Segundo Washington de Barros Monteiro, domicílio “é a sede jurídica da pessoa, onde ela se presume presente para efeitos de direito e onde exerce ou pratica, habitualmente, seus atos e negócios jurídicos”[1]. É a referência espacial das relações jurídicas da pessoa. Tomando por ponto de partida esta premissa com relação às pessoas naturais, domicílio é o lugar onde a pessoa física estabelece sua residência com âmbito definitivo, convertendo-o em centro da sua vida jurídica. “O domicílio é a sede jurídica da pessoa”[2]. É o que se extrai do art. 70 do Código Civil: "domicílio da pessoa natural é o lugar onde ela estabelece a sua residência com ânimo definitivo".
Com muita freqüência mencionam-se, relativamente às pessoas naturais, os conceitos de morada, residência e domicílio.
As expressões residência e morada, embora correlacionadas, não se confunde com domicílio. Morada se apresenta como sendo o lugar onde o indivíduo se estabelece em caráter provisório, temporariamente. Residência nada mais é que o local que a pessoa natural se fixa com habitualidade, permanentemente. A noção de domicílio é mais ampla, compreendendo o de residência. No domicílio, a pessoa se instala de modo definitivo, reputando-o como núcleo de suas relações jurídicas.
Para divisar essas noções “pode-se imaginá-las numa escala crescente: a morada não implica idéia de permanência, a residência implica e o domicílio pressupõe a permanência com animo definitivo”[3]. Cumpre realçar, nesse diapasão, as noções de habitualidade e definitividade. Como dito, a habitualidade está ligada à noção de residência, relacionando-se com a permanência da pessoa no local, mas, sem âmbito definitivo. É exatamente esse elemento anímico, o ânimo definitivo, que diferencia essas noções.
A noção de domicílio refere-se intimamente ao princípio da segurança jurídica, haja vista presumir-se que no lugar apontado como domicílio, poderá ser encontrado e demandado a pessoa.
O art. 7º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei nº 4.657/1942, com a redação dada pela Lei nº 12.376/2010) dispõe que “a lei do país em que domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família”; é também no local do domicílio (o último) onde será aberta a sucessão do falecido (CC, art. 1.785), e, ainda, o local em que a pessoa, ordinariamente, terá de cumprir suas obrigações (CC, art. 327). No campo processual, o domicílio do réu é o foro adequado para, em regra, o ajuizamento das ações que versem sobre direito pessoal e direito real sobre bens móveis (CPC, art. 94).
Quanto às relações concernentes à profissão, é também domicílio da pessoa natural, o lugar onde aquela é exercida. Se a pessoa exercitar profissão em lugares diversos, cada um deles constituirá domicílio para as relações que lhe corresponderem (art. 72, parágrafo único do Código Civil).
No Código Civil de 1916 não havia esta previsão. O antigo diploma estabelecia, sem fazer qualquer distinção, os casos em que a pessoa tivesse diversas residências, onde vivesse alternadamente, daqueles em que utilizasse vários centros de ocupações habituais (art. 32, CC1916). O atual Código Civil agora prevê o domicílio profissional. Segundo Zeno Veloso[4], “a idéia contida no art. 72 é salutar. Embora isto seja mais corriqueiro na Europa, no Brasil, sobretudo nos grandes centros, há muitos profissionais que tem residência e vivem com a família em cidade menor, geralmente mais calma e aprazível, e trabalham na metrópole vizinha”.
Com tal novidade, o atual Código Civil impôs a necessidade de se verificar a finalidade da relação jurídica examinada. “Se ela tiver por propósito o trabalho da pessoa, o lugar do exercício profissional também poderá ser considerado para fins de determinação do domicílio. O raciocínio inverso não é possível; caso a relação em apreço não diga respeito à atividade profissional do indivíduo, só poderão ser levados em conta como possíveis domicílios as localidades onde a pessoa tenha residência”[5].
Quanto às pessoas jurídicas, segundo o magistério de Clóvis Bevilaqua, “não tendo, como as naturais, residência, elemento determinante do domicílio, têm sede, que é o centro de sua atividade dirigente e que deve constar do registro”[6]. O mesmo se diga em relação às pessoas jurídicas de direito público, cujos domicílios são os lugares em que se encontram as sedes dos seus respectivos governos e administrações.
A exigência contida no art. 46, I, do atual Código Civil, realça a necessidade de inscrição da sede da administração e diretoria da pessoa jurídica de direito privado no ato constitutivo, para fins de fixação do seu domicílio. Todavia, o art. 75, IV, ressalta, em relação às pessoas de direito privado, que poderão ser eleitos domicílios especiais diversos daqueles em que funcionem suas respectivas administrações e diretorias. Havendo lacuna sobre o domicílio de eleição, “o domicílio da pessoa jurídica de direito privado é o lugar em que tiver a sede de sua administração”[7], até mesmo para “eliminar casuísmos e dificuldades de estabelecer o domicílio da pessoa jurídica, mormente para fins processuais”[8].
A pessoa jurídica, tal como a pessoa natural, e até com muita mais freqüência - considerando sua dimensão e áreas de atuação - pode ter múltiplos domicílios, desde que tenha, em lugares diferentes, diversos estabelecimentos. Todavia, cada uma dessas localidades será reputada como domicílio para os atos nela praticados (art. 78, §1º, CC). Para fins processuais, o art. 100, IV, “b”, do Código de Processo Civil dispõe que “é competente o foro do lugar em que se acha a agência ou sucursal, quanto às obrigações que ela contraiu”, e a Súmula 363 do STF enuncia que “a pessoa jurídica de direito privado pode ser demandada no domicílio da agência ou estabelecimento que praticou o ato”.
No que concerne às pessoas naturais, há três espécies de domicílio: a) voluntário; b) legal (necessário); e c) de eleição (especial).
O domicílio voluntário é o que decorre do fato da pessoa natural estabelecer, com ânimo definitivo, a sua residência em um determinado lugar, ou seja, decorre de ato volitivo. Se, porém, a pessoa natural tiver várias residências, onde alternadamente viva, será considerado domicílio qualquer delas (art. 71, CC).
Domicílio necessário pode ser originário ou legal. Será originário quando adquirido ao nascer, como ocorre com o recém-nascido que adquire o domicílio dos pais. O domicílio legal é aquele que decorre, como já indica o próprio nome, de imposição da lei. É o lugar onde a lei presume que o indivíduo reside permanentemente. É aquele imposto a determinado grupo de pessoas, cujas hipóteses estão previstas no art. 76 do Código Civil, a saber: a) O domicílio dos absolutamente e relativamente incapazes é o mesmo dos seus representantes ou assistentes; b) O domicílio do servidor público é o local em que exercer, com caráter permanente, as suas funções; c) O domicílio do militar é onde servir ou, sendo da Marinha ou da Aeronáutica, da sede do comando a que se encontrar imediatamente subordinado; d) O domicílio do marítimo é o local em que o navio estiver matriculado; e e) O domicílio do preso é o local em que cumpre a sua pena.
De interesse destacar, neste particular, que o art. 77 do vigente Código Civil estabelece que agente diplomático do Estado brasileiro que, citado no estrangeiro, alegar extraterritorialidade sem designar onde tem, no país, o seu domicílio, poderá ser demandado no Distrito Federal ou no último ponto do território nacional onde o teve (art. 77, CC).
Há, ainda, o domicílio de eleição, ou especial, que é o decorrente do ajuste de vontade entre as partes. Sua previsão encontra arrimo no art. 78 do atual Código Civil, que estatui que “Nos contratos escritos, poderão os contratantes especificar domicílio onde se exercitem e cumpram os direitos e obrigações deles resultantes”.
Assim, diz-se especial pelo fato de apenas e tão somente abarcar aqueles direitos e obrigações resultantes do ajuste celebrado, e não todos os atos praticados pelas partes contratantes.
O servidor público em atividade possui, nesta condição, como domicílio necessário o lugar em que exercer permanentemente suas funções, qual seja, o seu local de sua lotação e exercício, conforme o disposto no art. 76, parágrafo único, do Código Civil, verbis:
“art. 76 Têm domicílio necessário o incapaz, o servidor público, o militar, o marítimo e o preso.
Parágrafo único. O domicílio do incapaz é o do seu representante ou assistente; o do servidor público, o lugar em que exercer permanentemente suas funções; o do militar, onde servir, e, sendo da Marinha ou da Aeronáutica, a sede do comando a que se encontrar imediatamente subordinado; o do marítimo, onde o navio estiver matriculado; e o do preso, o lugar em que cumprir a sentença”. (grifo nosso)
Consoante a lição de Orlando Gomes, toda pessoa tem o direito de escolher seu domicílio livremente, exceto quando a lei o impõe em razão de certas circunstâncias. Destarte, o lugar estatuído para o domicílio de determinadas pessoas configura domicílio necessário, ou legal. A lei o presume de forma absoluta, juris et de jure, não admitindo prova em contrário[9]. É a lei que simplesmente impõe determinado domicílio, por motivo que assim entende conveniente. Em casos de domicílio necessário não há se falar em voluntariedade, muito menos em residência.
Os servidores públicos em atividade têm como domicílio necessário o lugar onde exerce permanentemente suas funções. "Cremos que a função do legislador ao estabelecer o regime domiciliar legal para o funcionário público foi vinculá-lo ao local do desempenho das funções de seu cargo, naquilo que diga respeito ao próprio cargo público (...)"[10].
Como já referido, o Código Civil de 2002, em seu art. 72, trouxe o novel conceito de domicílio profissional, com essencial liame desta modalidade ao exercício da profissão ou função, ao dispor que "é também domicílio da pessoa natural, quanto às relações concernentes à profissão, o lugar onde esta é exercida", conceito esse que se imbrica com o de domicilio necessário do servidor público, nos atos e fatos relativos ao desempenho de suas funções próprias.
Na esteira desta mesma compreensão, vejam-se os excertos jurisprudenciais abaixo, nos quais tal entendimento restou albergado:
EXECUÇÃO FISCAL. NULIDADE DA CITAÇÃO POR EDITAL. DOMICÍLIO NECESSÁRIO. PRESCRIÇÃO. OCORRENTE. A citação por edital, consoante determina o art. 8º da Lei de Execução Fiscal, somente é realizada quando não for possível a citação pelo correio nem por oficial de justiça. Considerando que o servidor público, nos termos do art. 76 do CC, tem domicílio necessário no lugar em que exerce permanentemente suas funções, não é possível admitir a sua citação por edital. Reconhecida a nulidade da citação editalícia e, considerando que apenas a citação, na forma da redação antiga do artigo 174, I, do CTN, aplicável aos feitos ajuizados até 08.06.2005, tinha o condão de interromper o prazo prescricional, prevalecendo sobre o art. 8º, § 2º, da Lei 6.830/80, haja vista o status de lei complementar daquele dispositivo, os créditos em cobrança restaram atingidos pela prescrição. O Fisco dispõe do prazo de cinco anos, contados da data da constituição definitiva do crédito, para promover a ação executiva e citar o devedor. Não observado esse prazo, opera-se a prescrição.
(AC 200471150027458, VILSON DARÓS, TRF4 - PRIMEIRA TURMA, DJE 12/06/2007)
CONSTITUCIONAL - PROCESSO CIVIL - HABEAS DATA - ACESSO À DOCUMENTAÇÃO RELATIVA AO HISTÓRICO FUNCIONAL DO IMPETRANTE - RECUSA DEMONSTRADA - PARCIAL DISPONIBILIZAÇÃO DO ACERVO - CONCESSÃO DA ORDEM. 1. A ação constitucional de habeas data presta-se para esclarecer dados relativos à pessoa do impetrante que estejam arquivados em banco de dados públicos ou de entidades governamentais, bem como para ratificá-los, nos termos do art. 5º, LXXII, a e b, da Carta Magna; ou para a anotação nos assentamentos do interessado, de contestação ou explicação sobre dado verdadeiro, mas justificável e que esteja sob pendência judicial ou amigável, na forma do inciso III do art. 7º, da Lei 9.507. 2. Hipótese em que o impetrante pretende ter acesso às informações constantes dos bancos de dados do Comando da Aeronáutica relativos ao seu histórico funcional, pretensão expressamente rechaçada por ato da administração. 3. Ordem concedida para determinar que, em 15 dias e no domicílio necessário do oficial, sejam disponibilizados todo o conteúdo referente ao histórico funcional do impetrante, sob pena de multa diária de R$ 100,00, com arrimo nos arts. 13 da Lei 9.507/97 e 461 do CPC.
(HD 201201735458, ELIANA CALMON, STJ - PRIMEIRA SEÇÃO, DJE DATA:17/04/2013)
HABEAS CORPUS. ROUBO CIRCUNSTANCIADO (ARTIGO 157, § 2º, INCISOS I E II, DO CÓDIGO PENAL). SENTENÇA CONDENATÓRIA. INTIMAÇÃO PESSOAL INFRUTÍFERA. COMUNICAÇÃO POR EDITAL. TRÂNSITO EM JULGADO. ACUSADO. SERVIDOR PÚBLICO. DOMICÍLIO NECESSÁRIO. MEIOS DE LOCALIZÁ-LO NÃO ESGOTADOS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CARACTERIZADO. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTOS PARA A SEGREGAÇÃO CAUTELAR. ORDEM CONCEDIDA. 1. O acusado que respondeu solto ao processo, ainda que possua defensor constituído, deve ser intimado pessoalmente da condenação, sob pena de nulidade por violação ao princípio da ampla defesa. 2. Sendo de conhecimento do Juízo que o acusado era servidor público estadual, nula é a sua intimação acerca da sentença condenatória realizada via edital quando infrutífera a tentativa de intimá-lo pessoalmente no endereço declinado nos autos, já que era possível localizá-lo no local de exercício das suas funções, mormente por se tratar do seu domicílio necessário, nos termos do artigo 76 do Código Civil. 3. Se a determinação da segregação pelo magistrado de origem é desprovida de fundamentação acerca da sua necessidade, à luz do disposto no artigo 312 do Código de Processo Penal, resta caracterizado o constrangimento ilegal, sanável pela via do habeas corpus. 4. Ordem concedida para anular a certidão de trânsito em julgado e determinar a intimação pessoal do paciente sobre o édito condenatório, com a reabertura do prazo recursal, expedindo-se alvará de soltura em seu favor, se por outro motivo não estiver preso.
(HC 201000311213, JORGE MUSSI, STJ, 5ª TURMA, DJE DATA:30/08/2012)
RECURSO DE RECONSIDERAÇÃO. RESPONSÁVEL REVEL. CITAÇÃO EFETUADA NO DOMICÍLIO NECESSÁRIO DO RESPONSÁVEL. VALIDADE. CONHECIMENTO. DESPPROVIMENTO. 1. a citação, para ser válida, precisa ser entregue no endereço do destinatário, não no endereço residencial do responsável. 2. é plenamente válida a citação entregue no domicílio necessário do responsável, pois está caracterizada a entrega no endereço do destinatário.
(Tribunal de Contas da União, 1ª Câmara, Acórdão TCU 6614/2009, Data 17/11/2009)
Levando-se em conta o entendimento supra, chega-se à firme conclusão de que Servidor Público deve ser sempre demandado, quanto aos fatos concernentes ao desempenho de suas funções, no lugar de seu domicílio necessário, qual seja, sua unidade de exercício e lotação, ao invés do local de sua residência, mormente se tratando de questão respeitante ao próprio cargo público que ocupa e, também, por ser ali o local em que a comunicação melhor propiciará o exercício de seu direito ao contraditório e a ampla defesa, com a utilização de todos os meios e recursos admitidos em direito.
Referências:
[1] MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil, Parte Geral. vol. 1, 31ª ed., São Paulo: Saraiva, 1994.
[2] AMARAL, Francisco. Direito Civil, Introdução, 7ª ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 246.
[3] LEWICKI, Bruno. O domicílio no Código Civil de 2002. In TEPEDINO, Gustavo (coord.). A Parte Geral do Novo Código Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 125.
[4] Zeno Veloso apud LEWICKI, Bruno. Op. cit. , p. 20.
[5] LEWICKI, Bruno. Op. cit., p. 144.
[6] BEVILAQUA, Clovis apud TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil interpretado conforme a Constituição da República. vol. 1, 2ª ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 166.
[7] CARVALHO SANTOS, apud TEPEDINO, Gustavo. Op. cit., p. 167.
[8] VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. vol. 1, 4ª ed., São Paulo: Atlas, 2004, p. 234.
[9] GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil, 18ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 182/183
[10] VENOSA, Silvio de Salvo. Op. cit., pág. 235.
Procurador Federal. Graduado pela Faculdade de Direito do Recife/UFPE. Pós-Graduado em Direito Processual Civil pela Faculdade de Direito do Recife/UFPE .
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VILBERTO DA CUNHA PEIXOTO JúNIOR, . Domicílio necessário do servidor público Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 fev 2014, 06:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38475/domicilio-necessario-do-servidor-publico. Acesso em: 23 dez 2024.
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