RESUMO: O presente trabalho tem por escopo expor, criticamente, a confissão e a utilização do acusado como fonte de prova, segundo os ensinamentos permitidos por Teresa Armenta Deu (2012) na obra “SISTEMAS PROCESALES PENALES: La justicia penal em Europa y América ¿ Um caminho de ida y vuelta”? e as considerações do Processo Constitucional pertinentes ao tema.
Palavras-chave: Persecução Criminal; Confissão; Processo Constitucional.
1 INTRODUÇÃO
O primeiro capítulo exporá o tema descrito por meio da intrínseca relação entre o sistema democrático e os preciosos argumentos utilizados pela autora, limites já definidos nesta análise. Torna-se necessário o efetivo estudo sobre o papel do acusado, quando de suas palavras e atos prévios à sentença, na apuração da responsabilidade jurídico-penal do agente.
Há, então, clara conexão entre as questões (pontos controvertidos em um litígio anteriormente constituído) em torno da prova e as consequências jurídicas demonstradas pela dialética processual, sobretudo por expressões da Teoria do Processo Constitucional. A importância dessa discussão encontra motivo na derrocada prática jurisdicional projetada nos mais diversos países, ao desconsiderar os institutos próprios da persecução penal.
Nesse sentido, ressaltaremos breves considerações sobre a Teoria do Processo Constitucional, cuja base paradigmática orienta a prestação da tutela jurisdicional, quando, mais uma vez, se permite monopolizar a tarefa de se exercer a tal atividade-dever do Estado. Essa função, demasiadamente cara à sociedade, não se prestará em desarmonia democrática, muito menos em contraponto à técnica processual-constitucional consolidada ao longo do tempo.
Por fim, questiona-se: qual seria o limite, considerando o hodierno sistema democrático, da persecução e apuração do delito com único fundamento na confissão proporcionada pelo acusado? Ou seja, basta a confissão do acusado para o encerramento da persecução e consequente imposição da sanção penal?
Essas indagações, certamente, serão respondidas com enfoque e correspondência aos argumentos utilizados por Deu na obra supracitada, quando do exame do acusado como fonte de prova, bem como nos demais entendimentos proferidos por doutrinadores da Teoria Geral do Processo.
2 REFLEXÕES INICIAIS
O primeiro apontamento pertinente ao tema tem por base as estruturas jurídico-principiológicas presentes nos mais diversos ordenamentos, cada um com suas peculiaridades históricas, bem como nas construções projetadas pelos Tribunais Internacionais na importância e inafastabilidade do devido processo legal.
No Brasil, tem-se por referência a Constituição da República de 1988, promulgada em 5 de outubro de 1988, sob os auspícios da redemocratização do país após a Ditadura Militar deflagrada em 1964. Nossa Lei Maior, ao expor os fundamentos democráticos do Estado, designou considerável plano para a exposição do devido processo constitucional, bem como constitui, em seu art. 1º, a República Federativa do Brasil em Estado Democrático de Direito.
Nesse diapasão, Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias (2010) destaca que
a Constituição brasileira atual concede manifesto reconhecimento aos princípios como normas jurídicas impositivas, ao lado das regras, realçando a dimensão principiológica de seu sistema, quando, ao início, já no Título I, dispõe a respeito dos princípios fundamentais que regem a República Federativa do Brasil, referindo-se, em seguida, no seu art. 1º, ao Estado Democrático de Direito, dado topológico este que, ao que entendemos, está a indicar a inclusão do Estado Democrático de Direito entre aqueles princípios fundamentais (BRÊTAS, 2010, p. 110).
Ora, nada mais cediço do que a formação do Estado, em suas funções fundamentais, pela justaposição de princípios constituídos em ordens eminentemente democráticas, verdadeiros mandamentos na evolução das relações entre os cidadãos e no serviço prestado pelos agentes estatais em nome da Administração Pública.
São estes mesmos princípios os orientadores de aplicação dos institutos e regras próprios do Processo, momento em que há, por meio da tutela jurisdicional, a efetiva proteção dos direitos humanos e das garantias fundamentais, dever-ser de todo ordenamento democraticamente alicerçado.
Ademais, em que pese toda a experimentação democrática corroborada pelo próprio Estado, em razão da organização política e constitucional, a prática atualmente consolidada nos juízos, por meio do agente titular daquela unidade, desvirtua consideravelmente do que se espera, trazendo, comumente, o tratamento excepcional e antidemocrático desta função estatal.
Urge, assim, a necessidade de aplicação destes princípios, verdadeiras garantias, de forma inequívoca, na seara processual penal, com o objetivo de aprimorar e tornar técnica a prestação da atividade jurisdicional.
Afinal, ao exercer e prestar a atividade jurisdicional, por meio de sentença proferida por juízo devidamente competente, o agente público julgador deve efetivar garantias constitucionalmente contextualizadas, a constar: o direito de amplo acesso à jurisdição, em lapso temporal razoável; juízo natural, com prévia definição da competência do órgão julgador; contraditório, ofertado às partes e ao juiz, em todos os atos; o direito à ampla defesa, realizada por meio de profissional técnico; e tratamento isonômico das partes, dado que afasta o agente julgador de quaisquer manifestações prévias, inclusive pessoais, sobre a causa.
3 QUESTÕES SOBRE A PROVA
Teresa Armenta Deu (2012), inicia o Título II (Capítulo II) promovendo importante consideração sobre as provas antecipadas e as pré-constituídas aplicadas ao Processo Penal, segundo a ótica eminentemente dialética existente entre estas e os sistemas processuais penais.
A construção democrática sobre o Processo Penal, a partir da evolução pretendida pelas reformas processuais do séc. XX e XXI, por exemplo, é norte a ser seguido e meta a ser alcançada pelo Estado-Judiciário quando da prestação da atividade jurisdicional.
Nesse Título, Teresa Armenta Deu (2012) salienta a importância da prática da prova em juízo, com exceção das provas antecipadas e pré-constituídas, efetivada segundo as garantias de publicidade e contraditório. As primeiras, geralmente justificadas na instrução, antecipam a prática de meio de prova, em razão de urgente necessidade; nas segundas, há a realização do próprio ato probatório, antes do juízo oral, precedendo e salvaguardando a integridade daquela prova, quando da impossibilidade de produzi-la em juízo (busca e apreensão e interceptação telefônica, por exemplo).
Em que pesem tais considerações, a prova deve, sem qualquer detrimento, ser confirmada em juízo, quando da legalidade e licitude da aquisição das mesmas, com o intuito de torna-la elemento válido e processualmente robusto à persecução penal.
A conclusão da autora, em tal ponto, prescreve a suprema consideração das garantias constitucionais, a constar o contraditório, para legitimar a produção daquela prova, antecipada ou pré-constituída, segundo os fins aos quais se destina. E destaca Teresa Armenta Deu (2012), em termos, que
un sistema que pondere adecuadamente tanto la necesidad social de protección de bienes jurídicos essenciales, como el haz de garantias frente a posibles abusos de los ciudadanos, con independencia de su posición, há de estar em condiciones de hacer valer la seriedade de lo actuado por los órganos encargados de la represión penal, siempre actuadolo haya sido com pleno respeto a aquellas garantias (DEU, 2012, p. 84).
O segundo apontamento deste trabalho expressa pela aplicação, inquestionável, dos princípios e garantias constitucionais quando da produção de prova, independentemente da fase em que se esta manifesta, evidenciando as disposições processuais sobre a conclusão da responsabilidade jurídico-penal do agente.
A prova, então, para ser válida, deve ter confirmação em juízo previamente competente, corroborada pelos demais dados processualmente manifestados e com inarredável deferência, em sua reiteração, às garantias constitucionais de fundamentação do processo.
Considerando, no Brasil, a inexistência de tal evento (mitigada aplicação das garantias constitucionais) na fase inquisitorial (no inquérito policial), a transformação de diligência em prova é dado suficiente para “processualizar” toda atividade policial, sob pena de se afastar a idônea prestação da atividade jurisdicional.
Com a efetiva “processualização” desta atividade, haveria de se expressar pela manifestação do acusado sobre as provas produzidas em seu desfavor, outro fator igualmente legítimo à luz das garantias constitucionais.
3.1 O acusado como fonte de prova e o valor da confissão
Teresa Armenta Deu (2012) traz, ainda, importantes considerações sobre a utilização do acusado como fonte de prova. Percebe-se, atualmente, a ausência de critérios objetivos e emitentemente democráticos dessa utilização, inclusive por considerações judiciais intimamente relacionadas a declarações prestadas antes da formação da lide.
Nessa esteira, mostrou-se visível, ressuscitando os meios de prova e perquirição da verdade, a utilização e valoração da confissão ante a ausência de conjunto probatório no decorrer do procedimento criminal. Há, assim, evidentes prejuízos ao acusado quando, afastados os seus direitos pessoais devidamente constitucionalizados, recaem, contra o próprio, as suas palavras.
A autora, ao descrever alguns casos precedentes, destaca Escobedo v. Illinois, oportunidade em que se decidiu claramente que o interrogatório do suspeito, em sede policial, põe fim à fase inquisitória do procedimento e dá-se início ao procedimento adversarial (com aplicação de todos os direitos e garantias processuais). Haveria total responsabilidade do Estado sobre os meios de prova, sem utilizar-se, assim, o suspeito como fonte primária e única de encontro da “verdade”.
Assim, o terceiro apontamento conclui pela impossibilidade da utilização do suspeito e de suas palavras, em qualquer fase do procedimento, para a formação inequívoca e única de prova. As provas, a fim de elucidação dos fatos, não serão analisadas em separado, mas somente em perfeita harmonia entre os limites de sua abrangência e a aplicação, repita-se, das garantias processuais.
Se o Estado, detentor do jus puniendi e manejador da Ação Penal, por meio das derrocadas expressões de "independência" do Ministério Público e “imparcialidade” do agente público julgador, não se envolver diretamente na satisfação das questões envolvendo a produção probatória, muito imperiosa torna-se a utilização do acusado contra os seus próprios direitos ou, ate mesmo, para a formação de culpa.
Tem-se, então, que a confissão, para ser amplamente utilizada, carece de complemento por outros meios inidôneos de prova, mas, assim como as demais, deve passar pela justa valoração de critérios objetivos, previamente constituídos, de modo a afastar a subjetividade do agente público julgador.
Kai Ambos (2013), ao demonstrar o caminho percorrido pelo Processo Penal Reformado, reforça o entendimento sobre a competência do próprio Estado na busca de provas e legitimação das mesmas. Haveria ofensa ao princípio da presunção de inocência e da garantia constitucional ao silêncio se permitirmos a produção de prova pelo acusado, sem a possibilidade de manifestação do mesmo, por defesa constituída, nos limites desta produção. O acusado, assim, passaria de sujeito de direitos devidamente contextualizados a simples expoente de culpabilidade, tornando-se necessária a efetivação de garantias próprias do processo, fundadas nas construções históricas permitidas pelo ordenamento jurídico, com o intuito de se afastar o estado de exceção, a tortura e o descompromisso democrático.
Contudo, a prática jurisdicional se distancia enormemente das construções doutrinárias aqui expressas, independentemente do órgão julgador prolator da decisão. O apego à confissão, considerada a "Rainha das Provas", ainda é recorrente, oportunidade em que são proferidas decisões condenatórias sem o mínimo de lastro probatório.
Ainda são fartas as decisões firmadas exclusivamente no "prudente critério" e "sensibilidade" do agente público julgador, acertadas sem a mínima deferência às demais provas colacionadas nos autos ou mesmo, como repetido inúmeras vezes, às garantias constitucionais do processo.
Tornam-se questionáveis as fantasiosas acusações e juízos de condenação, antes mesmo do desenrolar da persecução penal, recaídas contra qualquer acusado, com fundamento unicamente na confissão. Tais eventos são tão assustadores que, reproduzi-los neste estudo, aos olhos da esperança do Estado Democrático de Direito, macularia as construções até então permitidas (a tortura e a vingança, por exemplo, ainda existem).
Por fim, a confissão sofre efetiva limitação em dois pontos: o primeiro, quando da ausência de demais provas para a certa conclusão sobre a responsabilidade jurídico-penal do agente; o segundo, quando não corroborada em juízo, em razão do caráter oficial destinado ao Processo Penal pelo Estado em seus órgãos julgadores. O acusado, assim, nunca será visualizado com meio de prova, mas e antes quaisquer construções, como sujeito de direitos devidamente constituídos nas sociedades contemporâneas, fruto de evolução dos sistemas jurídicos constitucionalizados a partir do séc. XX.
4 CONCLUSÃO
Considerando o tema e as efetivas construções do Processo Constitucional, sobretudo a partir do séc. XX, a persecução penal somente se visualiza e se legitima se em consonância com as garantias constitucionais do Processo, quais sejam, o acesso à jurisdição, a ampla defesa, o contraditório, o juízo natural e fundamentação das decisões proferidas pelo agente público julgador, titular do órgão jurisdicional.
Em segundo plano, mostra-se inarredável a aplicação dessas mesmas garantias quando da produção das provas, independentemente da fase em que esta se visualiza. Desobedecer aos direitos e garantias fundamentais é o mesmo que permitir a volta do estado de exceção e a manutenção de decisões cravadas em subjetivismos antagonicamente alheias ao Estado Democrático de Direito, quando se exige desvinculação da figura do julgador e passa-se para decisão proferida por juízo competente.
Manifestamos pela prudência no momento em que esta produção se manifesta: quando as policiais encerram suas atividades em verdadeira instrução probatória, estaríamos diante de composição processual, com inarredável imposição das garantias processuais já expressas no estudo.
Por fim, o cerne destas considerações pretende afirmar a condição do acusado não como fonte de prova, mas como agente de direitos. Por sê-lo, urge a necessidade de considerar os direitos conferidos ao cidadão, já presentes na Constituição da República de 1988 e na legislação infraconstitucional, como meio idôneo de permitir a devida persecução penal e, por conseguinte, a aplicação da sanção descrita em lei.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo: primeiros estudos. 9ª. ed. rev. aum. Rio de Janeiro: Forense, 2010.
Advogado Militante. Mestrando em Direito Processual pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB/MG.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOARES, Igor Alves Noberto. O acusado como fonte de prova: a confissão do imputado Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 mar 2014, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38565/o-acusado-como-fonte-de-prova-a-confissao-do-imputado. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Nathalia Sousa França
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Por: LEONARDO RODRIGUES ARRUDA COELHO
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