1. Resumo
O regime jurídico-administrativo dos contratos celebrados pela Administração Pública dispõe, como regra, a obrigatoriedade da realização prévia de licitação, com o objetivo de selecionar a proposta mais vantajosa para a consecução do interesse público.
Nessa seara, torna-se relevante o debate quanto à possibilidade de contratação direta da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT, empresa pública federal que presta serviços postais em regime de monopólio constitucional, sendo ainda responsável pelas execução de outros serviços em regime concorrencial, de acordo com as normas previstas na Lei n. 6538/78.
Palavras-chaves: Direito Administrativo. Licitação. Contratação. Dispensa. Inexigibilidade.
2. Introdução
A Constituição Federal de 1988 ressalta em seu texto, através do artigo 37, inciso XXI, que a contratação de obras, serviços, compras e alienações, pela Administração Pública deverá ser precedida obrigatoriamente de licitação pública.
Desta forma, os contratos celebrados pela Administração Pública devem ser precedidos de procedimento licitatório, com o objetivo de selecionar a proposta mais vantajosa para o Poder Público, mediante participação dos interessados, na luz do princípio da isonomia [art. 3º, Lei n. 8666/93].
Segundo José dos Santos Carvalho Filho, licitação é “o procedimento administrativo vinculado por meio do qual os entes da Administração Pública e aqueles por ela controlados selecionam a melhor proposta entre as oferecidas pelos vários interessados, com dois objetivos – a celebração de contrato, ou a obtenção do melhor trabalho técnico, artístico ou científico”.
Ainda, segundo o autor, a natureza jurídica da licitação é a de procedimento administrativo com fim seletivo, porque o procedimento constitui um “conjunto ordenado de documentos e atuações que servem de antecedente e fundamento a uma decisão administrativa, assim como as providencias necessárias para executá-la”.
A União, no exercício de sua competência privativa, nos termos do art. 22, XXVII, Constituição Federal, editou a Lei n. 8666/93 – Estatuto dos Contratos e Licitações – na qual consta autorização para, nas situações legalmente previstas, contratação direta, na qual a abertura de certame licitatório é dispensável, dispensado ou inexigível.
Nesse norte, prevê o art. 24, VIII, do Estatuto que “é dispensável para a aquisição, por pessoa jurídica de direito público interno, de bens produzidos ou serviços prestados por órgão ou entidade que integre a Administração Pública e que tenha sido criado para esse fim específico em data anterior à vigência desta Lei, desde que o preço contratado seja compatível com o praticado no mercado”.
Logo, nos termos do ordenamento jurídico vigente, a regra consiste na realização prévia de licitação, no entanto, é possível, dentro das balizas legais, a celebração de contrato administrativo mediante contratação direta, por meio de procedimento administrativo para dispensa da licitação.
3. Dispensa de LicitaçãoO princípio da obrigatoriedade impõe a realização da licitação, mas, a lei não poderia deixar de prever algumas situações nas quais ressalva a utilização do certame, diante de suas particularidades, que não se compatibilizam com o rito e a demora do processo licitatório.
Nesse norte, veja que a Constituição Federal consigna de forma expressa a possibilidade de ressalva à obrigatoriedade de licitar, nos termos do art. 37, XXI, segundo o qual “ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações”. [Grifo nosso].
Portanto, admitida à possibilidade de contratação direta, coube ao legislador ordinário à tarefa de delinear quais as situações legais nas quais seria possível à dispensa de licitação, o fazendo nos termos do art. 24 da Lei n. 8666/93.
A dispensa tem como característica marcante o fato de que, em tese, a licitação poderia ser realizada, no entanto, por opção legislativa o certame público não foi previsto como sendo regra obrigatória na específica prevista na norma legal.
A doutrina costuma distinguir licitação dispensável e licitação dispensada. Aquela prevista no art. 24, de realização viável, entretanto, a lei dispensou o administrador de realizá-la. A licitação Dispensada refere-se às hipóteses em que o próprio Estatuto ordena em que não se realize o procedimento licitatório – art. 17, I e II, Estatuto.
Em observância ao princípio da motivação dos atos administrativos, a lei determina que sejam justificados os casos de dispensa – art. 24, III e ss, Lei n. 8666/93, devendo o administrador comunicar a autoridade superior à situação de dispensa no prazo de três dias, cabendo a este ratificá-la e publicá-la na imprensa oficial no prazo de cinco dias, sendo esta condição de eficácia do ato.
4. Inexigibilidade de LicitaçãoSegundo o art. 25 da Lei n. 8666/93 é inexigível a licitação quando for inviável a competição.
Em tais casos incide a norma prevista no art. 26 do Estatuto, que exige a abertura de procedimento administrativo para justificar o ato que, no prazo de três dias, deverá ser comunicado a autoridade superior, que terá cinco dias para ratificar e publicar na imprensa oficial, como condição de eficácia do ato.
Nos termos do art. 25, I, é inexigível a licitação “para aquisição de materiais, equipamentos, ou gêneros que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo, vedada a preferência de marca, devendo a comprovação de exclusividade ser feita através de atestado fornecido pelo órgão de registro do comércio do local em que se realizaria a licitação ou a obra ou o serviço, pelo Sindicato, Federação ou Confederação Patronal, ou, ainda, pelas entidades equivalentes”.
A exclusividade do fornecedor pode ser absoluta ou exclusiva, de modo que ocorre aquela quando há somente um produtor ou representante comercial exclusivo no país; sendo relativa, quando a exclusividade se dá apenas na praça onde vai haver a aquisição do bem.
A exclusividade é comprovada por meio de atestado expedido por órgão de registro do comércio do local onde se realizaria a contratação, a obra ou serviço; pelo sindicato, federação ou confederação patronal, ou outros equivalentes.
5. Possibilidade de contratação direta dos CORREIOSO serviço postal é de titularidade da União, que o executa por meio de delegação legal, atribuída aos Correios, que o exerce, como regra, em regime de monopólio estatal.
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADPF 46, firmou entendimento no sentido de que os serviços prestados em regime de monopólio, pela ECT, abrange apenas as atividades descritas no art. 9º, I, II e III, da Lei n. 6538/78.
Art. 9º - São exploradas pela União, em regime de monopólio, as seguintes atividades postais:
I - recebimento, transporte e entrega, no território nacional, e a expedição, para o exterior, de carta e cartão-postal;
II - recebimento, transporte e entrega, no território nacional, e a expedição, para o exterior, de correspondência agrupada:
III - fabricação, emissão de selos e de outras fórmulas de franqueamento postal.
Segundo o Min. Eros Grau, em voto proferido na ADPF n. 46, relator do acórdão, “o serviço postal é prestado pela ECT, empresa pública criada pelo Decreto-Lei 509/69, que foi recebido pela CF/88, a qual deve atuar em regime de exclusividade (em linguagem técnica, em situação de privilégio, e, em linguagem corrente, em regime de monopólio), estando o âmbito do serviço postal bem delineado nos artigos 70 e seguintes da Lei 6.538/78, também recebida pela CF/88”.
Segue o eminente Ministro, “a prestação do serviço postal por empresa privada só seria possível se a CF afirmasse que o serviço postal é livre à iniciativa privada, tal como o fez em relação à saúde e à educação, que são serviços públicos, os quais podem ser prestados independentemente de concessão ou permissão por estarem excluídos da regra do art. 175, em razão do disposto nos artigos 199 e 209”.
Assim sendo, em relação aos serviços discriminados no art. 9º, I, II e III, Lei n. 6538/78, não há dúvidas quanto à possibilidade de contratação direta, mediante inexigibilidade de licitação, por serem tais serviços executados em regime de monopólio estatal, nos termos do art.21, X, Constituição Federal.
Noutra banda, na luz das disposições constitucionais, bem como o entendimento consolidado no STF, no julgamento da ADPF 46, verifica-se que a ECT também presta serviços em regime de concorrência, hipótese na qual, incide os ditames que regem a ordem constitucional econômica, a saber, livre iniciativa e livre concorrência.
Desta forma, incide sobre a execução de tais serviços a norma constante no art. 37, XXI, da Constituição Federal, que determina que a Administração contrate a prestação de serviços mediante a realização prévia de licitação, com a finalidade de selecionar a proposta mais vantajosa para a realização do interesse público.
Portanto, nos termos da legislação vigente, caberia a contratação dos serviços prestados pela ECT, em regime concorrencial, após a realização de procedimento licitatório, nos termos da Lei n. 8666/93.
Entretanto, nos termos do art. 24, VIII, Lei n. 8666/93, é dispensável a licitação “para a aquisição, por pessoa jurídica de direito público interno, de bens produzidos ou serviços prestados por órgão ou entidade que integre a Administração Pública e que tenha sido criado para esse fim específico em data anterior à vigência desta Lei, desde que o preço contratado seja compatível com o praticado no mercado”.
Assim, conforme demonstrado, cabe à contratação direta mediante inexigibilidade de licitação, quando o objeto do contrato consistir nos serviços prestados em regime de monopólio estatal, com fundamento no art. 25 da Lei n. 8666/93.
Noutra banda, destaque-se que é possível a contratação direta mediante dispensa de licitação, com arrimo no art. 24, VIII, Lei n. 8666/93, uma vez que a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT - foi criada em 20 de março de 1969, logo, em período anterior a publicação do Estatuto dos Contratos e Licitações Públicas, sendo Empresa Pública Federal, que presta serviços postais, de titularidade da União, mediante delegação legal.
Neste ponto, especificamente, faz-se necessária à pesquisa dos preços praticados no mercado, em relação aos serviços prestados pela ECT, em regime de concorrência, com o fim de se verificar se a contratação mediante dispensa constitui, de fato, a proposta mais vantajosa para a Administração Pública.
Ensina-nos José dos Santos Carvalho Filho que, nos casos em que seja possível a realização concomitante de dispensa ou de inexigibilidade, nesta situação, lembra aquele autor que a dispensa e a inexigibilidade têm seus próprios pressupostos legais, nesta a inviabilidade, naquela à previsão legal.
Assim, o primeiro passo é identificar se a licitação é viável ou não, se não o for, será o caso de inexigibilidade. Só depois de constatada a viabilidade que é o administrador verifica se a situação se enquadra como algum caso de dispensa.
Portanto, no presente caso, cabe ao gestor público adotar a decisão que seja conveniente e oportuna para a realização do interesse público, decisão que decorre privativamente do exercício de suas atribuições, eficiência e da economicidade, que orientam a tomada de decisões que busquem a realização do interesse público, com a prática de atos que importem em menor onerosidade para o patrimônio público.
6. ConclusãoPortanto, é importante pontuarmos as ideias centrais deste trabalho, vejamos.
A Administração Pública deve, como regra, realizar licitação como antecedente à celebração de contrato que tenha como objeto obras, serviços, compras e alienações, nos termos do art. 37, XXI, Constituição Federal.
O Estatuto dos Contratos e Licitações Públicos consigna as hipóteses legais nas quais é possível à contratação direta mediante inexigibilidade e dispensa de licitação.
A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT é empresa pública federal que presta serviços postais em regime de monopólio constitucional, prestando, igualmente, serviços em regime de concorrência com a iniciativa privada, conforme definido na ADPF n.46.
Nessa linha, conforme demonstrado, é possível a contratação direta mediante inexigibilidade ou dispensa de licitação.
Neste caso, destaque-se que tais institutos jurídicos têm requisitos legais específicos, assim, de acordo com José dos Santos Carvalho Filho, cabe ao Administrador verificar a viabilidade da licitação, não sendo o caso, adota-se a contratação direta por inexigibilidade, caso contrário, o contrato será celebrado mediante dispensa de licitação.
7. Referências Bibliográficas1. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 19. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2008.
Advogado do DETRAN/PB, formado em Direito pela Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas - FACISA, na cidade de Campina Grande/Paraíba.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LOUREIRO, Carlos Henrique Benedito Nitão. Da possibilidade de contratação direta da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, para a prestação de serviços postais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 mar 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38635/da-possibilidade-de-contratacao-direta-da-empresa-brasileira-de-correios-e-telegrafos-para-a-prestacao-de-servicos-postais. Acesso em: 23 dez 2024.
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