Dúvida comum na rotina da Administração Pública diz respeito à retirada de autos de processo administrativo da repartição por advogado devidamente constituído pelo administrado interessado, seja para ao exercício do direito de petição ou do contraditório ou ampla defesa em assunto do interesse deste.
Nos termos do Art. 133 da Constituição Federal, o advogado é profissional indispensável à administração da justiça. Outrossim, no inciso LV do Art. 5º da Carta, dedicado ao estabelecimento dos direitos e garantias fundamentais, enuncia-se que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. De modo semelhante, o inciso XXXIV, “a” do mesmo art. 5º da Carta assegura o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder.
Como decorrência desse arcabouço normativo, deve ser assegurado ao causídico a mais ampla publicidade dos atos que possam resultar em lesão ou ameaça de lesão a direito de seu constituinte. Nesse sentido, a lei 9.784, de 29 de janeiro de 1999 – que estabelece normas básicas sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Federal direta e indireta - institui o que se segue:
“Art.3º O administrado tem os seguintes direitos perante a Administração, sem prejuízo de outros que lhe sejam assegurados:
(...)
II - ter ciência da tramitação dos processos administrativos em que tenha a condição de interessado, ter vista dos autos, obter cópias de documentos neles contidos e conhecer as decisões proferidas;
(...)
Art. 46. Os interessados têm direito à vista do processo e a obter certidões ou cópias reprográficas dos dados e documentos que o integram, ressalvados os dados e documentos de terceiros protegidos por sigilo ou pelo direito à privacidade, à honra e à imagem”. (destaques do expositor)
A vista dos autos de que trata o aludido diploma legislativo é exercida, usualmente, por intermédio de mandatário advogado. Quanto à permissão de vista ao procurador, a jurisprudência é remansosa, inclusive registrando que a negativa da Administração constitui ato arbitrário passível de correção por meio do mandado de segurança, como se observa do seguinte precedente ilustrativo emanado do Superior Tribunal de Justiça:
“ADMINISTRATIVO – PROCESSO DISCIPLINAR – VISTA DOS AUTOS AO ADVOGADO – LEI 8.904/94, ESTATUTO DA OAB (art.7º, XV).
1. No curso do prazo para interposição do processo administrativo, o advogado do interessado tem o direito de, necessariamente, ter vista dos autos.
2. Óbice administrativo ou burocrático à consulta dos autos impede a fluência do prazo recursal, sob pena de cerceamento de defesa.
3. Mandado de segurança concedido”
Dúvida ainda exsurge, no entanto, quanto à possibilidade de retirada (tecnicamente conhecida como carga) dos autos administrativos da repartição pelo advogado, procedimento esse por vezes sabidamente essencial à elaboração de defesa ou mesmo de petição administrativa, mormente em se tratando de autos volumosos ou que envolvem questão de alta complexidade. Com efeito, é comum que os servidores das mais diversas repartições públicas, em virtude da falta de uma formação em Direito ou mesmo por dúvida jurídica razoável, negue esse direito, sobretudo no âmbito da Administração Federal, forte na premissa de que o Art. 113 da Lei 8.112/90 supostamente restringe o acesso dos autos à própria repartição, ao enunciar que "para o exercício do direito de petição, é assegurada vista do processo ou documento, na repartição, ao servidor ou a procurador por ele constituído”.
Entretanto, ao que parece, a partir de uma interpretação constitucionalmente adequada do dispositivo em apreço, infere-se que tal regra geral não se aplica ao advogado devidamente constituído, sob pena de lhe obstaculizar a concretização dos direitos fundamentais supracitados.
Ademais, o artigo 7º, XV da Lei 8.906, de 04 de julho de 1994 (Estatuto da OAB), reforça essa conclusão ao enunciar que “são direitos do advogado ter vista dos processos judiciais ou administrativos de qualquer natureza, em cartório ou na repartição competente, ou retirá-los pelos prazos legais.” (destaques nosso). Também nesse sentido, teve a oportunidade de manifestar o Supremo Tribunal Federal:
“O direito a vista dos autos de processo administrativo, assegurado ao advogado (pelo Estatuto), não se restringe às repartições e cartórios."
“EMENTA: - Tribunal de Contas da União. Tomada de contas especial. Mandado de segurança deferido, para reconhecimento do direito do advogado constituído a ter vista dos autos, fora da repartição, com as cautelas de praxe, como facultado pelo art. 7º, XV, da Lei nº 8.906-94 (Estatuto da Advocacia).”
Dessarte, conclui-se que, a menos que se trate o caso de segredo de justiça, ou diante de alguma situação excepcional, tal como a existência de documentos originais carcomidos pelo tempo e de difícil restauração ou ainda de outras circunstâncias que justifiquem a permanência dos autos na repartição em um determinado caso concreto – empecilhos que devem restar formalmente justificados pela Administração - não parece concebível tolher-se o direito de vista dos autos ao advogado fora do recinto da Administração pelo prazo estabelecido em norma ou discricionariamente arbitrado pela autoridade responsável.
Notas:
STJ. MS 11942 (DF). Relatora: Min. Eliana Calmon. DJ de 23.10.2006, p. 236.
MS 22.314. Relator Min. Octávio Gallotti. Julg. 05.09.96 – Tribunal Pleno.
Sobre o tema, é relevante consignar que, a teor do Art. 8º, XIII da Lei 8.906/94 constitui direito do advogado “examinar, em qualquer órgão dos Poderes Judiciário e Legislativo, ou da Administração Pública em geral, autos de processos findos ou em andamento, mesmo sem procuração, quando não estejam sujeitos a sigilo, assegurada a obtenção de cópias, podendo tomar apontamentos (destaque do expositor). Todavia, é importante o registro de que embora o Código de Processo Penal determine em seu Art. 20, de modo semelhante, que "a autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade" reafirmou o STF a prerrogativa do advogado de acesso aos autos de inquérito policial, ainda que sigiloso no HC 82.354-8/PR ( Primeira Turma, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Julgamento: 10/08/2004, DJ 24-09-2004 PP-00042). Dessarte, conciliando os interesses em exame à luz da ponderação de valores inerente ao principio da proporcionalidade, parece recomendável que seja oportunizado apenas a vista dos autos, sem carga processual.
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