1- INTRODUÇÃO
O aumento da violência tem mobilizado a sociedade atual brasileira a avançar para um modelo mais aberto de Justiça Criminal, convertendo uma Política Penal monolítica para um sistema que ofereça resultados mais eficientes, preventivos e mais adequado aos problemas que envolvem a criminalidade. Por outro lado, adotar um Sistema Penal Restaurativo com fundamento no diálogo, na alteridade, na prevenção e no respeito aos Direitos Humanos, onde o direito de punir Estatal não é a prioridade, torna-se bastante discutido e polêmico entre os estudiosos, pois passa pelo desafio de romper paradigmas criminológicos clássicos até então considerados intocáveis.
2- POLÍTICA DE CONTROLE PENAL
Várias correntes se propuseram a solucionar a questão do controle dos conflitos penais, dentre algumas destacam – se:
Sistema Penal Retributivo; segundo esta teoria o Estado deve atuar de maneira severa quanto à criminalidade, e quanto mais enérgica for a atuação do Estado por meio de uma pena-castigo, maior será o controle social, é dizer, atuação máxima do ius puniendi através das tipificações de crimes e cominações de sanções. Essa corrente sempre possuiu muitos adeptos, contudo, atualmente o alemão Günter Jakobs é o seu maior expoente, por ser o criador na década de 80 do pensamento denominado “Direito Penal do Inimigo”. A referida tese reforça e pugna pela eliminação dos Direitos e Garantias Fundamentais do indivíduo, declarando guerra àquele que não é fiel às normas penais, elegendo especificamente os inimigos que estariam sujeitos a legislação de exceção.
As fases do Sistema Penal Retributivo nasceram junto com o Direito Penal, pois na medida em que o ius puniendi foi sendo aplicado a Ciência Criminal passou a ser estudada e moldada as necessidades do direito de punir. A natureza deste sistema é principalmente retribuir por meio de uma sanção penal o mal causado pelo criminoso, em regra, condenando-o e privando-o de sua liberdade. Por outro lado, observa-se que mesmo com a evolução das Escolas Penais no sentido de aplicação de uma pena mais humana, ainda prevalece atualmente o caráter de uma vingança Estatal pelo crime cometido. O Direito Penal é utilizado como prima facie, e não como deveria, ultima ratio. Há uma má utilização do Direito Penal e das sanções por parte do Estado, o poder punitivo é tratado como o único meio de combater a criminalidade e as injustiças sociais. As penas, segundo o modelo atual, possuem um significado de apoderamento sobre os conflitos criminais e impede as partes envolvidas de buscarem resoluções de seus problemas.
Os resultados deste paradigma são desastrosos, quais sejam: segregador, por punir geralmente pessoas de determinada classe social e/ou grupo étnico. Monolítico, por usar unicamente a pena como meio primordial para combater a violência. Financeiramente inviável e moroso, pela aplicação elevada do dinheiro público e lentidão na solução do problema. “[...] os atrasos nos julgamentos não prejudicam apenas as pessoas que não têm um julgamento justo, mas também a possibilidade de se oferecer melhores condições para quem realmente deve cumprir pena; isso porque, se fossem excluídos os presos provisórios, sobrariam vagas em quase metade dos estados brasileiros”. (BRASIL, 2013). Ideologicamente desvirtuado, por transmitir a sociedade uma sensação equivocada de justiça por meio da punição. Vertical, as decisões punitivas dos agentes públicos são impostas de cima para baixo, onde a participação efetiva dos envolvidos é descartada. Monopolista, agrega o valor de que o Estado é o único órgão capaz da pacificação de conflitos penais. Quantitativo, visa somente os números superficiais, enquanto que as reais razões dos eventos criminalizáveis são colocadas em segundo plano. Irracional, imprime o sofrimento a título de uma decisão formal sem resolver o conflito penal. Desvalorativo, trata as partes envolvidas como objeto do sistema e não como seres humanos. Pretérito, está limitado aos fatos ocorridos no passado, sem preocupação alguma com os efeitos futuros. E desumano, por não respeitar os Direitos Fundamentais da vítima, do infrator e da comunidade.
Este método trata a violência com sentimento de violência. Os ofensores são tratados como inimigos de um sistema arcaico e seletivo. Assim sendo, a sociedade clama por um novo paradigma penal que rompa com preceitos tradicionais e aplique métodos de pacificação mais humanos e consistentes.
Sistema Penal Restaurativo; preconiza que o sistema de controle deve sempre respeitar os Direitos e Garantias de todos os cidadãos. A Justiça Restaurativa é um novo modelo de justiça penal construído a partir de uma análise crítica do sistema punitivo contemporâneo. Propõe a construção de uma justiça pautada na ética, na prevenção, no diálogo, no livre-arbítrio e no respeito à autonomia das partes na descoberta de uma solução efetiva. Portanto, o método Restaurativo traria a sociedade um sistema mais justo e humanitário, que seria respeitado desde o evento criminável até a execução da composição do conflito penal. Sendo alicerçado nos ensinamentos de doutrinadores restaurativistas como: Howard Zehr e Elena Highton.
Para construir um novo paradigma brasileiro sobre a composição de conflitos penais no século XXI é de suma necessidade romper com correntes clássicas da penalogia, por isso, que se torna um assunto tão discutido e polêmico. A Justiça Restaurativa traz esse papel, impõe-se como uma alternativa crítica ao modelo penal atual, fundamentado em um paradigma que se opõe fortemente ao método punitivo. Este novo modelo, com traços de pensamentos abolicionistas, questiona criticamente a legitimidade e o estágio de crise do Sistema Retributivo. Insta acentuar, que os restaurativistas não querem exterminar o controle penal, mas sim remodelá-lo na medida em que utilizem o Direito Penal com instrumento de pacificação social mais digno. “A Justiça Restaurativa encara o crime como um mal causado, acima de tudo, a pessoas e comunidades. A ênfase no dano implica considerar antes de mais nada as necessidades da vítima e a importância desta no processo legal”. (SCURO NETO, 2003)
Após intensos debates de proporções mundiais sobre a temática da Justiça Restaurativa, surgiu um instrumento normativo internacional bastante importante, a Resolução n° 2002/12 do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas (ONU), onde estabeleceu os meios e os princípios comuns na utilização de programas de Justiça Restaurativa em matéria criminal, incluindo-se a oportunidade de desenvolver um novo paradigma com fundamento no respeito à dignidade da pessoa humana. Torna-se nítido, portanto, o respaldo mundial que o restaurativismo vem ocupando nas últimas décadas.
A Res. n° 2002/12 da ONU expressa o seguinte em alguns de seus termos:
1. Programa de Justiça Restaurativa significa qualquer programa que use processos restaurativos e objetive atingir resultados restaurativos
2. Processo restaurativo significa qualquer processo no qual a vítima e o ofensor, e, quando apropriado, quaisquer outros indivíduos ou membros da comunidade afetados por um crime, participam ativamente na resolução das questões oriundas do crime, geralmente com a ajuda de um facilitador. Os processos restaurativos podem incluir a mediação, a conciliação, a reunião familiar ou comunitária (conferencing) e círculos decisórios (sentencing circles).
3. Resultado restaurativo significa um acordo construído no processo restaurativo. Resultados restaurativos incluem respostas e programas tais como reparação, restituição e serviço comunitário, objetivando atender as necessidades individuais e coletivas e responsabilidades das partes, bem assim promover a reintegração da vítima e do ofensor.
4. Partes significa a vítima, o ofensor e quaisquer outros indivíduos ou membros da comunidade afetados por um crime que podem estar envolvidos em um processo restaurativo.
5. Facilitador significa uma pessoa cujo papel é facilitar, de maneira justa e imparcial, a participação das pessoas afetadas e envolvidas num processo restaurativo.
As características que norteiam as aplicações restaurativistas são: utilizador da Comunicação Não-Violenta (CNV), trata-se de um método de composição de conflito em que o diálogo e a alteridade são aplicados entre as partes envolvidas. Participatividade, trata-se de uma construção coletiva pelas redes de atendimento das estratégias de promoção de maior participação e responsabilidade compartilhada por todos os afetados. Responsabilizador, quem praticou o ato ofensivo deve assumir a responsabilidade pelo que praticou, compreendendo as consequências para o outro e para si mesmo, das escolhas realizadas. A responsabilidade do ato ofensivo é solidária entre os atores sociais. Reparação-preventiva, os afetados, numa preocupação concomitante de restauração da relação antes dos danos a serem causados, e também, de equacionamento projetivo desta relação para evitar nova emergência do conflito. Reintegração-preventiva, na comunidade daqueles que criaram uma situação de ruptura e dos outros que, afetados por um conflito, se sentiram oprimidos na fluidez de suas relações sociais, evitando-se revitimizações; como também, reintegrar preventivamente, ou seja, a prevenção contra processos de exclusão e de marginalização, através de políticas inclusivas, que evitem estigmatizações e permitam a valorização das pessoas. Transformador, primeiramente das pessoas envolvidas na situação de conflito pelo confronto de interesses, em um segundo plano das instituições que, entre si, participam da implementação de um novo paradigma de ação, articulado e comprometido com o envolvimento participativo de todos; por fim, a transformação cultural da comunidade, com revisão de seus valores e de papéis governamentais na sua relação com a comunidade. Inclusivo, diz respeito as problemáticas sociais que afetam diferentes grupos que seriam inseridos em programas de humanização.
3- CONCLUSÃO
A política penal atual não deve possuir mais o caráter de retribuição, mas de restauração da paz social por um sistema que preserve a essência dos Direitos Humanos.
Com a implantação da Justiça Restaurativa haverá diminuição da judicialização, da morosidade processual e dos custos financeiros públicos.
A Justiça Restaurativa se torna um grande efetivador das políticas públicas na medida em que é garantidor de cidadania e inclusão social.
A sociedade e o ordenamento jurídico brasileiro, por serem essencialmente democráticos, estão abertos para aplicação da Justiça Restaurativa no novo século.
4- REFERÊNCIAS
BRASIL. Por uma Cultura de Direitos Humanos: Direito a um Julgamento Justo. Brasília: Coordenação Geral de Educação em SDH/PR - Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, 2013. Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org/images/0022/002254/225428por.pdf >. Acesso em: 01 fev. 2014.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Declaração Universal dos Direitos Humanos - 1948. Disponível em: <http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm>. Acesso em: 23 jan. 2014.
_____________. Resolução nº 2002/12. Disponível em: <http://www.justica21.org.br/j21.php?id=366&pg=0#.UuOx__tTtH0>. Acesso em: 23 jan. 2014.
SCURO NETO, Pedro. Modelo de Justiça para o Século XXI. Revista da EMARF. Rio de Janeiro, v. 6, 2003. Disponível em: <http://www.academia.edu/2365535/Modelo_de_justica_para_o_seculo_XXI >. Acesso em: 03 fev. 2014.
Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais, Universidad del Museo Social Argentino (UMSA), Buenos Aires - Argentina; Professor de Direito Penal e Direito Processual Penal, Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Paraíba - Brasil
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOARES, Jardel de Freitas. A justiça restaurativa no Brasil: o conflito penal e os direitos humanos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 fev 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38483/a-justica-restaurativa-no-brasil-o-conflito-penal-e-os-direitos-humanos. Acesso em: 23 dez 2024.
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