Resumo: O CPC projetado, visando o acesso à justiça, de forma justa e com efetividade processual, prevê dispositivos contrários à "jurisprudência defensiva", revelando a preocupação do legislador com o aspecto instrumental do processo, ao coibir práticas judiciais de encerrá-lo prematuramente sob pretextos meramente formais.
Palavras-chave: 1. Projeto do Novo Código de Processo Civil. 2. Jurisprudência defensiva.
Abstrat: The CPC designed, aiming access to justice, fairly and with procedural effectiveness, provides contrary to "defensive jurisprudence" devices, revealing the concern of the legislature with the instrumental aspect of the process, to curb judicial practices to shut it down prematurely under pretexts purely formal.
Keywords: 1. new CPC; 2. defensive jurisprudence.
Sumário: Introdução. 1. O Projeto do Novo Código de Processo Civil (PLS 166/2010); 2. Jurisprudência Defensiva; Conclusão. Referências.
Introdução:
Jurisprudência defensiva foi como ficou conhecido o “formalismo” adotado pelos Tribunais, notadamente na admissibilidade dos recursos.
Maria Lúcia Lins Conceição, em seu texto “Jurisprudência Defensiva, in Ideias & Opiniões” lembra que “as barreiras são tantas, muitas vezes sem qualquer suporte dogmático, que a parte, ao interpor um recurso, se sente envolvida em verdadeiras armadilhas. Isso sem contar a séria dúvida sobre a legalidade e legitimidade dessa prática como meio de atenuação da sobrecarga de trabalho dos tribunais”.
A positivação contrária a jurisprudência defensiva pelo projeto do Novo Código de Processo Civil (PLS 166/2010) é muito bem-vinda, pois significa o compromisso do Estado de resolver a questão meritória, sem óbices procedimentais criados pela jurisprudência como forma de "desafogar" o Poder Judiciário.
1. O Projeto do Novo Código de Processo Civil (PLS 166/2010).
Marcos Paulo Passoni em seu texto “Breve Abordagem sobre alguns princípios constantes no Projeto do Novo Código de Processo Civil” destaca a abordagem constitucional que foi introduzida no Projeto, numa busca por uma ciência processual mais alinhada com o sistema jurídico principiológico. Para tanto é citado o processualista José Roberto dos Santos Bedaque, para quem “(…) o legislador ordinário deve adequar o sistema processual aos postulados estabelecidos em sede constitucional”.
A partir desta compreensão constitucional das normas processuais teremos uma tutela jurisdicional mais prática, útil e adequada ao que a sociedade reclama. E, sob este enfoque foi elaborado o Projeto do novo Código de Processo Civil, coordenado pelo Ministro Luiz Fux, com relatoria da Profa. Teresa Arruda Alvim Wambier.
Destaca ainda o doutrinador Marcos Paulo Passoni, acertadamente, a importância da construção deste novo sistema normativo processual como uma unidade, em substituição ao Código de Processo Civil vigente, que em razão das inúmeras alterações sofridas no tempo tornou-se uma “colcha de retalhos”. Este texto aponta duas grandes razões, quais sejam, a defasagem do sistema processual atual e o enfoque constitucional do novo projeto, para a aprovação de um novo Código de Processo Civil.
2. Jurisprudência Defensiva.
Em virtude dos números excessivos de recursos pendentes de julgamento nos Tribunais Superiores a jurisprudência defensiva vinha encontrando espaço em nosso ordenamento jurídico.
Trata-se de exigências formalistas instituídas com a finalidade de dificultar o exame do mérito dos recursos, principalmente através da severidade exagerada em relação aos requisitos de admissibilidade recursal. Como exemplo de aplicação em nosso sistema jurídico atual temos a intempestividade de recurso interposto antes da publicação em diário oficial do acórdão recorrido e a exigência do número do processo de origem na guia de recolhimento das custas judiciárias, sem possibilidade de regularização;
Segundo André Luís Monteiro, no texto “Duas providências do projeto de novo Código de Processo Civil para o fim da chamada jurisprudência defensiva uma evolução rumo ao pleno acesso à justiça”, a jurisprudência defensiva é um “exagero no exame formal dos requisitos de admissibilidade dos recursos, de maneira a abortar prematuramente o caminho desses remédios e, assim, aliviar a sobrecarga de trabalho dos julgadores, com a justificativa - de viés econômico - de que o tempo melhor aproveitado pode ser utilizado em casos de maior relevância.”
Diante das fortes críticas doutrinárias e em respeito ao princípio constitucional do acesso à justiça, o projeto do novo Código de Processo Civil restringiu as hipóteses de jurisprudência defensiva em nosso sistema jurisdicional.
Segue abaixo alguns dos artigos constantes no projeto do novo CPC contrários a jurisprudência defensiva:
1) Art. 76, § 2º.
Em caso de incapacidade processual ou irregularidade de representação da parte deverá o relator oferecer prazo para o sujeito processual corrigir o defeito. Visa-se permitir o saneamento de vício formal possibilitando-se um pronunciamento judicial em segunda instância quanto à questão meritória.
2) “Art. 218, § 4º. Será considerado tempestivo o ato praticado antes do termo inicial do prazo.”
Em respeito ao princípio da instrumentalidade e da celeridade processual, propõe-se a tempestividade do ato processual efetivado antes do termo inicial do prazo, ou seja, será tempestivo o recurso interposto antes do início da contagem do prazo. Dessa forma, restará vencido o entendimento do STJ no sentido da extemporaneidade do recurso especial interposto antes da publicação do acórdão que julgou os embargos de declaração.
3) “Art. 318. Antes de proferir decisão sem resolução de mérito, o órgão jurisdicional deverá conceder à parte oportunidade para, se possível, corrigir o vício.”
Visa esse dispositivo a resolução do mérito processual, extirpando com o excessivo formalismo e estimulando a busca pela verdade material. Assim, identificando o magistrado uma das hipóteses de decisão da demanda sem que haja julgamento do mérito, deverá ser concedida a parte oportunidade para sanar o equívoco, a fim de que a questão meritória possa ser analisada judicialmente.
4) “Art. 945. Parágrafo único. Antes de considerar inadmissível o recurso, o relator concederá o prazo de cinco dias ao recorrente para que seja sanado vício ou complementada a documentação exigível.”
Objetiva-se o alcance de uma tutela jurisdicional justa, através da análise meritória do recurso interposto. Assim, mesmo em segunda instância ainda poderá ser resolvido o entrave para a análise completa do recurso, devendo ser concedido prazo para a solução do entrave formal.
5) “Art. 951. A questão preliminar suscitada no julgamento será decidida antes do mérito, deste não se conhecendo caso seja incompatível com a decisão.
§ 1º Constatada a ocorrência de vício sanável, inclusive aquele que possa ser conhecido de ofício pelo órgão jurisdicional, o relator determinará a realização ou a renovação do ato processual, no próprio tribunal ou em primeiro grau, intimadas as partes; cumprida a diligência, sempre que possível, prosseguirá no julgamento do recurso.
§ 2º Reconhecida a necessidade de produção de prova, o relator converterá o julgamento em diligência para instrução, que se realizará no tribunal ou em instância inferior, decidindo-se o recurso após cumprida a diligência.
§ 3º Quando não determinadas pelo relator, as providências indicadas nos §§ 1º e 2º poderão ser determinadas pelo órgão competente para julgamento do recurso.”
Consolida-se o princípio da cooperação, com a possibilidade de atos processuais, diligências e atos probatórios praticados no Tribunal ou em primeira instância, visando sanar vícios que impediriam a análise do mérito recursal.
6) “Art. 1020, § 2º. O equívoco no preenchimento da guia de custas não resultará na aplicação da pena de deserção, cabendo ao relator, na hipótese de dúvida quanto ao recolhimento, intimar o recorrente para sanar o vício no prazo de cinco dias ou solicitar informações ao órgão arrecadador”.
Almeja-se o banimento de formalismos. Assim, identificando-se, por exemplo, erro no preenchimento da guia de custas o relator, se intimará o recorrente para resolver a dúvida ou o relator poderá solicitar informações ao órgão arrecadador, sempre com vistas a solucionar o equívoco formal que impeça a análise do recurso, não resultando mais em aplicação da pena de deserção.
7) Art. 1.030, §3º. Dispõe que, na falta da cópia de qualquer peça ou no caso de algum outro vício que comprometa a admissibilidade do agravo de instrumento, deve o relator aplicar o disposto no art. 945, parágrafo único, ou seja, o relator possibilitará o recorrente, no prazo de cinco dias, sanar o vício ou complementar a documentação exigível antes de considerá-lo inadmissível. Assim, a falta de documento obrigatório no Agravo de Instrumento não mais gerará a imediata inadmissibilidade do recurso.
8) “Art. 1038. Consideram-se incluídos no acórdão os elementos que o embargante pleiteou, para fins de prequestionamento, ainda que os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade.”
Em virtude deste dispositivo permite-se o prequestionamento implícito ou virtual, ou seja, mesmo com a rejeição ou inadmissão dos embargos, consideram-se incluídos no acórdão recorrido os elementos que o embargante pleiteou, para fins de prequestionamento, caso o tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade. Desta forma, preserva-se o entendimento do STF destacado na Súmula 356, mas que não era adotado pelo STJ.
9) “Art. 1.039. § 2º Se os embargos de declaração forem rejeitados ou não alterarem a conclusão do julgamento anterior, o recurso interposto pela outra parte, antes da publicação do julgamento dos embargos de declaração, será processado e julgado independentemente de ratificação.”
Por intermédio deste dispositivo legal se finda com a necessidade de ratificação do recurso prematuro, se o resultado dos Embargos de Declaração não alterar o julgamento anterior, sendo processado e julgado o recurso interposto antes da publicação do julgamento dos embargos de declaração. Uma vez aprovado tal dispositivo, restará prejudicada a Súmula 418 do STJ.
10) “Art. 1042, § 3º. O Supremo Tribunal Federal ou o Superior Tribunal de Justiça poderá desconsiderar vício formal de recurso tempestivo ou determinar sua correção, desde que não o repute grave.”
Possibilita-se que os Tribunais Superiores desconsiderem vício formal, desde que não seja grave, de recurso tempestivo ou determinem sua correção. Dessa forma, valoriza-se o devido processo legal substantivo, privilegiando o conteúdo em detrimento da forma.
11) Art. 1045. Se o relator, no Superior Tribunal de Justiça, entender que o recurso especial versa sobre questão constitucional, deverá conceder prazo de quinze dias para que o recorrente demonstre a existência de repercussão geral e se manifeste sobre a questão constitucional. Cumprida a diligência, remeterá o recurso ao Supremo Tribunal Federal, que, em juízo de admissibilidade, poderá devolvê-lo ao Superior Tribunal de Justiça.
Art. 1.046. Se o Supremo Tribunal Federal considerar como reflexa a ofensa à Constituição afirmada no recurso extraordinário, por pressupor a revisão da interpretação da lei federal ou de tratado, remetê-lo-á ao Superior Tribunal de Justiça para julgamento como recurso especial.
Possibilita-se a fungibilidade entre os recursos especial e extraordinário, quando envolver questão constitucional, além de permitir a comunicação entre Tribunais, já que um Tribunal Superior poderá enviar os autos ao outro para prosseguimento do feito, em caso de interposição equivocada. Tratam-se de hipóteses de aproveitamento de recursos.
12) “Art. 1.057. § 2º Se os embargos de divergência forem desprovidos ou não alterarem a conclusão do julgamento anterior, o recurso extraordinário interposto pela outra parte antes da publicação do julgamento dos embargos de divergência será processado e julgado independentemente de ratificação.”
Trata-se de dispositivo que dispensa a ratificação recursal.
O CPC Projetado fundamenta-se em um processo cooperativo, baseado na boa-fé e lealdade processual, assim, diversos de seus dispositivos são contrários à jurisprudência defensiva.
Conclusões
O atual CPC, datado de 1973 e, pois, com 40 anos de vigência, não obstante as inúmeras alterações nele realizadas ao longo desses anos, já não mais se coaduna plenamente com os preceitos constitucionais insertos na Carta Magna de 1988.
Conforme salientam Marcos Paulo Passoni e Fabio Guedes Garcia da Silveira “a legislação processual vigente (CPC/1973 – Código Buzaid) já está prestes a atingir 40 anos de existência e, merecidamente, precisa ser aposentada, uma vez que já cumpriu seu papel histórico, político, social e jurídico para o país e tornou-se, verdade seja dita, uma ‘colcha de retalhos’”.
O novo CPC certamente aperfeiçoará e tornará o processo instrumento mais eficiente para a atividade jurisdicional, a partir de diversos dispositivos contrários à jurisprudência defensiva, permitindo hipóteses de aproveitamento de recursos quando identificado o simples equívoco de interposição, com solução rápida, ágil e criação de nova comunicação entre tribunais.
Referências Bibliográficas
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Procuradora Federal desde 03/03/2008, atualmente lotada na Procuradoria Federal Especializada do INCRA; Ex. Procuradora do Estado do Pará; Ex. Defensora Pública do Estado do Pará e Ex. Advogada do Banco do Estado do Pará.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: AVILA, Kellen Cristina de Andrade. Jurisprudência defensiva no projeto do novo Código de Processo Civil (PLS 166/2010) Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 mar 2014, 08:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38579/jurisprudencia-defensiva-no-projeto-do-novo-codigo-de-processo-civil-pls-166-2010. Acesso em: 23 dez 2024.
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