, como desfecho do PDL 234/11 (cura gay) a Câmara dos Deputados adiantou a votação da mesma anunciando de antemão na pessoa de seu Presidente que o projeto não seria aprovado em respeito ao clamor social protagonizado nas manifestações de junho intituladas por alguns como “Revolta do Vinagre”. Frente à ausência de apoio os autores do projeto retiraram-no da pauta de votação da Câmara e pediram seu arquivamento.
Possível é, portanto, vislumbrar-se na contemporaneidade brasileira a instalação de uma dicotomia ideológica verdadeiramente preocupante, a religiosidade e a homossexualidade como sendo arqui-inimigas letíferas. Tal constatação se dá pelo fato de que nos dias atuais os direitos homossexuais vêm cada vez mais sendo discutidos e tendo maior visibilidade social, na mesma onda pega carona as doutrinas cristãs majoritárias no Brasil que apontam a homossexualidade como ameaça à família e o reconhecimento de seus direitos como ameaça às liberdades de expressão e religiosa.
Insta salientar que, diante de tamanhas ponderações não é de se surpreender que a sociedade brasileira seja tão avessa à homossexualidade, pois, conforme dados do IBGE[8] (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) no ano de dois mil e doze 86,8% dos brasileiros se autodeclaram cristãos, sendo que 64,6% na vertente católica e 22,2% na vertente evangélica. Segundo apontamentos do Senso de 2010, “em números absolutos somam-se aproximadamente 124 milhões de católicos e 43 milhões de evangélicos”. Ou seja, são 167 milhões de cristãos num universo de pouco mais de 200 milhões de pessoas.
Frente a isso é perfeitamente plausível observar que há historicamente conforme abordado nos preâmbulos dessa obra uma cultura de condenação à homossexualidade e que tal cultura se perdura no tempo. Cabe questionar-se o porquê desse conservadorismo e dessa repulsa.
Para explicar tal fenômeno há de se emprestar da matéria da revista Veja online onde sob a consulta de especialistas, analisou o fato em comento, in verbis:
[...] Se em 1970 havia 91,8% de brasileiros católicos, em 2010 essa fatia passou para 64,6%. Quem mais cresce são os evangélicos, que, nesses quarenta anos saltaram de 5,2% da população para 22,2%. O aumento desse segmento foi puxado pelos pentecostais, que se disseminaram pelo país na esteira das migrações internas. A população que se deslocou era, sobretudo, de pobres que se instalaram nas periferias das regiões metropolitanas. Nesses locais, os evangélicos construíram igrejas no vácuo da estrutura católica. “Houve uma mudança na distribuição espacial das pessoas. A Igreja Católica é como um transatlântico, que demora muito para mudar um pouquinho a rota, devido ao tamanho de sua estrutura burocrática. Já os evangélicos são como pequenas embarcações”, explica Cesar Romero Jacob, cientista político da PUC-Rio. A analogia apresentada por Jacob se aplica com perfeição à comparação entre o tempo e o custo para se ordenar um padre e o período de formação de um pastor, algo que ocorre em menos de três meses. “Não existe espaço vazio”, resume. Nas periferias, na ausência do estado e da Igreja Católica, os pentecostais atuaram como guias espirituais e como figuras centrais do assistencialismo. “As evangélicas pegaram fieis onde a Igreja Católica não tinha se preparado para arregimentar a nova população, e adaptaram a mensagem para diversos públicos”, diz Eustáquio Diniz.
Em análise ao trecho citado verifica-se que as igrejas evangélicas se assentaram em locais, cujo, a Igreja Católica não teve maior acesso com toda a grandeza de sua estrutura, isto é, nas entrelinhas sociais; lugares de população marginalizada, de baixa renda, de pouco estudo, sem maiores perspectivas em relação ao governo ou até mesmo por ele esquecida.
Nesse contexto, é amplamente sabido que os fenômenos de violência são constantes, as drogas e o álcool são muito presentes, assim como, a prostituição. Chegam assim os pastores, atuando como “guias”, pessoas instruídas e armadas com a “palavra de Deus” trazendo esperança aos então periféricos.
Nos anos 90, época de expansão da favelização, a mãe não queria a desestruturação da sua família, o que a Assembleia não deixa”, explica Jacob, lembrando-se da proibição, por exemplo, de bebidas alcoólicas e de roupas femininas mais insinuantes. A favelização e a ocupação das periferias são resultado da migração dos anos 80 e 90, que deixou de ser motivada pela possibilidade de ascensão social e passou a acontecer pela expulsão das pessoas do campo, em sua maioria pobres. As correntes pentecostais acompanharam esses deslocamentos e, ainda na década de 90, entraram maciçamente na política.
O moralismo pregado pela vertente pentecostal leva aos fiéis entenderem que a igreja seria uma espécie de segunda casa, onde o pastor teria a qualidade de um pai, guiando toda a comunidade como se de fato uma grande família fosse. É uma visível busca de refúgio, de ajuda, de alguém que possa falar por todos, remetendo bem à etimologia da palavra “pastor” que significa “guardador de rebanho”.
Aos poucos a política foi se tornando uma das formas de crescimento das igrejas evangélicas, dando maior visibilidade aos seus membros expoentes, bem como, difundindo seus dogmas e suas premissas.
A política se tornou um instrumento de crescimento da própria igreja pentecostal ou do pastor. “É uma população com baixa renda e escolaridade. Entre pessoas independentes economicamente e bem formadas fica mais difícil o voto de cabresto”, afirma Jacob [...]
Com uma visão praticamente unificada, a população evangélica brasileira sempre foi e ainda é guiada pelos seus pastores, tendo-os como referência moral. Sob essa ótica o voto é uma confirmação de sua fé, afinal, se aquele pastor faz o bem para sua igreja certamente o fará também para a nação.
O evangélico (em especial o pentecostal) é crente de que tem por obrigação assegurar a salvação ao maior número de pessoas possível, ainda que essas pessoas a dispensem, pois, se o fazem é porque não possuem a consciência de que estão equivocadas, afinal, segundo a Declaração das Verdades Fundamentais das Assembleias de Deus a salvação do homem só é possível pela fé no Nosso Senhor Jesus Cristo e na sua palavra.
Toda essa reflexão se faz útil para poder visualizar a dimensão e o universo onde está emergida a aversão à homossexualidade. No fim das contas, por tudo que foi esmiuçado se vê claramente que não se está diante de um fenômeno de exclusão social clássico nos moldes de Lenoir dispensado aos homossexuais pela massa cristã, afinal, não se quer os homossexuais à margem da religiosidade, ao contrário, quer-se inseridos nela, desde que abram mão de sua homossexualidade em troca da salvação.
Esse discurso em maior ou menor grau é proferido por quase todas as religiões cristãs, a exceção mais exponencial, no entanto, é a Igreja Anglicana que não só tolera a homossexualidade como até celebra o casamento religioso entre homossexuais.
Ocorre que diante desse fenômeno surge uma questão verdadeiramente problemática, os direitos fundamentais assegurados às diversidades versus o fundamentalismo religioso.
4. EM TOM DE CONCLUSÃO: RELIGIÃO E ESTADO COMO ENTIDADES INSOCIÁVEIS
Diante do apresentado, percebe-se que existe uma grande massa de minorias, dentre elas os homossexuais e uma grande massa religiosa, liderada por pastores; a primeira em plena luta plena equiparação de seus direitos, dos quais, a mais recente vitória foi o reconhecimento do casamento civil homoafetivo pelo Supremo Tribunal Federal; a segunda, no entanto, embasada em seus dogmas e doutrinas vê o reconhecimento dos direitos da primeira como ameaça aos seus próprios dogmas por um lado, e por outro, veem-na como massa de pessoas que precisam ter contato com a palavra de Deus e a consequente salvação.
Isso somado à veemente ascensão política dos líderes evangélicos e suas recentes comportamentos conduzem a uma equação bastante simples, onde religiosidade cega somada à política instaura um resultado típico de nações do Oriente Médio e norte da África, o fundamentalismo religioso.
Abelardo e Guilherme de Ockham (apud CHAUÍ, 2006, p. 133) pontuam muito bem essa questão quando ensinam que é preciso separar verdades de fé e verdades de razão, admitindo a existência de um saber próprio da fé e outro próprio da razão, que não se contradizem, não porque a verdade não contradiz a verdade, mas porque nada têm em comum, não havendo, portanto, relação alguma entre fé e razão.
Essa é uma premissa trazida para o Estado brasileiro, quando se proclamou laico na Constituição Federal de 1998. Apesar de pequena em tamanho a expressão “laico” é gigante em importância, pois, sem ela não haveria possibilidade de o Brasil, um verdadeiro caldeirão de diversidades, existir como democracia.
Traduz-se a colocação constitucional da seguinte forma: “o Estado não possui religião, mas todos tem o direito de professar aquela que bem entender, inclusive, de não professar nenhuma”. Esse ponto, precisa ser melhor esclarecido às massas, afim de se ver uma democracia plena e os direitos de todos assegurados.
A conquista dos direitos dos homossexuais em nada ameaça os direitos de liberdade religiosa, apenas coroam os preceitos fundamentais da Constituição Cidadã que são a liberdade, a igualdade e dignidade da pessoa humana. Percebe-se, por conseguinte que tal argumento é verdadeira manobra para não perder em volume os fiéis cristãos.
CHAUÍ (2006, p. 132) nesse sentido leciona que cada religião só pode ver a ciência e as outras religiões pelo prisma da rivalidade da recíproca exclusão, uma oposição não tem como exprimir-se num espaço público democrático, pois, não pode haver o debate, confronto e transformação recíproca em religiões cuja verdade é revelada por uma divindade, e cujos preceitos são, portanto, dogmas, monolíticos e absolutos, onde a saída é fazer daquilo que é diferente o Outro, o Demônio, o Falso, o Mal.
Dessa forma não seria admissível que por conta de questões meramente religiosas, ou seja, nem aquém nem além do Estado, mas sim, paralelamente a este, que populações inteiras devam padecer por séculos sem verem seus direitos assegurados, ora, são questões que em tese não tem qualquer correlação, porém, essa visão não é compartilhada com as grandes massas nacionais.
O povo necessita desvencilhar-se de seus dogmas ao falar de direitos ou de moral, enxergar esses pontos de um olhar apenas humano e não religioso. Já o Estado não pode se prender a essas pequenas discussões por ser um organismo plúrimo, diverso. Nessa ótica, as religiões são elementos da sociedade e não do Estado e a partir do momento em que não for mais assim estar-se-á diante não só de fenômenos fundamentalistas, mas também, da instauração de uma verdadeira teocracia, algo literalmente inadmitido pela Constituição Federal de 1988.
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[1] Disponível em < http://noticias.terra.com.br/brasil/cidades/protesto-contra-cura-gay-feliciano-e-ato-medico-reune-4-mil-em-sp,c6f66b131c96f310VgnVCM20000099cceb0aRCRD.html> Acesso em: 27/08/2013.
[2] Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2013/06/21/marcados-novos-protestos-em-pelo-menos-60-cidades-nesta-sexta-sp-tem-ato-contra-cura-gay.htm> Acesso em: 27/08/2013.
[3] Disponível em: <http://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2013/06/em-paz-protesto-contra-cura-gay-mobiliza-ativistas-e-psicologos-em-sao-paulo-575.html> Acesso em: 27/08/2013.
[4] Disponível em: <http://gazetadigital.com.br/conteudo/show/secao/4/materia/383048> Acesso em: 27/08/2013.
[5] Disponível em: < http://www.campograndenews.com.br/cidades/capital/marcha-para-jesus-reune-40-mil-e-malafaia-dispara-contra-gays> Acesso em: 31/08/2013
[6] Disponível em: < http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2013/06/marcha-para-jesus-atrai-2-milhoes-diz-organizacao.html> Acesso em: 31/08/2013.
[7] Disponível em: < http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/malafaia-ataca-uniao-homossexual-e-gera-reacao-nas-redes-sociais> Acesso em: 31/08/2013.
[8] Disponível em < http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/o-ibge-e-a-religiao-%E2%80%93-cristaos-sao-868-do-brasil-catolicos-caem-para-646-evangelicos-ja-sao-222/> Acesso em: 31/08/2013.
Advogado, Mestrando em Desenvolvimento Local pela Universidade Católica Dom Bosco, Especialista em Psicologia Jurídica pelo Centro Universitário Leonardo da Vinci, pesquisador nas áreas de Direitos Humanos, Sociologia Jurídica, Psicologia Jurídica e Desenvolvimento Local.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LIMA, Antonio Henrique Maia. Homossexualidade e religiosidade: um estudo sobre o atrito entre a minoria homossexual e as religiões majoritárias face aos novos direitos conquistados Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 fev 2014, 06:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38395/homossexualidade-e-religiosidade-um-estudo-sobre-o-atrito-entre-a-minoria-homossexual-e-as-religioes-majoritarias-face-aos-novos-direitos-conquistados. Acesso em: 23 dez 2024.
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