RESUMO: O Controle da Administração Pública é um princípio de envergadura constitucional. A finalidade desse controle consiste em assegurar que a Administração atue em consonância com os princípios que lhe são impostos pelo ordenamento jurídico. São características desse princípio a inafastabilidade, irrenunciabilidade e indispensabilidade, uma vez que o regime jurídico de direito público rege a sua existência. O referido controle é exercido pela própria administração, por meio da autotutela, pelo Poder Legislativo, pelo Poder Judiciário, ou, ainda, pelo povo, por meio do chamado controle popular.
PALAVRAS-CHAVE. Controle da Administração Pública. Controle Judicial. Controle Popular. Ação Popular.
INTRODUÇÃO
O tema Controle da Administração Pública, cada vez mais, ganha espaço nas discussões acadêmicas e doutrinárias. Nos tribunais, o debate é praticamente diário, em ações que envolvem a Administração na relação processual.
Impulsionados por essa constante discussão, pela relevância do tema – sobretudo considerando nosso país, que se revela um Estado Democrático de Direito, com efetiva separação de poderes e controle entre eles – e pela importância de sua compreensão (seja para o cidadão comum, que deve conhecer as instituições jurídicas que o cercam e delas fazer uso, seja para aqueles que pretendem exercer papéis na comunidade jurídica nacional), vimos discorrer, rapidamente, sobre o assunto e, modestamente, contribuir para o entendimento da questão.
Especificamente, neste artigo, abordamos o conceito de controle, sua finalidade, natureza jurídica, previsão legal, suas espécies e seus instrumentos, em especial, a ação popular.
NOÇÕES E CONCEITO DE CONTROLE
Antes de qualquer coisa, por oportuno, convém definir, ainda que simploriamente, o que vem a ser a chamada Administração Pública. Afinal de contas, o presente artigo se desenvolve justamente em torno dessa expressão que muitas vezes é invocada, mas nem sempre corretamente compreendida.
Administração Pública, em seu aspecto subjetivo, é o conjunto de entes – órgãos, entidades, pessoas jurídicas, agentes públicos – que exercem a função administrativa, ou seja, atividade administrativa. Nesse sentido, na estrutura de cada um dos Três Poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário), estará presente a Administração Pública, quando houver a realização de condutas administrativas. A regra vale para todos os entes federados (União, Estados, Distrito Federal e Municípios). Vale lembrar que, por opção do Legislador constitucional, os Municípios dispõem, em sua estrutura organizacional, apenas dos Poderes Legislativo (Câmara Municipal) e Executivo (Prefeitura Municipal, órgãos e entes àquela vinculados), de modo que o Poder Judiciário presente nas comarcas está vinculado aos respectivos Tribunais de segunda instância que, dependendo da competência, são organizados pela União ou pelo Estado.
A Administração Pública, no exercício de suas atividades, submete-se a controle interno e externo. Chama-se interno o controle exercido dentro da própria estrutura de cada Poder; e chama-se externo o controle exercido por órgão de outro Poder que não os daquele que praticou as condutas administrativas. É o controle externo que dá bem a medida da harmonia que deve reinar entre os Poderes, como impõe o art. 2° da Constituição Federal de 1988.[1]
Em Estados Democráticos de Direito, reina o Princípio da Legalidade, segundo o qual a lei, vontade soberana do povo, é a forma de legitimar a atuação administrativa, de modo que se possa assegurar que o interesse público seja sempre o fim a ser buscado. Vale dizer, a Administração Pública somente poderá exercer atividades que estejam previstas em lei, na forma da lei e nos limites da lei. Caso extravase as limitações legais, impor-se-á o denominado controle de legalidade.
A razão de ser dessa inarredável previsão é o fato de que a Administração Pública lida com o interesse que não é particular, mas sim coletivo, de todos os cidadãos. Assim, para se garantir a perseguição do interesse coletivo, a lei prevê a atuação administrativa e estabelece controle dessa atuação.
A finalidade do controle consiste em assegurar que a Administração atue em consonância com os princípios que lhe são impostos pelo ordenamento jurídico.[2]
A importância desses dois institutos – previsão legal da atuação administrativa e seu respectivo controle – é tamanha que o legislador constituinte originário decidiu por invocá-los no texto constitucional. Vejamos:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência [...]
CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO
Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder.
Parágrafo único. Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária. (Grifo nosso).
O controle da Administração Pública deve ser entendido, também, como um princípio. Assenta a melhor doutrina que a natureza jurídica do controle é a de princípio fundamental da Administração Pública.[3]
É essa a previsão do Decreto-Lei 200/67:
Art. 6º As atividades da Administração Federal obedecerão aos seguintes princípios fundamentais:
I - Planejamento.
II - Coordenação.
III - Descentralização.
IV - Delegação de Competência.
V - Contrôle. (Grifo nosso).
A classificação do controle como princípio fundamental da Administração Pública revela o seu caráter de inafastabilidade, irrenunciabilidade e indispensabilidade.
Com relação à prestação de contas – que é umas das facetas do controle da Administração Pública –, a Constituição Federal estabeleceu o que se chama de princípio constitucional sensível, prevendo a intervenção federal nos casos de não prestação:
Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para:
[...]
VII - assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais:
d) prestação de contas da administração pública, direta e indireta.
[...]
Como se pode depreender, a atividade de controle é atribuição eminentemente estatal, até mesmo pela amplitude e importância que alcança. Não obstante, o administrado participa dessa atividade na medida em que pode e deve provocar o procedimento de controle, não apenas na defesa de seus interesses individuais, mas também na proteção do interesse coletivo.[4]
Nesse sentido, a Constituição, em diversas passagens, retrata e possibilita o que a doutrina moderna denomina de controle popular da Administração Pública. Esse controle (popular) vem se revelando cada vez mais forte e eficaz, uma vez que o próprio público lesado com a atuação administrativa é o mais interessado em fiscalizar a prática desses atos e exigir a reparação dos danos.
Conforme lembra a boa doutrina, qualquer pessoa pode suscitar o controle da Administração para que seja sancionado o agente que haja incidido em "abuso de autoridade". Tal possibilidade está contemplada na importantíssima, mas, infelizmente, quase ignorada Lei 4.898, de 9.12.65, que "regula o direito de representação e o processo de responsabilidade administrativa, civil e penal, nos casos de abuso de autoridade".[5]
Entre os mecanismos constitucionais previstos para o controle popular, podemos citar os seguintes:
Art. 31. A fiscalização do Município será exercida pelo Poder Legislativo Municipal, mediante controle externo, e pelos sistemas de controle interno do Poder Executivo Municipal, na forma da lei.
[...]
§ 3º - As contas dos Municípios ficarão, durante sessenta dias, anualmente, à disposição de qualquer contribuinte, para exame e apreciação, o qual poderá questionar-lhes a legitimidade, nos termos da lei.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:
b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal;
[...]
LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência;
Art. 37.
[...]
§ 3º A lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta, regulando especialmente: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
I - as reclamações relativas à prestação dos serviços públicos em geral, asseguradas a manutenção de serviços de atendimento ao usuário e a avaliação periódica, externa e interna, da qualidade dos serviços; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
II - o acesso dos usuários a registros administrativos e a informações sobre atos de governo, observado o disposto no art. 5º, X e XXXIII; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
III - a disciplina da representação contra o exercício negligente ou abusivo de cargo, emprego ou função na administração pública.
Art. 74. Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma integrada, sistema de controle interno com a finalidade de:
[...]
§ 2º - Qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítima para, na forma da lei, denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas da União. (Grifo nosso).
Há quem afirme até que a participação popular na Administração Pública configure uma nova dimensão de Direitos Fundamentais. Direito a informação e a participação popular direta, dentre outros, marcam essa nova dimensão, na qual o ponto realmente diferenciador é a garantia de capacitação dos indivíduos para fazerem parte de uma sociedade globalizada.[6]
No campo da legislação infraconstitucional, diversos são os exemplos de abertura à participação popular na Administração Pública expostos pelo professor Rui Magalhães Piscitelli em louvável artigo por ele elaborado. Entre outros dispositivos legais o professor cita, por exemplo: arts. 31, 32, 33, 34 e 35 da Lei 9.784/99; art. 39 da Lei 8.666/93 e art. 48 da Lei Complementar 101/00.[7]
Ainda, em razão das atribuições previstas no art. 129 da CF, o Ministério Público revela-se uma importante instituição na função de controle da Administração Pública. A ele cabe, privativamente, promover a ação penal pública contra funcionários públicos, em se tratando de crime contra a Administração Pública, e atuar como um dos legítimos autores da ação civil pública, em proteção aos interesses difusos e coletivos ou em repressão à improbidade administrativa.
Aliás, como relembra a doutrina, embora outras entidades disponham de legitimidade ativa para a propositura de ação civil pública, a independência do Ministério público e os instrumentos que lhe foram outorgados pelo referido dispositivo constitucional (competência para realizar o inquérito civil, expedir notificações, requisitar informações e documentos, requisitar diligências investigatórias) fazem dele o órgão mais bem estruturado e mais apto para o controle da Administração Pública.[8]
Isso posto, pode-se definir controle administrativo da seguinte forma: conjunto de instrumentos que o ordenamento jurídico estabelece a fim de que a própria Administração, os Poderes Judiciário e Legislativo, e ainda o povo, diretamente ou por meio de órgãos especializados, possam exercer o poder-dever ou a faculdade de fiscalização, orientação e revisão da atuação administrativa de todos os órgãos, entidades e agentes públicos, em todas as esferas de Poder.[9]
O CONTROLE QUANTO AO ÓRGÃO CONTROLADOR
Ensina a doutrina a tradicional classificação do controle da Administração Pública quanto à natureza do órgão controlador. Assim, quanto ao órgão que o exerce, o controle pode ser administrativo, legislativo ou judicial.[10]
CONTROLE ADMINISTRATIVO
Grosso modo, o controle administrativo é aquele que a própria Administração Pública exerce sobre seus atos, razão pela qual se trata de modalidade de controle interno[11]. A esse controle costuma-se dar o nome de poder-dever de autotutela. O significado da expressão autotutela está jurisprudencialmente construído na Súmula 473 do Supremo Tribunal Federal, in verbis:
Súmula 473 - A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.
Posteriormente, foi editado dispositivo legal tratando da mesma questão, art. 53 da Lei 9.784/99: “A Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos”.
Embora as duas redações acima, aparentemente, possam apresentar conteúdo semântico diferente, em razão da utilização dos verbos poder e dever, o entendimento pacífico é o de que a Administração Pública tem o DEVER de anular seus próprios atos, quando eivados de vícios de legalidade.
CONTROLE LEGISLATIVO
O controle legislativo, também chamado parlamentar, é aquele exercido pelo Poder Legislativo sobre os atos da Administração Pública. De modo geral, esse controle possui dois alcances: político e financeiro (em sentido amplo). O aspecto político diz respeito às prerrogativas que possui o Parlamento de, por exemplo, sustar atos normativos, convocar autoridades para prestar esclarecimentos e investigar, por meio de Comissões Parlamentares de Inquérito, fatos ocorridos na Administração. Quanto ao ângulo financeiro, o Legislativo fiscaliza cinco áreas de atuação do Poder Executivo e Judiciário: contábil, financeiro (em sentido estrito), orçamentário, operacional e patrimonial. Ainda, é importante apontar o papel constitucional exercido pelos Tribunais de Contas que auxiliam as Casas Legislativas no controle financeiro.
Não teceremos maiores comentários sobre esse específico controle por não ser esse nosso objetivo.
CONTROLE JUDICIAL
Por fim, controle judicial, ou judiciário, é aquele que emana dos órgãos do Poder Judiciário sobre comportamentos da Administração Pública. Nesse viés, caberá ao Judiciário anular as condutas ilegítimas, compelindo a Administração àquelas que seriam obrigatórias e condenando-a a indenizar os lesados, quando for o caso.[12]
É bom lembrar que o Brasil adotou o sistema de jurisdição una – ou sistema inglês, como é chamado por alguns –, ao contrário do que ocorre em diversos países europeus, como na França, onde existe a dualidade de jurisdição. Nesses países, há órgãos, dentro da estrutura da própria Administração Pública, com competência exclusiva para julgar contendas administrativas e assegurar a observância da lei pelas diversas unidades Administração. É o que soe a doutrina denominar de Sistema de Contencioso Administrativo, Justiça Administrativa, ou, ainda, sistema francês.
No Brasil, o Poder Judiciário possui o monopólio da função jurisdicional. A adoção desse sistema tem fundamento constitucional, qual seja, o art. 5o, XXXV, segundo o qual "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito".
Para a professora Maria Sylvia Zanella di Pietro, o controle judicial constitui, juntamente com o princípio da legalidade, um dos fundamentos em que repousa o Estado de Direito. De nada adiantaria sujeitar-se a Administração Pública à lei se seus atos não pudessem ser controlados por um órgão dotado de garantias de imparcialidade que permitam apreciar e invalidar os atos ilícitos por ela praticados.[13]
Com a edição da EC 45/2004, o controle judicial ganhou mais relevância ainda. Refiro-me ao sistema de Súmula Vinculante previsto no art. 103-A da CF. Eis a redação:
Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.
§ 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.
[...]
§ 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso. (Grifo nosso).
Para regular o referido sistema, foi editada a Lei no 11.417/2006. Nesse caso, o controle do Poder Judiciário sobre atos da Administração ganhou força uma vez que a súmula editada, nos termos do aludido artigo, terá efeito vinculante em relação aos órgãos da Administração Pública. Vale dizer, a Administração terá de obedecer sempre ao enunciado quando praticar seus atos administrativos, enquanto ele não for revisado ou cancelado.
Assim, nos termos do § 1o do art. 7 o da Lei 11.417/2006, é cabível reclamação contra atos administrativos ou condutas omissivas da Administração que contrariem enunciado de súmula, lhe neguem vigência ou o apliquem de forma indevida.
INSTRUMENTOS DE CONTROLE
Para que o Poder Judiciário proceda ao controle da Administração, ele precisa ser, necessariamente, provocado. Trata-se do princípio da inércia, segundo o qual o Judiciário, em regra, não deve se pronunciar de ofício sobre questões envolvendo conflitos de interesses, seja entre particulares, seja entre particular e Administração Pública.
Para tanto, a Constituição prevê ações específicas de controle da administração Pública (medidas judiciais), às quais a doutrina se refere com a denominação de remédios constitucionais.[14]
Assim, para a correção judicial da Administração, são exemplos de medidas intentáveis o habeas corpus, o habeas data, o mandado de segurança, o mandado de injunção, a ação popular, a ação civil pública, entre outras, inclusive, previstas no Direito Privado.
Sem desmerecer quaisquer dessas medidas judiciais constitucionais acima citadas – antes, até, reconhecendo a importância de cada uma ao resguardar, proteger, garantir o bem da vida que lhe foi reservado –, por ser objeto deste artigo, teceremos breves comentários, especificamente, sobre uma delas: a ação popular. Com isso, sem a pretensão de esgotar o assunto, concluiremos este singelo artigo.
AÇÃO POPULAR
Ação popular é a ação civil destinada à proteção do patrimônio público, da moralidade administrativa e do meio ambiente. Está prevista no art. 5o, LXXIII, da CF, que tem a seguinte redação:
LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência; (grifo nosso).
A disciplina infraconstitucional que regula a ação popular é a Lei 4.717/65.
Esclarece a doutrina que não obstante o texto constitucional estabeleça distinção entre patrimônio público, patrimônio histórico e cultural, a primeira expressão – patrimônio público – é suficientemente ampla para compreender não apenas o patrimônio histórico e cultural como igualmente qualquer outro bem de "valor econômico, artístico, estético, histórico ou turístico", conforme dispõe o art. 1o, § 1o, da mencionada Lei de Ação Popular.[15]
Qualquer cidadão possui legitimidade ativa promover a demanda. A qualidade de cidadão é demonstrada com a apresentação do título de eleitor, que, em tese, revela que o brasileiro, nato ou naturalizado, está em pleno gozo dos direitos políticos. Assim prescreve a o art. 1o, § 3o da Lei 4.717/65: "A prova da cidadania, para ingresso em juízo, será feita com o título eleitoral, ou com documento que a ele corresponda".
Quanto à legitimidade passiva, prevê o art. 6 o da Lei de Ação Popular que "a ação será proposta contra as pessoas públicas ou privadas e as entidades referidas no art. 1º, contra as autoridades, funcionários ou administradores que houverem autorizado, aprovado, ratificado ou praticado o ato impugnado, ou que, por omissas, tiverem dado oportunidade à lesão, e contra os beneficiários diretos do mesmo".
O objeto da ação, já no texto constitucional, é apontado: anular atos lesivos aos bens sob proteção. Sem embargo, conforme prevê o art. 11 da referida lei, os responsáveis pela prática do ato impugnado e declarado inválido e os seus beneficiários serão condenados em perdas e danos.
Por último, outro importante aspecto acerca da ação popular está previsto no art. 18 da mesma lei. Segundo esse dispositivo, "a sentença terá eficácia de coisa julgada oponível ‘erga omnes’, exceto no caso de haver sido a ação julgada improcedente por deficiência de prova; neste caso, qualquer cidadão poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova".
Conforme ressalta o professor José dos Santos Carvalho Filho, é possível extrair do texto três conclusões. Transcrevo, ipsis litteris, a lavra do mestre:
1) se o juiz julgar a causa com convicção quanto à prova, a coisa julgada é erga omnes, seja procedente ou improcedente o pedido;
2) se o juiz julga o pedido improcedente por deficiência de prova por parte do réu, a decisão também fará coisa julgada erga omnes, porque a produção de prova é ônus do próprio réu; e
3) se o juiz julga improcedente o pedido, por deficiência de prova por parte do autor, a decisão fará coisa julgada inter partes, ou seja, nada impedirá que outra ação idêntica seja ajuizada, desde que o autor se socorra de nova prova. (CARVALHO FILHO, 2008, p. 972, grifo do autor).
As razões para essa previsão legal saltam aos olhos e sua aplicação revela-se absolutamente coerente. Ora, a ação popular é instrumento de defesa dos interesses da sociedade, da comunidade. Dessa forma, se o ato impugnado for declarado inválido, significa que toda a coletividade sofreu a lesão. E, nesse caso, nada mais justo que a sentença tenha sua eficácia de coisa julgada oponível a todos.
CONCLUSÃO
Diante do exposto, entendemos por bem concluir esta explanação de forma a reafirmar a importância que envolve o tema aqui tratado. Pudemos perceber que a Administração Pública, pelo fato de gerir a coisa pública, e não a particular, obriga-se a perseguir, sempre, o interesse coletivo, e não o singular. E, para garantir o cumprimento de tal obrigação, foram criados mecanismos que controlam a atuação administrativa, entre os quais aqueles mencionados alhures.
Nos livros, a doutrina especializada, em sua maioria, dedica um capítulo específico para desenvolver o tema. No mesmo sentido, a academia tem-se mostrado um lugar aberto e dedicado ao profundo debate da temática. Além do que, presenciamos o Poder Judiciário frequentemente se pronunciar sobre a questão no caso concreto, a ponto de sumular a seu respeito.
Cabe, portanto, a nós, operadores do Direito ou cidadãos, utilizar os instrumentos de controle da Administração Pública que estão à disposição da sociedade, para proteger o que é de cada um e, sobretudo, o que é de todos.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. São Paulo: Método, 2008.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 1997.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. São Paulo: Lumen Juris, 2008.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2005.
FURTADO, Lucas Rocha. Curso de Direito Administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2007.
PISCITELLI, Rui Magalhães. Direitos Fundamentais, Administração Pública e Controle Popular. II Seminário Brasileiro sobre Advocacia Pública Federal. Disponível em: <http://www.escola.agu.gov.br/revista/2008/Ano_VIII_novembro_2008/Direitos%20fundamentais-%20Rui%20Pisciteli.pdf>. Acesso em 2 Set. 2009.
[1] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. São Paulo: Lumen Juris, 2008, p.881.
[2] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2005, p. 636.
[3] CARVALHO FILHO, 2008, p. 880.
[4] DI PIETRO, 2005, p. 636.
[5] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, p. 827.
[6] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 526.
[7] PISCITELLI, Rui Magalhães. Direitos Fundamentais, Administração Pública e Controle
Popular. II Seminário Brasileiro sobre Advocacia Pública Federal. Disponível em: <http://www.escola.agu.gov.br/revista/2008/Ano_VIII_novembro_2008/Direitos%20fundamentais-%20Rui%20Pisciteli.pdf>. Acesso em 2 Set. 2009.
[8] DI PIETRO, 2005, p. 637.
[9] ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. São Paulo: Método, 2008, p. 628.
[10] DI PIETRO, op. cit., p. 637.
[11] FURTADO, Lucas Rocha. Curso de Direito Administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2007, p. 1073.
[12] MELLO, 2004, p. 837.
[13] DI PIETRO, 2005, p. 654.
[14] DI PIETRO, 2005, p. 663.
[15] FURTADO, 2007, p. 1185.
Analista Judiciário - Área Judiciária do Tribunal Superior do Trabalho - TST. Formação: Bacharel em Direito pelo Instituto Superior de Brasília - IESB. Especialista em Direito Público (Pós-graduação lato sensu - Instituto Processus).<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ROSA, Mateus Ferreira. Controle da Administração Pública, controle judicial e ação popular Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 mar 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38640/controle-da-administracao-publica-controle-judicial-e-acao-popular. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Francisco de Salles Almeida Mafra Filho
Por: BRUNO SERAFIM DE SOUZA
Por: Fábio Gouveia Carneiro
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
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