Resumo: O presente trabalho pretende analisar a sujeição ativa de atos de improbidade administrativa como um todo, analisando a sua importância sob o viés constitucional e histórico. Intenta-se demonstrar a questão polêmica da inaplicabilidade da Lei 8.429 aos agentes políticos. Para que se possa compreender a dimensão do tema, será exposta a evolução legislativa sobre a improbidade administrativa. Posteriormente, será analisado o conceito de agente público em suas peculiaridades para que se possa entender a abrangência pretendida pela lei. É essencial compreender a Lei de Improbidade Administrativa por ela estar contextualizada em um momento em que se busca a isonomia material no trato dos agentes que causam danos ao Estado, como um todo. O tema é de grande relevância ao Estado Democrático de Direito brasileiro, sobretudo em análise aos altos índices de corrupção e de impunidade. O presente trabalho pretende fazer uma análise crítica ao atual entendimento do Supremo Tribunal Federal no tocante à inaplicabilidade da Lei 8.429 aos agentes políticos.
Palavras chave: Agente político. Improbidade administrativa. Impunidade. Responsabilização. Sujeito ativo.
O presente trabalho intenta esclarecer os atuais questionamentos acerca do tema “Improbidade Administrativa”, sobretudo quanto à sua aplicabilidade aos agentes políticos.
Para que seja possível desenvolver o assunto, faz-se necessário esclarecer o que será tratado como “improbidade administrativa”, enquanto desdobramento do princípio da moralidade administrativa. Neste ponto, será ressaltado o entendimento doutrinário sobre o termo.
Posteriormente, pretende-se esclarecer a origem regulamentar do assunto, que contém matiz constitucional, sob seu viés histórico, remontando ao período do Império, passando à República e posteriores desdobramentos, em que é possível analisar criticamente a evolução legislativa sobre a matéria, inclusive é possível verificar um rigor no tratamento ao agente ímprobo.
Será analisado o tratamento do tema em matéria penal, civil e administrativa. Verificando o tratamento penal, pretende-se esclarecer o porquê não poder considerar-se a Lei de Improbidade Administrativa um diploma penal. Neste ponto, será feita uma análise sistemática com a constituição, sobretudo, com o seu artigo 37, §4º.
Também será verificada a incompatibilidade da Lei de Improbidade Administrativa com o ilícito puramente civil. Neste item será analisada a responsabilidade civil do agente público sob o parâmetro constitucional, sobre o aspecto da culpa. Será vista a possibilidade de responsabilização direta pelo particular prejudicado, bem como a possibilidade de denunciação da lide pelo Estado ao agente, de acordo com o entendimento de Humberto Theodoro Júnior.
Após analisar a independência da improbidade administrativa enquanto ilícito administrativo, passar-se-á a analisar a Lei 8.429 de forma mais detida, porém, para tanto, será necessário esclarecer o que se entende por agente público neste trabalho monográfico.
Para tanto, será detalhada cada uma das espécies, revelando o entendimento doutrinário de Maria Sylvia Zanello Di Pietro ao dividirmos o tema em: servidor público, militar, particular em colaboração e agente político.
Por fim, será tratada da aplicabilidade da Lei 8.429 aos agentes políticos em face da Lei 1.079. Neste item será demonstrado tanto o entendimento do Supremo Tribunal Federal quando do julgamento da Reclamação 2.138, quanto o entendimento maciço da doutrina e do STJ.
Atualmente, a tutela da probidade administrativa tem matiz constitucional. Como regulador da previsão constitucional, foi editada a Lei 8.429, de 1992, que passou a figurar ao lado da Lei 4.717, de 1965. Outros diplomas foram editados, como a Lei Complementar 101 e a Lei 10.028, conforme faz alusão José dos Santos Carvalho Filho.[1]
A Constituição Federal de 1988 expressamente previu o princípio da probidade administrativa em seu art. 37 e, para elidir lesões a tão importante preceito, o diploma previu como instrumentos a ação popular (art. 5°, LXXIII), a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma da lei (art. 37, §4°), e a ação penal cabível.
Em quatro circunstâncias, a Constituição Federal faz menção explícita à improbidade, tais como em seu art. 14, §9º, no art. 15, V, no art. 85 e no citado art. 37, §4º, em que se verifica que as punições elencadas ali não têm natureza penal, já o §5º prevê a imprescritibilidade do ressarcimento do erário pelo dano sofrido.
Portanto a responsabilização por atos de improbidade é irrestrita. No âmbito penal, a tutela é dada à moralidade administrativa de forma direta, pois, de forma direta, o diploma penal tutela a Administração Pública como um bem jurídico próprio, considerada a sua integridade moral e patrimonial.
A responsabilidade penal do agente público decorre da prática de crimes funcionais previstos entre os artigos 312 e 326, e entre os artigos 359-A e 359-H do Código Penal e da prática de crimes próprios descritos em leis especiais, como as figuras encontradas na Lei 8.137 e na Lei 8.666, dentre outros.
No caso de responsabilização penal do agente público, será reconhecida a sua responsabilidade civil por decorrência do art. 935 do Código Civil de 2002, vez que reconhecido no juízo penal a existência de fato criminoso e a autoria, não pode mais serem questionados os assuntos perante juízo cível; nada obstante as esferas sejam autônomas, pois do contrário, seria possibilitadas sentenças divergentes, causando insegurança jurídica.
A responsabilização penal não ensejará, por si só, a responsabilização administrativa, pois precisa haver expressa previsão de que o fato trata-se de ilícito administrativo. Se houver previsão, o reconhecimento de autoria e materialidade na esfera penal deverão ser conhecidos também na esfera administrativa.[2]
Em caso de absolvição penal, somente será afastada a condenação civil e administrativa se for pautada a sentença em negativa de autoria ou em inexistência de fato ilícito.
Caso a sentença penal absolutória seja pautada em ausência de provas, a matéria deverá ser revista tanto na instância civil quanto na administrativa, vez que há independência das esferas para conhecerem da prática de ato ilícito.
Ademais, a insuficiência de provas no âmbito penal para o fim de absolvição pode não ser reconhecida na esfera administrativa e na esfera civil, por ambas demandarem menor certeza probatória do que exige uma condenação penal, por tratar de um bem jurídico mais precioso do que a patrimônio, que é a liberdade.
O agente público, ao ser condenado, poderá sofrer a perda do cargo, função pública ou mandato eletivo em caso de a pena privativa de liberdade ser igual ou superior a um ano nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever com a Administração Pública. Nos demais casos, o agente poderá perder cargo, função ou mandato, quando a pena privativa de liberdade for superior a 4 anos, conforme dispõe o art. 92 do Código Penal.
A perda do cargo, função ou mandato eletivo, contudo, não é automática, devendo a decisão ser fundamentada pelo juiz, observada a proporcionalidade e razoabilidade da pena, conforme dispõe o parágrafo único do mesmo dispositivo penal.
Já a responsabilidade civil dos agentes públicos segue a regra da responsabilidade civil ordinária, qual seja, a responsabilização subjetiva prevista pelo art. 186 do Código Civil.
Para que seja responsabilizado civilmente, o agente público deve ter agido, ou se omitido, com dolo ou culpa, causando dano à entidade pública ou a terceiro.
A necessidade de comprovação de culpa do agente decorre da previsão constitucional sobre a responsabilidade estatal. Esta decorre de ato lícito ou ilícito que gere dano a terceiro, sem que seja demonstrada culpa, o que importa na possibilidade de, na via regressiva, o estado ser ressarcido pelo agente público que cometeu o ato culposamente ou dolosamente, conforme prevê o art. 37, §6º, da Constituição Federal.
A responsabilização civil do agente público, como ressalta Diógenes Gasparini, pode ser apurada no âmbito administrativo, observada a ampla defesa e o contraditório, conforme exige o art. 5º, LV, da Constituição Federal, ou na via regressiva, pois, conforme se depreende do texto constitucional, o agente público não tem legitimidade passiva para figurar em ação indenizatória movida pelo particular. Para Celso Antônio Bandeira de Mello, é possível tal ajuizamento, enquanto que, para Maria Sylvia Zanella Di Pietro, haveria, inclusive, falta de interesse de agir do particular, caracterizando carência de ação.
De qualquer forma, atualmente é reconhecida nos tribunais a possibilidade de denunciação da lide ao agente público responsável pelo dano que o estado se vê obrigado a reparar.
Para Humberto Theodoro Júnior, não há qualquer impossibilidade neste tocante, por não acarretar nenhum prejuízo ao autor da demanda e por ser da natureza da denunciação da lide o desdobramento da ação principal em duas, em que a segunda discute o direito de regresso do sucumbente em face do denunciado:
Se seu direito de indenização é objetivo, continua com esse caráter perante o Estado-réu. Se o direito regressivo contra o funcionário depende de culpa do servidor que praticou o ato lesivo, ao denunciante é que incumbirá o ônus da prova da culpa, durante a instrução normal do processo.O autor da ação principal não sofrerá agravo nenhum em seu ônus e deveres processuais. O direito regressivo do Estado é que restará condicionado ao fato da culpa do servidor e será acolhido se tal restar evidenciado na instrução.[3]
Seguindo este sentido, é a orientação recente do STJ sobre a possibilidade de ingressar em litígio diretamente em face do agente público:
Na hipótese de dano causado a particular por agente público no exercício de sua função, há de se conceder ao lesado a possibilidade de ajuizar ação diretamente contra o agente, contra o Estado ou contra ambos. De fato, o art. 37, § 6º, da CF prevê uma garantia para o administrado de buscar a recomposição dos danos sofridos diretamente da pessoa jurídica, que, em princípio, é mais solvente que o servidor, independentemente de demonstração de culpa do agente público. Nesse particular, a CF simplesmente impõe ônus maior ao Estado decorrente do risco administrativo. Contudo, não há previsão de que a demanda tenha curso forçado em face da administração pública, quando o particular livremente dispõe do bônus contraposto; tampouco há imunidade do agente público de não ser demandado diretamente por seus atos, o qual, se ficar comprovado dolo ou culpa, responderá de qualquer forma, em regresso, perante a Administração. Dessa forma, a avaliação quanto ao ajuizamento da ação contra o agente público ou contra o Estado deve ser decisão do suposto lesado. Se, por um lado, o particular abre mão do sistema de responsabilidade objetiva do Estado, por outro também não se sujeita ao regime de precatórios, os quais, como é de cursivo conhecimento, não são rigorosamente adimplidos em algumas unidades da Federação. Posto isso, o servidor público possui legitimidade passiva para responder, diretamente, pelo dano gerado por atos praticados no exercício de sua função pública, sendo que, evidentemente, o dolo ou culpa, a ilicitude ou a própria existência de dano indenizável são questões meritórias. Precedente citado: REsp 731.746-SE, Quarta Turma, DJe 4/5/2009.[4]
Já a responsabilização puramente administrativa do agente público, conforme afirma Diógenes Gasparini, “é a que resulta do descumprimento de normas internas da entidade a que está vinculado, da violação do correto desempenho do cargo ou da infração de regras estatutárias”[5].
A apuração do ilícito administrativo independe de condenação em qualquer outra esfera, sendo obstada somente, conforme dito anteriormente, se o agente for absolvido por falta de autoria ou materialidade delitiva, no mesmo ato, perante a esfera penal.
Há de ser ressaltado que, por vezes, a esfera penal exige outros elementos que não exigem a esfera administrativa para a configuração do ilícito, por aplicação do princípio da fragmentariedade do direito penal e da ultima ratio.
A apuração da falta administrativa ocorrerá em processo administrativo, conforme determina a Lei 8.112 (na esfera federal), devendo ser dirigido por uma comissão constituída por servidores estáveis, dentre eles, será um escolhido o presidente, o qual deverá ter, ao menos, o mesmo grau hierárquico, ou ter o mesmo grau de escolaridade do acusado.
A penalidade aplicada poderá ser de advertência, suspensão, demissão cassação de aposentadoria ou disponibilidade, destituição de cargo em comissão e destituição de função comissionada, levando-se em conta a gravidade da infração praticada e os danos que possa ter causado ao serviço, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes funcionais.
Durante o processo administrativo disciplinar, pode ser interessante o afastamento do servidor público para o bom andamento das investigações, o qual poderá ter prazo de até 60 dias, prorrogável por igual prazo e sem prejuízo de remuneração, conforme dispõe o art. 147 da Lei 8.112.
Além das três formas de responsabilização, há a responsabilização decorrente da Lei de Improbidade Administrativa, tema central do presente estudo. Para que ela possa ser detalhadamente estudada, é importante perquirir a natureza jurídica do ato de improbidade administrativa nela tratado.
A doutrina majoritária tem reconhecido que a Lei de Improbidade Administrativa cuida do ato de improbidade sob o viés civil-administrativo.
Não poderiam ser tratadas como ilícito penal, vez que carecem de tipicidade as condutas ali elencadas, bem como não podem caracterizar ilícito político-administrativo, ao contrário do que pretende afirmar pequena parte da doutrina e da jurisprudência.
Caso o entendimento seja de que a Lei 8.429 traz tipificação de ilícito político-administrativo, ficaria incompatibilizada a sua aplicação conjunta com a Lei 1.079 aos agentes políticos, vez que esta seria especial no tratamento de ilícitos políticos-administrativos para estes enquanto sujeitos ativos.
Sobre a impossibilidade de dar tratamento político-administrativo à Lei 8.429, ensina o Ministro Joaquim Barbosa:
[...] a ação de improbidade administrativa tem natureza civil, segundo o art. 37, § 4º da CF/88, e conforme já afirmado por esta Corte na ADI 2.797, rel. min. Sepúlveda Pertence. Não me parece, portanto, que seja possível equiparar as condutas e as sanções descritas na lei 8.429/1992 a crimes de responsabilidade, sujeitos a critérios e condições diversos do pretendido pela lei de improbidade. A meu sentir, a pretensa equiparação de condutas e sanções previstas na lei de improbidade a crimes de responsabilidade esvazia por completo o evidente caráter moralizador da lei 8.429/1992, restringindo seu alcance e aplicação. Afinal, a lei estabelece sanções “aos agentes públicos no caso de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional”, sem prejuízo das sanções penais cabíveis. Em outros termos, o agente público passa a estar sujeito a outras espécies de sanção, de caráter penal.[6] (sem grifos no original)
Por outro lado, o eminente ministro esclarece que a intenção da Lei 1.079 é intimamente política: ela visa lançar no ostracismo o agente político faltoso com a Administração pública, pois as suas ações configuram um risco para o estado, principalmente se praticadas pelo Presidente da República.
Por conta deste interesse peculiar, somente são aplicadas duas sanções decorrentes da Lei 1.079, como a perda do cargo político e impedimento de exercício de funções públicas por até oito anos, sem que se possa falar em suspensão dos direitos políticos, indisponibilidade de bens, sequestro e ressarcimento ao erário.
O voto do Ministro Sepúlveda Pertence, por esclarecer definitivamente a natureza jurídica do ato de improbidade tratado na Lei 8.429, merece destaque:
A ação de improbidade administrativa é uma ação civil: evidencia-o o art. 37, § 4º, da Constituição, ao explicitar que as sanções que comina à improbidade administrativa serão impostas “sem prejuízo da ação penal cabível”. [...] É verdade, no tocante à improbidade administrativa, que a inclusão constitucional, entre as sanções a ela cominadas, da suspensão dos direitos políticos e da perda da função pública tem induzido a relevar a similitude da ação respectiva, não com o processo penal por crimes comuns, mas sem com a persecução dos crimes de responsabilidade” e daí a tese de que a competência constitucional para julgar esses últimos haveria de estender-se ao processo e julgamento da ação de improbidade administrativa. [7]
Portanto, verifica-se que o ato de improbidade administrativa tem nítido caráter cível, trata-se de ilícito civil-administrativo.
2.1 DOS SUJEITOS ATIVOS DE ATO DE IMPROBIDADE
Os sujeitos ativos de ato de improbidade administrativa são aqueles indicados pelo art. 1º, caput e parágrafo da lei em questão. Diante de um rol tão amplo, verifica-se que o legislador pretendeu alcançar todas as pessoas que possam prejudicar o interesse público em uma administração proba, englobando tanto os agentes públicos, quanto particulares.
Para que se compreenda quem é agente público, termo sempre tão controvertido na doutrina, a lei o definiu no seu art. 2º, para efeitos da aplicação da Lei 8.429, como sendo aquele “que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas” no artigo 1º, caput e parágrafo único.
Para José dos Santos Carvalho Filho, a norma tem que de ser aplicada restritivamente aos efeitos da lei, vez que foge ao conceito comum de agente público, pois, para o autor, é necessário haver vínculo jurídico formal entre o estado e a pessoa física.[8]
O autor ressalta que, tecnicamente, ao seu ver, os empregados de empresas públicas e sociedades de economia mista, bem como as entidades beneficiadas por auxílio e subvenção estatal não são agente públicos, mas assim devem ser considerados para efeitos da Lei de Improbidade Administrativa, por haver expressa determinação legal.[9]
O autor faz importante ressalva ao destacar que os empregados de permissionária de serviço público e concessionárias de serviço público, por considerar que, embora exerçam atividade delegada pública, não se enquadram nos moldes da lei, já que o estado não as destina benefícios, subvenções ou auxílios, por serem remuneradas por tarifas pagas pelos usuários do serviço.
Genericamente, com a inclusão da Emenda Constitucional 18/1998, ficou claro que há quatro espécies de agentes públicos, prestadores de serviço à Administração Pública, pois o art. 37 engloba os agentes políticos, os servidores públicos, os militares e os particulares em colaboração com o Poder Público.
Como observa Maria Sylvia Zanella Di Pietro, a Constituição Federal de 1988 nominou a seção II do capítulo referente à Administração Pública (Capítulo VII) com a expressão “Servidores Públicos” para se referir às pessoas que trabalham na Administração Pública direta e indireta; já a seção III do mesmo capítulo é referente aos militares dos estados, Distrito Federal e territórios. Em outros capítulos, há referência aos que exercem função pública, como a legislativa e jurisdicional e ainda há as pessoas que atuam sem vínculo empregatício com o estado[10].
Maria Sylvia Zanella Di Pietro conclui que, embora a seção II refira-se a servidor público como aquele que presta serviço à Administração Pública direta e autarquias e fundações, dentre os agentes públicos, servidor público é todo aquele que presta serviços à Administração Pública direta e indireta, pois a seção I refere-se a servidor público desta forma, o que inclui também os que prestam serviços a empresas públicas e a entidades de economia mista.[11]
A categoria dos servidores públicos compreende, portanto, os servidores estatutários, os empregados públicos e os servidores temporários.
Os servidores estatutários ficam submetidos ao regime estatutário, já os empregados públicos são contratados em conformidade com a legislação trabalhista. Os temporários têm regime jurídico especial.
A renomada autora destaca que se enquadram como servidores públicos todos os que ocuparem cargo e estiverem sob o regime estatutário, englobando, portanto, os membros da Magistratura, do Ministério Público, da Advocacia Pública e da Defensoria Pública. Estes têm atribuições constitucionais, mas as exercem mediante vínculo empregatício, não devendo ser enquadrados como agentes políticos, tema de muita controvérsia na doutrina e jurisprudência, como será visto a seguir.[12]
Diferente é o entendimento esposado por Hely Lopes de Meirelles, que expos que “servidor público, em sentido estrito são os titulares de cargo público efetivo e em comissão, com regime jurídico estatutário geral ou peculiar e integrantes da Administração direta, das autarquias e das fundações públicas com personalidade de Direito Público”.[13] Para este, portanto, não há que se falar em servidor público prestando serviços a empresas públicas e entidades de economia mista; devendo estes ser denominados empregados públicos.
Os militares são os componentes das Forças Armadas, das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros Militares dos Estados, Distrito Federal e Territórios. Eles possuem vínculo estatutário com a Administração Pública, vez que se submetem a regime jurídico próprio, definido por lei própria dos militares. Antes da Emenda Constitucional 18 de 1998, eram enquadrados como espécie de servidores públicos, eram denominados servidores militares. Atualmente, têm nítida feição de espécie de agentes públicos.[14]
Já os particulares em colaboração com o Poder Público são pessoas físicas que não possuem vínculo empregatício com o Estado; embora prestem serviço a este, não são remunerados diretamente pelos cofres públicos.
Dentre as possibilidades existentes de colaboração, há como espécie, a delegação do Poder Público, em que os particulares atuam em seu próprio nome, sem vínculo empregatício e sob a fiscalização do Poder Público concedente, como os notários, registradores e empregados de empresas concessionárias e permissionárias de serviço público. Igualmente, há a requisição, nomeação ou designação quando a função pública é relevante, sem vínculo empregatício e sem remuneração, como os jurados, os convocados do serviço militar e eleitoral; bem como há os gestores de negócios, pessoas que voluntariamente assumem funções públicas com momentos de emergência, segundo os dizeres de Maria Sylvia Zanella Di Pietro[15].
Para Hely Lopes de Meirelles, os agentes políticos são autoridades máximas dos Poderes investidos em cargos, funções, mandatos ou comissões, por meio de nomeação, eleição designação ou delegação. Sendo independentes nos assuntos de sua competência, os agentes políticos, para o saudoso autor, sujeitam-se apenas aos graus e limites constitucionais, e ficam a salvo de responsabilização civil por erros de atuação, salvo se comprovada culpa grosseira, má-fé ou abuso de poder.[16]
Para Celso Antônio Bandeira de Mello, agente político é aquele que titulariza cargos estruturais da organização política do país, sendo somente o Presidente da República, os Governadores, os Prefeitos e os respectivos auxiliares, como os ministros de estados, os ministros de governo e os secretários; inclui também os Senadores, Deputados e Vereadores no rol. Portanto, o autor entende como agente político apenas aqueles que exercem cargos eletivos e seus agentes nomeados.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro prefere esta segunda definição, por considerar que agente político é indissociável ao conceito de governo, pois exerce função política como sua atividade preponderante.[17]
A autora contrapõe-se ao pensamento de Hely Lopes Meirelles ao defender que as funções políticas ficam a cargo do legislativo e do executivo, não havendo que se falar no seu exercício pelo Poder Judiciário, “pois a sua função se restringe, quase exclusivamente, à atividade jurisdicional sem grande poder de influência na atuação política do Governo, a não ser pelo controle a posteriori”.[18] Defende o mesmo em relação aos membros do Tribunal de Contas e do Ministério Público.
Portanto, para parcela dominante da doutrina, não basta que o agente tenha suas atribuições definidas pela Constituição Federal para que seja um agente político, precisa, necessariamente, exercer atividade de governo e mandato.
Parcela dos agentes políticos é investida por meio de eleição, enquanto outra parcela é de livre escolha do Chefe do Poder Executivo por meio de nomeação, assim, o vínculo jurídico estabelecido com o ente estatal não é, em regra, profissional, encontrando-se submetido a um vínculo de confiança, seja dada pelo eleitor ou pelo diretamente eleito.
Em contraposição ao entendimento de que agente político é quem executa função governamental (conforme os ensinamentos de Celso Antonio Bandeira de Mello e Maria Sylvia Zanella Di Pietro), vem sido sufragado na jurisprudência que os membros do Ministério Público e da Magistratura são verdadeiros agentes políticos, como entende Hely Lopes Meirelles.[19]
A tendência desta classificação em relação aos magistrados decorre do fato de exercerem parcela da soberania do Estado, vez que dizem o direito em última instância[20], embora não profiram decisões governamentais e decidam com base na lei, bem como têm suas decisões, prioritariamente, vinculadas, o que não poderia ser compatível com decisões políticas, pautadas na conveniência e oportunidade.
Neste sentido foi o voto do Ministro Néri da Silveira, no julgamento do Recurso Extraordinário 228.977- SP:[21]
[...] a autoridade judiciária não tem responsabilidade civil pelos atos jurisdicionais praticados. É que, embora seja considerada um agente público – que são todas as pessoas físicas que exercem alguma função estatal,em caráter definitivo ou transitório -, os magistrados se enquadram na espécie agente político. Estes são investidos para o exercício de atribuições constitucionais, sendo dotados de plena liberdade funcional no desempenho de suas funções, com prerrogativas próprias e legislação específica, requisitos, aliás,indispensáveis ao exercício de suas funções decisórias. É o que elucida o saudoso Hely Lopes Meirelles, em sua obra “Direito Administrativo Brasileiro”. [...] Tais agente, portanto, não agem em nome próprio, mas em nome do Estado, exercendo função eminentemente pública, de modo que não há como lhes atribuir responsabilidade direta por eventuais dano causados a terceiros no desempenho de suas funções. Com efeito, o magistrado, ao outorgar a prestação jurisdicional, atuou em nome do Estado-Juiz, exercendo a atribuição que lhe hora importa constitucionalmente.
Quanto aos membros do Ministério Público, a tendência de incluí-los no rol dos agentes políticos justifica-se pelas funções atribuídas constitucionalmente a eles; Maria Sylvia Zanella Di Pietro reconhece que a função de zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados constitucionalmente, devendo promover as medidas necessárias para garanti-los, é um grande indicativo de que a nova classificação deve ser considerada correta, embora sejam, assim como os magistrados, submetidos a estatutos jurídicos próprios.[22]
3. DA APLICABILIDADE DA LEI 8.429 AOS AGENTES POLÍTICOS
A questão da aplicabilidade da Lei 8.429 aos agentes políticos foi levada ao STF por meio da Reclamação Constitucional 2.138.
O então ministro Nelson Jobim sustentou que seria incabível a aplicação do referido diploma normativo por entender que os atos de improbidade administrativa seriam correspondentes aos crimes de responsabilidade, tratados pela Lei 1.079.
O eminente ministro entendeu que os agentes políticos são autoridades que gozam de regime especial para a responsabilização por atos de improbidade administrativa, devendo ser julgados pelo próprio STF e não pelo juízo de primeiro grau, como determina a Lei 8429:
Não tenho dúvida de que esses agentes políticos estão regidos por normas próprias. Tudo decorre da peculiaridade do seu afazer político. Todos aqueles que têm alguma experiência da vida política conhecem os riscos e as complexidades que envolvem as decisões que rotineiramente são tomadas pelos agentes políticos. Submeter essas decisões aos paradigmas comuns e burocráticos que imperam na vida administrativa de rotina é cometer uma grotesca subversão. O texto constitucional não autoriza. [...] Não é por acaso que a Constituição define, claramente, os agentes que estão submetidos a um regime especial de responsabilidade, como é o caso dos ministros de Estado. [...] Ademais, praticamente todos esses delitos políticos-administrativos configuram igualmente crimes comuns, podendo ser devidamente perseguidos na esfera penal perante os tribunais competentes.[23]
O voto deste foi seguido por mais cinco ministros (Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Maurício Correa e Ilmar Galvão) e foi o vencedor.
Portanto, infere-se que é por conta da previsão explícita da Constituição Federal de 1988, quanto à perda da função pública, que foi entendido ser impossível submeter certos agentes públicos à perda da função em decorrência de ilícito administrativo reconhecido por ação de improbidade administrativa[24].
Carlos Veloso sustentou uma parcial divergência ao afirmar que a Lei 8.429 aplica-se também aos agentes políticos, a menos que a sua conduta estivesse caracterizando crime de responsabilidade, tratado por lei especial, o que constituiria, em tese, uma relação de subsidiariedade entre a Lei 8.429 e a Lei 1.079.
Desta forma, as duas correntes que surgiram no julgamento da reclamação constitucional foram em prol da prejudicialidade da Lei 1.079 para o enquadramento de agentes políticos na Lei 8429.
A primeira, então majoritária, afirma que há total absorção pela Lei 1.079, devendo esta ser a única lei aplicável aos agentes políticos; e a segunda, sustentada por Carlos Veloso, que afirma que a Lei 8.429 apenas poderá ser aplicada quando não houver configuração de crime de responsabilidade.
Adotando-se uma corrente ou outra, houve esvaziamento da Lei 8.429, pois ambos os raciocínios mitigam a previsão constitucional, que em 1988, quis dar um tratamento rigoroso à tutela da probidade administrativa, prevendo as mais variadas formas de responsabilidade, como a criminal, a político-institucional, administrativo e eleitoral.
O art. 37, § 4, deixou clara a intenção do constituinte em multiplicar a responsabilização daquele que lesar o interesse público, o que é reforçado pelo art. 52, parágrafo único, que faz menção que as demais sanções serão aplicadas, sem prejuízo do impeachment.
Segundo Alexandrino e Paulo:
“É mister ressaltar o alcance da supracitada orientação do Pretório Excelso: a Lei 8.429/1992 é aplicável aos agentes públicos, de forma abrangente, inclusive aos agentes políticos que não estejam sujeitos aos regime de crime de responsabilidade, caso, por exemplo, dos parlamentares de um modo geral. Exclusivamente os agentes políticos que se submetam ao regime de crime de responsabilidade é que não estão sujeitos à Lei 8429/1992.”[25]
A doutrina, em quase sua inteireza, custa a se posicionar a favor do entendimento da Suprema Corte, vez que o entendimento em questão reconheceu uma espécie de exclusividade punitiva aos agentes políticos, o que vai de encontro com todo o sistema normativo e os princípios da República.[26]
Por faltar tipicidade aos ditos crimes de responsabilidade, previstos na Lei 1.079, prevalece na doutrina que constituem infrações políticas-administrativas. As condutas descritas estão direcionadas ao exercício da atividade política do administrador, assim, a Lei 1.079 direciona-se ao Presidente da República, aos Ministros de Estado, aos Governadores, aos Secretários de Estado, ao Procurador Geral da República e aos Ministros do Supremo Tribunal Federal. Os Prefeitos e Vereadores ficam sujeitos ao Decreto-lei 201, que trata, também, da responsabilização política-administrativa.
Portanto, as condutas definidas na Lei 1.079, embora denominadas “crimes de responsabilidade”, tratam de infrações políticas-administrativas. A sua tipicidade é destinada a uma causa própria, como reflexo dos valores eleitos pelo art. 85 da Constituição Federal, quais sejam: a existência da União; o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação; o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais a segurança interna do país; a probidade na administração; a lei orçamentária; o cumprimento das leis e das decisões judiciais.
Enquanto esta é direcionada para a atuação governamental, a Lei 8.429 é direcionada para a atuação administrativa. Assim, é evidente que quando o inciso V do art. 85 da Constituição Federal recepciona a Lei 1.079, ele o faz com um viés governamental. A improbidade administrativa tem de ser tutelada tanto na função governamental, quanto na função administrativa.
Deve-se considerar que a Lei 1.079 trata de atos genuinamente políticos, considerados estes como aqueles dotados de autonomia e que têm uma convivência harmônica com os demais Poderes constituídos.[27] Infere-se da modalidade de sanção a sua natureza, entre elas há a restrição da capacidade eleitoral ativa e passiva e o abandono do cargo, emprego ou função, o que denota a intenção de repelir da Administração Pública o mau governante, o mau político.
Embora os destinatários da Lei 1.079 sejam agentes políticos, é plenamente inteligível que estes praticam atividades administrativas além de atividades governamentais. Estes são atos praticados com fulcro na Constituição Federal e são dotados de discricionariedade, enquanto os outros são praticados para a gestão administrativa, em conformidade com a lei, portanto, essencialmente vinculados.
Os ensinamentos do Mestre Luiz Henrique Boselli de Souza[28] revelam que:
[...] não há relação de prevalência ou de uma cogitada prejudicialidade (aqui entendida em um sentido menos técnico) entre as condutas atribuídas em qualquer um desses diplomas legais, quando considerados entre si, pois cada um deles tem um campo próprio de atuação, assim como tem sido reconhecido em relação à convivência harmoniosa entre os crimes de responsabilidade e os ditos crimes comuns, quando imputados ao mesmo agente político, conforme entendimento já pacificado em sede doutrinária e jurisprudencial, ao admitir a tramitação de processos simultâneos sob essa última perspectiva considerada, sem que isso importe em dupla punição.
O mesmo autor cita como exemplo da possibilidade de aplicação conjunta dos diplomas legais na tutela da lei orçamentária: enquanto o art. 10, V e XI, a Lei 8.429 trata do descumprimento de práticas administrativas exigidas por lei, o art. 10 da Lei 1.079 cuida de dar proteção ao instrumento previsto constitucionalmente diante de práticas políticas.[29]
A harmonia entre os dispositivos implica em justaposição da responsabilização política e a responsabilização civil-administrativa da Lei 8.429.
A inaplicabilidade da Lei 8.429 aos agentes políticos por já haver explícita menção sobre a perda da função, como foi sustentado no julgamento da ADI 3.128 não procede pois, segundo Dirley da Cunha Junior:[30]
Em nenhum momento a Constituição restringiu os casos de perda do mandado ou cargo ou qualquer outra função pública destes agentes políticos às hipóteses previstas nos arts. 55 (para parlamentares) e 52, I e II (para Presidente da República, Vice-Presidente, os Ministros de Estado e Comandantes Militares – estes dois quando conexos com o Presidente – os Ministros do STF, o AGU e o PGR). Nesses casos, simplesmente limita-se a Constituição a afirmar que os aludidos agentes políticos perderão os mandatos ou cargos ou funções. E não que só perderão nesses casos especificados.
Outro argumento que corrobora com esta tese é que há, além de sanções, procedimentos e julgamento peculiares a cada sistema punitivo.
Ocorre que o crime de responsabilidade é julgado pelo próprio órgão legislativo, já que se trata de decisão política, discricionária sobre a extirpação ou não do agente desqualificado para exercer função política[31], salvo no caso do art. 102, I, c; art. 105, I, a; e art. 108, I, a, todos da Constituição Federal (pois possuem procedimento específico).
É entendimento claro na doutrina de que há possibilidade de aplicação conjunta dos regimes próprios de responsabilização, nos dizeres de Guilherme Feler de Paula Fraga:
[...] cada espécie infracional perfaz um escopo sancionatório autônomo, sendo que os agentes políticos, por não se encontrarem submetidos ao princípio da hierarquia às sanções de natureza disciplinar, não respondem no âmbito exclusivamente administrativo, mas sim no campo político-administrativo – aqui incidem os crimes de responsabilidade. Os atos de improbidade vertem regime diverso e independente de responsabilização, dotado do fim institucional singular, qual seja, tutelar a probidade na Administração Pública, diferentemente do que ocorre no campo político-administrativo, onde se busca garantir aplicabilidade e eficácia da Constituição.[32]
Outro argumento interessante a ser destacado é de Wallace Paiva Martins Junior, que aponta como lícita a cumulação de sanções de ambas as leis em razão, também, de suas eficácias iniciais. Afirma que a extinção do mandato, por meio de renúncia, aposentadoria, ou término, não impede a aplicação das imposições da Lei 8.429, nem mesmo se houver a rejeição do processo político-administrativo.[33]
Deve-se destacar, para afastar a tese esposada no julgamento da Reclamação Constitucional citada acima, que a sua fixação importaria em “preservação no patrimônio privado do agente político bens adquiridos ilicitamente por enriquecimento ilícito e alforriar esse mesmo patrimônio de responder pelo ressarcimento de dano causado ao erário, por exemplo”.[34] Esta possibilidade decorre do fato de que a Lei 1.079 não prevê perda de bens e valores, como prevê a Lei 8.429; consta como punição somente sanções relacionadas à função política, como a perda do cargo e a inabilitação temporária para o exercício de qualquer função pública.
A impunidade seria perpetuada ao reconhecer que somente a Lei 1.079 pode ser oposta ao agente político, vez que, para tal lei, a denúncia somente pode ser recebida enquanto o denunciado não tiver deixado o cargo, o que não foi previsto pela Lei 8.429, que apenas reconhece como vedação ao não recebimento o advento da prescrição.[35]
A tese de inaplicabilidade da Lei 8.429 não se sustenta nem em relação ao presidente de República, sob o argumento que a sanção deve ser sempre aplicada pela instância político-administrativa, pois, como dito anteriormente, decorre do regime republicano a responsabilidade sem comportar imunidade a certos agentes.
Se a imunidade fosse uma opção da constituição, ela assim teria previsto, pois deveria excepcionar a sua própria previsão de responsabilidade por ato de improbidade administrativa.
Outra grave consequência da não aplicabilidade da Lei 8.429 aos agentes políticos é a violação da isonomia sob o enfoque da isenção de responsabilização de terceiro não integrante da Administração Pública que age em conluio com agente político, vez que a Lei 1.059 não trata sobre ele, ficando submetido apenas às regras ordinárias do ordenamento penal, ao passo que a Lei de Improbidade Administrativa incide diretamente sobre ele, submetendo-o integralmente a ela.[36]
O entendimento doutrinário vem sendo corroborado por precedentes do STJ quanto à sujeição de governador de estado à Lei 8.429, que indicam que agentes políticos podem ser responsabilizados por atos de improbidade administrativa.
O Colendo Tribunal, com a missão de uniformizar a interpretação de normas federais, expõe que:
[...] esta Corte Superior admite a possibilidade de ajuizamento de ação de improbidade em face de agentes políticos, em razão da perfeita compatibilidade existente entre o regime especial de responsabilização política e o regime de improbidade administrativa previsto na Lei n. 8.429/92, cabendo, apenas e tão-somente, restrições em relação ao órgão competente para impor as sanções quando houver previsão de foro privilegiado ratione personae na Constituição da República vigente. (REsp 1282046/RJ, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 16.2.2012, DJe 27.2.2012).
Este posicionamento também deverá ser verificado no STF quando se manifestar novamente sobre o assunto, vez que teve sua composição alterada em sua quase completude desde sua última manifestação.
Ao fim deste trabalho, uma série de conclusões é possível. Inicialmente, verifica-se que o tema da improbidade administrativa é de grande relevo no cenário atual do Direito Administrativa brasileiro, ao ser analisado pelo viés constitucional.
A importância dada ao tema decorre da isonomia buscada em uma república e por a administração do Estado brasileiro estar ainda em transição entre o controle apriorístico de legalidade de seus atos, típico de um estado extremamente burocratizado, e o controle posterior, que encontra como mecanismos fortes sistemas de repressão, como os trazidos pela Lei de Improbidade Administrativa de 1992.
Analisou-se a possibilidade de responsabilização do agente político por ato de improbidade administrativa, pela Lei 8.429. Verificou-se que não há compatibilidade entre o entendimento da doutrina majoritária com o entendimento atual esposado pelo Supremo Tribunal Federal.
Este entende que há incompatibilidade entre certos agentes políticos e a Lei de Improbidade Administrativa por terem como diploma normativo neste assunto a Lei 1.079, a qual foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988, é o que se depreende do julgamento da Reclamação Constitucional 2.138.
Já a doutrina não se coaduna com tal posicionamento, com o que corrobora o STJ. Para a doutrina e para este tribunal, há plena compatibilidade da Lei 8.429 com os agentes políticos, por diversas razões.
Primeiro, a Lei 1.079 não trata de ilícito administrativa e sim de ilícito político. O agente político, embora atue em atividades governamentais, pode desenvolver atividades administrativas e quanto a estas, ele deve responder por improbidade administrativa assim como os demais agentes públicos respondem.
Como outro fundamento para a aplicabilidade da Lei 8.429 aos agentes políticos há que a Lei 1.079 apenas traz dois tipos de consequências da condenação por ilícito político, a inelegibilidade e a perda dos direitos políticos, portanto, somente traz sanções de cunho político. O que é plenamente compatível com a aplicabilidade de sanções administrativas, como o ressarcimento ao erário, a aplicação de multas e a proibição de contratar com a Administração Pública.
Por estas razões, conclui-se que o tema ainda é dotado de inúmeras divergências jurisprudenciais e doutrinárias e, diante da alteração da composição da Suprema Corte, novos entendimentos devem estar por vir.
Resta aos estudiosos do Direito Administrativo esperar pelas mudanças interpretativas deste Tribunal para que não seja, de maneira alguma, esvaziado o rigor pretendido pela norma constitucional do artigo 37, §4º.
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[1] FILHO, José dos Santos Carvalho. Op. cit. 2010, p.1168.
[2] GASPARINI, Diógenes. Op. cit., p. 240.
[3] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de processo civl, 2012, p. 146.
[4] REsp 1.325.862-PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 5/9/2013.
[5] GASPARINI, Diógenes. Op. cit., 2011, p. 242
[6] Reclamação constitucional n. 2.138; Distrito Federal; Relator: Min. Nelson Jobim; DJe-070; divulgação em 17/04/2008; publicação em 18/04/2008.
[7] ADIN 2797. Relatório de Sepúlveda Pertence. Julgamento em
15/09/2005. DJ 19/12/2006.
[8] FILHO, José dos Santos Carvalho. Op. cit., 2010, p. 1172.
[9] Ibidem, 2010, p. 1173.
[10] PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Op. cit., 2012, p. 582.
[11] PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Op. cit. 2012, p. 580 e 583.
[12] Ibidem, 2012, p. 587
[13] MEIRELLES, Hely Lopes de. Direito administrativo brasileiro, 2009, p. 418.
[14] PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Op. cit., 2012, p. 581
[15] Ibidem, 2012, p. 589.
[16] MEIRELLES, Hely Lopes. Op. cit., 2009, p. 78
[17] PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Op. cit., 2012, p. 582
[18] Ibidem, 2012, p. 583.
[19] MEIRELLES, Hely Lopes. Op. cit. 2009, p.418
[20] Idem.
[21] RE 228977 / SP - São Paulo. Relator: Min. Néri da Silveira. Julgamento: 05/03/2002. Órgão Julgador: Segunda Turma.
[22] PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Op. cit., 2012, p. 583
[23] Reclamação constitucional n. 2.138; Distrito Federal; Relator: Min. Nelson Jobim; DJe-070; divulgação em 17/04/2008; publicação em 18/04/2008.
[24] FRAGA, Guilherme Feler de Paula. Do alcance da lei de improbidade administrativa aos agentes políticos, 2009, p. 42.
[25] ALEXANDRINO, Marcelo et al. Op. cit. , p. 897.
[26] NETO, Francisco Chaves dos Anjos. Da plena compatibilidade da aplicação da Lei n. 8.429/92 aos agentes políticos: insustentabilidade da tese contrária, 2008, p. 69.
[27] NETO, Francisco Chaves dos Anjos. Op. cit., 2008, p. 70.
[28] NETO, Francisco Chaves dos Anjos. Op. cit., 2008, p. 71.
[29] Ibidem, 2008, p. 72.
[30] JUNIOR, Dirley da Costa. Curso de direito administrativo, 2007, p. 283.
[31] FRAGA, Guilherme Feler de Paula. Op. cit., 2009, p.45
[32] Ibidem, 2009, p. 45
[33] JUNIOR, Wallace Paiva Martins. Improbidade Administrativa, agente políticos e foro privilegiado, 2005, p. 118.
[34] Ibidem, 2005, p. 120
[35] FRAGA, Guilherme Feler de Paula. Op. cit., 2009, p. 47.
[36] Idem.
Advogada graduada pela Universidade Estadual de Maringá, Pós-graduada em Direito Público pela Universidade Católica Dom Bosco.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LIBERATTI, Giovana de Oliveira. Os sujeitos ativos de atos de improbidade administrativa e a responsabilidade do agente político Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 mar 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38758/os-sujeitos-ativos-de-atos-de-improbidade-administrativa-e-a-responsabilidade-do-agente-politico. Acesso em: 23 dez 2024.
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